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CURSO GRADUAÇÃO PEDAGOGIA BASES SÓCIO-ANTROPOLÓGICAS DOS AFRODESCENDENTES VOTUPORANGA – SP SUMÁRIO 1. O QUE É CULTURA? ....................................................................................................... 4 2. AS DIVERSIDADES CULTURAIS ................................................................................ 11 3. CULTURA E DIVERSIDADE ......................................................................................... 15 Diversidade cultural ....................................................................................... 17 Diversidade cultural no Brasil ................................................................... 18 A convivência com as diferenças .............................................................. 21 4. POLÍTICAS PÚBLICAS EM DEFESA DA PLURALIDADE CULTURAL .............. 24 Políticas Públicas e as relações Étnico-Raciais....................................... 26 Estatuto da Igualdade Racial ..................................................................... 28 5. RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL .............................................................. 39 Significado da expressão étnico-racial ..................................................... 39 Preconceito e racismo ................................................................................ 41 Lutas e Conquistas: trajetória do movimento negro brasileiro .............. 42 6. TERMOS E CONCEITOS PRESENTES NO DEBATE SOBRE RELAÇÕES RACIAIS .................................................................................................................................... 44 Identidade .................................................................................................... 45 Identidade negra ......................................................................................... 45 Raça ............................................................................................................. 46 Etnia ............................................................................................................. 46 Racismo ....................................................................................................... 47 Etnocentrismo ............................................................................................. 48 Preconceito racial ....................................................................................... 48 Discriminação racial ................................................................................... 49 Democracia racial ....................................................................................... 49 7. INTRODUÇÃO À HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA ........................................... 50 A África pela Diáspora ................................................................................ 50 8. EM SALA DE AULA ........................................................................................................ 54 9. IDENTIDADES EM CONTRAPONTO: DA TESE DA INFERIORIDADE À PIRÂMIDE INVERTIDA ........................................................................................................... 55 10. ÁFRICA NO PLURAL ................................................................................................. 60 11. COMO PODEMOS ESTUDAR A HISTÓRIA DA ÁFRICA? ................................. 63 12. FONTES ORAIS ........................................................................................................... 65 13. FONTES ARQUEOLÓGICAS E BENS CULTURAIS ................................................. 67 14. FONTES ESCRITAS, MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS E ICONOGRÁFICAS69 15. CULTURA AFRO-BRASILEIRA ............................................................................... 71 16 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 76 1. O QUE É CULTURA? Fonte: www.tandemmadrid.com Uma pergunta retorna sempre e tem se mostrado de difícil resposta: o que constitui, então, a natureza humana? Gradualmente, observa Lenski, começamos a perceber de forma um pouco mais clara isso que chamamos de “natureza humana”. Com as descobertas relativamente recentes do DNA, RNA, do código genético e de todas as pesquisas biológicas atuais, é possível entender um pouco melhor o que influencia nossa maneira de ser e de agir. Dessa forma, “muitos cientistas sociais consideram que o termo natureza humana não se refere ao que é mais específico do comportamento humano – como as pessoas se vestem, como casam, o que comem, como enterram seus mortos, como praticam suas crenças. Esses são costumes socialmente determinados e que variam intensamente.” Consequentemente, o termo natureza humana tende a ser utilizado mais em relação a tendências básicas enraizadas em nossa herança genética comum e que, portanto, independem do que é específico de cada sociedade e dos comportamentos que as pessoas aprendem no ambiente social em que vivem. Nessa perspectiva, o termo “natureza humana” estaria referenciado às “necessidades biológicas básicas do ser humano, à sua motivação geneticamente programada para satisfazê-las, à sua dependência, geneticamente baseada, de sistemas socioculturais e, também, ao seu potencial, geneticamente estabelecido para a construção cultural”. Fonte: sociologiacta.blogspot.com.br Para acentuar a diferença que distingue os humanos do resto do mundo animal, os antropólogos buscaram vincular o termo cultura ao conceito de “símbolos”. Podemos garantir tudo que é fundamental em uma definição de cultura se a consideramos como “os sistemas de símbolos da humanidade e todos os aspectos da vida humana que deles dependem”. De um modo geral esse é o aspecto que mais nos distingue de todos os outros seres vivos. Mas o que são “símbolos” e “sistemas de símbolos”? Lenski esclarece que todos os mamíferos são capazes de comunicar com outros de sua espécie e o fazem através de “sinais”. Só os humanos, no entanto, usam “símbolos” tanto quanto “sinais”. Símbolos e sinais são veículos de transmissão de informação. Mas há uma fundamental diferença: o significado de um sinal é amplamente determinado de forma genética, é uma resposta geneticamente determinada por um estímulo específico. Um exemplo clássico de um sinal é o grito de dor emitido por um animal ferido. Outro membro do grupo responde instintivamente a esse som ou pode aprender através da observação e experiência a associá-lo com os humores e ações dos demais membros de seu grupo. E, com isso, ele pode ajustar o seu comportamento. Os sinais são extremamente úteis para ordenar as relações sociais entre os membros de um grupo. Os animais aprendem a associar experiências e por meio de sinais comunicam aos outros de sua espécie, informações essenciais – como uma ameaça de perigo – através de movimentos do corpo, secreções glandulares ou outros métodos e suas combinações. Em geral, no entanto, os sinais são muito limitados em seu poder de comunicação. Os símbolos, em contraste, como não são condicionados geneticamente, são flexíveis e podem ser modificados facilmente. Pense na história de qualquer linguagem. Símbolos linguísticos foram modificados ao longo dos tempos enquanto seus significados permaneceram os mesmos e vice-versa. Isso ocorre porque os significados dos símbolos são atribuídos pelos grupos sociais de maneira arbitrária, adotados pelos seus membros e, portanto, não estão submetidos a regras previamente definidas e podem modificar-se com o tempo e as circunstâncias. Fonte: www.cultura.pe.gov.br A invenção da escrita, por exemplo, significou uma revolução na história da humanidade porque possibilitou aos sereshumanos acumular informação muito além das suas capacidades biológicas. E isso só foi possível através de um sistema de símbolos – as letras do alfabeto. Pela combinação e recombinação das letras somos capazes, indefinidamente, de formar palavras e frases, transmitindo informações de todos os tipos às gerações que se sucedem. E fazemos isso ultrapassando em muito nossa capacidade de memória individual e independentemente do contato pessoal. Considere, também, a grande transformação cultural que ocorre nos nossos dias com o uso ampliado da Internet. Fonte: mixbee.com.br São criações humanas que ampliam e atribuem novas formas e características ao mundo em que vivemos. Podemos dizer, portanto, que os símbolos são veículos culturalmente determinados para a transmissão de informações de qualquer natureza. O antropólogo Clifford Geertz, em seu livro A Interpretação das Culturas, ao analisar a relação entre o desenvolvimento da cultura e a evolução da mente humana considera que foi no período pré-histórico da Era Glacial que foram forjadas quase todas as características da existência do ser humano que são mais impressivamente humanas. Em uma mesma época da história evolutiva desenvolveram-se de forma combinada e interativa a totalidade do sistema nervoso do cérebro humano, a estrutura social baseada no tabu do incesto e a capacidade de criar e usar símbolos. “O fato de que essas características distintivas de humanidade”, escreveu Geertz, “emergiram juntas e em interação complexa uma com a outra (...) é de excepcional importância na interpretação da mentalidade humana, porque sugere que o sistema nervoso humano não apenas torna o homem capaz de adquirir cultura mas demanda positivamente que ele assim o faça para que possa funcionar.” Hoje, as pesquisas da neurociência tem comprovado a importância das atividades de natureza cultural que, associadas às atividades físicas, são a melhor maneira de avançar em idade de forma saudável e com lucidez. Nas sociedades tecnologicamente avançadas dos nossos dias, o volume de informação transmitido de geração para geração tornou-se tão grande que nenhum membro individual consegue dominá-lo. Assim, diz Lenski, “se os indivíduos são os portadores da cultura, a cultura em sua totalidade é a propriedade de uma sociedade. Nesse sentido podemos dizer que os sistemas de símbolos tem uma função do ponto de vista cultural, semelhante ao do sistema genético. Ambos são mecanismos que facilitam a adaptação de populações ao seu ambiente, através da aquisição, de acúmulo, da transmissão e uso de informações relevantes”. Através da criação de sistemas de símbolos os seres humanos foram capazes de modificar seus comportamentos de maneira significativa, tornando sua adaptação ao ambiente cada vez mais eficiente e isso sem qualquer transformação orgânica importante. O antropólogo Clifford Geertz, sob a influência do grande cientista social Max Weber, acredita que “o ser humano é um animal envolvido em teias de significados que ele próprio teceu”. Cultura, para Geertz, são essas redes e sua análise deve ser um estudo interpretativo de seus significados. Para analisar e conhecer uma cultura é preciso interpretar os sinais e símbolos que são utilizados nos processos de comunicação de um grupo social, de um povo ou de uma nação. Fonte: psicologiaescolarcritica.wordpress.com O conceito de cultura está entre os mais usados na Sociologia e refere-se às formas de vida dos membros de uma sociedade ou de grupos dentro da sociedade, incluindo todas as formas de arte, com suas linguagens próprias (a literatura, a música, as artes plásticas, etc.), as várias formas de expressão que se manifestam no modo de vestir das pessoas, em seus costumes, em seus padrões de comportamento, os seus rituais religiosos, as suas ideias, crenças e princípios orientadores da vida (como as teorias científicas, as doutrinas religiosas e as ideologias). O mundo da cultura é constituído de uma trama complexa dos elementos que contribuem para a organização da vida cotidiana, como os estilos de vida familiar e as atividades de lazer que caracterizam nosso ambiente de convivência, e dos mecanismos sociais desenvolvidos para a resolução dos problemas da vida coletiva, como as formas de organização da vida escolar, da política ou da produção da vida material. A cultura é um vasto campo que abrange tanto as ideias abstratas que traduzem a vida da imaginação e do pensamento, com suas linguagens próprias, quanto os arranjos sociais e os instrumentos que permitem e favorecem a cooperação entre as pessoas nas formas das organizações sociais, possibilitando melhorar nossa habilidade em alcançar o que precisamos e desejamos para nós mesmos. Dessa forma a noção de cultura envolve tanto aspectos “intangíveis” - como valores, crenças, ideias, teorias e normas sociais- quanto aspectos “tangíveis” – como objetos, produtos do trabalho, das artes, da ciência e da tecnologia. Os valores e as normas sociais definem o que é considerado fundamental e desejável para a orientação da vida das pessoas em suas interações sociais. Os valores informam nossas crenças morais dando sentido e direção às nossas vidas, enquanto as normas são regras comportamentais que definem o que é esperado das ações individuais no contexto da convivência social. As normas dizem o que devemos fazer ou é proibido fazer em situações específicas. Em alguma medida as normas sociais, escritas ou não na forma de leis, refletem os valores predominantes de uma cultura em uma determinada sociedade. Todos esses elementos, tangíveis e intangíveis, são constitutivos da cultura e são compartilhados pelos membros da sociedade, formando um contexto comum para os seus integrantes e dando sentido às suas vidas, ações e atividades. Fonte: centrodepesquisaeformacao.sescsp.org 2. AS DIVERSIDADES CULTURAIS Fonte: www.abrhbrasil.org.br/ É fácil percebermos, quando entramos em contato com aspectos da vida de outras sociedades, como seus ambientes culturais e os comportamentos de seus membros são diferentes dos nossos e, às vezes, de forma acentuada. Quando temos a oportunidade de conhecer e comparar diversas culturas, por leituras e estudos ou em viagens, adquirimos consciência da importância da dimensão cultural para as nossas vidas e para a vida coletiva em geral. Isso também ajuda a esclarecermos o conceito sociológico de cultura. Sociedades de tempos históricos diversos ou em espaços geográficos diferentes, desenvolveram modos de vida, valores e crenças que em muitos aspectos e, às vezes, de maneira bastante radical, diferem e divergem dos nossos. Ao comparar e comentar diferentes culturas deve-se prestar atenção para eventuais manifestações de “etnocentrismo”, a tendência que desenvolvemos em julgar elementos de outras culturas com base nos padrões da nossa cultura, o que torna difícil simpatizar com as ideias ou aceitar os comportamentos das pessoas de uma cultura diferente. Os problemas envolvidos nas comparações e avaliações culturais levantam uma questão que tem se tornado fonte de grande debate, transformando-se em foco de tensão no mundo da política global, especialmente para os que lidam na esfera internacional dos direitos humanos. Trata-se do significado e abrangência do relativismo cultural no mundo contemporâneo. A questão é a seguinte: é possível avaliarmos os valores e normas de outra cultura? Baseados em que critérios podemos julgar outra forma de vida cultural como melhor ou inferior à nossa? Essa é uma questão polêmica que provoca grandes debates nas ciências sociais. O sociólogo Anthony Giddens pergunta: no Afeganistão, “as políticas do Talibã para as mulheres são aceitáveis no início do século XXI?” O relativismo cultural – “ou seja, suspender suas próprias crenças culturais profundamentesustentadas e examinar uma situação de acordo com os padrões de outra cultura – pode ser repleto de incerteza e desafio”. (...) “Questões preocupantes são levantadas. O relativismo cultural significa que todos os costumes e comportamentos são igualmente legítimos? Haveria padrões universais aos quais todos os humanos deveriam aderir?” Giddens acrescenta, “não há soluções simples para esse dilema e para dúzias de outros casos nos quais normas e valores culturais não coincidem.” ...E ensina uma lição básica para todo o estudante de Sociologia: “O papel do sociólogo é evitar “respostas automáticas” e examinar questões complexas cuidadosamente a partir de tantos ângulos diferentes quanto possível.” Fonte: www.isehf.edu.py Essas inúmeras questões são um alerta e devem intensificar nossa disposição para conhecer os diversos sistemas socioculturais para melhor compreender os mecanismos que facilitam assim como os que dificultam a convivência humana, necessariamente, de cunho social. De um lado a cooperação, a convivência mais equilibrada e harmoniosa, de outro, os antagonismos, os conflitos e as guerras. Os processos da globalização econômica, da revolução na informática, da mídia, da superação das barreiras geográficas vem transformando o mundo em uma grande “aldeia global”. Em que medida esses fenômenos estão produzindo uma cultura universal, válida para todos os povos? Em que sentido podemos afirmar isso? Quais os possíveis danos para a vida das pessoas e para os diferentes grupos sociais com raízes histórico-culturais distintas? Como fenômeno humano as culturas dos povos são dinâmicas e sofrem mudanças. Os indivíduos agem e reagem às influências do ambiente em que vivem e às transformações de seu tempo. Os grupos sociais se mobilizam e movimentam- se no sentido de alterar as suas condições de vida. Continuidade e mudança são dimensões inerentes à vida das sociedades e das culturas. As mudanças podem ocorrer de forma mais lenta, como nos tempos mais antigos, como podem tornar- se rápidas e permanentes como tem ocorrido desde os tempos modernos. Fonte: cliquetando.xpg.uol.com.br É importante observar que “as culturas ultrapassam seus criadores”, como diz Lenski. Cada um de nós nasce em uma sociedade com uma cultura estabelecida e é somente através do domínio dessa cultura que somos capazes de satisfazer nossas necessidades e aspirações. Mas, no processo de dominar a cultura, a cultura tende a nos controlar e fazer de nós suas criaturas. Em um sentido, ela define mesmo nossos objetivos na vida e dá forma aos padrões de nossos pensamentos. Por isso encontramos dificuldade em desaprender o que aprendemos no passado. E isso é especialmente marcante nas pessoas mais velhas. Por outro lado é sempre possível uma adaptação consciente e deliberada a um novo ambiente ou a uma mudança cultural. Isso implica que processos de mudança cultural ocorrem e podem até ser controlados e mesmo planejados. Esse tema, o da mudança cultural, é especialmente importante na medida em que envolve o debate em torno das questões que dizem respeito às transformações da sociedade. Em geral, novos elementos culturais são acrescentados em uma base de continuidade. Em certos momentos ocorre o abandono de componentes culturais que são substituídos por outros novos. Se nós pensarmos nos vários instrumentos de comunicação utilizados através dos séculos nós teremos uma boa amostra das significativas mudanças culturais e das consequências dessas mudanças para a vida das pessoas. Mas muitas mudanças envolvem, ao mesmo tempo, continuidade, como é o caso do alfabeto que usamos há mais de três mil séculos, assim como o conceito de justiça que perdura desde tempos ainda mais antigos. Fonte:gdeufal.blogspot.com.br/ 3. CULTURA E DIVERSIDADE Fonte: pt.slideshare.net/ A cultura ocupa um lugar de destaque na circunstância contemporânea. No passado ou no presente, nas mais diversas partes do globo, homens e mulheres nunca deixaram de se organizar em sociedade e de se questionar sobre si e sobre o mundo que os rodeia. Os vários descobrimentos têm estimulado a imaginação dos homens e mulheres do presente, que colocam muitas questões em torno dos povos do passado, mas que não deixam a menor dúvida quanto à sofisticação do pensamento, da visão de mundo e das manifestações estéticas e culturais desses povos. A diversidade das manifestações culturais se estende não só no tempo, mas também no espaço. No Brasil, nos deparamos com uma riqueza cultural extraordinária: 200 povos indígenas falando mais de 180 línguas diferentes. Há mais de 2.200 comunidades remanescentes de quilombos no Brasil, com características geográficas distintas, com diferentes meios de produção e de organização social. Noções como espaço e tempo também são marcadamente diferenciadas no campo e na cidade, onde a ação de homens e mulheres está presente, interferindo no espaço e o carregando de significado. A surpresa pode marcar um olhar mais cuidadoso para o interior da nossa própria sociedade: se compararmos o campo com o meio urbano ou as diferentes regiões do país, nos daremos conta das diversidades existentes entre os seus habitantes. Também na cidade encontramos indivíduos de distintas origens. Além disso, existem as diferenças entre as gerações. Fenômeno unicamente humano, a cultura se refere à capacidade que os seres humanos têm de dar significado às suas ações e ao mundo que os rodeia. Diversidade cultural Fonte: centraldeinteligenciaacademica. A diversidade cultural é um fenômeno que sempre acompanhou a humanidade. No Brasil, há diversas tradições culturais, algumas mais popularizadas e outras pouco conhecidas. Algumas valorizadas outras pouco respeitadas. É constitutivo das sociedades humanas apresentar um mecanismo diferenciador: quando o encontro de duas sociedades parece gerar um resultado homogêneo em seu interior surgem diferenças significativas, que marcam as fronteiras entre os grupos sociais. Por outro lado, sociedades que estão em contato há muito tempo mantêm com zelo os elementos significativos de sua identidade. A diversidade brasileira, não se esgota com as sociedades indígenas e as comunidades quilombolas. Os movimentos negros há muito nos lembram que a origem da população de afrodescendentes – com seus universos culturais, suas formas de resistência, suas sabedorias e construções de conhecimentos, sua visão de mundo, organização, luta etc. – acaba por definir um universo de referência específico a esses grupos. Falar da diversidade cultural no Brasil significa levar em conta a origem das famílias e reconhecer as diferenças entre os referenciais culturais de uma família nordestina e de uma família gaúcha, por exemplo. Significa, também, reconhecer que, no interior dessas famílias e na relação de umas com as outras, encontramos indivíduos que não são iguais, que têm especificidades de gênero, raça/etnia, religião, orientação sexual, valores e outras diferenças definidas a partir de suas histórias pessoais. Diversidade cultural no Brasil O Brasil tem uma notável diversidade criativa. A diversidade cultural pode ter um papel central no desenvolvimento de projetos culturais no país, especialmente com ênfase nos indígenas e afrodescendentes. Ao tentar enfrentar seu problema mais urgente – a desigualdade social – o país vem descobrindo a forte influência da cultura para a configuração dessa realidade, bem como seu potencial de transformação social do cenário atual. Falta ainda uma abordagem cultural mais profunda com relação aos povos indígenas e aos afrodescendentes. Estes dois grupos de minoria apresentam os piores indicadores sociais do país, mas que apenas nos últimos anos passaram a ser alvo de políticas sociais específicas. -É preciso que mais seja feitopara preservar: -tradições indígenas, -línguas indígenas ameaçadas de desaparecimento, -conhecimento tradicional indígena sobre a natureza -terras indígenas - há conflitos a respeito da expansão a fronteira agrícola e os investimentos em infraestrutura, -afirmação dos direitos dos povos indígenas, -Influência da cultura africana na cultura e história do Brasil. O conceito de Diversidade Cultural é fator fundamental para a construção contemporânea das Políticas Públicas, especialmente nas áreas da Cultura e das Políticas Sociais. A Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural e os atuais esforços desenvolvidos pela Unesco, em torno de uma futura Convenção Internacional sobre a proteção e promoção da Diversidade Cultural, evidenciam a centralidade dessas discussões. Os direitos culturais fazem parte dos direitos humanos e a dimensão cultural é indispensável e estratégica para qualquer projeto de desenvolvimento. Segundo a Declaração Universal da Diversidade Cultural, os indivíduos e grupos devem ter garantidas as condições de criar e difundir suas expressões culturais; o direito à educação e à formação de qualidade que respeite sua identidade cultural; a possibilidade de participar da vida cultural de sua preferência e exercer e fruir suas próprias práticas culturais, desde que respeitados os limites dos direitos humanos. O direito à diferença, e à construção individual e coletiva das identidades através das expressões culturais é elemento fundamental da promoção de uma cultura de paz. O reconhecimento e a valorização da diversidade cultural estão ligados à busca da solidariedade entre os povos, à consciência da unidade do gênero humano e ao desenvolvimento dos intercâmbios culturais. Os processos de globalização e/ou mundialização, caracterizados pela rápida evolução das tecnologias da informação e da comunicação constituem hoje desafios para a preservação e promoção dessa diversidade, criando condicionamentos e ameaçando o diálogo permanente entre culturas, civilizações ou grupos sociais. Por outro lado, é fundamental o respeito, a valorização e o convívio harmonioso das diferentes identidades culturais existentes dentro dos territórios nacionais. Fonte: pt.slideshare.net/ O conceito de diversidade cultural nos permite perceber que as identidades culturais nacionais não são um conjunto monolítico e único. Ao contrário, podemos e devemos reconhecer e valorizar as nossas diferenças culturais, como fator para a coexistência harmoniosa das várias formas possíveis de brasilidade. Como o respeito a eventuais diferenças entre os indivíduos e grupos humanos é condição da cidadania, devemos tratar com carinho e eficácia da promoção da convivência harmoniosa, dos diálogos e dos intercâmbios entre os brasileiros – expressos através das diversas linguagens e expressões culturais, para a superação da violência e da intolerância entre indivíduos e grupos sociais em nosso país. No plano das relações internacionais, os Ministérios da Cultura e das Relações Exteriores têm trabalhado em conjunto em prol da chamada Convenção da Unesco sobre Diversidade Cultural, através da qual os países assumirão uma série de compromissos em torno da promoção e da proteção da diversidade cultural. É fundamental que os mecanismos ativos de política cultural sejam fortalecidos no nível das relações internacionais. Para o Governo brasileiro, proteger e promover as expressões culturais em sua diversidade é direito legítimo dos cidadãos, da sociedade civil e dos estados nacionais. A Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural, além de participar da construção da agenda internacional sobre Diversidade Cultural, colabora na estruturação das políticas culturais no Brasil a partir do conceito de Diversidade Cultural, o que nos coloca outros dois desafios. O primeiro é o entendimento do conceito de Diversidade Cultural no contexto da cultura brasileira, trabalhado de maneira transversal aos segmentos governamentais e da sociedade civil. Outro desafio é o de estabelecer diálogos com grupos e redes culturais representativas da Diversidade Cultural brasileira ainda excluídos do acesso aos instrumentos de política pública de cultura e contribuir para o aperfeiçoamento dos mecanismos de proteção e promoção da nossa Diversidade Cultural. A convivência com as diferenças Fonte: lauraartes.blogspot.com.br/ A tolerância acontece quando existe uma convivência respeitosa entre as diferenças. Já a intolerância é um comportamento que se materializa pela violência física ou simbólica, motivada pelo ódio ao outro. Trata-se de uma violência que é usada no cotidiano contra pessoas e povos, baseada na dificuldade de entender e aceitar as diferenças. Ela pode ser étnica, política, de gênero, de classes, religiosa, sexual, cultural e social. O desafio do mundo contemporâneo é o de que todas essas identidades consigam conviver juntas e em paz. A noção de tolerância que temos hoje tem raízes no Iluminismo. Em 1689, o filósofo inglês John Locke (1632-1704) escreveu a Carta sobre a Tolerância, que trouxe importantes argumentos na defesa da tolerância. Naquela época, eram comuns massacres recíprocos entre católicos e protestantes na Europa. Na Carta, Locke defende a preservação de certos direitos dos indivíduos e afirma que os homens não têm o direito de infligir tortura por motivo religioso. Locke rejeita a conversão da fé à força. Ele acredita que ninguém pode mudar sua fé pelo simples comando de outro. Para ele, as perseguições religiosas provocam ainda mais intolerância. Por outro lado, o respeito pela consciência alheia disseminaria a paz na sociedade. As reflexões dos filósofos iluministas influenciaram a criação de leis que reconhecem todos como iguais. Após a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, a ONU assinou a Declaração Universal dos Direitos do Homem. O primeiro artigo da Declaração diz que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Os indivíduos têm direitos porque são seres humanos, e não por sua condição social. A Constituição brasileira também assegura que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e garante aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Fonte: beira.pt/portal/noticias Já a intolerância que se baseia em diferentes tipos de preconceitos tem como característica atentar contra a diversidade humana. Do ponto de vista de sua origem, a palavra preconceito significa pré-julgamento, ou seja, ter uma conclusão sobre alguma coisa que ainda não se conhece. Na prática, a palavra preconceito foi consagrada como um pré-julgamento negativo a respeito de uma pessoa ou de alguma coisa. Para Michael Walzer, intelectual e pensador norte-americano, “a coexistência pacífica de grupos de pessoas com histórias, culturas e identidades diferentes” é o próprio conceito de tolerância. Walzer identifica e classifica diferentes posturas como tolerância. Assim, encontra quatro possibilidades que são comumente relacionadas à tolerância: 1) aceitação resignada da diferença; 2) indiferença bondosa em relação aos outros; 3) reconhecimento dos direitos dos diferentes e 4) abertura e curiosidade para com a alteridade (ideia de que todo o homem social interage e interdepende do outro, agindo de forma a considerar sempre o outro). Fonte: www.tudodesenhos.com 4. POLÍTICAS PÚBLICAS EM DEFESA DA PLURALIDADE CULTURAL Fonte: culturaptrn.blogspot.com.br/ A temática da Pluralidade Cultural diz respeito ao conhecimento e à valorização de características étnicas e culturais dos diferentes grupos sociais que convivem no território nacional, às desigualdades socioeconômicas e à crítica às relaçõessociais discriminatórias e excludentes que permeiam a sociedade brasileira, oferecendo ao aluno a possibilidade de conhecer o Brasil como um país complexo, multifacetado e algumas vezes paradoxal. As culturas são produzidas pelos grupos sociais ao longo das suas histórias, na construção de suas formas de subsistência, na organização da vida social e política, nas suas relações com o meio e com outros grupos, na produção de conhecimentos etc. A diferença entre culturas é fruto da singularidade desses processos em cada grupo social. A desigualdade social é uma diferença de outra natureza: é produzida na relação de dominação e exploração socioeconômica e política. Quando se propõe o conhecimento e a valorização da pluralidade cultural brasileira, não se pretende deixar de lado essa questão. Ao contrário, principalmente no que se refere à discriminação, é impossível compreendê-la sem recorrer ao contexto socioeconômico em que acontece e à estrutura autoritária que marca a sociedade. As produções culturais não ocorrem “fora” de relações de poder: são constituídas e marcadas por ele, envolvendo um permanente processo de reformulação e resistência. Ambas, desigualdade social e discriminação, articulam-se no que se convencionou denominar “exclusão social”: impossibilidade de acesso aos bens materiais e culturais produzidos pela sociedade e de participação na gestão coletiva do espaço público — pressuposto da democracia. Entretanto, apesar da discriminação, da injustiça e do preconceito que contradizem os princípios da dignidade, do respeito mútuo e da justiça, paradoxalmente o Brasil tem produzido também experiências de convívio, reelaboração das culturas de origem, constituindo algo intangível que se tem chamado de brasilidade, que permite a cada um reconhecer-se como brasileiro. Por isso, no cenário mundial, o Brasil representa uma esperança de superação de fronteiras e de construção da relação de confiança na humanidade. Fonte: www.escolavillare.com.br A singularidade que permite essa esperança é dada por sua constituição histórica peculiar no campo cultural. O que se almeja, portanto, ao tratar de Pluralidade Cultural, não é a divisão ou o esquadrinhamento da sociedade em grupos culturais fechados, mas o enriquecimento propiciado a cada um e a todos pela pluralidade de formas de vida, pelo convívio e pelas opções pessoais, assim como o compromisso ético de contribuir com as transformações necessárias à construção de uma sociedade mais justa. Reconhecer e valorizar a diversidade cultural é atuar sobre um dos mecanismos de discriminação e exclusão, entraves à plenitude da cidadania para todos e, portanto, para a própria nação. Políticas Públicas e as relações Étnico-Raciais No campo da inclusão social, sem negar a existência de muitos outros grupos humanos que sofrem os processos de exclusão social, os afrodescendentes e as mulheres são exemplos de grupos que, historicamente, foram alvo de discriminações e preconceitos que acabaram por negar-lhes muitos dos direitos que asseguram a igualdade de condições e de oportunidades para a construção de uma vida digna. Como parte dos processos recentes de democratização da sociedade brasileira, muito se tem conseguido na conquista por políticas públicas e por marcos legais que deem a esses grupos algumas das condições socioeducacionais e ocupacionais necessárias à melhoria de suas condições de vida. É pouco, no entanto, diante dos séculos de exclusão social a que foram submetidos, e muito ainda tem de ser feito para se chegar a uma sociedade verdadeiramente inclusiva, que lhes assegure a igualdade de direitos e o respeito às diferenças. Os principais avanços estão na área da educação. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o Ensino Fundamental (1997), destaca a importância de [...] conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais (PCN, v.20, 1997, p.4). Já a Lei nº 10.639/03, estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileiras e africanas nas escolas públicas e privadas do ensino fundamental e médio. Há também o Parecer do CNE/CP 03/2004 que aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas; e a Resolução CNE/CP 01/2004, que detalha os direitos e as obrigações dos entes federados ante a implementação da lei compõem um conjunto de dispositivos legais considerados como indutores de uma política educacional voltada para a afirmação da diversidade cultural e da concretização de uma educação das relações étnico-raciais nas escolas, desencadeada a partir dos anos 2000. É nesse mesmo contexto que foi aprovado, em 2009, o Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Estatuto da Igualdade Racial Fonte: etnicorracial.blogspot.com.br/ LEI Nº 12.288, DE 20 DE JULHO DE 2010, Institui o Estatuto da Igualdade Racial Art. 1o Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se: I - discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada; II - desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica; III - desigualdade de gênero e raça: assimetria existente no âmbito da sociedade que acentua a distância social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais; IV - população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam auto definição análoga; V - políticas públicas: as ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais; VI - ações afirmativas: os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades. Art. 2o É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais. Art. 3o Além das normas constitucionais relativas aos princípios fundamentais, aos direitos e garantias fundamentais e aos direitos sociais, econômicos e culturais, o Estatuto da Igualdade Racial adota como diretriz político-jurídica a inclusão das vítimas de desigualdade étnico-racial, a valorização da igualdade étnica e o fortalecimento da identidade nacional brasileira. Art. 4o A participação da população negra, em condição de igualdade deoportunidade, na vida econômica, social, política e cultural do País será promovida, prioritariamente, por meio de: I - inclusão nas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social; II - adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa; III - modificação das estruturas institucionais do Estado para o adequado enfrentamento e a superação das desigualdades étnicas decorrentes do preconceito e da discriminação étnica; IV - promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar o combate à discriminação étnica e às desigualdades étnicas em todas as suas manifestações individuais, institucionais e estruturais; V - eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que impedem a representação da diversidade étnica nas esferas pública e privada; VI - estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas oriundas da sociedade civil direcionadas à promoção da igualdade de oportunidades e ao combate às desigualdades étnicas, inclusive mediante a implementação de incentivos e critérios de condicionamento e prioridade no acesso aos recursos públicos; VII - implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante à educação, cultura, esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação de massa, financiamentos públicos, acesso à terra, à Justiça, e outros. Parágrafo único. Os programas de ação afirmativa constituir-se-ão em políticas públicas destinadas a reparar as distorções e desigualdades sociais e demais práticas discriminatórias adotadas, nas esferas pública e privada, durante o processo de formação social do País. Art. 6o O direito à saúde da população negra será garantido pelo poder público mediante políticas universais, sociais e econômicas destinadas à redução do risco de doenças e de outros agravos. § 1o O acesso universal e igualitário ao Sistema Único de Saúde (SUS) para promoção, proteção e recuperação da saúde da população negra será de responsabilidade dos órgãos e instituições públicas federais, estaduais, distritais e municipais, da administração direta e indireta. § 2o O poder público garantirá que o segmento da população negra vinculado aos seguros privados de saúde seja tratado sem discriminação. Art. 7o O conjunto de ações de saúde voltadas à população negra constitui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, organizada de acordo com as diretrizes abaixo especificadas: I - ampliação e fortalecimento da participação de lideranças dos movimentos sociais em defesa da saúde da população negra nas instâncias de participação e controle social do SUS; II - produção de conhecimento científico e tecnológico em saúde da população negra; III - desenvolvimento de processos de informação, comunicação e educação para contribuir com a redução das vulnerabilidades da população negra. Art. 8o Constituem objetivos da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: I - a promoção da saúde integral da população negra, priorizando a redução das desigualdades étnicas e o combate à discriminação nas instituições e serviços do SUS; II - a melhoria da qualidade dos sistemas de informação do SUS no que tange à coleta, ao processamento e à análise dos dados desagregados por cor, etnia e gênero; III - o fomento à realização de estudos e pesquisas sobre racismo e saúde da população negra; IV - a inclusão do conteúdo da saúde da população negra nos processos de formação e educação permanente dos trabalhadores da saúde; V - a inclusão da temática saúde da população negra nos processos de formação política das lideranças de movimentos sociais para o exercício da participação e controle social no SUS. Parágrafo único. Os moradores das comunidades de remanescentes de quilombos serão beneficiários de incentivos específicos para a garantia do direito à saúde, incluindo melhorias nas condições ambientais, no saneamento básico, na segurança alimentar e nutricional e na atenção integral à saúde. Art. 9o A população negra tem direito a participar de atividades educacionais, culturais, esportivas e de lazer adequadas a seus interesses e condições, de modo a contribuir para o patrimônio cultural de sua comunidade e da sociedade brasileira. Art. 10. Para o cumprimento do disposto no art. 9o, os governos federal, estaduais, distrital e municipais adotarão as seguintes providências: I - promoção de ações para viabilizar e ampliar o acesso da população negra ao ensino gratuito e às atividades esportivas e de lazer; II - apoio à iniciativa de entidades que mantenham espaço para promoção social e cultural da população negra; III - desenvolvimento de campanhas educativas, inclusive nas escolas, para que a solidariedade aos membros da população negra faça parte da cultura de toda a sociedade; IV - implementação de políticas públicas para o fortalecimento da juventude negra brasileira. Art. 11. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, é obrigatório o estudo da história geral da África e da história da população negra no Brasil, observado o disposto na Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. § 1o Os conteúdos referentes à história da população negra no Brasil serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, resgatando sua contribuição decisiva para o desenvolvimento social, econômico, político e cultural do País. § 2o O órgão competente do Poder Executivo fomentará a formação inicial e continuada de professores e a elaboração de material didático específico para o cumprimento do disposto no caput deste artigo. § 3o Nas datas comemorativas de caráter cívico, os órgãos responsáveis pela educação incentivarão a participação de intelectuais e representantes do movimento negro para debater com os estudantes suas vivências relativas ao tema em comemoração. Art. 12. Os órgãos federais, distritais e estaduais de fomento à pesquisa e à pós-graduação poderão criar incentivos a pesquisas e a programas de estudo voltados para temas referentes às relações étnicas, aos quilombos e às questões pertinentes à população negra. Art. 13. O Poder Executivo federal, por meio dos órgãos competentes, incentivará as instituições de ensino superior públicas e privadas, sem prejuízo da legislação em vigor, a: I - resguardar os princípios da ética em pesquisa e apoiar grupos, núcleos e centros de pesquisa, nos diversos programas de pós-graduação que desenvolvam temáticas de interesse da população negra; II - incorporar nas matrizes curriculares dos cursos de formação de professores temas que incluam valores concernentes à pluralidade étnica e cultural da sociedade brasileira; III - desenvolver programas de extensão universitária destinados a aproximar jovens negros de tecnologias avançadas, assegurado o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários; IV - estabelecer programas de cooperação técnica, nos estabelecimentos de ensino públicos, privados e comunitários, com as escolas de educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e ensino técnico, para a formação docente baseada em princípios de equidade, de tolerância e de respeito às diferenças étnicas. Art. 14. O poder público estimulará e apoiará ações socioeducacionais realizadas por entidades do movimento negro que desenvolvam atividades voltadas para a inclusão social, mediante cooperação técnica, intercâmbios, convênios e incentivos, entre outros mecanismos. Art. 15. O poder público adotará programas de ação afirmativa. Art. 16. O Poder Executivo federal, por meio dos órgãos responsáveis pelas políticas de promoção da igualdade e de educação, acompanhará e avaliará os programas de que trata esta Seção. Art. 17. O poder público garantirá o reconhecimento das sociedades negras, clubes e outras formas de manifestação coletiva dapopulação negra, com trajetória histórica comprovada, como patrimônio histórico e cultural, nos termos dos arts. 215 e 216 da Constituição Federal. Art. 18. É assegurado aos remanescentes das comunidades dos quilombos o direito à preservação de seus usos, costumes, tradições e manifestos religiosos, sob a proteção do Estado. Parágrafo único. A preservação dos documentos e dos sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos, tombados nos termos do § 5o do art. 216 da Constituição Federal, receberá especial atenção do poder público. Art. 19. O poder público incentivará a celebração das personalidades e das datas comemorativas relacionadas à trajetória do samba e de outras manifestações culturais de matriz africana, bem como sua comemoração nas instituições de ensino públicas e privadas. Art. 20. O poder público garantirá o registro e a proteção da capoeira, em todas as suas modalidades, como bem de natureza imaterial e de formação da identidade cultural brasileira, nos termos do art. 216 da Constituição Federal. Parágrafo único. O poder público buscará garantir, por meio dos atos normativos necessários, a preservação dos elementos formadores tradicionais da capoeira nas suas relações internacionais. Art. 21. O poder público fomentará o pleno acesso da população negra às práticas desportivas, consolidando o esporte e o lazer como direitos sociais. Art. 22. A capoeira é reconhecida como desporto de criação nacional, nos termos do art. 217 da Constituição Federal. § 1o A atividade de capoeirista será reconhecida em todas as modalidades em que a capoeira se manifesta, seja como esporte, luta, dança ou música, sendo livre o exercício em todo o território nacional. § 2o É facultado o ensino da capoeira nas instituições públicas e privadas pelos capoeiristas e mestres tradicionais, pública e formalmente reconhecidos. Art. 23. É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. Art. 24. O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana compreende: I - a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção, por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins; II - a celebração de festividades e cerimônias de acordo com preceitos das respectivas religiões; III - a fundação e a manutenção, por iniciativa privada, de instituições beneficentes ligadas às respectivas convicções religiosas; IV - a produção, a comercialização, a aquisição e o uso de artigos e materiais religiosos adequados aos costumes e às práticas fundadas na respectiva religiosidade, ressalvadas as condutas vedadas por legislação específica; V - a produção e a divulgação de publicações relacionadas ao exercício e à difusão das religiões de matriz africana; VI - a coleta de contribuições financeiras de pessoas naturais e jurídicas de natureza privada para a manutenção das atividades religiosas e sociais das respectivas religiões; VII - o acesso aos órgãos e aos meios de comunicação para divulgação das respectivas religiões; VIII - a comunicação ao Ministério Público para abertura de ação penal em face de atitudes e práticas de intolerância religiosa nos meios de comunicação e em quaisquer outros locais. Art. 25. É assegurada a assistência religiosa aos praticantes de religiões de matrizes africanas internados em hospitais ou em outras instituições de internação coletiva, inclusive àqueles submetidos a pena privativa de liberdade. Art. 26. O poder público adotará as medidas necessárias para o combate à intolerância com as religiões de matrizes africanas e à discriminação de seus seguidores, especialmente com o objetivo de: I - coibir a utilização dos meios de comunicação social para a difusão de proposições, imagens ou abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por motivos fundados na religiosidade de matrizes africanas; II - inventariar, restaurar e proteger os documentos, obras e outros bens de valor artístico e cultural, os monumentos, mananciais, flora e sítios arqueológicos vinculados às religiões de matrizes africanas; III - assegurar a participação proporcional de representantes das religiões de matrizes africanas, ao lado da representação das demais religiões, em comissões, conselhos, órgãos e outras instâncias de deliberação vinculadas ao poder público. Art. 43. A produção veiculada pelos órgãos de comunicação valorizará a herança cultural e a participação da população negra na história do País. Art. 44. Na produção de filmes e programas destinados à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas, deverá ser adotada a prática de conferir oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos negros, sendo vedada toda e qualquer discriminação de natureza política, ideológica, étnica ou artística. Parágrafo único. A exigência disposta no caput não se aplica aos filmes e programas que abordem especificidades de grupos étnicos determinados. Art. 45. Aplica-se à produção de peças publicitárias destinadas à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas o disposto no art. 44. Art. 46. Os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional, as empresas públicas e as sociedades de economia mista federais deverão incluir cláusulas de participação de artistas negros nos contratos de realização de filmes, programas ou quaisquer outras peças de caráter publicitário. § 1o Os órgãos e entidades de que trata este artigo incluirão, nas especificações para contratação de serviços de consultoria, conceituação, produção e realização de filmes, programas ou peças publicitárias, a obrigatoriedade da prática de iguais oportunidades de emprego para as pessoas relacionadas com o projeto ou serviço contratado. § 2o Entende-se por prática de iguais oportunidades de emprego o conjunto de medidas sistemáticas executadas com a finalidade de garantir a diversidade étnica, de sexo e de idade na equipe vinculada ao projeto ou serviço contratado. § 3o A autoridade contratante poderá, se considerar necessário para garantir a prática de iguais oportunidades de emprego, requerer auditoria por órgão do poder público federal. § 4o A exigência disposta no caput não se aplica às produções publicitárias quando abordarem especificidades de grupos étnicos determinados. Art. 47. É instituído o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir) como forma de organização e de articulação voltadas à implementação do conjunto de políticas e serviços destinados a superar as desigualdades étnicas existentes no País, prestados pelo poder público federal. § 1o Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão participar do Sinapir mediante adesão. § 2o O poder público federal incentivará a sociedade e a iniciativa privada a participar do Sinapir. 5. RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL Fonte: rapefilosofia.blogspot.com A sociedade brasileira é constituída por diferentes grupos étnico-raciais que a caracterizam, em termos culturais, como uma das mais ricas do mundo. Entretanto, sua história é marcada por desigualdades e discriminações, especificamente contra negros e indígenas, impedindo, desta forma, seu pleno desenvolvimento econômico, político e social. Significado da expressão étnico-racial O termo raça tem sua origem datada do século XVII (MARTINS, 1985, p.182). Com o passar do tempo, mais especificamente a partir do século XIX, passou a ser utilizado no sentido de justificar as diferenças fenotípicas entre seres humanos e marcar relações de dominação político-cultural de um grupo sobreoutro. O entendimento de que o conceito de raça, no campo social existe, foi confirmado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, que definem a raça como “a construção social forjada nas tensas relações entre brancos e negros, muitas vezes simuladas como harmoniosas, nada tendo a ver com o conceito biológico de raça cunhado no século XVIII e hoje sobejamente superado.” (BRASIL, 2004). Outro conceito bastante utilizado nos estudos sobre as relações raciais é o de etnia. O termo é derivado do grego ethnikos, adjetivo de ethos, e se refere a povo, nação. O conceito de etnia baseado no pensamento de Cashmore (2000), diz respeito a um grupo que possui algum grau de coerência, solidariedade, origens e interesses comuns. Um grupo étnico é mais do que um ajuntamento de pessoas, às pessoas deve ser agregado seu pertencimento histórico e cultural. O uso do termo etnia ganhou força para se referir aos ditos povos diferentes: judeus, índios, negros, entre outros. A intenção era enfatizar que os grupos humanos não eram marcados por características biológicas herdadas dos seus pais, mães e ancestrais, mas sim, por processos históricos e culturais. Assim, o termo “raça” diz respeito aos atributos dispensados a certo grupo e “grupo étnico” se refere a uma resposta original de um povo quando, em alguma situação, se sente marginalizado pela sociedade. Um vocábulo que passou a ser utilizado no Brasil e merece destaque é a expressão etnicorracial. Seu sentido determina que as tensas relações raciais estabelecidas no país, vão para além das diferenças na cor da pele e traços fisionômicos, mas correspondem também à raiz cultural baseada na ancestralidade afro-brasileira que difere em visão de mundo, valores e princípios da origem europeia (Brasil, 2004, p.13-14). Fonte: www.sescsp.org.br/ Preconceito e racismo O preconceito tem uma dinâmica capaz de criar uma rede de relações entre as pessoas que, de maneira gradativa, ganha corpo e transforma-se em percepções de mundo. O maior problema é que essa dinâmica gera atitudes diante das variadas situações e pessoas, produzindo deformidades nas relações sociais, como: o homofobismo, o racismo, a discriminação, o sexismo, dentre outros (SANT’ANA, 2005). A Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, de 1969 considera discriminação racial, como sendo: [...] qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos no domínio político, social, cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública (Art. 1º). O racismo é uma construção ideológica que afirma ser uma raça superior outra. São vários os racismos. As primeiras manifestações racistas aconteceram no século XVI; dos colonizadores europeus contra as populações nativas das Américas e contra os negros africanos. Mas, foi no século XIX, a partir da expansão do capitalismo industrial, que o racismo se transformou numa política justificada ideologicamente e praticada pelos Estados Europeus. Fonte: www.redetiradentes.com.br/ Lutas e Conquistas: trajetória do movimento negro brasileiro As trajetórias dos movimentos sociais negros brasileiros têm sido marcadas por um processo histórico de resistências e de lutas em defesa do direito à diferença étnica e, ainda, pela implementação de políticas públicas voltadas à garantia dos princípios da reparação, do reconhecimento e da valorização do povo negro. Fonte: www.memorialdademocracia.com.br/ A trajetória dos Movimentos Negros foi marcada por grandes acontecimentos sócio históricos: -Nas décadas de 1920 e de 1930, o advento da “locomotiva” e a opção pela política da imigração europeia caracterizaram a intenção do governo brasileiro em substituir a mão de obra do negro pela do trabalhador europeu, dificultando assim o acesso desse segmento ao mercado de trabalho; -O período de 1940 a 1970 foi marcado pela resistência negra em busca do reconhecimento e valorização de seu patrimônio cultural e de suas reivindicações. Este movimento fez surgir várias entidades negras, com destaque para o Teatro Experimental Negro (TEN) e a Frente Negra, primeiro partido negro do país; -A partir de 1970 se evidenciou um cenário político-militar com a pregação da ideologia do mito da democracia racial, perspectiva que fora combatida ferrenhamente pelas organizações dos Movimentos Negros no auge da ditadura militar e em pleno regime de exceção. Fonte: zambukaki.wordpress.com Os Movimentos Negros das décadas de 1970 e 1980, ao colocarem em suas agendas as denúncias de racismo institucional, de racismo à moda brasileira e da farsa da democracia racial, demarcaram um campo de força política imprescindível na conquista por direitos civis, políticos e materiais. Na atualidade, alguns avanços foram significativos. Após a Marcha 300 anos da Imortalidade de Zumbi, em 1995, em Brasília, e da III Conferência Mundial Contra o Racismo, em 2001, na cidade de Durban, na África do Sul, aflorou a discussão sobre as reparações por meio de ações afirmativas, a exemplo da política de reserva de vagas para negros – “cotas” – no ensino superior das universidades federais brasileiras, que em 2012 foi aprovada por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal; o Decreto Nº 4.887/03, que prevê o reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras das comunidades dos quilombos; e a Lei 10639/03, que prevê o enfrentamento ao racismo na educação. 6. TERMOS E CONCEITOS PRESENTES NO DEBATE SOBRE RELAÇÕES RACIAIS Fonte: beta.brasa.art.b Identidade A identidade não é algo inato. Ela se refere à um modo de ser no mundo e com os outros. É importante na criação de redes de relações e referências culturais dos grupos sociais. Indica traços de cultura que se expressam através de práticas linguísticas, festivais, rituais, comportamentos alimentares e tradições populares. Não envolve apenas cultura, mas também níveis sócio-político e histórico de cada sociedade. A identidade atua nos níveis simbólico, subjetivo e político. Identidade negra Reconhecer-se em uma identidade supõe estabelecer um sentido de pertencimento a um grupo social de referência. Somos sujeitos de identidades transitórias, e como em outros processos identitários, a identidade negra se constrói gradativamente num movimento que envolve múltiplas variáveis. Geralmente este processo se inicia na família e vai se modificando a partir de outras relações que o sujeito estabelece. A identidade negra é entendida como uma construção social, histórica, cultural e plural, do olhar de um grupo étnico-racial ou sujeitos que pertencem a um mesmo grupo, sobre si mesmos a partir da relação com o outro. Fonte: acervo.novaescola.org.br Raça As raças são construções sociais, políticas e culturais produzidas nas relações sociais e de poder ao longo do processo histórico. Portanto, raça não é um dado da natureza, mas sim uma visão a partir do contexto cultural. Etnia Termo utilizado para se referir ao pertencimento ancestral e étnico-racial dos negros e outros grupos da sociedade. Fonte: www.vvale.com.br/ Racismo Comportamento social que se manifesta de várias formas em diferentes contextos e sociedades. Fonte: prezi.com Etnocentrismo A palavra Etnocentrismo vem da junção das palavras Etno, que significa minha cultura ou minha identidade; e Centrismo, que refere-se a centro. Sendo assim, é um termo que designa o sentimento de superioridade queuma cultura tem em relação a outras, com a crença de que seus valores e culturas são melhores ou mais corretos. Fonte: pt.slideshare.net/ Preconceito racial Refere-se ao conceito ou opinião formado antecipadamente, sem ponderação ou melhor conhecimento dos fatos. É uma atitude adquirida no convívio social, pois os seres humanos não nascem preconceituosos Discriminação racial Enquanto o racismo e o preconceito estão no âmbito das doutrinas, julgamentos, concepções de mundo e crenças, a discriminação é a adoção de práticas que efetivam o racismo e o preconceito. A discriminação pode ser direta, quando deriva de atos concretos de exclusão pela cor; ou indireta, quando é expressa em políticas públicas ou práticas administrativas, por exemplo. Democracia racial A sociedade brasileira construiu historicamente um discurso que narra a existência de uma harmonia racial entre brancos e negros. Tal discurso desvia o olhar da população e do Estado das atrocidades cometidas contra esse grupo, impedindo-os de agirem eficazmente na superação do racismo. Fonte: isadoradidomenico.wordpress.com 7. INTRODUÇÃO À HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA “Com efeito, a história da África, como a de toda a humanidade, é a história de uma tomada de consciência. Nesse sentido, a história da África deve ser reescrita. E isso porque, até o presente momento, ela foi mascarada, camuflada, desfigurada, mutilada” (KI-ZERBO, 1982, p. 21). Fonte: www.siliconafrica.com A África pela Diáspora O termo diáspora é utilizado para referirmo-nos ao processo de desenraizamento vivenciado por populações deslocadas de seus locais de origem, geralmente de forma violenta e forçada. A diáspora pode ser – e efetivamente foi - vivenciada por diferentes populações de formas também distintas. A possibilidade de maior ou menor enraizamento e a multiplicidade de experiências sócio- culturais vivenciadas na nova morada são alguns dos elementos que delimitam essas diferenças, ao longo da história. Entre os séculos XVI e XIX, mais de 11 milhões1 de africanos foram trazidos à força para as Américas, para trabalharem como escravos. No Brasil, entre 1550 e 1850, aproximadamente, teriam desembarcado entre 3,6 e 5,6 milhões de africanos. Ainda que as estimativas apresentem grandes variações, http://www.siliconafrica.com/ é inegável que este processo se configurou como um dos maiores movimentos diaspóricos dos tempos modernos. Essas populações africanas na diáspora vivenciaram não somente a violência da viagem transatlântica no julgo do tráfico negreiro para as Américas, mas toda a rede de usurpações sofridas no processo escravizatório. Podemos considerar populações na diáspora tanto os africanos que aportaram na costa do continente americano, quanto também todos aqueles considerados seus descendentes. Essa população, em geral, possui registros culturais elaborados na ligação simbólica que se estabeleceu em terras americanas com seu território ancestral. Grande parte desses registros culturais passou a ser partilhado por grupos de diferentes origens e referências étnico-culturais, a partir de séculos de convivência, nem sempre harmoniosa. Podemos dizer que as culturas diaspóricas, como de resto todas as culturas, são híbridas, permeáveis. Não é diferente para o caso das culturas afrodescendentes. O pesquisador africano Carlos Lopes defende a importância da compreensão e do estudo das culturas diaspóricas para entendimento do que é, hoje, a África. Segundo ele, não é somente importante que o Brasil compreenda a história da África, mas que a África compreenda a história das populações africanas na diáspora como pressuposto de estudo de sua própria história. Recuperando o historiador Elikia M’Bokolo, Carlos Lopes afirma, em entrevista à Revista Palmares, que “Os africanos do continente têm que aceitar que as diásporas têm a outra metade da memória”. Carlos Moore nos convida a compreender as complexas formas de percepção da África na diáspora, sobretudo o desafio da passagem de uma África mítica a uma África real, capaz de subsidiar lutas dos diferentes povos da África em prol de sua emancipação social, política e também cultural. Segundo o autor: “Durante muito tempo, as diásporas africanas escravizadas no exterior tiveram de forjar uma visão idílica desse continente para existir, resistir e se manter. Por razões evidentes – que têm a ver com a brutalidade com a qual a África viva foi arrancada dos africanos escravizados no exterior da África -, a imagem que se tem desse continente, elaborada carinhosamente pelo imaginário dos deportados, via de regra, foi uma idealização. Para preservar o rico legado ancestral que nos permitiu atravessar o horror de viver em estado de escravidão racial nas Américas por mais de quatro séculos, foi necessário idealizar essa África da qual tínhamos sido arrancados para sempre. A África aparece, nessa visão, como um lugar quase sem tensões internas ou contradições inerentes à sua própria experiência histórica” (MOORE, 2008, p. 11-12). Fonte: www.siliconafrica.com Essa idealização, que Carlos Moore atribui a uma necessidade mesma de sobrevivência física e cultural tem seus desdobramentos, inclusive nos processos educativos que se põe em marcha no Brasil contemporâneo. Isso se torna visível, por exemplo, em práticas pedagógicas que – em benefício da legítima e urgente valorização da história e cultura afro brasileira e africana – omitem dados, análises e contribuições reflexivas sobre a sua história e cultura, com vistas a combater a visão negativa perpetuada durante anos nos processos educativos. Assim, em benefício de uma legítima positivação, o que ocorre muitas vezes é a idealização da África e suas heranças. Este texto é um convite a que você, professor/a, procure repensar as percepções ingênuas construídas sobre a África e os africanos (também da diáspora), rompendo tanto com aquelas ideias que informavam um continente e seus povos como símbolos natos de destruição, maldição e ruína – o chamado afro-negativismo -, quanto também àquelas percepções que, em benefício da necessária positivação, silenciaram na escola o estudo das contradições e conflitos observados na história do continente e ainda hoje presentes em sua realidade (como a corrupção, a subserviência política, o julgo europeu e asiático com submissão econômica e cultural, a miséria e as guerras, entre outros). Embora tais mazelas não devessem ser generalizadas para todo o continente, ignorá-las - ou até justificá-las - pode conduzir a um afro centrismo ingênuo, por vezes transformado naquilo que Carlos Lopes chamou de tese da superioridade africana. Este texto é também um convite a pensar melhor no valioso cultivo do nosso sentimento de pertença à experiência do continente africano, sentimento que liga a África e os africanos ao Brasil por laços históricos conhecidos, mas ainda não totalmente compreendidos ou valorizados. A recomposição do imaginário sobre a África é também parte importante da implementação de programas educativos que, centrados no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira, voltam-se à promoção de uma (re)educação das relações étnico-raciais, em nosso país. Tal perspectiva, no entanto, precisa se pautar pela busca de uma compreensão real da história e da cultura dos povos africanos e afro- descendentes. No nosso caso, é significativa a abordagem da história africana do ponto de vista de suas relações com o Brasil, sem ingenuidades ou supressões, mantendo, evidentemente, a positivação como suposto educativo, mas sem idealizações acerca da África, da rica ancestralidade que nos liga, dos laços contemporâneos, enfim, de sua/nossa história. É a partir da aposta de que é possível – e necessário – reconstruir imagens estereotipadas – qualquer que seja sua perspectiva– que este texto se orienta. Esperamos que ele possa representar um efetivo convite à reflexão crítica e à elaboração de propostas pedagógicas inovadoras. Mas para isso, é preciso compreender alguns dos pressupostos e argumentos que estão presentes tanto na tese da inferioridade africana quanto naquela que, visando ultrapassar essa visão, erigiu uma “pirâmide invertida”, como nos diz Carlos Lopes. 8. EM SALA DE AULA Fonte: chapensantesale.blogspot.com.br Se objetivamos desconstruir estereótipos e caminhar em direção a uma visão mais realista do continente, na perspectiva de sua diversidade, é importante, em primeiro lugar, investigar as representações que os alunos carregam acerca do continente. Pode-se, então, iniciar os estudos sobre o continente africano propondo que os alunos descrevam o que pensam sobre a realidade africana, que tipo de imagens vêm à sua memória, o que sabem sobre a história e a geografia desse continente (é comum que identifiquem a África como um país e não se deem conta de que trata-se de um continente, constituído por mais de 50 países). Outra alternativa consiste em levar para sala de aula um conjunto de imagens do continente (imagens diversas, que mostrem tanto as mazelas econômicas e sociais quanto a riqueza das diferentes formas de organização política, econômica e social, com sua diversidade sócio- cultural, sua produção artística, etc; da mesma forma, tanto imagens que evidenciem as belezas naturais, com sua grande diversidade de paisagens, quanto àquelas que mostrem a destruição de florestas, queimadas, uso não sustentável das riquezas, etc.), em comparação e similitude a outras partes do mundo (também neste caso, mostrando situações diversas, imagens que enfatizem tanto aspectos positivos quanto negativos). Pode-se propor aos alunos que selecionem aquelas imagens que acreditam referir-se ao continente africano e aquelas que pensem referir-se a outras realidades. A partir do levantamento dessas imagens e representações pode-se começar a discutir em sala de aula a origem de tais representações e as razões do predomínio de equívocos e estereótipos. Enfim, propor que reflitam sobre as representações construídas, como forma de convidá-los a problematizar e rever parte dessas representações. 9. IDENTIDADES EM CONTRAPONTO: DA TESE DA INFERIORIDADE À PIRÂMIDE INVERTIDA Fonte: www.siliconafrica.com Não é de hoje que vem se forjando a tese da inferioridade africana. Hegel, no século XIX, já postulara que “A África não é uma parte histórica do mundo. Não tem movimentos, progressos a mostrar, movimentos históricos próprios” (HEGEL, citado por ARNAUT e LOPES, 2005). Essa ideia foi mantida praticamente intocada, inclusive nos meios acadêmicos, pelo menos até meados do século XX. E mesmo nos dias atuais ainda é comum (embora não seja aceitável) que os africanos sejam descritos como não civilizados, pouco afeitos ao trabalho intelectual e, nesta tradição, considerados incapazes de pensar a sua própria história. Muitos livros didáticos no Brasil contribuíram para reforçar essa ideia, especialmente porque divulgaram imagens de africanos como sujeitos inteiramente dominados e oprimidos pelo processo de escravização. Essa representação – sustentada também por concepções pretensamente científicas do século XIX - contribuiu muito para difusão da ideia de que as sociedades africanas são incapazes de se autogovernar, por serem associadas a atributos como os de ingenuidade ou primitivismo. Felizmente, lutas sociais e políticas e também embates científicos têm permitido a superação destes postulados relativos ao que seria uma inferioridade genética ou inata dos africanos, considerando que não existe inferioridade ou superioridade racial.... Mas, se não há raças do ponto de vista biológico, há ainda racismo em diferentes partes do planeta, inclusive no Brasil. Assim, se como operadores biológicos que justifiquem hierarquizações, as ideias em torno do conceito de “raças humanas” perderam validade e credibilidade científica e também social, as classificações raciais são ainda, infelizmente, critérios utilizados no pensamento e vivência social para discriminar, excluir e impedir o acesso a bens e direitos. Mas a ideia de “raça” não tem sido apropriada apenas numa perspectiva de hierarquização – e consequente inferiorização de alguns grupos humanos -, nas formas como opera o racismo. Ela também tem sido utilizada - em meio a polêmicas e controvérsias – como estratégia de afirmação de identidades negadas e silenciadas por séculos, como é o caso da identidade negra. Assim, mesmo reconhecendo a inexistência de raças, do ponto de vista biológico, muitos grupos reivindicam um pertencimento étnico-racial, afirmando a validade desse conceito do ponto de vista social, enquanto estratégia de mobilização e luta. Esse movimento de afirmação e valorização da identidade negra, a partir da ideia de pertencimento étnico-racial, também tem história, uma história que se liga às lutas travadas por africanos nos processos de emancipação política e por afro- descendentes da diáspora, espalhados por diferentes partes do mundo. Foi no contexto de luta anti- colonialista que se forjou o que chamamos de pan-africanismo, ideologia política criada fora da África que predicava que a Diáspora e a África tinham um destino comum. Dessa forma, a emancipação dos afro-americanos, por exemplo, estava vinculada à emancipação dos povos do continente – e vice-versa. De acordo com Carlos Lopes, os africanos têm muita dificuldade em aceitar a identidade que não seja a pan-africana. Isso tem a ver com a história política do continente. Porque os africanos tiveram que afirmar a sua identidade em contraponto. A práxis identitária africana é o contraponto. Existe toda uma literatura, uma produção de mídia, uma produção artística de inferiorização do africano. Ele sente necessidade de fazer aquilo que chamo de pirâmide invertida. Faz tudo ao contrário e inverte a pirâmide. O que é mau passa a ser bom, o que é bom passa a ser mau. Ele sobrevaloriza as coisas africanas e subvaloriza a influência externa, que também está presente. Os africanos são diversos, embora tenham dificuldades em aceitar isso. Mesmo o africano que não é negro tem de se posicionar para defender sua identidade. Ele quase rejeita as outras características do padrão, para se expressar dos pontos de vista intelectual, artístico e identitário. (...). Esse debate será ultrapassado aos poucos. À medida que vão ocorrendo às discussões sobre a questão das identidades, começa-se a admitir que a África contemporânea seja de fato uma mistura, como todos os países e continentes o são. (LOPES, 2004, p. 1). O conceito de “pirâmide invertida”, como nos diz Carlos Lopes, diz respeito a esse processo de afirmação de uma superioridade africana e, junto a isso, de uma suposta “homogeneidade” ou de que os africanos teriam, naturalmente, algo em comum. Esse algo passa a ser, muitas vezes, a “raça negra”, enquanto uma identidade comum. Outro pensador africano crítico aos usos e apropriações do conceito de raça é Kwame Anthony Appiah. Dialogando com o movimento pan-africanista, este filósofo também nos adverte sobre os riscos do apelo ao conceito de raça, mesmo que numa perspectiva social, vir a contribuir para um congelamento, fixação, essencialização e homogeneização de uma identidade negra. A “raça” nos incapacita porque propõe como base para a ação comum a ilusão de que as pessoas negras (e brancas e amarelas) são fundamentalmente aliadas por natureza e, portanto, sem esforço; ela nos deixa despreparados, por conseguinte, para lidar com os conflitos “intraraciais” que nascem das situações muito diferentes dos negros (e brancos e amarelos) nas diversas partes da economia e do mundo. (APPIAH, 1997: 245) As “situações muito diferentes
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