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BASES-SOCIO-ANTROPOLÓGICAS-DOS-AFRODESCENTES

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CURSO GRADUAÇÃO PEDAGOGIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BASES SÓCIO-ANTROPOLÓGICAS DOS AFRODESCENDENTES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 VOTUPORANGA – SP 
 
SUMÁRIO 
1. O QUE É CULTURA? ....................................................................................................... 4 
2. AS DIVERSIDADES CULTURAIS ................................................................................ 11 
3. CULTURA E DIVERSIDADE ......................................................................................... 15 
Diversidade cultural ....................................................................................... 17 
Diversidade cultural no Brasil ................................................................... 18 
A convivência com as diferenças .............................................................. 21 
4. POLÍTICAS PÚBLICAS EM DEFESA DA PLURALIDADE CULTURAL .............. 24 
Políticas Públicas e as relações Étnico-Raciais....................................... 26 
Estatuto da Igualdade Racial ..................................................................... 28 
5. RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL .............................................................. 39 
Significado da expressão étnico-racial ..................................................... 39 
Preconceito e racismo ................................................................................ 41 
Lutas e Conquistas: trajetória do movimento negro brasileiro .............. 42 
6. TERMOS E CONCEITOS PRESENTES NO DEBATE SOBRE RELAÇÕES 
RACIAIS .................................................................................................................................... 44 
Identidade .................................................................................................... 45 
Identidade negra ......................................................................................... 45 
Raça ............................................................................................................. 46 
Etnia ............................................................................................................. 46 
Racismo ....................................................................................................... 47 
Etnocentrismo ............................................................................................. 48 
Preconceito racial ....................................................................................... 48 
Discriminação racial ................................................................................... 49 
Democracia racial ....................................................................................... 49 
7. INTRODUÇÃO À HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA ........................................... 50 
A África pela Diáspora ................................................................................ 50 
8. EM SALA DE AULA ........................................................................................................ 54 
9. IDENTIDADES EM CONTRAPONTO: DA TESE DA INFERIORIDADE À 
PIRÂMIDE INVERTIDA ........................................................................................................... 55 
10. ÁFRICA NO PLURAL ................................................................................................. 60 
11. COMO PODEMOS ESTUDAR A HISTÓRIA DA ÁFRICA? ................................. 63 
12. FONTES ORAIS ........................................................................................................... 65 
 
13. FONTES ARQUEOLÓGICAS E BENS CULTURAIS ................................................. 67 
14. FONTES ESCRITAS, MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS E ICONOGRÁFICAS69 
15. CULTURA AFRO-BRASILEIRA ............................................................................... 71 
16 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 76 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1. O QUE É CULTURA? 
 
 
Fonte: www.tandemmadrid.com 
 
Uma pergunta retorna sempre e tem se mostrado de difícil resposta: o que 
constitui, então, a natureza humana? Gradualmente, observa Lenski, 
começamos a perceber de forma um pouco mais clara isso que chamamos de 
“natureza humana”. Com as descobertas relativamente recentes do DNA, RNA, 
do código genético e de todas as pesquisas biológicas atuais, é possível 
entender um pouco melhor o que influencia nossa maneira de ser e de agir. 
Dessa forma, “muitos cientistas sociais consideram que o termo natureza 
humana não se refere ao que é mais específico do comportamento humano – 
como as pessoas se vestem, como casam, o que comem, como enterram seus 
mortos, como praticam suas crenças. Esses são costumes socialmente 
determinados e que variam intensamente.” Consequentemente, o termo 
natureza humana tende a ser utilizado mais em relação a tendências básicas 
enraizadas em nossa herança genética comum e que, portanto, independem do 
que é específico de cada sociedade e dos comportamentos que as pessoas 
aprendem no ambiente social em que vivem. 
 
Nessa perspectiva, o termo “natureza humana” estaria referenciado às 
“necessidades biológicas básicas do ser humano, à sua motivação 
geneticamente programada para satisfazê-las, à sua dependência, 
geneticamente baseada, de sistemas socioculturais e, também, ao seu potencial, 
geneticamente estabelecido para a construção cultural”. 
 
 
Fonte: sociologiacta.blogspot.com.br 
 
Para acentuar a diferença que distingue os humanos do resto do mundo 
animal, os antropólogos buscaram vincular o termo cultura ao conceito de 
“símbolos”. Podemos garantir tudo que é fundamental em uma definição de 
cultura se a consideramos como “os sistemas de símbolos da humanidade e 
todos os aspectos da vida humana que deles dependem”. De um modo geral 
esse é o aspecto que mais nos distingue de todos os outros seres vivos. Mas o 
que são “símbolos” e “sistemas de símbolos”? 
Lenski esclarece que todos os mamíferos são capazes de comunicar com 
outros de sua espécie e o fazem através de “sinais”. Só os humanos, no entanto, 
usam “símbolos” tanto quanto “sinais”. Símbolos e sinais são veículos de 
transmissão de informação. Mas há uma fundamental diferença: o significado de 
um sinal é amplamente determinado de forma genética, é uma resposta 
geneticamente determinada por um estímulo específico. Um exemplo clássico 
de um sinal é o grito de dor emitido por um animal ferido. Outro membro do grupo 
 
responde instintivamente a esse som ou pode aprender através da observação 
e experiência a associá-lo com os humores e ações dos demais membros de 
seu grupo. E, com isso, ele pode ajustar o seu comportamento. Os sinais são 
extremamente úteis para ordenar as relações sociais entre os membros de um 
grupo. 
Os animais aprendem a associar experiências e por meio de sinais 
comunicam aos outros de sua espécie, informações essenciais – como uma 
ameaça de perigo – através de movimentos do corpo, secreções glandulares ou 
outros métodos e suas combinações. Em geral, no entanto, os sinais são muito 
limitados em seu poder de comunicação. Os símbolos, em contraste, como não 
são condicionados geneticamente, são flexíveis e podem ser modificados 
facilmente. Pense na história de qualquer linguagem. Símbolos linguísticos 
foram modificados ao longo dos tempos enquanto seus significados 
permaneceram os mesmos e vice-versa. Isso ocorre porque os significados dos 
símbolos são atribuídos pelos grupos sociais de maneira arbitrária, adotados 
pelos seus membros e, portanto, não estão submetidos a regras previamente 
definidas e podem modificar-se com o tempo e as circunstâncias. 
 
 
Fonte: www.cultura.pe.gov.br 
 
 
A invenção da escrita, por exemplo, significou uma revolução na história 
da humanidade porque possibilitou aos sereshumanos acumular informação 
muito além das suas capacidades biológicas. E isso só foi possível através de 
um sistema de símbolos – as letras do alfabeto. Pela combinação e 
recombinação das letras somos capazes, indefinidamente, de formar palavras e 
frases, transmitindo informações de todos os tipos às gerações que se sucedem. 
E fazemos isso ultrapassando em muito nossa capacidade de memória individual 
e independentemente do contato pessoal. Considere, também, a grande 
transformação cultural que ocorre nos nossos dias com o uso ampliado da 
Internet. 
 
 
Fonte: mixbee.com.br 
 
São criações humanas que ampliam e atribuem novas formas e 
características ao mundo em que vivemos. Podemos dizer, portanto, que os 
símbolos são veículos culturalmente determinados para a transmissão de 
informações de qualquer natureza. O antropólogo Clifford Geertz, em seu livro A 
Interpretação das Culturas, ao analisar a relação entre o desenvolvimento da 
cultura e a evolução da mente humana considera que foi no período pré-histórico 
da Era Glacial que foram forjadas quase todas as características da existência 
do ser humano que são mais impressivamente humanas. Em uma mesma época 
da história evolutiva desenvolveram-se de forma combinada e interativa a 
 
totalidade do sistema nervoso do cérebro humano, a estrutura social baseada no 
tabu do incesto e a capacidade de criar e usar símbolos. “O fato de que essas 
características distintivas de humanidade”, escreveu Geertz, “emergiram juntas 
e em interação complexa uma com a outra (...) é de excepcional importância na 
interpretação da mentalidade humana, porque sugere que o sistema nervoso 
humano não apenas torna o homem capaz de adquirir cultura mas demanda 
positivamente que ele assim o faça para que possa funcionar.” 
Hoje, as pesquisas da neurociência tem comprovado a importância das 
atividades de natureza cultural que, associadas às atividades físicas, são a 
melhor maneira de avançar em idade de forma saudável e com lucidez. Nas 
sociedades tecnologicamente avançadas dos nossos dias, o volume de 
informação transmitido de geração para geração tornou-se tão grande que 
nenhum membro individual consegue dominá-lo. Assim, diz Lenski, “se os 
indivíduos são os portadores da cultura, a cultura em sua totalidade é a 
propriedade de uma sociedade. Nesse sentido podemos dizer que os sistemas 
de símbolos tem uma função do ponto de vista cultural, semelhante ao do 
sistema genético. Ambos são mecanismos que facilitam a adaptação de 
populações ao seu ambiente, através da aquisição, de acúmulo, da transmissão 
e uso de informações relevantes”. 
Através da criação de sistemas de símbolos os seres humanos foram 
capazes de modificar seus comportamentos de maneira significativa, tornando 
sua adaptação ao ambiente cada vez mais eficiente e isso sem qualquer 
transformação orgânica importante. O antropólogo Clifford Geertz, sob a 
influência do grande cientista social Max Weber, acredita que “o ser humano é 
um animal envolvido em teias de significados que ele próprio teceu”. Cultura, 
para Geertz, são essas redes e sua análise deve ser um estudo interpretativo de 
seus significados. Para analisar e conhecer uma cultura é preciso interpretar os 
sinais e símbolos que são utilizados nos processos de comunicação de um grupo 
social, de um povo ou de uma nação. 
 
 
Fonte: psicologiaescolarcritica.wordpress.com 
 
O conceito de cultura está entre os mais usados na Sociologia e refere-se 
às formas de vida dos membros de uma sociedade ou de grupos dentro da 
sociedade, incluindo todas as formas de arte, com suas linguagens próprias (a 
literatura, a música, as artes plásticas, etc.), as várias formas de expressão que 
se manifestam no modo de vestir das pessoas, em seus costumes, em seus 
padrões de comportamento, os seus rituais religiosos, as suas ideias, crenças e 
princípios orientadores da vida (como as teorias científicas, as doutrinas 
religiosas e as ideologias). 
O mundo da cultura é constituído de uma trama complexa dos elementos 
que contribuem para a organização da vida cotidiana, como os estilos de vida 
familiar e as atividades de lazer que caracterizam nosso ambiente de 
convivência, e dos mecanismos sociais desenvolvidos para a resolução dos 
problemas da vida coletiva, como as formas de organização da vida escolar, da 
política ou da produção da vida material. A cultura é um vasto campo que 
abrange tanto as ideias abstratas que traduzem a vida da imaginação e do 
pensamento, com suas linguagens próprias, quanto os arranjos sociais e os 
instrumentos que permitem e favorecem a cooperação entre as pessoas nas 
formas das organizações sociais, possibilitando melhorar nossa habilidade em 
alcançar o que precisamos e desejamos para nós mesmos. Dessa forma a noção 
de cultura envolve tanto aspectos “intangíveis” - como valores, crenças, ideias, 
 
teorias e normas sociais- quanto aspectos “tangíveis” – como objetos, produtos 
do trabalho, das artes, da ciência e da tecnologia. Os valores e as normas sociais 
definem o que é considerado fundamental e desejável para a orientação da vida 
das pessoas em suas interações sociais. Os valores informam nossas crenças 
morais dando sentido e direção às nossas vidas, enquanto as normas são regras 
comportamentais que definem o que é esperado das ações individuais no 
contexto da convivência social. 
 As normas dizem o que devemos fazer ou é proibido fazer em situações 
específicas. Em alguma medida as normas sociais, escritas ou não na forma de 
leis, refletem os valores predominantes de uma cultura em uma determinada 
sociedade. Todos esses elementos, tangíveis e intangíveis, são constitutivos da 
cultura e são compartilhados pelos membros da sociedade, formando um 
contexto comum para os seus integrantes e dando sentido às suas vidas, ações 
e atividades. 
 
Fonte: centrodepesquisaeformacao.sescsp.org 
 
 
 
2. AS DIVERSIDADES CULTURAIS 
 
 
Fonte: www.abrhbrasil.org.br/ 
 
É fácil percebermos, quando entramos em contato com aspectos da vida 
de outras sociedades, como seus ambientes culturais e os comportamentos de 
seus membros são diferentes dos nossos e, às vezes, de forma acentuada. 
Quando temos a oportunidade de conhecer e comparar diversas culturas, por 
leituras e estudos ou em viagens, adquirimos consciência da importância da 
dimensão cultural para as nossas vidas e para a vida coletiva em geral. Isso 
também ajuda a esclarecermos o conceito sociológico de cultura. Sociedades de 
tempos históricos diversos ou em espaços geográficos diferentes, 
desenvolveram modos de vida, valores e crenças que em muitos aspectos e, às 
vezes, de maneira bastante radical, diferem e divergem dos nossos. 
 
Ao comparar e comentar diferentes culturas deve-se prestar atenção para 
eventuais manifestações de “etnocentrismo”, a tendência que desenvolvemos 
em julgar elementos de outras culturas com base nos padrões da nossa cultura, 
o que torna difícil simpatizar com as ideias ou aceitar os comportamentos das 
pessoas de uma cultura diferente. Os problemas envolvidos nas comparações e 
avaliações culturais levantam uma questão que tem se tornado fonte de grande 
debate, transformando-se em foco de tensão no mundo da política global, 
especialmente para os que lidam na esfera internacional dos direitos humanos. 
Trata-se do significado e abrangência do relativismo cultural no mundo 
contemporâneo. 
A questão é a seguinte: é possível avaliarmos os valores e normas de 
outra cultura? Baseados em que critérios podemos julgar outra forma de vida 
cultural como melhor ou inferior à nossa? Essa é uma questão polêmica que 
provoca grandes debates nas ciências sociais. O sociólogo Anthony Giddens 
pergunta: no Afeganistão, “as políticas do Talibã para as mulheres são aceitáveis 
no início do século XXI?” O relativismo cultural – “ou seja, suspender suas 
próprias crenças culturais profundamentesustentadas e examinar uma situação 
de acordo com os padrões de outra cultura – pode ser repleto de incerteza e 
desafio”. (...) “Questões preocupantes são levantadas. O relativismo cultural 
significa que todos os costumes e comportamentos são igualmente legítimos? 
Haveria padrões universais aos quais todos os humanos deveriam aderir?” 
Giddens acrescenta, “não há soluções simples para esse dilema e para dúzias 
de outros casos nos quais normas e valores culturais não coincidem.” ...E ensina 
uma lição básica para todo o estudante de Sociologia: “O papel do sociólogo é 
evitar “respostas automáticas” e examinar questões complexas cuidadosamente 
a partir de tantos ângulos diferentes quanto possível.” 
 
 
 
Fonte: www.isehf.edu.py 
 
Essas inúmeras questões são um alerta e devem intensificar nossa 
disposição para conhecer os diversos sistemas socioculturais para melhor 
compreender os mecanismos que facilitam assim como os que dificultam a 
convivência humana, necessariamente, de cunho social. De um lado a 
cooperação, a convivência mais equilibrada e harmoniosa, de outro, os 
antagonismos, os conflitos e as guerras. 
Os processos da globalização econômica, da revolução na informática, da 
mídia, da superação das barreiras geográficas vem transformando o mundo em 
uma grande “aldeia global”. Em que medida esses fenômenos estão produzindo 
uma cultura universal, válida para todos os povos? Em que sentido podemos 
afirmar isso? Quais os possíveis danos para a vida das pessoas e para os 
diferentes grupos sociais com raízes histórico-culturais distintas? Como 
fenômeno humano as culturas dos povos são dinâmicas e sofrem mudanças. Os 
indivíduos agem e reagem às influências do ambiente em que vivem e às 
transformações de seu tempo. Os grupos sociais se mobilizam e movimentam-
se no sentido de alterar as suas condições de vida. Continuidade e mudança são 
dimensões inerentes à vida das sociedades e das culturas. As mudanças podem 
ocorrer de forma mais lenta, como nos tempos mais antigos, como podem tornar-
se rápidas e permanentes como tem ocorrido desde os tempos modernos. 
 
 
 
Fonte: cliquetando.xpg.uol.com.br 
 
É importante observar que “as culturas ultrapassam seus criadores”, como 
diz Lenski. Cada um de nós nasce em uma sociedade com uma cultura 
estabelecida e é somente através do domínio dessa cultura que somos capazes 
de satisfazer nossas necessidades e aspirações. Mas, no processo de dominar 
a cultura, a cultura tende a nos controlar e fazer de nós suas criaturas. Em um 
sentido, ela define mesmo nossos objetivos na vida e dá forma aos padrões de 
nossos pensamentos. Por isso encontramos dificuldade em desaprender o que 
aprendemos no passado. E isso é especialmente marcante nas pessoas mais 
velhas. Por outro lado é sempre possível uma adaptação consciente e deliberada 
a um novo ambiente ou a uma mudança cultural. Isso implica que processos de 
mudança cultural ocorrem e podem até ser controlados e mesmo planejados. 
Esse tema, o da mudança cultural, é especialmente importante na medida em 
que envolve o debate em torno das questões que dizem respeito às 
transformações da sociedade. 
Em geral, novos elementos culturais são acrescentados em uma base de 
continuidade. Em certos momentos ocorre o abandono de componentes culturais 
que são substituídos por outros novos. Se nós pensarmos nos vários 
instrumentos de comunicação utilizados através dos séculos nós teremos uma 
boa amostra das significativas mudanças culturais e das consequências dessas 
mudanças para a vida das pessoas. Mas muitas mudanças envolvem, ao mesmo 
 
tempo, continuidade, como é o caso do alfabeto que usamos há mais de três mil 
séculos, assim como o conceito de justiça que perdura desde tempos ainda mais 
antigos. 
 
 
Fonte:gdeufal.blogspot.com.br/ 
3. CULTURA E DIVERSIDADE 
 
 
Fonte: pt.slideshare.net/ 
 
 
A cultura ocupa um lugar de destaque na circunstância contemporânea. 
No passado ou no presente, nas mais diversas partes do globo, homens e 
mulheres nunca deixaram de se organizar em sociedade e de se questionar 
sobre si e sobre o mundo que os rodeia. Os vários descobrimentos têm 
estimulado a imaginação dos homens e mulheres do presente, que colocam 
muitas questões em torno dos povos do passado, mas que não deixam a menor 
dúvida quanto à sofisticação do pensamento, da visão de mundo e das 
manifestações estéticas e culturais desses povos. 
A diversidade das manifestações culturais se estende não só no tempo, 
mas também no espaço. No Brasil, nos deparamos com uma riqueza cultural 
extraordinária: 200 povos indígenas falando mais de 180 línguas diferentes. Há 
mais de 2.200 comunidades remanescentes de quilombos no Brasil, com 
características geográficas distintas, com diferentes meios de produção e de 
organização social. 
Noções como espaço e tempo também são marcadamente diferenciadas 
no campo e na cidade, onde a ação de homens e mulheres está presente, 
interferindo no espaço e o carregando de significado. A surpresa pode marcar 
um olhar mais cuidadoso para o interior da nossa própria sociedade: se 
compararmos o campo com o meio urbano ou as diferentes regiões do país, nos 
daremos conta das diversidades existentes entre os seus habitantes. Também 
na cidade encontramos indivíduos de distintas origens. Além disso, existem as 
diferenças entre as gerações. 
Fenômeno unicamente humano, a cultura se refere à capacidade que os 
seres humanos têm de dar significado às suas ações e ao mundo que os rodeia. 
 
 
 
 
Diversidade cultural 
 
 
Fonte: centraldeinteligenciaacademica. 
A diversidade cultural é um fenômeno que sempre acompanhou a 
humanidade. No Brasil, há diversas tradições culturais, algumas mais 
popularizadas e outras pouco conhecidas. Algumas valorizadas outras pouco 
respeitadas. É constitutivo das sociedades humanas apresentar um mecanismo 
diferenciador: quando o encontro de duas sociedades parece gerar um resultado 
homogêneo em seu interior surgem diferenças significativas, que marcam as 
fronteiras entre os grupos sociais. Por outro lado, sociedades que estão em 
contato há muito tempo mantêm com zelo os elementos significativos de sua 
identidade. 
A diversidade brasileira, não se esgota com as sociedades indígenas e as 
comunidades quilombolas. Os movimentos negros há muito nos lembram que a 
origem da população de afrodescendentes – com seus universos culturais, suas 
formas de resistência, suas sabedorias e construções de conhecimentos, sua 
 
visão de mundo, organização, luta etc. – acaba por definir um universo de 
referência específico a esses grupos. 
Falar da diversidade cultural no Brasil significa levar em conta a origem 
das famílias e reconhecer as diferenças entre os referenciais culturais de uma 
família nordestina e de uma família gaúcha, por exemplo. Significa, também, 
reconhecer que, no interior dessas famílias e na relação de umas com as outras, 
encontramos indivíduos que não são iguais, que têm especificidades de gênero, 
raça/etnia, religião, orientação sexual, valores e outras diferenças definidas a 
partir de suas histórias pessoais. 
Diversidade cultural no Brasil 
 
O Brasil tem uma notável diversidade criativa. A diversidade cultural pode 
ter um papel central no desenvolvimento de projetos culturais no país, 
especialmente com ênfase nos indígenas e afrodescendentes. 
Ao tentar enfrentar seu problema mais urgente – a desigualdade social – 
o país vem descobrindo a forte influência da cultura para a configuração dessa 
realidade, bem como seu potencial de transformação social do cenário atual. 
Falta ainda uma abordagem cultural mais profunda com relação aos 
povos indígenas e aos afrodescendentes. Estes dois grupos de minoria 
apresentam os piores indicadores sociais do país, mas que apenas nos últimos 
anos passaram a ser alvo de políticas sociais específicas. 
 
-É preciso que mais seja feitopara preservar: 
-tradições indígenas, 
-línguas indígenas ameaçadas de desaparecimento, 
-conhecimento tradicional indígena sobre a natureza 
-terras indígenas - há conflitos a respeito da expansão a fronteira agrícola 
e os investimentos em infraestrutura, 
-afirmação dos direitos dos povos indígenas, 
-Influência da cultura africana na cultura e história do Brasil. 
 
 
O conceito de Diversidade Cultural é fator fundamental para a construção 
contemporânea das Políticas Públicas, especialmente nas áreas da Cultura e 
das Políticas Sociais. A Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural e os 
atuais esforços desenvolvidos pela Unesco, em torno de uma futura Convenção 
Internacional sobre a proteção e promoção da Diversidade Cultural, evidenciam 
a centralidade dessas discussões. 
Os direitos culturais fazem parte dos direitos humanos e a dimensão cultural 
é indispensável e estratégica para qualquer projeto de desenvolvimento. 
Segundo a Declaração Universal da Diversidade Cultural, os indivíduos e grupos 
devem ter garantidas as condições de criar e difundir suas expressões culturais; 
o direito à educação e à formação de qualidade que respeite sua identidade 
cultural; a possibilidade de participar da vida cultural de sua preferência e exercer 
e fruir suas próprias práticas culturais, desde que respeitados os limites dos 
direitos humanos. O direito à diferença, e à construção individual e coletiva das 
identidades através das expressões culturais é elemento fundamental da 
promoção de uma cultura de paz. 
O reconhecimento e a valorização da diversidade cultural estão ligados à 
busca da solidariedade entre os povos, à consciência da unidade do gênero 
humano e ao desenvolvimento dos intercâmbios culturais. Os processos de 
globalização e/ou mundialização, caracterizados pela rápida evolução das 
tecnologias da informação e da comunicação constituem hoje desafios para a 
preservação e promoção dessa diversidade, criando condicionamentos e 
ameaçando o diálogo permanente entre culturas, civilizações ou grupos sociais. 
Por outro lado, é fundamental o respeito, a valorização e o convívio harmonioso 
das diferentes identidades culturais existentes dentro dos territórios nacionais. 
 
 
 
Fonte: pt.slideshare.net/ 
 
O conceito de diversidade cultural nos permite perceber que as identidades 
culturais nacionais não são um conjunto monolítico e único. Ao contrário, 
podemos e devemos reconhecer e valorizar as nossas diferenças culturais, 
como fator para a coexistência harmoniosa das várias formas possíveis de 
brasilidade. 
Como o respeito a eventuais diferenças entre os indivíduos e grupos 
humanos é condição da cidadania, devemos tratar com carinho e eficácia da 
promoção da convivência harmoniosa, dos diálogos e dos intercâmbios entre os 
brasileiros – expressos através das diversas linguagens e expressões culturais, 
para a superação da violência e da intolerância entre indivíduos e grupos sociais 
em nosso país. 
No plano das relações internacionais, os Ministérios da Cultura e das 
Relações Exteriores têm trabalhado em conjunto em prol da chamada 
Convenção da Unesco sobre Diversidade Cultural, através da qual os países 
assumirão uma série de compromissos em torno da promoção e da proteção da 
diversidade cultural. É fundamental que os mecanismos ativos de política cultural 
sejam fortalecidos no nível das relações internacionais. 
Para o Governo brasileiro, proteger e promover as expressões culturais em 
sua diversidade é direito legítimo dos cidadãos, da sociedade civil e dos estados 
nacionais. A Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural, além de 
 
participar da construção da agenda internacional sobre Diversidade Cultural, 
colabora na estruturação das políticas culturais no Brasil a partir do conceito de 
Diversidade Cultural, o que nos coloca outros dois desafios. O primeiro é o 
entendimento do conceito de Diversidade Cultural no contexto da cultura 
brasileira, trabalhado de maneira transversal aos segmentos governamentais e 
da sociedade civil. Outro desafio é o de estabelecer diálogos com grupos e redes 
culturais representativas da Diversidade Cultural brasileira ainda excluídos do 
acesso aos instrumentos de política pública de cultura e contribuir para o 
aperfeiçoamento dos mecanismos de proteção e promoção da nossa 
Diversidade Cultural. 
A convivência com as diferenças 
 
 
Fonte: lauraartes.blogspot.com.br/ 
 
A tolerância acontece quando existe uma convivência respeitosa entre as 
diferenças. Já a intolerância é um comportamento que se materializa pela 
violência física ou simbólica, motivada pelo ódio ao outro. Trata-se de uma 
violência que é usada no cotidiano contra pessoas e povos, baseada na 
 
dificuldade de entender e aceitar as diferenças. Ela pode ser étnica, política, de 
gênero, de classes, religiosa, sexual, cultural e social. O desafio do mundo 
contemporâneo é o de que todas essas identidades consigam conviver juntas e 
em paz. 
A noção de tolerância que temos hoje tem raízes no Iluminismo. Em 1689, 
o filósofo inglês John Locke (1632-1704) escreveu a Carta sobre a Tolerância, 
que trouxe importantes argumentos na defesa da tolerância. Naquela época, 
eram comuns massacres recíprocos entre católicos e protestantes na Europa. 
Na Carta, Locke defende a preservação de certos direitos dos indivíduos e afirma 
que os homens não têm o direito de infligir tortura por motivo religioso. 
Locke rejeita a conversão da fé à força. Ele acredita que ninguém pode 
mudar sua fé pelo simples comando de outro. Para ele, as perseguições 
religiosas provocam ainda mais intolerância. Por outro lado, o respeito pela 
consciência alheia disseminaria a paz na sociedade. 
As reflexões dos filósofos iluministas influenciaram a criação de leis que 
reconhecem todos como iguais. Após a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, 
a ONU assinou a Declaração Universal dos Direitos do Homem. O primeiro artigo 
da Declaração diz que todos os seres humanos nascem livres e iguais em 
dignidade e direitos. Os indivíduos têm direitos porque são seres humanos, e 
não por sua condição social. 
A Constituição brasileira também assegura que todos são iguais perante 
a lei, sem distinção de qualquer natureza e garante aos brasileiros e aos 
estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à 
igualdade, à segurança e à propriedade. 
 
 
 
Fonte: beira.pt/portal/noticias 
Já a intolerância que se baseia em diferentes tipos de preconceitos tem 
como característica atentar contra a diversidade humana. Do ponto de vista de 
sua origem, a palavra preconceito significa pré-julgamento, ou seja, ter uma 
conclusão sobre alguma coisa que ainda não se conhece. Na prática, a palavra 
preconceito foi consagrada como um pré-julgamento negativo a respeito de uma 
pessoa ou de alguma coisa. 
Para Michael Walzer, intelectual e pensador norte-americano, “a 
coexistência pacífica de grupos de pessoas com histórias, culturas e identidades 
diferentes” é o próprio conceito de tolerância. Walzer identifica e classifica 
diferentes posturas como tolerância. Assim, encontra quatro possibilidades que 
são comumente relacionadas à tolerância: 
1) aceitação resignada da diferença; 
2) indiferença bondosa em relação aos outros; 
3) reconhecimento dos direitos dos diferentes e 
 
4) abertura e curiosidade para com a alteridade (ideia de que todo o 
homem social interage e interdepende do outro, agindo de forma a considerar 
sempre o outro). 
 
 
Fonte: www.tudodesenhos.com 
4. POLÍTICAS PÚBLICAS EM DEFESA DA PLURALIDADE CULTURAL 
 
 
Fonte: culturaptrn.blogspot.com.br/ 
 
 
 
A temática da Pluralidade Cultural diz respeito ao conhecimento e à 
valorização de características étnicas e culturais dos diferentes grupos sociais 
que convivem no território nacional, às desigualdades socioeconômicas e à 
crítica às relaçõessociais discriminatórias e excludentes que permeiam a 
sociedade brasileira, oferecendo ao aluno a possibilidade de conhecer o Brasil 
como um país complexo, multifacetado e algumas vezes paradoxal. 
 As culturas são produzidas pelos grupos sociais ao longo das suas 
histórias, na construção de suas formas de subsistência, na organização da vida 
social e política, nas suas relações com o meio e com outros grupos, na 
produção de conhecimentos etc. A diferença entre culturas é fruto da 
singularidade desses processos em cada grupo social. A desigualdade social é 
uma diferença de outra natureza: é produzida na relação de dominação e 
exploração socioeconômica e política. 
Quando se propõe o conhecimento e a valorização da pluralidade cultural 
brasileira, não se pretende deixar de lado essa questão. Ao contrário, 
principalmente no que se refere à discriminação, é impossível compreendê-la 
sem recorrer ao contexto socioeconômico em que acontece e à estrutura 
autoritária que marca a sociedade. As produções culturais não ocorrem “fora” de 
relações de poder: são constituídas e marcadas por ele, envolvendo um 
permanente processo de reformulação e resistência. Ambas, desigualdade 
social e discriminação, articulam-se no que se convencionou denominar 
“exclusão social”: impossibilidade de acesso aos bens materiais e culturais 
produzidos pela sociedade e de participação na gestão coletiva do espaço 
público — pressuposto da democracia. Entretanto, apesar da discriminação, da 
injustiça e do preconceito que contradizem os princípios da dignidade, do 
respeito mútuo e da justiça, paradoxalmente o Brasil tem produzido também 
experiências de convívio, reelaboração das culturas de origem, constituindo algo 
intangível que se tem chamado de brasilidade, que permite a cada um 
reconhecer-se como brasileiro. Por isso, no cenário mundial, o Brasil representa 
 
uma esperança de superação de fronteiras e de construção da relação de 
confiança na humanidade. 
 
 
Fonte: www.escolavillare.com.br 
 
A singularidade que permite essa esperança é dada por sua constituição 
histórica peculiar no campo cultural. O que se almeja, portanto, ao tratar de 
Pluralidade Cultural, não é a divisão ou o esquadrinhamento da sociedade em 
grupos culturais fechados, mas o enriquecimento propiciado a cada um e a todos 
pela pluralidade de formas de vida, pelo convívio e pelas opções pessoais, assim 
como o compromisso ético de contribuir com as transformações necessárias à 
construção de uma sociedade mais justa. Reconhecer e valorizar a diversidade 
cultural é atuar sobre um dos mecanismos de discriminação e exclusão, entraves 
à plenitude da cidadania para todos e, portanto, para a própria nação. 
Políticas Públicas e as relações Étnico-Raciais 
No campo da inclusão social, sem negar a existência de muitos outros 
grupos humanos que sofrem os processos de exclusão social, os 
afrodescendentes e as mulheres são exemplos de grupos que, historicamente, 
foram alvo de discriminações e preconceitos que acabaram por negar-lhes 
 
muitos dos direitos que asseguram a igualdade de condições e de oportunidades 
para a construção de uma vida digna. 
Como parte dos processos recentes de democratização da sociedade 
brasileira, muito se tem conseguido na conquista por políticas públicas e por 
marcos legais que deem a esses grupos algumas das condições 
socioeducacionais e ocupacionais necessárias à melhoria de suas condições de 
vida. É pouco, no entanto, diante dos séculos de exclusão social a que foram 
submetidos, e muito ainda tem de ser feito para se chegar a uma sociedade 
verdadeiramente inclusiva, que lhes assegure a igualdade de direitos e o respeito 
às diferenças. 
 Os principais avanços estão na área da educação. Os Parâmetros 
Curriculares Nacionais (PCNs) para o Ensino Fundamental (1997), destaca a 
importância de 
 
[...] conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural 
brasileiro bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações, 
posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças 
culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras 
características individuais e sociais (PCN, v.20, 1997, p.4). 
 
Já a Lei nº 10.639/03, estabelece a obrigatoriedade do ensino da história 
e cultura afro-brasileiras e africanas nas escolas públicas e privadas do ensino 
fundamental e médio. Há também o Parecer do CNE/CP 03/2004 que aprovou 
as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais 
e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas; e a Resolução 
CNE/CP 01/2004, que detalha os direitos e as obrigações dos entes federados 
ante a implementação da lei compõem um conjunto de dispositivos legais 
considerados como indutores de uma política educacional voltada para a 
afirmação da diversidade cultural e da concretização de uma educação das 
relações étnico-raciais nas escolas, desencadeada a partir dos anos 2000. É 
 
nesse mesmo contexto que foi aprovado, em 2009, o Plano Nacional das 
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais 
e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. 
 
 
Estatuto da Igualdade Racial 
 
 
Fonte: etnicorracial.blogspot.com.br/ 
 
LEI Nº 12.288, DE 20 DE JULHO DE 2010, Institui o Estatuto da Igualdade 
Racial 
Art. 1o Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a 
garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa 
dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação 
e às demais formas de intolerância étnica. 
Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se: 
 
I - discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição 
ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica 
que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, 
em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos 
campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida 
pública ou privada; 
II - desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de 
acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e 
privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica; 
III - desigualdade de gênero e raça: assimetria existente no âmbito da 
sociedade que acentua a distância social entre mulheres negras e os demais 
segmentos sociais; 
IV - população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas 
e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto 
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam auto definição 
análoga; 
V - políticas públicas: as ações, iniciativas e programas adotados pelo 
Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais; 
VI - ações afirmativas: os programas e medidas especiais adotados pelo 
Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para 
a promoção da igualdade de oportunidades. 
Art. 2o É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de 
oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da 
etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente 
nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e 
esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais. 
Art. 3o Além das normas constitucionais relativas aos princípios 
fundamentais, aos direitos e garantias fundamentais e aos direitos sociais, 
econômicos e culturais, o Estatuto da Igualdade Racial adota como diretriz 
 
político-jurídica a inclusão das vítimas de desigualdade étnico-racial, a 
valorização da igualdade étnica e o fortalecimento da identidade nacional 
brasileira. 
Art. 4o A participação da população negra, em condição de igualdade deoportunidade, na vida econômica, social, política e cultural do País será 
promovida, prioritariamente, por meio de: 
I - inclusão nas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social; 
II - adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa; 
III - modificação das estruturas institucionais do Estado para o adequado 
enfrentamento e a superação das desigualdades étnicas decorrentes do 
preconceito e da discriminação étnica; 
IV - promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar o combate à 
discriminação étnica e às desigualdades étnicas em todas as suas 
manifestações individuais, institucionais e estruturais; 
V - eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais 
que impedem a representação da diversidade étnica nas esferas pública e 
privada; 
VI - estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas oriundas da sociedade 
civil direcionadas à promoção da igualdade de oportunidades e ao combate às 
desigualdades étnicas, inclusive mediante a implementação de incentivos e 
critérios de condicionamento e prioridade no acesso aos recursos públicos; 
VII - implementação de programas de ação afirmativa destinados ao 
enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante à educação, cultura, 
esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação de 
massa, financiamentos públicos, acesso à terra, à Justiça, e outros. 
Parágrafo único. Os programas de ação afirmativa constituir-se-ão em 
políticas públicas destinadas a reparar as distorções e desigualdades sociais e 
 
demais práticas discriminatórias adotadas, nas esferas pública e privada, 
durante o processo de formação social do País. 
Art. 6o O direito à saúde da população negra será garantido pelo poder 
público mediante políticas universais, sociais e econômicas destinadas à 
redução do risco de doenças e de outros agravos. 
§ 1o O acesso universal e igualitário ao Sistema Único de Saúde (SUS) 
para promoção, proteção e recuperação da saúde da população negra será de 
responsabilidade dos órgãos e instituições públicas federais, estaduais, distritais 
e municipais, da administração direta e indireta. 
§ 2o O poder público garantirá que o segmento da população negra 
vinculado aos seguros privados de saúde seja tratado sem discriminação. 
Art. 7o O conjunto de ações de saúde voltadas à população negra 
constitui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, organizada 
de acordo com as diretrizes abaixo especificadas: 
I - ampliação e fortalecimento da participação de lideranças dos 
movimentos sociais em defesa da saúde da população negra nas instâncias de 
participação e controle social do SUS; 
II - produção de conhecimento científico e tecnológico em saúde da 
população negra; 
III - desenvolvimento de processos de informação, comunicação e 
educação para contribuir com a redução das vulnerabilidades da população 
negra. 
Art. 8o Constituem objetivos da Política Nacional de Saúde Integral da 
População Negra: 
I - a promoção da saúde integral da população negra, priorizando a 
redução das desigualdades étnicas e o combate à discriminação nas instituições 
e serviços do SUS; 
 
II - a melhoria da qualidade dos sistemas de informação do SUS no que 
tange à coleta, ao processamento e à análise dos dados desagregados por cor, 
etnia e gênero; 
III - o fomento à realização de estudos e pesquisas sobre racismo e saúde 
da população negra; 
IV - a inclusão do conteúdo da saúde da população negra nos processos 
de formação e educação permanente dos trabalhadores da saúde; 
V - a inclusão da temática saúde da população negra nos processos de 
formação política das lideranças de movimentos sociais para o exercício da 
participação e controle social no SUS. 
Parágrafo único. Os moradores das comunidades de remanescentes de 
quilombos serão beneficiários de incentivos específicos para a garantia do direito 
à saúde, incluindo melhorias nas condições ambientais, no saneamento básico, 
na segurança alimentar e nutricional e na atenção integral à saúde. 
Art. 9o A população negra tem direito a participar de atividades 
educacionais, culturais, esportivas e de lazer adequadas a seus interesses e 
condições, de modo a contribuir para o patrimônio cultural de sua comunidade e 
da sociedade brasileira. 
Art. 10. Para o cumprimento do disposto no art. 9o, os governos federal, 
estaduais, distrital e municipais adotarão as seguintes providências: 
I - promoção de ações para viabilizar e ampliar o acesso da população 
negra ao ensino gratuito e às atividades esportivas e de lazer; 
II - apoio à iniciativa de entidades que mantenham espaço para promoção 
social e cultural da população negra; 
III - desenvolvimento de campanhas educativas, inclusive nas escolas, 
para que a solidariedade aos membros da população negra faça parte da cultura 
de toda a sociedade; 
 
IV - implementação de políticas públicas para o fortalecimento da 
juventude negra brasileira. 
Art. 11. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, 
públicos e privados, é obrigatório o estudo da história geral da África e da história 
da população negra no Brasil, observado o disposto na Lei no 9.394, de 20 de 
dezembro de 1996. 
§ 1o Os conteúdos referentes à história da população negra no Brasil 
serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, resgatando sua 
contribuição decisiva para o desenvolvimento social, econômico, político e 
cultural do País. 
§ 2o O órgão competente do Poder Executivo fomentará a formação 
inicial e continuada de professores e a elaboração de material didático específico 
para o cumprimento do disposto no caput deste artigo. 
§ 3o Nas datas comemorativas de caráter cívico, os órgãos responsáveis 
pela educação incentivarão a participação de intelectuais e representantes do 
movimento negro para debater com os estudantes suas vivências relativas ao 
tema em comemoração. 
 
Art. 12. Os órgãos federais, distritais e estaduais de fomento à pesquisa 
e à pós-graduação poderão criar incentivos a pesquisas e a programas de estudo 
voltados para temas referentes às relações étnicas, aos quilombos e às questões 
pertinentes à população negra. 
Art. 13. O Poder Executivo federal, por meio dos órgãos competentes, 
incentivará as instituições de ensino superior públicas e privadas, sem prejuízo 
da legislação em vigor, a: 
I - resguardar os princípios da ética em pesquisa e apoiar grupos, núcleos 
e centros de pesquisa, nos diversos programas de pós-graduação que 
desenvolvam temáticas de interesse da população negra; 
 
II - incorporar nas matrizes curriculares dos cursos de formação de 
professores temas que incluam valores concernentes à pluralidade étnica e 
cultural da sociedade brasileira; 
III - desenvolver programas de extensão universitária destinados a 
aproximar jovens negros de tecnologias avançadas, assegurado o princípio da 
proporcionalidade de gênero entre os beneficiários; 
IV - estabelecer programas de cooperação técnica, nos estabelecimentos 
de ensino públicos, privados e comunitários, com as escolas de educação 
infantil, ensino fundamental, ensino médio e ensino técnico, para a formação 
docente baseada em princípios de equidade, de tolerância e de respeito às 
diferenças étnicas. 
Art. 14. O poder público estimulará e apoiará ações socioeducacionais 
realizadas por entidades do movimento negro que desenvolvam atividades 
voltadas para a inclusão social, mediante cooperação técnica, intercâmbios, 
convênios e incentivos, entre outros mecanismos. 
 
Art. 15. O poder público adotará programas de ação afirmativa. 
Art. 16. O Poder Executivo federal, por meio dos órgãos responsáveis 
pelas políticas de promoção da igualdade e de educação, acompanhará e 
avaliará os programas de que trata esta Seção. 
Art. 17. O poder público garantirá o reconhecimento das sociedades 
negras, clubes e outras formas de manifestação coletiva dapopulação negra, 
com trajetória histórica comprovada, como patrimônio histórico e cultural, nos 
termos dos arts. 215 e 216 da Constituição Federal. 
Art. 18. É assegurado aos remanescentes das comunidades dos 
quilombos o direito à preservação de seus usos, costumes, tradições e 
manifestos religiosos, sob a proteção do Estado. 
Parágrafo único. A preservação dos documentos e dos sítios detentores 
de reminiscências históricas dos antigos quilombos, tombados nos termos do § 
 
5o do art. 216 da Constituição Federal, receberá especial atenção do poder 
público. 
Art. 19. O poder público incentivará a celebração das personalidades e 
das datas comemorativas relacionadas à trajetória do samba e de outras 
manifestações culturais de matriz africana, bem como sua comemoração nas 
instituições de ensino públicas e privadas. 
Art. 20. O poder público garantirá o registro e a proteção da capoeira, em 
todas as suas modalidades, como bem de natureza imaterial e de formação da 
identidade cultural brasileira, nos termos do art. 216 da Constituição Federal. 
Parágrafo único. O poder público buscará garantir, por meio dos atos 
normativos necessários, a preservação dos elementos formadores tradicionais 
da capoeira nas suas relações internacionais. 
Art. 21. O poder público fomentará o pleno acesso da população negra 
às práticas desportivas, consolidando o esporte e o lazer como direitos sociais. 
Art. 22. A capoeira é reconhecida como desporto de criação nacional, nos 
termos do art. 217 da Constituição Federal. 
§ 1o A atividade de capoeirista será reconhecida em todas as 
modalidades em que a capoeira se manifesta, seja como esporte, luta, dança ou 
música, sendo livre o exercício em todo o território nacional. 
§ 2o É facultado o ensino da capoeira nas instituições públicas e privadas 
pelos capoeiristas e mestres tradicionais, pública e formalmente reconhecidos. 
 
Art. 23. É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo 
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a 
proteção aos locais de culto e a suas liturgias. 
Art. 24. O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre 
exercício dos cultos religiosos de matriz africana compreende: 
 
I - a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à 
religiosidade e a fundação e manutenção, por iniciativa privada, de lugares 
reservados para tais fins; 
II - a celebração de festividades e cerimônias de acordo com preceitos 
das respectivas religiões; 
III - a fundação e a manutenção, por iniciativa privada, de instituições 
beneficentes ligadas às respectivas convicções religiosas; 
IV - a produção, a comercialização, a aquisição e o uso de artigos e 
materiais religiosos adequados aos costumes e às práticas fundadas na 
respectiva religiosidade, ressalvadas as condutas vedadas por legislação 
específica; 
V - a produção e a divulgação de publicações relacionadas ao exercício e 
à difusão das religiões de matriz africana; 
VI - a coleta de contribuições financeiras de pessoas naturais e jurídicas 
de natureza privada para a manutenção das atividades religiosas e sociais das 
respectivas religiões; 
VII - o acesso aos órgãos e aos meios de comunicação para divulgação 
das respectivas religiões; 
VIII - a comunicação ao Ministério Público para abertura de ação penal 
em face de atitudes e práticas de intolerância religiosa nos meios de 
comunicação e em quaisquer outros locais. 
Art. 25. É assegurada a assistência religiosa aos praticantes de religiões 
de matrizes africanas internados em hospitais ou em outras instituições de 
internação coletiva, inclusive àqueles submetidos a pena privativa de liberdade. 
 
Art. 26. O poder público adotará as medidas necessárias para o combate 
à intolerância com as religiões de matrizes africanas e à discriminação de seus 
seguidores, especialmente com o objetivo de: 
 
I - coibir a utilização dos meios de comunicação social para a difusão de 
proposições, imagens ou abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio 
ou ao desprezo por motivos fundados na religiosidade de matrizes africanas; 
II - inventariar, restaurar e proteger os documentos, obras e outros bens 
de valor artístico e cultural, os monumentos, mananciais, flora e sítios 
arqueológicos vinculados às religiões de matrizes africanas; 
III - assegurar a participação proporcional de representantes das religiões 
de matrizes africanas, ao lado da representação das demais religiões, em 
comissões, conselhos, órgãos e outras instâncias de deliberação vinculadas ao 
poder público. 
Art. 43. A produção veiculada pelos órgãos de comunicação valorizará a 
herança cultural e a participação da população negra na história do País. 
Art. 44. Na produção de filmes e programas destinados à veiculação pelas 
emissoras de televisão e em salas cinematográficas, deverá ser adotada a 
prática de conferir oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos 
negros, sendo vedada toda e qualquer discriminação de natureza política, 
ideológica, étnica ou artística. 
Parágrafo único. A exigência disposta no caput não se aplica aos filmes 
e programas que abordem especificidades de grupos étnicos determinados. 
Art. 45. Aplica-se à produção de peças publicitárias destinadas à 
veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas o disposto 
no art. 44. 
Art. 46. Os órgãos e entidades da administração pública federal direta, 
autárquica ou fundacional, as empresas públicas e as sociedades de economia 
mista federais deverão incluir cláusulas de participação de artistas negros nos 
contratos de realização de filmes, programas ou quaisquer outras peças de 
caráter publicitário. 
§ 1o Os órgãos e entidades de que trata este artigo incluirão, nas 
especificações para contratação de serviços de consultoria, conceituação, 
 
produção e realização de filmes, programas ou peças publicitárias, a 
obrigatoriedade da prática de iguais oportunidades de emprego para as pessoas 
relacionadas com o projeto ou serviço contratado. 
§ 2o Entende-se por prática de iguais oportunidades de emprego o 
conjunto de medidas sistemáticas executadas com a finalidade de garantir a 
diversidade étnica, de sexo e de idade na equipe vinculada ao projeto ou serviço 
contratado. 
§ 3o A autoridade contratante poderá, se considerar necessário para 
garantir a prática de iguais oportunidades de emprego, requerer auditoria por 
órgão do poder público federal. 
§ 4o A exigência disposta no caput não se aplica às produções 
publicitárias quando abordarem especificidades de grupos étnicos determinados. 
Art. 47. É instituído o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial 
(Sinapir) como forma de organização e de articulação voltadas à implementação 
do conjunto de políticas e serviços destinados a superar as desigualdades 
étnicas existentes no País, prestados pelo poder público federal. 
§ 1o Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão participar do 
Sinapir mediante adesão. 
§ 2o O poder público federal incentivará a sociedade e a iniciativa privada 
a participar do Sinapir. 
 
 
 
 
 
 
5. RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL 
 
 
Fonte: rapefilosofia.blogspot.com 
 
A sociedade brasileira é constituída por diferentes grupos étnico-raciais 
que a caracterizam, em termos culturais, como uma das mais ricas do mundo. 
Entretanto, sua história é marcada por desigualdades e discriminações, 
especificamente contra negros e indígenas, impedindo, desta forma, seu pleno 
desenvolvimento econômico, político e social. 
Significado da expressão étnico-racial 
O termo raça tem sua origem datada do século XVII (MARTINS, 1985, 
p.182). Com o passar do tempo, mais especificamente a partir do século XIX, 
passou a ser utilizado no sentido de justificar as diferenças fenotípicas entre 
seres humanos e marcar relações de dominação político-cultural de um grupo 
sobreoutro. O entendimento de que o conceito de raça, no campo social existe, 
foi confirmado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das 
Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e 
Africana, que definem a raça como “a construção social forjada nas tensas 
 
relações entre brancos e negros, muitas vezes simuladas como harmoniosas, 
nada tendo a ver com o conceito biológico de raça cunhado no século XVIII e 
hoje sobejamente superado.” (BRASIL, 2004). 
Outro conceito bastante utilizado nos estudos sobre as relações raciais é o 
de etnia. O termo é derivado do grego ethnikos, adjetivo de ethos, e se refere a 
povo, nação. O conceito de etnia baseado no pensamento de Cashmore (2000), 
diz respeito a um grupo que possui algum grau de coerência, solidariedade, 
origens e interesses comuns. Um grupo étnico é mais do que um ajuntamento 
de pessoas, às pessoas deve ser agregado seu pertencimento histórico e 
cultural. O uso do termo etnia ganhou força para se referir aos ditos povos 
diferentes: judeus, índios, negros, entre outros. A intenção era enfatizar que os 
grupos humanos não eram marcados por características biológicas herdadas 
dos seus pais, mães e ancestrais, mas sim, por processos históricos e culturais. 
Assim, o termo “raça” diz respeito aos atributos dispensados a certo grupo 
e “grupo étnico” se refere a uma resposta original de um povo quando, em 
alguma situação, se sente marginalizado pela sociedade. Um vocábulo que 
passou a ser utilizado no Brasil e merece destaque é a expressão etnicorracial. 
Seu sentido determina que as tensas relações raciais estabelecidas no país, vão 
para além das diferenças na cor da pele e traços fisionômicos, mas 
correspondem também à raiz cultural baseada na ancestralidade afro-brasileira 
que difere em visão de mundo, valores e princípios da origem europeia (Brasil, 
2004, p.13-14). 
 
 
Fonte: www.sescsp.org.br/ 
 
 
Preconceito e racismo 
O preconceito tem uma dinâmica capaz de criar uma rede de relações 
entre as pessoas que, de maneira gradativa, ganha corpo e transforma-se em 
percepções de mundo. O maior problema é que essa dinâmica gera atitudes 
diante das variadas situações e pessoas, produzindo deformidades nas relações 
sociais, como: o homofobismo, o racismo, a discriminação, o sexismo, dentre 
outros (SANT’ANA, 2005). 
 A Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de 
Discriminação Racial, de 1969 considera discriminação racial, como sendo: 
 
[...] qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em 
raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tem por 
objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou 
exercício num mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos 
humanos no domínio político, social, cultural ou em qualquer outro 
domínio da vida pública (Art. 1º). 
 
O racismo é uma construção ideológica que afirma ser uma raça superior 
outra. São vários os racismos. As primeiras manifestações racistas aconteceram 
no século XVI; dos colonizadores europeus contra as populações nativas das 
Américas e contra os negros africanos. Mas, foi no século XIX, a partir da 
expansão do capitalismo industrial, que o racismo se transformou numa política 
justificada ideologicamente e praticada pelos Estados Europeus. 
 
 
 
Fonte: www.redetiradentes.com.br/ 
Lutas e Conquistas: trajetória do movimento negro brasileiro 
As trajetórias dos movimentos sociais negros brasileiros têm sido 
marcadas por um processo histórico de resistências e de lutas em defesa do 
direito à diferença étnica e, ainda, pela implementação de políticas públicas 
voltadas à garantia dos princípios da reparação, do reconhecimento e da 
valorização do povo negro. 
 
 
Fonte: www.memorialdademocracia.com.br/ 
 
 
A trajetória dos Movimentos Negros foi marcada por grandes 
acontecimentos sócio históricos: 
-Nas décadas de 1920 e de 1930, o advento da “locomotiva” e a opção 
pela política da imigração europeia caracterizaram a intenção do governo 
brasileiro em substituir a mão de obra do negro pela do trabalhador europeu, 
dificultando assim o acesso desse segmento ao mercado de trabalho; 
-O período de 1940 a 1970 foi marcado pela resistência negra em busca 
do reconhecimento e valorização de seu patrimônio cultural e de suas 
reivindicações. Este movimento fez surgir várias entidades negras, com 
destaque para o Teatro Experimental Negro (TEN) e a Frente Negra, primeiro 
partido negro do país; 
-A partir de 1970 se evidenciou um cenário político-militar com a pregação 
da ideologia do mito da democracia racial, perspectiva que fora combatida 
ferrenhamente pelas organizações dos Movimentos Negros no auge da ditadura 
militar e em pleno regime de exceção. 
 
 
Fonte: zambukaki.wordpress.com 
 
 
Os Movimentos Negros das décadas de 1970 e 1980, ao colocarem em 
suas agendas as denúncias de racismo institucional, de racismo à moda 
brasileira e da farsa da democracia racial, demarcaram um campo de força 
política imprescindível na conquista por direitos civis, políticos e materiais. 
Na atualidade, alguns avanços foram significativos. Após a Marcha 300 
anos da Imortalidade de Zumbi, em 1995, em Brasília, e da III Conferência 
Mundial Contra o Racismo, em 2001, na cidade de Durban, na África do Sul, 
aflorou a discussão sobre as reparações por meio de ações afirmativas, a 
exemplo da política de reserva de vagas para negros – “cotas” – no ensino 
superior das universidades federais brasileiras, que em 2012 foi aprovada por 
unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal; o Decreto Nº 4.887/03, que prevê 
o reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras das 
comunidades dos quilombos; e a Lei 10639/03, que prevê o enfrentamento ao 
racismo na educação. 
6. TERMOS E CONCEITOS PRESENTES NO DEBATE SOBRE 
RELAÇÕES RACIAIS 
 
 
Fonte: beta.brasa.art.b 
 
 
Identidade 
 A identidade não é algo inato. Ela se refere à um modo de ser no 
mundo e com os outros. É importante na criação de redes de relações e 
referências culturais dos grupos sociais. Indica traços de cultura que se 
expressam através de práticas linguísticas, festivais, rituais, comportamentos 
alimentares e tradições populares. Não envolve apenas cultura, mas também 
níveis sócio-político e histórico de cada sociedade. A identidade atua nos níveis 
simbólico, subjetivo e político. 
 
 
 
Identidade negra 
 
 Reconhecer-se em uma identidade supõe estabelecer um sentido 
de pertencimento a um grupo social de referência. Somos sujeitos de identidades 
transitórias, e como em outros processos identitários, a identidade negra se 
constrói gradativamente num movimento que envolve múltiplas variáveis. 
Geralmente este processo se inicia na família e vai se modificando a partir de 
outras relações que o sujeito estabelece. 
 A identidade negra é entendida como uma construção social, 
histórica, cultural e plural, do olhar de um grupo étnico-racial ou sujeitos que 
pertencem a um mesmo grupo, sobre si mesmos a partir da relação com o outro. 
 
 
 
Fonte: acervo.novaescola.org.br 
 
 
Raça 
As raças são construções sociais, políticas e culturais produzidas nas 
relações sociais e de poder ao longo do processo histórico. Portanto, raça não é 
um dado da natureza, mas sim uma visão a partir do contexto cultural. 
Etnia 
Termo utilizado para se referir ao pertencimento ancestral e étnico-racial 
dos negros e outros grupos da sociedade. 
 
 
 
Fonte: www.vvale.com.br/ 
 
Racismo 
 
 Comportamento social que se manifesta de várias formas em 
diferentes contextos e sociedades. 
 
 
Fonte: prezi.com 
 
 
Etnocentrismo 
 
 A palavra Etnocentrismo vem da junção das palavras Etno, que 
significa minha cultura ou minha identidade; e Centrismo, que refere-se a centro. 
Sendo assim, é um termo que designa o sentimento de superioridade queuma 
cultura tem em relação a outras, com a crença de que seus valores e culturas 
são melhores ou mais corretos. 
 
 
Fonte: pt.slideshare.net/ 
 
Preconceito racial 
 
 Refere-se ao conceito ou opinião formado antecipadamente, sem 
ponderação ou melhor conhecimento dos fatos. É uma atitude adquirida no 
convívio social, pois os seres humanos não nascem preconceituosos 
 
Discriminação racial 
 Enquanto o racismo e o preconceito estão no âmbito das doutrinas, 
julgamentos, concepções de mundo e crenças, a discriminação é a adoção de 
práticas que efetivam o racismo e o preconceito. 
 A discriminação pode ser direta, quando deriva de atos concretos 
de exclusão pela cor; ou indireta, quando é expressa em políticas públicas ou 
práticas administrativas, por exemplo. 
Democracia racial 
 A sociedade brasileira construiu historicamente um discurso que 
narra a existência de uma harmonia racial entre brancos e negros. Tal discurso 
desvia o olhar da população e do Estado das atrocidades cometidas contra esse 
grupo, impedindo-os de agirem eficazmente na superação do racismo. 
 
 
Fonte: isadoradidomenico.wordpress.com 
 
 
 
7. INTRODUÇÃO À HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA 
“Com efeito, a história da África, como a de toda a humanidade, é a 
história de uma tomada de consciência. Nesse sentido, a história da 
África deve ser reescrita. E isso porque, até o presente momento, ela 
foi mascarada, camuflada, desfigurada, mutilada” (KI-ZERBO, 1982, p. 
21). 
 
Fonte: www.siliconafrica.com 
A África pela Diáspora 
O termo diáspora é utilizado para referirmo-nos ao processo de 
desenraizamento vivenciado por populações deslocadas de seus locais de 
origem, geralmente de forma violenta e forçada. A diáspora pode ser – e 
efetivamente foi - vivenciada por diferentes populações de formas também 
distintas. A possibilidade de maior ou menor enraizamento e a multiplicidade de 
experiências sócio- culturais vivenciadas na nova morada são alguns dos 
elementos que delimitam essas diferenças, ao longo da história. 
Entre os séculos XVI e XIX, mais de 11 milhões1 de africanos foram 
trazidos à força para as Américas, para trabalharem como escravos. No Brasil, 
entre 1550 e 1850, aproximadamente, teriam desembarcado entre 3,6 e 5,6 
milhões de africanos. Ainda que as estimativas apresentem grandes variações, 
http://www.siliconafrica.com/
 
é inegável que este processo se configurou como um dos maiores movimentos 
diaspóricos dos tempos modernos. 
Essas populações africanas na diáspora vivenciaram não somente a 
violência da viagem transatlântica no julgo do tráfico negreiro para as Américas, 
mas toda a rede de usurpações sofridas no processo escravizatório. Podemos 
considerar populações na diáspora tanto os africanos que aportaram na costa 
do continente americano, quanto também todos aqueles considerados seus 
descendentes. Essa população, em geral, possui registros culturais elaborados 
na ligação simbólica que se estabeleceu em terras americanas com seu território 
ancestral. Grande parte desses registros culturais passou a ser partilhado por 
grupos de diferentes origens e referências étnico-culturais, a partir de séculos de 
convivência, nem sempre harmoniosa. 
Podemos dizer que as culturas diaspóricas, como de resto todas as 
culturas, são híbridas, permeáveis. Não é diferente para o caso das culturas 
afrodescendentes. O pesquisador africano Carlos Lopes defende a importância 
da compreensão e do estudo das culturas diaspóricas para entendimento do que 
é, hoje, a África. Segundo ele, não é somente importante que o Brasil 
compreenda a história da África, mas que a África compreenda a história das 
populações africanas na diáspora como pressuposto de estudo de sua própria 
história. Recuperando o historiador Elikia M’Bokolo, Carlos Lopes afirma, em 
entrevista à Revista Palmares, que “Os africanos do continente têm que aceitar 
que as diásporas têm a outra metade da memória”. 
Carlos Moore nos convida a compreender as complexas formas de 
percepção da África na diáspora, sobretudo o desafio da passagem de uma 
África mítica a uma África real, capaz de subsidiar lutas dos diferentes povos da 
África em prol de sua emancipação social, política e também cultural. Segundo 
o autor: “Durante muito tempo, as diásporas africanas escravizadas no exterior 
tiveram de forjar uma visão idílica desse continente para existir, resistir e se 
manter. Por razões evidentes – que têm a ver com a brutalidade com a qual a 
África viva foi arrancada dos africanos escravizados no exterior da África -, a 
imagem que se tem desse continente, elaborada carinhosamente pelo 
imaginário dos deportados, via de regra, foi uma idealização. Para preservar o 
 
rico legado ancestral que nos permitiu atravessar o horror de viver em estado de 
escravidão racial nas Américas por mais de quatro séculos, foi necessário 
idealizar essa África da qual tínhamos sido arrancados para sempre. A África 
aparece, nessa visão, como um lugar quase sem tensões internas ou 
contradições inerentes à sua própria experiência histórica” (MOORE, 2008, p. 
11-12). 
 
 
Fonte: www.siliconafrica.com 
Essa idealização, que Carlos Moore atribui a uma necessidade mesma de 
sobrevivência física e cultural tem seus desdobramentos, inclusive nos 
processos educativos que se põe em marcha no Brasil contemporâneo. Isso se 
torna visível, por exemplo, em práticas pedagógicas que – em benefício da 
legítima e urgente valorização da história e cultura afro brasileira e africana – 
omitem dados, análises e contribuições reflexivas sobre a sua história e cultura, 
com vistas a combater a visão negativa perpetuada durante anos nos processos 
educativos. 
Assim, em benefício de uma legítima positivação, o que ocorre muitas 
vezes é a idealização da África e suas heranças. 
Este texto é um convite a que você, professor/a, procure repensar as 
percepções ingênuas construídas sobre a África e os africanos (também da 
diáspora), rompendo tanto com aquelas ideias que informavam um continente e 
 
seus povos como símbolos natos de destruição, maldição e ruína – o chamado 
afro-negativismo -, quanto também àquelas percepções que, em benefício da 
necessária positivação, silenciaram na escola o estudo das contradições e 
conflitos observados na história do continente e ainda hoje presentes em sua 
realidade (como a corrupção, a subserviência política, o julgo europeu e asiático 
com submissão econômica e cultural, a miséria e as guerras, entre outros). 
Embora tais mazelas não devessem ser generalizadas para todo o 
continente, ignorá-las - ou até justificá-las - pode conduzir a um afro centrismo 
ingênuo, por vezes transformado naquilo que Carlos Lopes chamou de tese da 
superioridade africana. Este texto é também um convite a pensar melhor no 
valioso cultivo do nosso sentimento de pertença à experiência do continente 
africano, sentimento que liga a África e os africanos ao Brasil por laços históricos 
conhecidos, mas ainda não totalmente compreendidos ou valorizados. 
A recomposição do imaginário sobre a África é também parte importante 
da implementação de programas educativos que, centrados no ensino de história 
e cultura africana e afro-brasileira, voltam-se à promoção de uma (re)educação 
das relações étnico-raciais, em nosso país. 
Tal perspectiva, no entanto, precisa se pautar pela busca de uma 
compreensão real da história e da cultura dos povos africanos e afro- 
descendentes. No nosso caso, é significativa a abordagem da história africana 
do ponto de vista de suas relações com o Brasil, sem ingenuidades ou 
supressões, mantendo, evidentemente, a positivação como suposto educativo, 
mas sem idealizações acerca da África, da rica ancestralidade que nos liga, dos 
laços contemporâneos, enfim, de sua/nossa história. É a partir da aposta de que 
é possível – e necessário – reconstruir imagens estereotipadas – qualquer que 
seja sua perspectiva– que este texto se orienta. 
Esperamos que ele possa representar um efetivo convite à reflexão crítica 
e à elaboração de propostas pedagógicas inovadoras. Mas para isso, é preciso 
compreender alguns dos pressupostos e argumentos que estão presentes tanto 
na tese da inferioridade africana quanto naquela que, visando ultrapassar essa 
visão, erigiu uma “pirâmide invertida”, como nos diz Carlos Lopes. 
 
 
 
8. EM SALA DE AULA 
 
Fonte: chapensantesale.blogspot.com.br 
Se objetivamos desconstruir estereótipos e caminhar em direção a uma 
visão mais realista do continente, na perspectiva de sua diversidade, é 
importante, em primeiro lugar, investigar as representações que os alunos 
carregam acerca do continente. Pode-se, então, iniciar os estudos sobre o 
continente africano propondo que os alunos descrevam o que pensam sobre a 
realidade africana, que tipo de imagens vêm à sua memória, o que sabem sobre 
a história e a geografia desse continente (é comum que identifiquem a África 
como um país e não se deem conta de que trata-se de um continente, constituído 
por mais de 50 países). 
Outra alternativa consiste em levar para sala de aula um conjunto de 
imagens do continente (imagens diversas, que mostrem tanto as mazelas 
econômicas e sociais quanto a riqueza das diferentes formas de organização 
política, econômica e social, com sua diversidade sócio- cultural, sua produção 
artística, etc; da mesma forma, tanto imagens que evidenciem as belezas 
naturais, com sua grande diversidade de paisagens, quanto àquelas que 
mostrem a destruição de florestas, queimadas, uso não sustentável das 
riquezas, etc.), em comparação e similitude a outras partes do mundo (também 
 
neste caso, mostrando situações diversas, imagens que enfatizem tanto 
aspectos positivos quanto negativos). Pode-se propor aos alunos que 
selecionem aquelas imagens que acreditam referir-se ao continente africano e 
aquelas que pensem referir-se a outras realidades. A partir do levantamento 
dessas imagens e representações pode-se começar a discutir em sala de aula a 
origem de tais representações e as razões do predomínio de equívocos e 
estereótipos. Enfim, propor que reflitam sobre as representações construídas, 
como forma de convidá-los a problematizar e rever parte dessas representações. 
9. IDENTIDADES EM CONTRAPONTO: DA TESE DA INFERIORIDADE À 
PIRÂMIDE INVERTIDA 
 
Fonte: www.siliconafrica.com 
Não é de hoje que vem se forjando a tese da inferioridade africana. Hegel, 
no século XIX, já postulara que “A África não é uma parte histórica do mundo. 
Não tem movimentos, progressos a mostrar, movimentos históricos próprios” 
(HEGEL, citado por ARNAUT e LOPES, 2005). 
Essa ideia foi mantida praticamente intocada, inclusive nos meios 
acadêmicos, pelo menos até meados do século XX. E mesmo nos dias atuais 
ainda é comum (embora não seja aceitável) que os africanos sejam descritos 
como não civilizados, pouco afeitos ao trabalho intelectual e, nesta tradição, 
considerados incapazes de pensar a sua própria história. 
 
Muitos livros didáticos no Brasil contribuíram para reforçar essa ideia, 
especialmente porque divulgaram imagens de africanos como sujeitos 
inteiramente dominados e oprimidos pelo processo de escravização. Essa 
representação – sustentada também por concepções pretensamente científicas 
do século XIX - contribuiu muito para difusão da ideia de que as sociedades 
africanas são incapazes de se autogovernar, por serem associadas a atributos 
como os de ingenuidade ou primitivismo. 
Felizmente, lutas sociais e políticas e também embates científicos têm 
permitido a superação destes postulados relativos ao que seria uma inferioridade 
genética ou inata dos africanos, considerando que não existe inferioridade ou 
superioridade racial.... Mas, se não há raças do ponto de vista biológico, há ainda 
racismo em diferentes partes do planeta, inclusive no Brasil. Assim, se como 
operadores biológicos que justifiquem hierarquizações, as ideias em torno do 
conceito de “raças humanas” perderam validade e credibilidade científica e 
também social, as classificações raciais são ainda, infelizmente, critérios 
utilizados no pensamento e vivência social para discriminar, excluir e impedir o 
acesso a bens e direitos. 
Mas a ideia de “raça” não tem sido apropriada apenas numa perspectiva 
de hierarquização – e consequente inferiorização de alguns grupos humanos -, 
nas formas como opera o racismo. Ela também tem sido utilizada - em meio a 
polêmicas e controvérsias – como estratégia de afirmação de identidades 
negadas e silenciadas por séculos, como é o caso da identidade negra. Assim, 
mesmo reconhecendo a inexistência de raças, do ponto de vista biológico, 
muitos grupos reivindicam um pertencimento étnico-racial, afirmando a validade 
desse conceito do ponto de vista social, enquanto estratégia de mobilização e 
luta. Esse movimento de afirmação e valorização da identidade negra, a partir 
da ideia de pertencimento étnico-racial, também tem história, uma história que 
se liga às lutas travadas por africanos nos processos de emancipação política e 
por afro- descendentes da diáspora, espalhados por diferentes partes do mundo. 
Foi no contexto de luta anti- colonialista que se forjou o que chamamos de 
pan-africanismo, ideologia política criada fora da África que predicava que a 
Diáspora e a África tinham um destino comum. Dessa forma, a emancipação dos 
 
afro-americanos, por exemplo, estava vinculada à emancipação dos povos do 
continente – e vice-versa. 
De acordo com Carlos Lopes, os africanos têm muita dificuldade em 
aceitar a identidade que não seja a pan-africana. Isso tem a ver com a história 
política do continente. Porque os africanos tiveram que afirmar a sua identidade 
em contraponto. A práxis identitária africana é o contraponto. Existe toda uma 
literatura, uma produção de mídia, uma produção artística de inferiorização do 
africano. Ele sente necessidade de fazer aquilo que chamo de pirâmide invertida. 
Faz tudo ao contrário e inverte a pirâmide. O que é mau passa a ser bom, o que 
é bom passa a ser mau. Ele sobrevaloriza as coisas africanas e subvaloriza a 
influência externa, que também está presente. Os africanos são diversos, 
embora tenham dificuldades em aceitar isso. Mesmo o africano que não é negro 
tem de se posicionar para defender sua identidade. Ele quase rejeita as outras 
características do padrão, para se expressar dos pontos de vista intelectual, 
artístico e identitário. (...). Esse debate será ultrapassado aos poucos. À medida 
que vão ocorrendo às discussões sobre a questão das identidades, começa-se 
a admitir que a África contemporânea seja de fato uma mistura, como todos os 
países e continentes o são. (LOPES, 2004, p. 1). 
O conceito de “pirâmide invertida”, como nos diz Carlos Lopes, diz 
respeito a esse processo de afirmação de uma superioridade africana e, junto a 
isso, de uma suposta “homogeneidade” ou de que os africanos teriam, 
naturalmente, algo em comum. Esse algo passa a ser, muitas vezes, a “raça 
negra”, enquanto uma identidade comum. Outro pensador africano crítico aos 
usos e apropriações do conceito de raça é Kwame Anthony Appiah. Dialogando 
com o movimento pan-africanista, este filósofo também nos adverte sobre os 
riscos do apelo ao conceito de raça, mesmo que numa perspectiva social, vir a 
contribuir para um congelamento, fixação, essencialização e homogeneização 
de uma identidade negra. 
A “raça” nos incapacita porque propõe como base para a ação comum a 
ilusão de que as pessoas negras (e brancas e amarelas) são fundamentalmente 
aliadas por natureza e, portanto, sem esforço; ela nos deixa despreparados, por 
conseguinte, para lidar com os conflitos “intraraciais” que nascem das situações 
 
muito diferentes dos negros (e brancos e amarelos) nas diversas partes da 
economia e do mundo. (APPIAH, 1997: 245) 
As “situações muito diferentes

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