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Memórias do Rio de Janeiro - J. Carlos

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Universidade Federal Fluminense – UFF
Alunos: Luiz Octávio Lima de Mello e Maria Clara Figueiredo Britto
Disciplina: História e Memória no Rio de Janeiro 
Professora: Karla Guilherme Carloni
2020.2 - Remoto 
Avaliação 1
Fonte: Capa da revista “Para todos”, edição de 29/01/1927. Ilustração J. Carlos/Acervo IMS. Disponível em: jcarlos.ims.com.br
	
Nas linhas que se seguem, pretendemos analisar a capa da Revista “Para Todos…” de 1927, produzida pelo artista J. Carlos. A Revista “Para Todos...” foi produzida na primeira metade do século XX no Rio de Janeiro. De tiragem semanal, a “Para Todos...” veiculava uma gama de assuntos variados. Se insere assim, em um contexto de época, em que as revistas atuavam como algo intermediário entre o jornal e o livro, possuindo o papel informativo do primeiro, mas apresentando seu conteúdo literário de maneira mais dinâmica, no caso da “Para Todos...”, com capas coloridas e convidativas. (ALENCASTRO, 2013). Como o próprio nome sugere, a revista atingia um público amplo: “a Revista “Para Todos...” podia estar no quarto das moças, “nas mãos de uma cocotte ou de um almofadinha.” Circulou por várias cidades do Brasil, “divulgando moda e hábitos e estabelecendo uma cultura que constitui um precioso testemunho da época.” (ALENCASTRO, 2013. p. 2018 apud SOBRAL, 2005, p.144)
“No conjunto essas revistas se caracterizavam por estarem direcionadas para um público burguês e por terem o compromisso de discutir as questões políticas e sociais do seu tempo”. (CARLONI, 2019, p.82). Vale ressaltar, que essas revistas eram majoritariamente produzidas por homens, colocando assim somente a visão que esses indivíduos tinham sobre as mulheres, o que acabava objetificando os corpos femininos ou até mesmo diminuindo movimentos artísticos em que essas mulheres estavam inseridas. Nas palavras de Carla Carloni: “Apesar de haver uma imprensa feminina desde a segunda metade do século XIX, as principais revistas ilustradas eram editoradas e redigidas majoritariamente por homens, sendo que algumas contavam com contribuições de mulheres.” (CARLONI, 2019, p.81).
Um dos principais artistas da revista foi o caricaturista, chargista, publicitário, humorista e ilustrador, J. Carlos. Iniciando sua carreira em 1902, J. Carlos trabalhou em revistas como a Careta, Para Todos, Fon-Fon, destacando-se na revista “Para Todos…” onde ilustrava as capas. Seu estilo art déco inconfundível, onde a linha reinava, serviria de inspiração para muitos designers brasileiros das décadas seguintes. Outrossim, J. Carlos, como um bom cronista, era, antes de tudo, um atento observador. Acompanhou o advento da modernidade, a chegada dos arranha-céus, dos automóveis, do cinema.1 Acompanhou principalmente o cotidiano das ruas. As sociabilidades dos atores sociais. Como afirma Velloso (1995), a produção que antecede o marco da Semana de Arte de 1922, era marcada pela zona de fronteira entre o antigo e o moderno. Os ideais da modernidade sendo aos poucos experimentados, vivenciados. Existiria assim, segundo a autora, uma “cultura do modernismo”, em que a modernidade seria vivenciada no terreno do cotidiano. 
J. Carlos se mostra um observador contumaz quando retrata a figura por nós analisada. Como conta o documentário realizado pelo Canal Cultura2, o caricaturista tinha como um dos destinos preferidos a praia carioca, onde retratava cenas do cotidiano dos banhistas. Vemos na caricatura uma das famosas melindrosas de J. Carlos, representada com os cabelos curtos, escapando da toca de banho, o maiô, traje característico da época e o guarda-sol. A imagem relaciona-se ao contexto da época. Acabada a primeira guerra mundial e a Belle Époque, começa em todo o mundo os denominados “Anos Loucos”, onde viver intensamente era prioridade. Visando experimentar o que não haviam experimentado nos tempos catastróficos da guerra, o mundo se modifica. Essa aceleração da vida urbana, impulsionado sobretudo pelos costumes norte americanos, que no entre guerras se difundem por todo o globo, atinge a sociedade carioca, onde vão se destacar o almofadinha e a melindrosa. Tanto as melindrosas, quanto os almofadinhas começam a receber destaque nas palavras dos cronistas e nas caricaturas e charges, tomando as páginas da revista. Enquanto nos almofadinhas eram apresentados muitas vezes com o rosto polvilhado de pó de arroz, os óculos de Harold Lloyd e calças curtas, as melindrosas possuíam seus vestidos invariavelmente curtos, provocantes e transgressores e seus cabelos cortados à  la garçonne. (CUNHA, 2009).
A representação feminina ocupava um lugar de evidência nas páginas da revista “Para Todos...”: elas estavam presentes na maioria das capas do periódico, principalmente após o ano de 1926, quando J. Carlos passou a ilustrar a maior parte das capas desse periódico. O artista também as desenhava, com frequência, como personagem de suas charges, introduzindo assuntos do universo feminino e, por vezes, colocando em pauta o processo de emancipação dessas mulheres. A modernização que acometeu a cidade do Rio de Janeiro proporcionou a inserção de uma nova mulher na sociedade carioca. (CALVET, s.d. p.4  ) 
Segundo Carloni (2019), além de ser perceptível que, analisando as roupas das melindrosas temos um contraste extremamente oposto do privilegiado no início do século, onde abundavam as vestimentas longas - seguindo referências do movimento da Belle Époque, onde se cobria a mulher da cabeça aos pés- a figura dessa nova mulher vem sendo retratada como um ser sedutor, que esbanja a sua juventude por onde passa. No entanto, ao mesmo tempo que essas mulheres eram vistas ou tratadas nos jornais e cinemas com um certo glamour, elas acabavam enfrentando sérios problemas, pois a sociedade, que se autodefinia bem conservadora, não compreendia bem sua luta e conquista dos espaços públicos, considerando seus modos muito ousados. Um exemplo claro desse pensamento nos é mostrado no simples fato de considerarem a mulher um ser andrógeno devido ao seu corte de cabelo mais curto. Sendo que esse corte era uma forma de se libertar nesse período. Além de ser considerada um outro ser, o novo corte de cabelo deixava a possibilidade de se passarem por homens, e sua rejeição demonstra a fragilidade que esses homens possuíam ao serem tratados como iguais por mulheres, ou confundidos com elas. 
Conclusão: 
A representação da melindrosa na praia, de J. Carlos, aponta para seu papel como referência de artista cômico da Primeira República. J. Carlos era um cronista por excelência, um descortinador do cotidiano da sociedade carioca, sociedade essa frequenta os clubes de dança de jazz, mas também lota as areias das praias. 
A melindrosa da “Para Todos…” transita entre esses ambientes, a arrancar olhares curiosos. Olhares de admiração, olhares de julgamento, ou, mais frequentemente, dos dois tipos. Elas são algo novo, fruto de um mundo catártico do pós-guerra e de um ambiente urbano com uma sociabilidade inédita. Entretanto, se são homenageadas e reproduzidas aos montes, com belos traços, as melindrosas são também associadas ao mundismo, à depravação, à falta de valores, certas vezes à prostituição. Em uma sociedade que controlava a mulher a partir dos trajes e dos modos, as melindrosas incomodavam.
Notas: 
1. Disponível em: https://ims.com.br/2017/06/01/sobre-j-carlos/. Acesso em: 20 de abril de 2021. 
2. Documentário: “J. Carlos – figura de capa”. Dirigido por: José Carlos de Brito e Cunha. Disponível em: https://youtu.be/rYd91gRwuNY. Acesso em: 20 de abril de 2021. 
Bibliografia: 
ALENCASTRO, Lucilla de Sá. Revista “Para Todos...”: uma história de Carnaval. Revista Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 46, p. 215-232, Curitiba, 2013.
CUNHA, Getúlio Nascentes da. MELINDROSAS E ALMOFADINHAS: feminilidades e masculinidades no Rio de Janeiro da década de 1920. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
CALVET, Júlia Hasselmann. J. CARLOS: IMPRENSA E REPRESENTAÇÕES FEMININAS NA DÉCADA DE 1920. IBN 978–85–65957–15-1
CARLONI, Karla Guilherme. “Requebrando os quadris”: jazz etransgressão feminina nas revistas ilustradas cariocas da década de 1920. Revista de história, Juiz de Fora, v.25, n. 2, p.79-99, 2019 E-ISSN: 2594-8296 - ISSN-L: 1413-3024. 
VELLOSO, M. “A modernidade carioca na sua vertente humorística”. “Estudos Históricos”, Rio de Janeiro, 1985. http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2609/1560. Acessado em: 09 de março de 2021.

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