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Capítulo 1: A Didática no contexto histórico e contemporâneo Luciana Peixoto Cordeiro Introdução A temática didática, levando em conta sua origem e seus pressupostos teóricos, trata da história e da concepção da didática, bem como da sua perspectiva atual no processo de ensino e de aprendizagem, em direção ao desvelamento de práticas didático-pedagógicas que promovam um ensino realmente eficaz e eficiente, com significado e sentido para os alunos, contribuindo para a transformação do ser e consequentemente para a transformação da sociedade. Neste capítulo refletimos sobre a historicidade da didática e sua perspectiva atual, enfatizando a importância da mesma no processo de ensino e de aprendizagem e na função humanizadora da escola. Tem-se, com a humanização da escola, a possibilidade de propiciar a formação de pessoas desenvolvidas de forma integral. Leitura, análise e estudo deste capítulo se fazem necessários para que você construa a sua aprendizagem em relação à temática! Historicizando a didática O termo didática é derivado do grego e significa “arte” ou “técnica de ensinar”. Desde a criação da obra Didactica Magna, no século XVII, por João Amós Comêniuso (1592-1670) tem-se como foco central da didática o ensino, ou seja, aquilo que se constitui a ação fundante do professor. (PAIM e CARMO, 2019). Comenius, elabora uma proposta que tinha por objetivo reformar a escola e o ensino e “[...] lança as bases para uma pedagogia que prioriza a „arte de ensinar‟ por ele denominada „Didática‟, em oposição ao pensamento pedagógico até então” (DAMIS, 1998, p. 17), ou seja, era uma contraposição às ideias conservadoras da nobreza e do clero. A Didática Magna de Comenius tinha por fundamento ensinar tudo a todos. Esse teórico, com sua preocupação com a arte de ensinar, introduz no cenário pedagógico a ênfase nos meios e no processo, deixando em segundo plano a formação de um homem ideal, o que vinha, até então, sendo fundamental. O enfoque no ensino foi importante para a pedagogia e a sociedade da época, sendo esta caracterizada pelo início do sistema de produção capitalista. À medida que esse sistema de produção se fortalecia, fazia crescer a necessidade de um ensino voltado às exigências do mundo da produção e dos negócios, contemplando o desenvolvimento das capacidades e os interesses individuais. Dando continuidade à historicidade da didática, Jean Jacques Rousseau (1712-1778), propõe uma nova concepção de ensino, fundamentada nas necessidades e nos interesses imediatos da criança. Rousseau não elaborou uma teoria de ensino, mas sua obra originou um novo conceito de infância. Henrique Pestalozzi (1746-1827) foi quem colocou em prática os ideais de Rousseau, imprimindo dimensões sociais à educação. Segundo Libâneo (2006), Johann Friedrich Herbart (1766-1841) influenciado pelos estudos de Comenius, Rousseau e Pestalozzi, “[...] desenvolveu uma análise do processo psicológico-didático de aquisição de conhecimentos, sob a direção do professor” (1994, p. 60). Herbart defendeu a ideia de educação pela instrução, que pode ser assim caracterizada: A principal tarefa da instrução é introduzir ideias corretas na mente dos educandos. O professor é um arquiteto da mente [...]. Controlando os interesses dos educandos, o professor vai construindo uma massa de ideias na mente, que por sua vez vão favorecer a assimilação de ideias novas (LIBÂNEO, 2006, p. 60). Libâneo (2006) traz que, os pensamentos pedagógicos de Comenius, Rousseau, Pestalozzi e Herbart, entre outros, formaram a sustentação do pensamento pedagógico europeu, expandindo-se por todo o mundo, instituindo as concepções pedagógicas tradicional e pedagogia renovada. Esta última reúne correntes que defendem a renovação escolar, opondo-se à pedagogia tradicional. Podem-se destacar como características desse movimento: A valorização da criança dotada de liberdade, iniciativa e de interesses próprios e, por isso mesmo, sujeito da sua aprendizagem e agente de seu próprio desenvolvimento; tratamento científico do processo educacional, considerando as etapas sucessivas do desenvolvimento biológico e psicológico; respeito às capacidades individuais, individualização do ensino conforme os ritmos próprios de aprendizagem; rejeição de modelos adultos em favor da atividade e da liberdade de expressão da criança (LIBÂNEO, 2006, p. 62). A esse movimento de renovação da educação foram atribuídos diferentes nomes: Educação Nova, Escola Nova e Pedagogia Ativa, que foram definidas como tendência pedagógica no início do século XX. Jonh Dewey (1859-1952) é o representante de uma das correntes advindas do movimento escolanovista. Dewey defendia a educação pela ação, na qual são possibilitadas situações de experiências à criança, para que desenvolvam, assim, suas potencialidades, capacidades, necessidades e interesses. Para Libâneo (2006), o movimento escolanovista no Brasil se desmembrou em várias correntes, entre elas: a Vitalista, tendo como representante Montessori, e a Interacionista, baseada na psicologia genética de Jean Piaget. O educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997) consagra a tendência progressista libertadora para a educação. Contesta a educação bancária, que nega ao homem se tornar um sujeito crítico e criativo. Afasta-se das aprendizagens que visam o recebimento e a memorização dos conteúdos, a partir de uma realidade selecionada pelo professor e que posiciona os educandos, enquanto ouvintes passivos do ato educativo, em que o professor educa, sabe, pensa, fala, disciplina, escolhe, determina, impõe, enquanto o educando não sabe e não participa, só ouve, segue determinações, não age, não escolhe, adapta-se, constituindo-se numa educação que instala um processo educativo que aliena. Por outro lado, propõe a educação problematizadora, também chamada de libertadora, porque fomenta o desenvolvimento da conscientização do educando diante de seu contexto social. Na educação problematizadora, o conhecimento é um processo que se realiza por meio do contato do sujeito com o mundo vivenciado, o qual é considerado dinâmico e em constante transformação. Essa referência de educação possibilita a construção de um conhecimento que é crítico, realizado a partir do desvelamento da realidade, de forma reflexiva, o que conduz os sujeitos a sentirem a necessidade de transformarem suas relações na sociedade. Nessa abordagem, estabelece-se uma relação horizontal entre professor e educando, abrindo espaço para uma prática dialógica. Esse processo supõe compartilhar conhecimentos, de modo que o professor, enquanto ensina, também aprende com seus educandos. Segundo Freire (1996, p. 47), é preciso “[...] saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. Didática numa perspectiva contemporânea A Didática estuda o processo de ensino por meio dos seus componentes: os objetos de conhecimento (seguindo a Base Nacional Comum Curricular – BNCC, os conteúdos de ensino são nominados de objetos de conhecimento), o ensino e a aprendizagem, para, “[...] com o embasamento numa teoria da educação, formular diretrizes orientadoras da atividade profissional dos professores” (LIBÂNEO, 2006, p. 52), ou seja, o processo didático de possibilitar a construção do conhecimento pelo educando e o desenvolvimento de competências e habilidades. Continua o autor, evidenciando que o “[...] objeto de estudo da Didática é o processo de ensino, campo principal da educação escolar” (p. 54). Com essa abordagem, pretende-se enfatizar algumas reflexões para que se possa pensar e agir a respeito da didática, de maneira a contribuir para o desenvolvimento da consciência cidadã dos educandos e, em consequência, para a sustentação da sociedade. Como e para que se exerce a docência? Como o “saber fazer” na sala de aula se concretiza para que se deixe de utilizarmetodologias rígidas, estruturantes e reducionistas, para adotar metodologias mais dinâmicas, vivas, flexíveis, globalizadoras e que preparem o educando para viver e conviver com as transformações rápidas do mundo, numa vida de incertezas e imprevisibilidades? Esse desafio não reside somente no aparecimento de procedimentos novos de ensino, como sendo mais uma forma de facilitar o trabalho do professor e a aprendizagem do educando. Faz-se necessário pensar a didática para além de uma simples renovação pedagógica de novas formas de ensinar e aprender. Isso remete a superar a visão da didática numa perspectiva instrumental, em direção a uma didática fundamental. A didática instrumental, segundo Candau (2001, p. 13), [...] é concebida como um conjunto de conhecimentos técnicos sobre o „como fazer‟ pedagógico, conhecimentos estes apresentados de forma universal e consequentemente desvinculados dos problemas relativos ao sentido e aos fins da educação, dos conteúdos específicos, assim como do contexto sociocultural concreto em que foram gerados. A didática fundamental está alicerçada, conforme Candau (2001), na multidimensionalidade do processo de ensino e de aprendizagem, ou seja, propõe a articulação das dimensões técnica, humana, política e social. Nessa perspectiva, a competência técnica e o compromisso político não se dissociam, e sim se interpenetram. “A dimensão técnica da prática pedagógica, objeto próprio da Didática, tem de ser pensada à luz de um projeto ético e político-social que a oriente” (p. 15). O ensino não é uma ação neutra. Para Damis (1998), todo o ensino possui um conteúdo pedagógico implícito, que abarca uma concepção de homem, de sociedade e de educação, que é a sua base de sustentação. Desse modo, o professor de Matemática, por exemplo, além de trabalhar os objetos de conhecimento específicos desse componente curricular, também desenvolve um conteúdo implícito, a partir de sua metodologia, de sua concepção de educação, de mundo, de homem e de sociedade. Entretanto, não se trata de definir a didática como instrumental, fundamental ou crítica, mas sim, de “[...] postular uma didática comprometida com as diferenças, as minorias sociais, as ausências curriculares, os gritos dos excluídos, as múltiplas culturas” (PAIM e CARMO, 2019, p. 144). Os referidos autores ousam “[...] em falar de uma didática multirreferencial que possibilite o entrelaçar de processos, práticas, saberes e sujeitos constituindo políticas de sentido para a formação e para a docência” (p. 144). Isso encaminha para uma permanente discussão sobre as finalidades da didática. Diante desse contexto, a ação educacional que deve ser implementada é a que possibilitará a reflexão em relação a cada situação de aprendizagem, a partir da realidade em que estão inseridos professor e educando, chegando- se, assim, a um processo didático mais real e adequado. Didática: relações entre professor, educando e conhecimento O professor Fernando Becker defende que existem três diferentes formas de representar a relação de ensino e de aprendizagem. Denomina essas formas de modelos pedagógicos: pedagogia diretiva, pedagogia não-diretiva e pedagogia relacional. Pedagogia diretiva Conforme Becker (2001), a Pedagogia diretiva configura-se por um espaço educativo desprivilegiando a relação entre os educandos; o silêncio deve ser cumprido e a palavra é monopolizada pelo professor. Assim, este fala e o educando limita-se a escutar; o docente dita, cabendo ao educando copiar, apenas como o executor das ordens do professor. Nessa perspectiva, o professor ensina e o educando aprende. Isso revela que o professor exerce sua função na perspectiva da transmissão do conhecimento. Essa pedagogia fundamenta-se na epistemologia empirista, que é alicerçada pela crença de que o conhecimento está no meio físico (objeto) ou social. Sob o enfoque epistemológico empirista, pressuposto da pedagogia diretiva, somente a escola poderia transmitir os conhecimentos validados pela ciência, desconstruindo o que fora aprendido em outros espaços de vida do educando. Através da receptividade aos saberes transmitidos pelo professor, da repetição, da cópia e da memorização (decoreba), o sujeito aprende. Epistemologicamente, segundo Becker (2001), a relação do educando (Sujeito) com o Conhecimento (Objeto) é representada da seguinte forma: S O Para o autor, o professor considera que seu educando é uma tábula rasa, uma folha em branco, não somente quando nasceu, mas frente a cada conteúdo novo que irá construir. Considera que somente o professor tem condições de produzir um novo conhecimento no educando. Dessa forma, “[...] tudo que o educando tem a fazer é submeter-se à fala do professor: ficar em silêncio, prestar atenção, ficar quieto e repetir tantas vezes quantas forem necessárias, escrevendo, lendo, etc.” (BECKER 2001, p. 18). Nesse modelo pedagógico, tem-se a seguinte relação entre professor (P) e educando (E): P E No referido modelo epistemológico e pedagógico empirista/diretivo, respectivamente, o sujeito não age sobre o conhecimento para atribuir-lhe novos significados, a partir de um processo crítico-reflexivo, a relação professor e educando se mostra no mesmo formato, ou seja, estática, onde a diretividade docente provoca a passividade discente. Pedagogia não diretiva Na pedagogia não diretiva o professor assume a função de facilitador, de auxiliar do educando. “O educando já traz um saber que ele precisa, apenas, trazer à consciência, organizar, ou, ainda, rechear de conteúdo” (BECKER, 2001, p. 19). Conforme o referido autor, esse modelo pedagógico caracteriza-se pelo regime laissez-faire: deixar fazer, pois assim o educando encontra o seu caminho, cabendo ao professor interferir o mínimo possível. Dessa forma, para o professor o educando aprende por si mesmo. A crença epistemológica denominada Apriorismo motivou práticas pedagógicas que concebem um conhecimento inato (O), em que o sujeito aprendente (S) age sobre o objeto e pode ser assim representada: S O Para essa epistemologia, “[...] o ser humano nasce com o conhecimento já programado na sua herança genética” (BECKER, 2001, p. 20), sendo que é suficiente o mínimo de interferência do meio físico ou social para o seu desenvolvimento. Nesse modelo pedagógico há a negação do polo ensino, atribuindo-se valor absoluto à aprendizagem, o que significa a abdicação do professor na sua atuação fundamental docente: a intervenção no processo de aprendizagem do educando. Caracteriza-se aqui a seguinte relação entre professor (P) e educando (E): E P Este pressuposto remete à Carl Rogers, um dos principais representantes da teoria humanista, que surge como corrente alicerçada na liberdade e na autonomia dos aprendizes e o processo pedagógico centrado nas capacidades do organismo para a autoaprendizagem, nas próprias potencialidades humanas. Pedagogia relacional A pedagogia relacional concebe que o processo de aprendizagem é construído pelo educando, servindo de base para construção de novos conhecimentos. Este modelo epistemológico construtivista é representado da seguinte forma, no que se refere à relação entre o sujeito (S) e o objeto do conhecimento (O): S O Para a pedagogia relacional, o educando aprende novos conhecimentos se ele agir e problematizar a sua ação. A metodologia utilizada possibilita ao educando pensar, refletir, descobrir, analisar, comparar e interagir com o objeto de conhecimento. Portanto, segundo Becker (2001, p. 24), “[...] aprendizagem é, por excelência, construção [...]”. Assim, os objetos de conhecimento são desenvolvidos de maneira desafiadora, interativa, cabendo ao professor a função de mediador da aprendizagem. Nesse modelo,tem-se a seguinte representação entre professor e educando: E P Para o autor, não há lugar nessa pedagogia para a figura autoritária do professor. Trata-se, sim, da construção de uma disciplina intelectual e de regras de convivência, o que possibilita a criação de um espaço fecundo de aprendizagem. “O resultado dessa sala de aula é a construção e a descoberta do novo, é a criação de uma atitude de busca e de coragem que essa busca exige” (BECKER, 2001, p. 28) e a premissa é a de que o educando constrói o seu próprio conhecimento. Partindo dessa premissa considera-se que a pedagogia relacional ancora uma proposta de ensino e de aprendizagem que visa propor situações de aprendizagem embasadas na resolução de problemas. Por este motivo, durante este processo o professor mediador possui como intencionalidade pedagógica o desenvolvimento de competências e habilidades, em que o educando é o centro do processo e, por isso, propõe situações de aprendizagens significativas e contextualizadas. Referências: BECKER, Fernando. Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre: Artmed, 2001. CANDAU, Vera Maria (org). Rumo a uma nova didática. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. DAMIS, Olga Teixeira. Didática: suas relações, seus pressupostos. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org). Repensando a didática. 13.ed. Campinas, SP: Papirus, 1998. GARRIDO, Selma et al (orgs). A didática e os desafios da atualidade. XIX ENDIPE FACED/UFBA. Salvador: EDUFBA, 2019. 266 p. LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 2006. MORAES. Maria Cândido. O paradigma educacional emergente. Campinas, SP: Papirus, 1997. MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução de Eloá Jacobina. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. RAYS, Oswaldo Alonso. Pressupostos teóricos para o ensino da didática. In: CANDAU, Vera Maria (org.). A didática em questão. 18. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000 Capítulo 2. O profissional docente reflexivo e pesquisador Carin Klein Introdução Para propor a discussão sobre a constituição de uma docência, cujas características estão a reflexão e a pesquisa, sigo alguns passos de importantes estudiosos do campo dos estudos da docência: Paulo Freire, (1986; 2013), Selma Garrido Pimenta (1997; 2019) e António Nóvoa (2009). São autores que convergem ao lançar mão da reflexão e da pesquisa como elementos centrais da formação para a docência e da constituição da identidade docente, principalmente, a partir do exercício constante da reelaboração dos saberes, permeado pelas experiências dos cotidianos escolares. Ao olharmos para a didática, numa perspectiva histórica, veremos que há um movimento que busca superar uma didática instrumental e técnica, para privilegiar a compreensão da didática, envolvida no processo de ensino e de aprendizagem e na articulação entre as dimensões técnicas, humanas, políticas e sociais. (CANDAU, 2009). O caráter histórico e cultural da identidade docente Não é possível também a formação docente indiferente à boniteza e à decência que estar no mundo, com o mundo e com os outros substantivamente exige de nós. Não há prática docente verdadeira que não seja ela mesma um ensaio estético e ético [...] (FREIRE, 2013, p. 49). A escolha em iniciar esse capítulo sobre a constituição do profissional docente enquanto sujeito reflexivo e pesquisador, citando Paulo Freire, significa reconhecer que ainda nos dias de hoje suas provocações e contribuições são inspiradoras para o contexto atual. Importantes para a história da educação brasileira, para os teóricos da educação que começaram a pesquisar muito antes de nós, para a formação de professores, para os arranjos escolares e para a consolidação de uma educação comprometida, crítica e democrática. Não podemos desconsiderar que grande parte dos estudos, que ainda adentram a escola e a docência, estão pautados pelas teorias críticas do currículo, ou seja, preocupadas em produzir práticas emancipatórias, mediante conquistas e contradições vivenciadas pelos sujeitos. A contribuição e a disponibilidade de Freire (2013) em estimular o debate e a reflexão e entendê-los como processos inerentes a docência é inegável. Enquanto educador progressista, já assinalava a importância em desenvolvermos uma responsabilidade ética na formação e na atuação da docência, assumindo-a como “algo absolutamente indispensável à convivência humana” (FREIRE, 2013, p. 19). Segundo ele, a identidade docente, assim como o nosso conhecimento do mundo, são processos históricos e culturais que demandam assumirmos uma postura vigilante contra a desumanização, tornando-a exigência e condição para vivermos uma educação crítica. A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação discriminatória de raça, de gênero, de classe. É por essa ética inseparável da prática educativa, não importa se trabalhamos com crianças, jovens ou com adultos, que devemos lutar, e a melhor maneira de por ela lutar é vivê-la em nossa prática, é testemunhá-la, vivaz, aos educandos em nossas relações com eles. (FREIRE, 2013, p. 17-18) Suas palavras evidenciam que a docência nos convoca a constituir uma determinada identidade profissional, como sujeitos éticos, críticos, capazes de ouvir, reconhecer e aprender com as diferenças que nos cercam, com as dúvidas, incertezas, conflitos, pluralidades, ansiedades e emoções. Freire (1986) é prolixo na defesa do ensino-pesquisa, formando com o recurso do hífen, uma palavra composta, capaz de evidenciar o que para ele seria uma indissociabilidade, propondo-nos uma tarefa básica que deveria iniciar em sala de aula pela própria investigação dos estudantes, das suas linguagens e vidas. Isso afastaria a docência e os processos de ensinar e aprender da rigidez burocrática, de um currículo fechado, de relações pautadas pela passividade, da contenção e da transferência de conhecimento. No caminho que ele buscou trilhar estariam também a resistência, o conflito, a análise, a curiosidade, a insubmissão, a reinvenção do cotidiano, a criticidade intelectual, o estudo e a pesquisa, sem deixar de lado o rigor e a autoridade que deve acompanhar, permanentemente, a docência. Como nos tornamos professores? Os saberes da docência Anunciar caminhos para a formação de professores, inicial e continuada, pode fazer sentido ao adentrarmos na formação da identidade docente, olhando com vigor para os saberes que as configuram, assim como investindo em uma postura investigativa. Para essa autora, no âmbito dos cursos de licenciatura torna-se importante aprendermos a desenvolver a docência buscando: [...] conhecimentos e habilidades, atitudes e valores que lhes possibilitem, permanentemente, irem construindo seus saberes fazeres docentes, a partir das necessidades e desafios que o ensino, como prática social, lhes coloca no cotidiano. Espera-se, pois, que mobilize os conhecimentos da teoria da educação e da didática, necessários à compreensão do ensino como realidade social e, que desenvolva neles, a capacidade de investigar a própria atividade para, a partir dela, constituírem e transformarem os seus saberes-fazeres docentes, num processo contínuo de construção de suas identidades como professores. (PIMENTA, 1997, p. 06) Não há dúvida que o compromisso central da instituição escolar continua sendo a aquisição e a produção de conhecimentos, permeados pelo desenvolvimento e a cidadania dos sujeitos. Paralelamente a isso, algumas indagações tornam-se recorrentes para a formação docente: que competências e saberes são necessários para que o professor cumpra com as necessidades formativas de seus estudantes? De que forma operar um ensino que leve em conta a incorporação das mudanças contemporâneas, complexas e dinâmicas da sociedade? Para Selma Garrido Pimenta (1997, p. 07) é preciso mobilizare refletir a partir dos saberes que acionamos na docência e que mediam a construção da identidade profissional: Uma identidade profissional se constrói, pois, a partir da significação e da revisão constante dos significados sociais da profissão; da revisão das tradições. Como, também, da reafirmação de práticas consagradas culturalmente e que permanecem significativas. Práticas que resistem a inovações, porque estão prenhes de saberes válidos às necessidades da realidade. Nos Estudos da Docência, Pimenta (1997) torna-se outra importante referência ao argumentar que a identidade docente é formada pela constituição de diferentes saberes: os saberes da experiência, os saberes específicos e os saberes pedagógicos. Colocar as práticas pedagógicas e docentes sob o foco de análise é uma de suas principais proposições, tal como anunciado. Os saberes da experiência: Esses saberes atuam na formação da docência quando acionamos na ação docente os conhecimentos que acumulamos ao longo da vida, enquanto estudantes. Saberes formulados a partir das nossas experiências com as relações que envolviam o ensinar e o aprender, proposto nas normas disciplinares, nas formas de ocupação dos tempos e espaços, nas avaliações e gratificações. Essas memórias e experiências nos ensinaram muito sobre a docência, diante dos professores que admirávamos, assim como, daqueles que não se tornaram um exemplo a seguir. Numa outra linha, os saberes da experiência também se configuram a partir das vivências escolares, já enquanto professores e de sua reflexão, produzindo experiências capazes de desenvolver as habilidades de pesquisa e reflexão sobre a o seu próprio fazer cotidiano. Os saberes específicos: Diferentes licenciaturas necessitam nos tornar competentes para o ensino de matemática, de artes, de história, de geografia, de ciências sociais, de educação física, etc. Refletir sobre o lugar desses conhecimentos na formação dos estudantes para a vida em sociedade, para viver as relações de trabalho, para informatização contemporânea, para o crescimento do consumo, assim como, para entender o que esses conhecimentos produzem e de que forma se articulam entre si, devem se tornar foco de reflexão e pesquisa. Será que as escolas possuem recursos para desenvolvê-los? Quais conhecimentos iremos privilegiar em detrimento de outros? Que sentidos podem congregar para a vida dos estudantes? Nessa direção, cultura, conhecimento e poder tornam-se fundamentais nesse estudo, na medida em que os conhecimentos também são postos sob suspeita, na medida em que se tornam elementos de apreciação e desnaturalização, de exame de seus processos de produção, legitimidade e validação, ou seja, permanentemente envolvidos em lutas históricas e de poder. Isso implica problematizá-los, contextualizá-los, articulá-los, inserindo-os em uma perspectiva educativa capaz de nos tornarmos mais humanos, igualitários, justos e cidadãos. Os saberes pedagógicos e didáticos: Os saberes da experiência e os saberes específicos me tornam capaz de ensinar? Se o estudo da didática nos remete ao ensino, o que precisamos aprender para ensinar? Os conhecimentos pedagógicos não se resumem as técnicas e estratégias ativas de ensinar, ao relacionamento entre professor e aluno, as formas de avaliar, planejar e organizar o ensino, por exemplo, embora esses saberes sejam de enorme relevância para a ação docente, eles só ganham sentido, em sua articulação com a pesquisa e a reflexão constante do currículo escolar, das formas de organizá-lo, da distribuição dos tempos e espaços escolares, da elaboração e articulação com a proposta política-pedagógica, da formulação das legislações e documentos que constituem o ensino, dos temas emergentes de nossa sociedade, das necessidades pedagógicas que emergem do cotidiano. Compreensões e posturas que nos afastam da fragmentação dos saberes, da naturalização do fracasso escolar, da rigidez das relações humanas, de uma racionalidade técnica, da compreensão de que apenas a escola educa. Mas, nos aproxima da constituição de saberes no confronto diário, na reelaboração das experiências e questionamentos. Nesse sentido, poderíamos refletir e elaborar construindo perspectivas educativas, que emergem do estudo, da reflexão e da pesquisa, reelaborando a docência como um movimento que não cessa, valendo-se das memórias escolares, das muitas histórias contadas, das cenas do cotidiano, das situações que nos ensinam sobre esse processo de ensino e de aprendizagem. Reorientar a pesquisa em didática significa tomar o ensino como foco de análise e reconstrução: Nas práticas docentes estão contidos elementos extremamente importantes, tais como a problematização, a intencionalidade para encontrar soluções, a experimentação metodológica, o enfrentamento de situações de ensino complexas, as tentativas mais radicais, mais ricas e mais sugestivas de uma didática inovadora, que ainda não está configurada teoricamente. A prática de documentação, no entanto, requer que se estabeleçam critérios. Documentar o quê? Não tudo. Documentar as escolhas feitas pelos docentes (o saber que os professores vão produzindo nas suas práticas), o processo e os resultados. Não se trata de registrar apenas para a escola, individualmente tomada, mas de forma a possibilitar os nexos mais amplos com o sistema. Documentar, não apenas as práticas tomadas na sua concreticidade imediata, mas buscar a explicitação das teorias que se praticam, a reflexão sobre os encaminhamentos realizados em termos de resultados conseguidos. (PIMENTA, 1997, p. 11) Ao falarmos da teoria e da prática, reconhecemos que há total interdependência entre o mundo das ideias e o mundo das ações, ou, entre o lugar do conhecimento e o lugar da prática. Seguimos na compreensão de que teoria e prática não são oposições, mas sim os dois lados da mesma moeda. Torna-se fundamental sublinhar o caráter de invenção de cada uma delas, na qual uma não existe sem a outra, não havendo experiência sem um esquema ou arcabouço teórico que a sustente (VEIGA-NETO, 2015). Operar com a pesquisa enquanto princípio formativo da docência significa refletir sobre e a partir das realidades escolares, considerando-as a partir de seus aspectos contingentes, fluídos, plurais, multifacetados, ambivalentes, fazendo uso das teorias educacionais. Podemos colher nas escolas e nos demais sistemas de ensino observações, entrevistas, temas que se destacam ou são completamente silenciados, comportamentos, preferências literárias e midiáticas, modas, interesses, lazer, adereços, recreios, jogos, brincadeiras, ocupação dos espaços, planejamentos, avaliações, para, a partir disso, problematizar e propor o desenvolvimento de estudos, a formulação de projetos, a construção de instrumentos de avaliação, contribuindo para a construção da identidade docente. “Os profissionais da educação, em contato com os saberes sobre a educação e sobre a pedagogia, podem encontrar instrumentos para se interrogarem e alimentarem suas práticas, confrontando- os.” (PIMENTA, 1997, p. 10) Reflexão na e sobre a prática docente A discussão sobre o professor reflexivo não é recente. Autores como John Dewey já partiam em defesa da reflexão como fundamento da prática docente. Nos anos 80, Donald Schon e Kenneth Zeichner recuperam essa noção para colocar no centro das preocupações o que ocorre nas escolas, tornando-as questões próprias para as discussões de currículo e a proposição de alternativas de trabalho. Nas palavras de Pimenta (1997, p. 11) o professor reflexivo torna-se um intelectual em contínuo processo de formação, [e] autoformação, uma vez que os professores reelaboram os saberes iniciais em confronto com suas experiências práticas, cotidianamente vivenciadas nos contextos escolares. É nesse confronto e num processo coletivo de troca de experiências e práticas que os professores vão constituindo seus saberes como praticum,ou seja, aquele que constantemente reflete na e sobre a prática. Acionar os saberes da docência requer um exercício constante, principalmente, diante da dinamicidade e das complexidades do mundo. Por isso, torna-se importante “produzir a escola como espaço de trabalho e formação, o que implica a gestão democrática e práticas curriculares participativas, propiciando a constituição de redes de formação contínua, cujo primeiro nível é a formação inicial.” (PIMENTA, 1997, p. 12) No âmbito do estudo da didática a pesquisa pressupõe ser tratada como princípio formativo, no qual o estudante das licenciaturas poderá: [...] melhor refletir, interpretar e questionar a situação vigente e produzir alternativas. Permite, assim, ressignificar a realidade, favorecendo a reflexão, a criatividade e a produção de conhecimento [...] a valorização do olhar investigativo e a produção de conhecimentos por parte dos estudantes, visando superar processos formativos repetitivos, orientados pelo pragmatismo e pela racionalidade técnica (PIMENTA et al. 2018, p. 62) António Nóvoa (2009) evoca a necessidade de uma formação de professores construída de dentro da profissão. Para contribuir nesse estudo marca que o caráter de construção de uma profissionalidade docente prescinde de uma pessoalidade de professor. Para ele, torna-se necessário a docência construir disposições a serem apreendidas, tanto na formação inicial, como nas formações continuadas. São elas: O conhecimento, conhecer, aprofundar e refletir sobre o que se ensina torna-se central na condução da aprendizagem dos estudantes; A cultura profissional, compreender os sentidos da instituição escolar, aprender com a experiência de quem faz e já fez. Aprender se faz com os nossos pares, com o registro das práticas, com a reflexão e a avaliação do trabalho; O tato pedagógico, o ato de ensinar e aprender, ou seja, a incorporação de conhecimentos sobre as relações humanas exige da docência, capacidade de comunicar-se com os estudantes; O trabalho em equipe, a profissionalidade docente implica o exercício constante de se inserir em práticas colaborativas e coletivas da escola, e para além das fronteiras organizacionais, dispondo-se a realização de trabalhar em equipe e de intervir no planejamento e no desenvolvimento de projetos educativos; O compromisso social torna-se um elemento inerente ao ethos profissional docente. Educar diz respeito aos processos que fazem de nós humanos, formando-nos a partir de princípios e valores capazes de convergir em ações que reconheçam a diversidade cultural, a pluralidade e a superação das desigualdades presentes nos sistemas educativos e nas sociedades. Encerramos esse capítulo, valendo-nos das contribuições dos autores aqui citados, ao tomar a prática escolar como lócus privilegiado de reflexão, investida dos pontos de vista teóricos e metodológicos. Para Nóvoa (2009), torna-se profícuo (e um exercício inacabado), partir da efetivação da aprendizagem e dos contextos escolares, considerando quatro passos importantes para o desenvolvimento da profissionalidade docente: 1. Partir da observação, descrição e análise de elementos que partam de uma realidade concreta e/ou de problemas escolares; 2. Identificação de necessidades que requerem aprofundamento teórico e pesquisa, realização de mapeamentos, dúvidas, inquietações e alternativas; 3. Desenvolvimento de reflexão coletiva e participativa para produção e reelaboração de organizações programáticas, dilemas sociais e/ou situações inesperadas; 4. Preocupação, responsabilização e reorganização das atividades profissionais, visando a necessidade de mudanças nas rotinas de trabalho. (NÓVOA, 2009). Referências: CANDAU, V. M. F. (org.) Didática: questões contemporâneas. Rio de Janeiro: Forma & Ação, 2009. FREIRE, Paulo e SHOR, Ira. Medo e ousadia: cotidiano do professor. 4ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a prática educativa. 46º ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2013. NÓVOA, António. Professores. Imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009. PIMENTA, Selma Garrido et al (Orgs.) A didática e os desafios políticos da atualidade. XIX ENDIPE. FACED/UFBA. Salvador : EDUFBA, v. 2. 2019. 266p. PIMENTA. Selma Garrido. Formação de professores - saberes da docência e identidade do professor. Nuances- Vol. III- Setembro de 1997. VEIGA-NETO, Alfredo. Anotações sobre as relações entre teoria e prática. Educação em Foco, Juiz de Fora, v. 20, n. 1, p.113-140, mar. 2015. Capítulo 3. O planejamento da ação pedagógica Carin Klein Introdução Atualmente, as políticas curriculares vigentes colocam o desenvolvimento de competências, no centro dos processos de ensino e aprendizagem atuais. A ação de planejar pressupõe a existência de um modelo ou estrutura curricular, por isso, vamos estudar, nesse capítulo, a formação de algumas racionalidades que embasaram as formas de pensar e organizar os currículos escolares, dos objetivos às competências. Pode-se dizer que para configuração de um planejamento, não há um “como fazer” ou uma receita pronta a ser seguida, porém, podemos elencar elementos que consideramos importantes e capazes de provocar a reflexão e a busca de alternativas para a criação/construção de planejamentos. Dos objetivos às competências Para iniciar essa discussão, é preciso reconhecer as dificuldades em historicizar e apresentar os diferentes autores que contribuíram para a formação de racionalidades que embasaram/embasam as formas de pensar e organizar os currículos escolares, atividade que se reflete no ato de planejar o ensino e a aprendizagem. Há limites na organização de um capítulo, por isso, traremos alguns fragmentos que consideramos importantes e que marcam tanto a organização do currículo, como o planejamento do ensino a partir de objetivos, e/ou por competências. Tyler, sem dúvida é um expoente no campo do currículo, cuja obra central, de 1949, intitulada Princípios básicos de currículo e ensino contribuíram para o desenvolvimento de uma racionalidade técnica, ligada a definição de metas, objetivos, formas de verificação e consecução, visando tanto a eficiência, como o domínio da organização das experiências das aprendizagens. Para esse autor, a eficácia do currículo depende da boa demarcação dos objetivos escolares que devem ser definidos em termos da mudança esperada dos comportamentos do estudante ao final do processo educativo. Os objetivos formulados serviriam para o direcionamento da ação e deveriam expressar comportamentos e conteúdos assimilados, ou seja, “como expressão da mudança esperada, os objetivos não podem se restringir a uma lista de conteúdos, mas precisam associá-los a comportamentos” (LOPES e MACEDO, 2011, p. 47). Fiel à perspectiva comportamentalista, Tyler defende um modelo de aprendizagem, por meio da participação ativa, no qual o docente necessita controlar o ambiente e criar situações estimulantes, valorizando às experiências dos estudantes e não apenas a mera organização abstrata. Temas como seleção e organização das experiências escolares, participação das escolas e dos professores nos processos de ensino, definição dos objetivos educacionais, eficácia do currículo e instrumentos de avaliação da aprendizagem também necessitam ser abordados de forma enfática nessa perspectiva. Há fragmentos da racionalidade de Tyler, definidas por uma estrutura baseada em objetivos, experiências de aprendizagem e avaliação que são fortemente acionadas, reatualizadas e hibridizadas até hoje. Vale dizer, que o seu modelo foi alvo de muitas críticas e nunca obteve unanimidade. O ensino e o planejamento por competências também não é algo recente e lança mão de autores como Eva Berker, James Popham e Phillipe Perrenoud. Nessa perspectiva, as competências são amplas e precisam abarcar:[...] um conjunto de comportamentos, denominados habilidades, considerados fundamentais em uma determinada área e que devem integrar os três domínios [...]. A elaboração curricular, assim como a avaliação tem a competência como meta, e o objetivo do processo de ensino é a maestria ou o domínio das competências. Para tanto, cada competência é analisada e decomposta em habilidades, fundamentais, embora insuficientes, para o domínio da competência. (LOPES e MACEDO, 2011, p. 54) Ainda que haja diferentes definições para o termo competência, cabe salientar que as políticas curriculares incorporam e retomam sentidos e demandas históricas, ora aliadas ao desenvolvimento do ensino por objetivos comportamentais, numa perspectiva mais desenvolvimentista, ligada a eficiência, ora centrada nas competências e no desenvolvimento de um sujeito mais flexível e polivalente para um mercado de trabalho incerto, em constante mudança e transição, como o atual. Políticas curriculares recentes no Brasil têm dado centralidade ao ensino por competências, bem como a realização de avaliações de larga escala para aferir a aprendizagem, ligada a qualidade dos processos educativos. Segundo Lopes e Macedo (2011, p. 54): [...] recuperam assim, o cerne da racionalidade tyleriana – a vinculação estreita entre qualidade do currículo e avaliação dos alunos. Para tanto, reeditam a necessidade de mecanismos que permitam avaliar os alunos com base na noção previa de competências a serem atingidas, ainda que definam competência de formas diversas. Vale dizer o quanto o planejamento é uma ferramenta de trabalho imprescindível para a docência e está envolvida em uma compreensão de mundo e de sociedade. Por isso, atendem as racionalidades e demandas de poder, projetam e produzem sentidos sobre as coisas e, é exatamente por isso, que se torna uma tarefa potencial e capaz de interrogar pressupostos, fecundar diálogos, interpretações e a construção de hipóteses. Planejar significa (re)produzir, (des)naturalizar, (des)montar, analisar, criticar, (re)conhecer, ter rigor, abrir mão, flexibilizar e atualizar, constantemente, o planejamento escolar enquanto um texto pedagógico. Planejamento da ação pedagógica Como já abordamos no capítulo anterior, possuir conhecimentos específicos, gostar de crianças e de ensinar não nos torna professor. Ser professor se constitui na articulação dos saberes da docência e a disciplina de didática é um lugar fundamental para a apreensão dos conhecimentos da docência, no qual o ato de planejar, sem dúvida é um deles. Atualmente, podemos pensar a didática, envolvida em discussões que envolvem temas como inclusão, indisciplina, bullying, diversidade, ampliação das tecnologias da informação, (des)interesses dos estudantes, fracasso escolar, ou seja, temas que consideramos intimamente relacionados com a aprendizagem dos conhecimentos escolares, assim como, com o planejamento. Nesse sentido, pensar o planejamento do ensino requer levar em conta as múltiplas dimensões envolvidas nele, indagando-nos: Quem são os estudantes e o que eles trazem consigo? Quais são suas experiências fora da escola? Que conhecimentos trazem e quais foram incorporados na escola? Como ocorre a organização das situações de aprendizagem? E o ensino e as aprendizagens estão envolvidos com as dimensões social, cultural, histórica e política? Precisamos salientar que o planejamento refere-se ao contexto da sala de aula e que está, inexoravelmente, ligado aos processos de ensino e aprendizagem. E nós, o que entendemos por aula? Em que espaços ela pode acontecer? O que a pandemia do Covid-19 nos ensinou sobre isso que chamamos de aula? Se pensarmos na denominação aula como referente aos espaços em que ocorrem as aprendizagens, estaremos extrapolando uma compreensão inicial reservada a sala de aula ou presa a um espaço físico. Há estudantes que ao realizarem, por exemplo, um passeio guiado, uma feira de ciências ou vivenciarem uma hora do conto, dizem que não tiveram aula. Conceptualizar esse espaço é uma discussão importante para estudo da didática, assim como, para realizar o planejamento. Para SANTOS e INFORSATO (2011) a aula: [...] é o centro do processo pedagógico, momento organizado para a ocorrência da aprendizagem do aluno por meio das atividades de ensino. Se se trata de organizar os espaços e os tempos, a aula, como ato pedagógico, precisa ser planejada e pensada para a ocorrência do processo ensino-aprendizagem, de forma a desenvolver nos alunos as condições para que continuem a aprender mesmo fora do ambiente escolar, com autonomia e reflexão, como seres aprendentes que adquirem certas habilidades de organização do pensamento e da ação, as quais os preparam para continuar aprendendo sempre. (SANTOS e INFORSATO, 2011, p. 82) [...] Portanto, aula, muito além dos processos burocráticos que tentam traduzi-la nos planos de ensino, constituem ações organizadas, práticas, que conduzem o aluno ao aprender contínuo em um processo reflexivo de constante reconstrução de conhecimentos prévios, de mudança de atitudes frente ao saber organizado que a escola lhe propicia. (SANTOS e INFORSATO, 2011, p. 84) Acreditamos que planejar não se restringe ao preenchimento de atividades burocráticas, a realização de atividades organizadas de forma aleatória ou irrefletida, tampouco como uma atividade em si, mas antes de tudo como uma atividade permanente e que necessita ser constantemente revisitada e modificada, na medida em que se torna “um instrumento para que a aprendizagem se realize” (INFORSATO e SANTOS, 2011, p. 87). Nesse sentido cabe explicitar: Planejar significa levar em conta a vida na sala de aula e preparar situações que permitam que a vida se faça no ambiente escolar, facilitando assim o aprender dos alunos e a retomada de estratégias e metodologias com vistas ao progresso das relações travadas no ambiente escolar, tanto as cognitivas, quanto as emocionais que, muitas vezes, são deixadas de lado, relegadas ao esquecimento por não estarem ligadas aos aspectos quantitativos valorizados pela escola. (SANTOS e INFORSATO, 2011, p. 83) Nas palavras de Danilo Gandin, podemos pensar o planejamento como processo, que inclui de forma indissociável preparação, intencionalidades, realização e avaliação. Planejamento é elaborar - decidir que tipo de sociedade e de homem se quer e que tipo de ação educacional é necessária para isso; verificar a que distância se está deste tipo de ação e até que ponto se está contribuindo para o resultado final que se pretende; propor uma série orgânica de ações para diminuir esta distância e para contribuir mais para o resultado final estabelecido; executar - agir em conformidade com o que foi proposto e avaliar – revisar sempre cada um desses momentos e cada uma das ações, bem como cada um dos documentos deles derivados (GANDIN, 1985, p. 22). Pode-se dizer que para configuração de um planejamento, não há um “como fazer” ou uma receita pronta a ser seguida, porém, podemos elencar elementos que consideramos importantes e capazes de provocar a reflexão e a busca de alternativas para a criação/construção de planejamentos. Elementos importantes a considerar no desenvolvimento de um planejamento didático-pedagógico O pano de fundo de qualquer atividade de planejamento pressupõe conhecimentos articulados as ações a serem realizadas e vinculadas a um propósito definido. De acordo com Inforsato e Santos (2011), todo planejamento necessita levar em conta as seguintes etapas: Diagnóstico: O conhecimento e as características da realidade em que se atua devem ser levados em conta para a realização dos planejamentos. Esse diagnóstico pode ser elaborado de múltiplas formas e ocasiões, por exemplo: conhecer o projeto político-pedagógico, valer-se dos conhecimentos e/ou atividades desenvolvidas previamente, das observações das situações de aprendizagem dos estudantes,das situações de conflitos, etc. São conhecimentos que devem ser investigados ao longo do processo, a fim de (re)afirmar propósitos, estabelecer arranjos, ritmos, dinâmicas, modificações configurando planos atualizados e com sentido para os estudantes. Competências: Essa etapa pressupõe definir as competências, a fim de guiar a mobilização de conhecimentos, o desenvolvimento das habilidades, atitudes e valores que deverão ser incorporados pelos estudantes, promovendo a resolução das demandas e problemas da vida contemporânea. A homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), enquanto documento de caráter normativo, [...] define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE). (BRASIL, 2017, p.07). A BNCC adota o conceito de competência, termo que tem orientado, ao longo dos últimos anos, muitos Estados e Municípios brasileiros, a construção de seus currículos. Essa discussão reforça marcos legais anteriores, previstos no PNE, ao firmar a necessidade de uma BNCC com foco na aprendizagem, como meio de fomentar a qualidade do Ensino. Buscando romper com visões reducionistas e lineares, a BNCC visa à formação integral do individuo, ao mesmo tempo em que prevê a superação da fragmentação do conhecimento e a sua aplicação na vida cotidiana, colocando o sujeito numa posição de protagonismo, vinculado a um determinado contexto social e histórico. Ao adotar esse enfoque, a BNCC indica que as decisões pedagógicas devem estar orientadas para o desenvolvimento de competências. Por meio da indicação clara do que os alunos devem „saber‟ (considerando a constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem „saber fazer‟ (considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das competências oferece referências para o fortalecimento de ações que assegurem as aprendizagens essenciais definidas na BNCC. (BRASIL, 2017, p.13). Nesse sentido, são definidas dez competências gerais para a Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) que preveem “a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho”. (BRASIL, 2017, p. 08). Os planejamentos de ensino devem privilegiar o desenvolvimento dessas competências, no âmbito da Educação Básica. Na Educação Infantil, a BNCC está estruturada, partindo dos direitos de aprendizagem (conviver, brincar, participar, explorar, expressar-se e conhecer-se) e do desenvolvimento de cinco campos de experiência, no qual são definidos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, organizados em três grupos, por faixa etária. São os seguintes: O eu, o outro e o nós; Corpo, gestos e movimentos; Traços, sons, cores e formas; Escuta, fala, pensamento e imaginação; Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. No Ensino Fundamental, a BNCC organiza-se a partir de cinco áreas do conhecimento, definidas pelo Parecer CNE/CEB nº 11/2010, que devem se interconectar na formação, ao mesmo tempo em que mobilize as especificidades e os saberes dos diferentes componentes curriculares. Cada área de conhecimento estabelece competências específicas de área, cujo desenvolvimento deve ser promovido ao longo dos nove anos. Essas competências explicitam como as dez competências gerais se expressam nessas áreas. Para garantir o desenvolvimento das competências específicas, cada componente curricular apresenta um conjunto de habilidades. Essas habilidades estão relacionadas a diferentes objetos de conhecimento – aqui entendidos como conteúdos, conceitos e processos - que, por sua vez, são organizados em unidades temáticas. (BRASIL, 2017, p. 28). No Ensino Médio, o trabalho pedagógico também deve ser orientado e desenvolvido tendo como foco o desenvolvimento de competências. Nessa etapa, a BNCC está organizada em quatro áreas do conhecimento, como determina a LDB. A organização por áreas, como bem aponta o Parecer CNE/CP nº 11/2009, „não exclui necessariamente as disciplinas, com suas especificidades e saberes próprios historicamente construídos, mas, sim, implica o fortalecimento das relações entre elas e a sua contextualização para apreensão e intervenção na realidade, requerendo trabalho conjugado e cooperativo dos seus professores no planejamento e na execução dos planos de ensino‟ (BRASIL, 2009; ênfases adicionadas). (BRASIL, 2017, p. 32). Cada área do conhecimento estabelece sua função na formação integral, destacando competências específicas de área e levando em conta as particularidades referentes ao tratamento de seus objetos de conhecimento. Devem-se atentar as particularidades e as características dos estudantes, observando o que foi apreendido no Ensino Fundamental e as especificidades dessa etapa de ensino. É preciso ainda enfatizar que a organização das habilidades do Ensino Médio, na BNCC (com a explicitação da vinculação entre competências específicas de área e habilidades) objetivam a clara definição das aprendizagens essenciais que devem ser garantidas aos estudantes. Estratégias de ensino-aprendizagem: Frente ao desafio e a necessidade de organizar e operacionalizar o ensino e a aprendizagem, Lea Anastasiou (2004) define a importância das “estratégias de ensinagem”. As estratégias necessitam estar relacionadas ao projeto político-pedagógico da escola, no qual se definem os marcos que devem alimentar o trabalho docente. São incentivadas no âmbito dos planejamentos escolares, pois criam situações capazes de impulsionar e potencializar ações mentais de pensamento, comparação, observação, organização, elaboração e confirmação de hipóteses, classificação, crítica, aplicação de novos princípios e tomadas de decisão. O que e como fazer para ampliar as possibilidades dos estudantes aprenderem, deve ser o foco primordial do ensino. Envolver os estudantes em propostas educativas, interessantes, desafiadoras e participativas pode evidenciar um caminho potente e profícuo para uma aprendizagem ativa e significativa. Certamente, empreender as ações didáticas articuladas ao processo de o aluno aprender não é algo trivial, pois demanda preparações muito diferenciadas daquelas que habitualmente realizamos na nossa trajetória de formação e de prática profissional. Um outro elemento dificultador de se optar pelas estratégias de ensino-aprendizagem é a chamada arquitetura organizacional das nossas escolas, tanto em termos físicos, quanto em termos das suas funcionalidades e de suas estruturas curriculares. (INFORSATO e SANTOS, 2011, p. 94) Estimular trabalhos em grupos, por equipes, com diferentes dinâmicas de estudos, de respeito e cumprimento de normas, interações, trocas, negociação e a socialização de experiências e saberes, sem dúvida, mostram-se como formas instigantes e profícuas de realizar o ensino. Referências: ANASTASIOU, Léa e ALVES. Leonir (Orgs.). Processos de ensinagem na universidade: pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. 3ª ed. Joinville, SC. UNIVILLE, 2004. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC; SEB; DICEI, 2017. BRASIL. Conselho Nacional de Educação; Conselho Pleno. Parecer nº 11, de 30 de junho de 2009. LOPES, Alice Casemiro e MACEDO, Elizabeth. Teorias de Currículo. São Paulo: Cortez, 2011. TYLER, Ralph. Princípios básicos de currículo e ensino. Porto Alegre: Globo, 1977. GANDIN, Danilo. Planejamento com práticaeducativa. Loyola, 1985. INFORSATO, E. C.; ROBSON, A. S. A preparação das aulas. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Prograd. Caderno de Formação: formação de professores didática geral. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011, p. 86-99, v. 9. SANTOS. R. A.; INFORSATO, E. C. Aula: o ato pedagógico em si. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Prograd. Caderno de Formação: formação de professores didática geral. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011, p. 80-85, v. 9. Capítulo 4: Os Projetos de trabalho na sala de aula Carin Klein Introdução Como já estudamos, o planejamento da ação educativa deve estar sustentado por princípios éticos, teóricos, políticos, reflexivos, criativos, interativos, entre outros. O planejamento pedagógico necessita abarcar referências e intencionalidades em relação ao ensino e a aprendizagem, bem como servir para interrogar a própria docência, no sentido de perguntar-se sobre o acolhimento das diferenças, a configuração das normas, as possibilidades de interação, o incentivo a pesquisa, a validação de diferentes fontes de pesquisa, além de manter o diálogo “com as transformações que ocorrem na sociedade, nos alunos e na própria educação.” (HERNANDEZ, 1998, p. 13). É, nessa perspectiva, que apostamos nesse estudo, na organização do currículo por Projetos de trabalho, não se tratando simplesmente de uma metodologia de ensino, pois a sua realização pressupõe transgressões do tempo e dos saberes disciplinares. Isso ocorre ao reconhecermos que a organização do currículo por disciplinas tornam-se blocos fechados, compartimentados e que pouco conversa com a vida dos sujeitos envolvidos. Na mesma direção, os conteúdos escolares, deixam de ser apresentados como componentes neutros, estáveis e universais, admitindo-os enquanto construtos da cultura, envolvidos em dinâmicas de poder, seleção e hierarquia. Planejar a partir dos Projetos de trabalho significa afastar-se de uma postura rígida frente ao conhecimento escolarizado, afastando-se das verdades imutáveis, inquestionáveis e universais. Nessa compreensão de ensino e de aprendizagem, há muito mais lugar para a formulação de hipóteses; para a ampliação dos lugares e fontes de pesquisas; para as falas e o envolvimento com a comunidade escolar; para a confrontação e a reflexão sobre os conhecimentos, advindos de diferentes perspectivas, assim como, diante das normas e dos tempos que nos constituem e organizam a nossa vida. A escrita do tema intitulado: Os Projetos de trabalho na sala de aula tomam como base os seguintes livros: A organização do trabalho por projetos de trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio (HERNANDEZ e VENTURA, 1998) e Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho (HERNANDEZ, 1998). A escrita dessas obras decorreu das diversas histórias, incursões, assessorias e da necessidade de relacionar-se criticamente com a prática vivida, principalmente, pelos docentes da Escola Pompeu Fabra, de Barcelona/Espanha, ao longo de cinco anos. ========================== Transgressão, inovação, renovação, reconstrução, integração e reflexão são algumas palavras que se destacam ao realizarmos críticas à escola moderna, organizada a partir de tempos, espaços e rotinas de trabalho, ainda, bastante rígidas. Paula Sibilia (2012) nos diz que a escola moderna foi criada e ganhou força, no século XIX e boa parte do XX, justamente para modelar os corpos e as subjetividades, de acordo com um projeto de sociedade, compatível com as engrenagens da era industrial que exigia corpos disciplinados para o trabalho. Uma maquinaria de época que visava instituir uniformidades, homogeneizações e normas muito claras a seguir, mas que entrou em crise ao se tornar “gradativamente incompatível com os corpos e as subjetividades das crianças de hoje” (SIBILIA, 2012, p. 197). Os/As estudantes do século XXI, na sua grande maioria, conectados e interativos, mostram-nos a incompatibilidade entre os modos de ser atuais, com um modelo tradicional de educação escolar, bem como com suas instalações, normas e regulamentos (SIBILIA, 2012). Seguindo essa discussão, a autora nos indaga sobre que tipos de corpos e subjetividades se criam hoje em dia, nas últimas décadas do século XXI? E por quê? Que tipo de escola teríamos que concretizar para perseguir tal projeto? Essas indagações já nos dão algumas pistas sobre o que tem provocado um desencaixe entre escola tradicional e contemporaneidade, principalmente, a partir das últimas décadas. Vale dizer que os modos de ser contemporâneos nos conduziram a um abismo com a escola e o modelo tradicional de ensino. A sociedade atual se tornou altamente tecnológica e midiatizada, introduzindo em sua cultura o apelo e o incentivo a rapidez, visibilidade, simultaneidade, flexibilidade, liquidez e a dissolução de fronteiras, características mediadas constantemente por avanços tecnocientíficos, próprios de um mundo plural e globalizado, e, que parece exigir de nós outros valores e metas. Mudanças que suscitam dos/as estudantes outros ritmos, forças e experiências: [...] hoje se estimula a criatividade e o prazer nos ambientes laborais. Nessa mesma linha, procuram-se características antes combatidas, tais como a originalidade ligada a certa espontaneidade e a capacidade de mudar rapidamente, reciclando o que se é na veloz sintonia das tendências globais. Também são bem cotadas a livre iniciativa, a motivação, o empreendedorismo e a vocação proativa, como atitudes capazes de movimentar os mercados e gerar benefícios. Sem esquecer, por outro lado, que tudo isso ocorre numa cultura que enaltece a busca de celebridade e o sucesso imediato, combinando nesse projeto a realização pessoal e a satisfação instantânea, e exaltando valores como a autoestima, o gozo constante, a beleza e a juventude; em suma: bem-estar corporal, emocional, laboral e afetivo, decorrentes de um ideal de felicidade que perpassa todos os âmbitos. São essas as qualidades pessoais que melhor cotizam no mercado de valores da atualidade, assim como a capacidade individual de administrá-las com êxito e sem pausa, projetando-as na própria imagem como se fosse uma marca bem posicionada nos competitivos (e instáveis) jogos das reputações contemporâneas. (SIBILIA, 2012, p. 203). Constatar que vivemos atualmente uma crise da escola moderna ou um desencaixe com os tempos (e sujeitos) contemporâneos, não significa defender ou percorrer um modelo escolar ideal a seguir, mas principalmente, provocar reflexões sobre os espaços e as experiências escolares atuais, seus currículos, normas e planejamentos. Estamos diante de uma sociedade que está em mudança constante e exige de nós a configuração de propostas, mais condizentes com o mundo que habitamos, uma vez que a escola não se dissolverá, tampouco viveremos uma lógica que abolirá o ensino, a construção de normas e o controle sobre os corpos e as subjetividades, significa pensar que elas continuarão sendo alvo de atualização e reinvenção. Por que Projetos de trabalho? De acordo com Hernandez (1998) entre as finalidades da organização do currículo por Projetos de trabalho está a ampliação e a compreensão da comunidade escolar em desenvolver e organizar os conhecimentos de forma significativa. Isto é, os intentos não estão em transmitir e dominar determinadas linguagens e conteúdos, mas em incorporar estratégias e recursos para que os estudantes possam interpretar e dar sentido as suas vivências e ao próprio mundo. Ensinar por meio de Projetos de trabalho traz à pauta a discussão sobre a perspectiva do conhecimento globalizado e a integração entre as áreas de ensino, além de conectar-se com aspectos de inovação e da complexidade da vida que ocorre fora da escola. Para Hernandez e Ventura (1998, p. 63) “Globalização e significatividade são, pois, dois aspectos essenciais que se plasmam nos Projetos”. Hernández (1998) utiliza os termos Projetos detrabalho ligado a uma tradição educativa que trata do ensino e da aprendizagem articulada a uma “realidade” plural e controversa, vivida pelos estudantes, não existindo apenas uma resposta ou olhar sobre os diferentes contextos. Outra reside em afastar- se do poder regulador da docência, colocando os estudantes como participes importantes desse processo. A palavra projeto inspira-se ao uso que arquitetos, designers e artistas fazem do termo: Como um procedimento de trabalho que diz respeito ao processo de dar forma a uma ideia que está no horizonte, mas que admite modificações. Está em diálogo permanente com o contexto, com as circunstâncias e com os indivíduos que, de uma maneira ou outra, vão contribuir para esse processo. Pela confluência de campos disciplinares que se entrelaçam para que um “projeto” se realize, e a ideia de colaboração que implica. Além das possibilidades de estabelecer conexões, gerar transformações, explorar caminhos alternativos, dialogar com outros “projetos” que brindam práticas profissionais vinculadas a essa noção. (HERNANDEZ, 1998. p. 22) Transpor um termo que possui sentidos específicos em um campo, a arquitetura, para o campo da educação demonstra o desejo e a necessidade de questionar compreensões e caminhos usuais, a fim de introduzir outras possibilidades de trabalho e reflexão, produzindo desconfianças e desafios acerca das formas de conhecer, interagir e organizar o currículo. O autor, ao trazer o termo projeto para o campo da educação, une-se a sentidos que devem acompanhar o processo educativo, como: horizonte, modificações, diálogo, colaboração, conexões, caminhos. Já o que segue de trabalho trata-se de opor-se ao espontaneismo, além de questionar a aprendizagem focada no prazer e na descoberta, derivada de algumas linhas da Escola Nova. A direção dada aqui é a “[...] de aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser, e aprender a compreender com e com o outro”, finalidades da educação escolar, segundo a UNESCO. (HERNANDEZ, 1998. p. 22) Torna-se importante destacar que a construção e a direção dos Projetos de trabalho não serão dadas de antemão, tampouco definidas sempre pelo professor ou guiadas pelo livro didático. Vale dizer que a elaboração de um Projeto de trabalho, assim como outras formas de organização do currículo, necessita levar em conta os documentos e legislações que orientam e devem organizar a ação educativa. São eles: Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica – DCNEB (BRASIL, 2013); Projeto político-pedagógico e a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2017). A escolha do tema Para iniciar um Projeto torna-se importante a escolha do tema ou a elaboração de um problema: o que já se sabe sobre ele, o que já se aprendeu em outros Projetos, o que se pode pesquisar sobre o tema ou problema, dentro e fora da escola. O tema ou problema tem a função de servir como um fio condutor do trabalho e pode advir do currículo oficial, correspondendo ao ano ou etapa da escolaridade; de uma experiência em comum (saneamento básico, o interesse pelos dinossauros, a vida de um artista, etc.); originar-se de um fato atual (Covid-19, Olimpíadas, Copa do Mundo); ser proposto a partir de uma problemática proposta pelo professor ou corresponder de algo que ficou pendente de outro Projeto. Os envolvidos necessitam reconhecer a necessidade, relevância e interesse por desenvolver um ou outro Projeto. A escolha deverá ter consonância com as demandas da turma e para tratar sobre a importância em estudar determinado tema, ao invés de outro, o professor poderá contribuir trazendo para a turma um vídeo, convidando um profissional para falar sobre o assunto, apresentando informações iniciais. Desse modo, a escolha não ocorrerá simplesmente por que gostamos do tema, mas pela possibilidade em articular com temas já estudados, a fim de estabelecer novas conexões, ampliar as informações e as hipóteses do que se quer conhecer, visando guiar e organizar a ação educativa. A atividade docente após a escolha do tema Compete aos docentes atuar para dar sentido ao tema proposto nas diversas etapas, mantendo o foco, contribuindo na seleção, organização, problematização e avaliação dos temas e das fontes, interagindo e transformando as informações em significativos materiais de aprendizagem. Vejamos a representação a seguir: Tabela: A atividade docente durante o desenvolvimento do Projeto 1. Especificar o foi condutor ►Relacionar com as legislações vigentes. 2. Buscar materiais ► Previsão dos conteúdos, atividades e fontes de informação (o que se pode aprender no Projeto?). 3. Estudar e preparar o tema ► Seleciona a informação com critérios de novidade e de planejamento de problemas. 4. Envolver componentes do grupo ► Cria-se um clima de envolvimento e interesse de aprender no grupo 5. Destacar o sentido Funcional do Projeto ► Destaca a atualidade do tema para o grupo. 6. Manter uma atitude de avaliação ► Planejar o desenvolvimento do Projeto: O que sabem sobre o tema, que dúvidas surgem, o que acredita que os alunos estão aprendendo. 7. Recapitular o processo seguido ► Ordena-se em forma de programação, para contrastar e planejar novas propostas educativas. Fonte: HERNANDEZ e VENTURA (1998, p. 69). A representação usada aqui para sintetizar e especificar aspectos importantes para elaboração dos Projetos de trabalho não pode ser tomada como um todo homogêneo e fixo. O desenvolvimento dessa atividade não deve se prestar apenas, para introduzir um nome novo as atividades rotineiras. Há que se ver como um caminho orientador, podendo-se prever variações na organização da prática, nas formas de interpretar, refletir e realizar a docência. A atividade dos estudantes após a escolha do projeto Segundo Hernandez e Ventura (1998) após a escolha do tema, os estudantes partem para a elaboração de um índice para previsão e planejamento dos tempos, atividades, inserção de outros temas e informações, levantamento das fontes de pesquisas, instrumentos de avaliação, dando a compreensão do sentido de globalização do Projeto. Uma visão em comum da turma pode configurar os aspectos para organizar o planejamento, o ponto de partida, a aproximação das informações, a seleção das fontes. Como já indicamos, para confirmar a relevância e a justificativa do projeto, pode-se assistir um vídeo, convidar profissionais ou envolvidos para tratar do assunto, ler materiais comuns utilizando-se de livros, fotos, entrevistas, matérias jornalísticas, etc. Cabe pensar individualmente e em grupo que as diferentes fontes de informação expressam “visões da realidade”, estando sujeitas a diferentes enfoques, interesses, linguagens, hipóteses, teorias, pontos de vista, podendo contrapor-se e divergir (HERNANDEZ e VENTURA, 1998, p. 73). Por isso, é necessário ordená-la em relação às finalidades do Projeto, compondo possíveis capítulos, propondo indagações, estabelecendo prioridades, hierarquias e relações a partir das fontes e conhecimentos, por fim, abrindo possibilidades e perspectivas para novos Projetos. A busca por fontes de informação Docentes e estudantes são instigados a colaborar e complementar cooperativamente a busca e a organização dos conhecimentos escolares. Essa forma de proceder produz efeitos importantes para o ato de aprender: assumir o tema do Projeto; obter acesso as informações, para além da escola; situar-se diante das informações; envolver-se com outras pessoas, pois “o aprender é um ato comunicativo”, assim como desenvolver responsabilidade e atuação sobre o seu processo de aprendizagem (HERNANDEZ e VENTURA, 1998, p. 75). São ações que promovem a aprendizagem, o desenvolvimento da autonomia dos estudantes e o diálogo entre os envolvidos ao aperfeiçoarem comparações, dúvidas, deduções e relações. Vale dizer, que a construção de conhecimentos, a partir da pesquisa em diferentesfontes de informações, tais como: fotos, notícias, documentos antigos, depoimentos orais, mapas e livros irão marcar o caráter fluido, polissêmico e interessado do conhecimento, além de afastar-se das usuais compartimentações e passividades propostas, em geral, nas disciplinas. O índice como uma estratégia de aprendizagem No contexto de um Projeto, o índice torna-se uma importante estratégia de aprendizagem, na medida em que aciona dimensões cognitivas, afetivas, colaborativas, reflexivas, estéticas e motoras para a aprendizagem. A sua elaboração e retomada cumpre a função de compreender quais foram as apreensões já realizadas pelos estudantes em torno de um Projeto, além de funcionar como um esquema para futuras explorações. O índice pode e deve ser revisto, ampliado, reformulado para atender as finalidades educativas. Realizar um dossiê de síntese dos aspectos tratados no Projeto A partir das atividades vividas ao longo do Projeto, o dossiê pode funcionar como um recurso interessante de registro, sintetização e avaliação. Seguindo o índice pode-se realizar a avaliação formativa dos estudantes, expressando suas incorporações, interpretações, reflexões, sentidos e aprendizagens, por meio de diferentes linguagens. Também denominado como portfólio, os registros necessitam corresponder aos pressupostos pedagógicos vivenciados ao longo do Projeto, necessitando sua explicitação, diante dos critérios de realização, validação e correção. Para finalizar Ao finalizar esse capítulo vale retomar que os Projetos de trabalho não são uma método ou uma pedagogia, constituem uma forma de organizar um planejamento de ensino de forma globalizada e interessada pela aprendizagem significativa. Significa enfrentar os problemas reais e complexos do cotidiano, admitindo que as formas de conhecer (e ensinar) circulam muito além da escola e do currículo oficial. O diálogo pedagógico deve permear e atravessar as formas de (re)construção dos caminhos e cenários de ensino e aprendizagem, responsabilizando todos os envolvidos nas tarefas de expandir, selecionar, ordenar, analisar e interpretar a informação. Como um processo não acabado, os Projetos de trabalho podem configurar a organização do currículo escolar, introduzindo e instigando a pesquisa, o interesse de toda a comunidade escolar, o planejamento conjunto, a necessidade do debate, a pluralidade dos recursos e das fontes de informação, a pluralidade e a provisoriedade do conhecimento, a avaliação formativa e o caminho para novas explorações. Partindo de um tema ou problema real podemos articular os conhecimentos escolares das disciplinas, a curiosidade, a indagação, ao diálogo, a pesquisa, a fim de reconhecer, interpretar e quem sabe interagir diante da complexidade da vida que estamos imersos. Referências: BRASIL, Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf>. Acesso em: 01 set. 2017. http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf BRASIL. Ministério da Educação. Secretária de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília: 2013. HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998. HERNÁNDEZ, Fernando e VENTURA, Montserrat. A organização do trabalho por projetos de trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. SIBILIA, Paula. A escola no mundo hiperconectado: Redes em vez de muros? Redes em vez de muros? Matrizes, v. 5, n. 2, jan./jun. 2012, p. 195-211. Disponível em https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/view/38333/41193 Acesso em: 09 fev. 2021. https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/view/38333/41193 Capítulo 5: Metodologias Ativas no Processo Ensino e Aprendizagem Carin Klein Introdução A responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe coloca o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente. Esta atividade exige que sua preparação, sua capacitação, sua formação se tornem processos permanentes. Sua experiência docente, se bem percebida e bem vivida, vai deixando claro que ela requer uma formação permanente do ensinante. Formação que se funda na análise crítica de sua prática. (FREIRE, 2001, 259-260). Iniciamos esse capítulo com o excerto de um autor que recebeu reconhecimento mundial, já nos anos 50 e 60, do século XX, devido ao incontestável rigor, como educador e filósofo. A formulação e os pressupostos de uma educação popular trouxeram para o campo da educação, discussões caras e consideradas “perigosas” até os dias de hoje. Paulo Freire (2001) trazia em suas proposições uma educação que levasse em conta os cotidianos, a criticidade em relação aos conhecimentos e as formas de ler o mundo, tanto para quem aprende, como para quem ensina, indicando que “A compreensão é trabalhada, é forjada, por quem lê, por quem estuda [e] que, sendo sujeito dela, se deve instrumentar para melhor fazê-la. Por isso mesmo, ler, estudar, é um trabalho paciente, desafiador, persistente.” (FREIRE, 2001, p. 265). Nesse sentido, a leitura da palavra e a leitura do mundo não podem ser atividades ingênuas ou mecânicas, necessitam estar inexoravelmente relacionadas aos contextos vividos, ou seja, ao desenvolvimento da compreensão do mundo que lemos e habitamos. Assim, a atividade de alfabetização, por exemplo, não estaria restrita a decodificação de símbolos, mas, sobretudo, na leitura dos sentidos e das relações instituídas, nas formas de representar os outros, nas disputas pelo poder, nas formas de produzir desigualdades e hierarquias sociais. Ao trazermos nessa introdução a Carta de Paulo Freire aos professores pretendemos destacar a dimensão política que cerca as relações de ensino e de aprendizagem. Por isso, o capítulo intitulado: Metodologias Ativas no Processo Ensino e Aprendizagem tem o propósito de demarcar a importância de uma educação em que se considera central, tanto para os docentes, como para os estudantes, a realização de percursos educativos que lhes tornem ativos, curiosos, inquietos, indagadores, rigorosos e persistentes. ========================== Como já argumentamos em outros capítulos, vivemos em meio às transformações sociais, culturais, políticas e tecnológicas que vêm demandando modificações (ou, verdadeiras revoluções) nas relações de trabalho, nas formas de interação e comunicação. Os impactos dessas transformações seguramente vêm produzindo efeitos na solidez de muitas instituições e organizações, dentre elas, a escola. Em oposição à solidez, Bauman (2001, p. 12) utiliza-se da metáfora da fluidez ou liquidez para caracterizar a contemporaneidade. Para o autor os fluidos escapam, diluem, borram fronteiras, inundam, não são facilmente contidos uma vez que transbordam, invadem, desintegram. O poder dessa metáfora serve para pensarmos no “derretimento dos sólidos” instaurados na modernidade, instituições como a escola e os modelos de educação tradicional foram (e permanecem) centralmente envolvidos com a dissolução das certezas, espaços, tempos, modelos curriculares, metodologias ortodoxas, padrões, fronteiras, identidades docentes. Segundo Léa Anastasiou e Leonir Alves (2004) as metodologias tradicionais de ensino possuem como foco os processos de ensino e aprendizagem baseados, principalmente, na passividade dos estudantes e nas atividades de memorização, geralmente, seguidas de uma organização espaço-temporal rígida e arbitrária, operações que não dão mais conta da educação e da formação dos indivíduos e das sociedades que se constituem na atualidade. Em contraponto as metodologias tradicionais, essa autora discute e denomina de estratégias de ensinagem, ao lançar mão da união dos termos ensino e aprendizagem,
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