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1 HISTÓRIA DA SAÚDE GESTÃO EM SAÚDE 2 APRESENTAÇÃO DO PROFESSOR Professora Me. Andressa Lorena Ieque, Mestrado em Ciências da Saúde pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Maringá (UEM) (2018). Graduada em Biomedicina pela UEM (2016). Possui experiência no desenvolvimento e atuação em atividades de pesquisa, ensino e extensão na área da saúde, mais especificamente, saúde pública, microbiologia clínica e doenças infecciosas. Na área de extensão educacional, participou desenvolvendo atividades e palestras para comunidade, que buscam esclarecer e educar sobre assuntos da área da saúde relevantes a cada grupo específico, sendo estes crianças e adolescentes em escolas da rede pública de ensino, trabalhadores e idosos em Unidades Básicas de Saúde (UBS). 3 APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Olá caro (a) aluno (a)! Seja bem-vindo à disciplina História da Saúde. Estudaremos como a saúde se consolidou e quais fatores históricos contribuíram para o seu desenvolvimento desde a antiguidade até os dias atuais. Veremos que a preocupação com a saúde dos indivíduos nem sempre ocorreu de modo natural, pois muitas vezes foi forçada a receber atenção devido ao aparecimento de doenças que devastaram a vida de muitas pessoas ou apoiado na necessidade de crescimento econômico. Os fatores que despertavam o interesse do governo para a saúde variavam muito de acordo com o momento histórico que estava sendo vivido, e por esse motivo, é importante conhecer seu percurso histórico. Nesse contexto, compreenderemos de modo geral e pontual, as influências que a religião, a cultura, a política e a economia exerceram sobre o processo de construção do sistema de saúde, no mundo e no Brasil. 4 SUMÁRIO Unidade I – Aspectos históricos da saúde pública no mundo: da antiguidade à revolução Industrial .................................................................................................. 5 A saúde na antiguidade ........................................................................................... 6 A Era do pensamento científico ............................................................................. 11 A Revolução Industrial e a Reforma Sanitária ...................................................... 18 Unidade II – Aspectos históricos da saúde pública no mundo: a evolução da ciência e da educação em saúde ......................................................................... 277 A Era bacteriológica ............................................................................................. 288 A atenção à grupos específicos da sociedade e a educação em saúde ................ 33 A Saúde moderna .................................................................................................. 36 Unidade III – Aspectos históricos da saúde pública no Brasil: da colônia à Era Vargas ...................................................................................................................... 42 A colônia ................................................................................................................ 43 A República ............................................................................................................ 45 A Era Vargas ......................................................................................................... 49 Unidade IV – Aspectos históricos da saúde pública no Brasil: a consolidação do sistema de saúde .................................................................................................... 53 O fim da Era Vargas ............................................................................................... 54 A ditadura ............................................................................................................... 55 A consolidação do sistema de saúde ..................................................................... 57 REFERÊNCIAS…………………………………………………………………………….63 5 DISCIPLINA: HISTÓRIA DA SAÚDE Unidade I – ASPECTOS HISTÓRICOS DA SAÚDE PÚBLICA NO MUNDO: DA ANTIGUIDADE À REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Professora Me. Andressa Lorena Ieque Objetivos de Aprendizagem: Conhecer a história da saúde na antiguidade; Definir as principais doenças que acometiam os povos antigos; Compreender como os povos egípcios e gregos contribuíram para os primórdios da saúde; Analisar como a cultura e a religião influenciaram a assistência em saúde na Idade Média; Entender como o início do pensamento científico incentivou a promoção de mudanças na saúde; Avaliar como a Revolução Industrial influenciou as condições de vida e impulsionou a Reforma Sanitária; Explanar as principais doenças e epidemias que acometiam os povos desde a antiguidade até o período da Revolução Industrial; Apresentar personagens médicos e políticos que contribuíram na evolução do sistema de saúde. Plano de estudo: Tópico 1 – A saúde na antiguidade. Tópico 2 – A Era do pensamento científico. Tópico 3 – A Revolução Industrial e a Reforma Sanitária. 6 INTRODUÇÃO À UNIDADE Olá! A partir de agora daremos início à disciplina História da Saúde, na qual abordaremos os vários aspectos históricos que contribuíram para a formação do sistema de saúde tal como possuímos hoje. Esses aspectos históricos serão tratados por meio de uma linha do tempo, dessa forma compreenderemos como e por quais motivos as mudanças foram ocorrendo. Portanto, iniciaremos nosso estudo na antiguidade até a atualidade. Para melhor entendimento, nossas unidades serão divididas em tópicos, sendo que em cada um deles, trataremos de um período diferente da história. É importante destacar que essa divisão foi feita com base em fatos que marcaram a época, influenciados, principalmente pelo modo de pensar da sociedade, pela cultura, pela política e também pela economia. Apesar de essa divisão existir e facilitar nossa trajetória, devemos ter a consciência de que a transição entre um período e outro não acontece de uma hora para outra, pelo contrário, os pensamentos vão mudando e as mudanças vão se instalando lentamente. Nessa primeira unidade, temos a divisão em três tópicos: a saúde na antiguidade, em seguida a Era do pensamento científico e no terceiro a Revolução Industrial. No primeiro tópico, estudaremos os primórdios da saúde na Idade Antiga e veremos alguns acontecimentos que datam de alguns anos antes de cristo até aproximadamente o século XVI, que marca o fim da Idade Média. No tópico 2, compreenderemos como o Renascimento provocou mudanças importantes no modo de pensar da humanidade e impulsionou a busca pelo conhecimento científico, além de começar a transformar os serviços de assistência à saúde. Por fim, no último tópico, entenderemos como a Revolução Industrial contribuiu para o início da Reforma Sanitária. A SAÚDE NA ANTIGUIDADE Achados arqueológicos de 2.000 anos antes de Cristo mostram que a preocupação com as condições sanitárias existe desde as antigas civilizações. No Egito, Tróia e Creta foram evidenciadas construções de banheiros e esgotos, com sistemas de destino de dejetos e de suprimento de água adequada para beber 7 (ROSEN, 1994). Por muito tempo o povo associou o surgimento de doenças a causas naturais e divinas, assim, quando enviadas por deuses seriam punições devido à perversidade do ser humano. A partir do século V e IV a.C, esse pensamento começou a mudar com os gregos, que desenvolveram um olhar mais racional e científico, então passaram a associar as causas das doenças ao clima e ao ambiente físico, porém, sem abandonar completamente o julgamento naturalista (ROSEN, 1994). Os primeiros relatos de doençastransmissíveis são encontrados na literatura da Grécia. Episódios de graves dores de garganta com formação de membranas, amígdalas ulceradas e voz anasalada sugerem casos de difteria, que parece ter provocado endemias na Índia, na Grécia, na Síria e no Egito. Os registros também indicam a ocorrência de malária, alguns escritores chegaram a relacionar sua causa com a sazonalidade e a origem da água, apesar de não compreenderem muito bem a relação (ROSEN, 1994). A profissão médica passou a receber maior atenção no final do século V, com o objetivo de oferecer mais assistência à população. Os médicos apresentavam um pensamento filosófico e para eles a saúde residia na harmonia entre o homem e o ambiente, e por essa razão, trabalhavam com um olhar sanitarista. Tanto que, a literatura sugere que os médicos deveriam ser consultados durante os movimentos de colonização grega, para que investigassem as condições do lugar, porque para eles os fatores físicos do ambiente tinham forte influência sobre o equilíbrio do corpo humano (ROSEN, 1994). Nesse cenário os médicos também defendiam a prática da higiene e de uma nutrição equilibrada para manter uma vida saudável, porém, diante da economia escravista, apenas um número pequeno de pessoas pertencentes à classe nobre tinha acesso a tais condições (ROSEN, 1994). Os romanos foram os principais responsáveis pelo aprimoramento das condições sanitárias, pois contribuíram fortemente para o conhecimento de construções e instalações sanitárias. Além de muitas cidades apresentarem sistema de esgoto, esse império ficou marcado pelo desenvolvimento de suprimento de água através de sistemas de aquedutos, que permitiam o transporte e a utilização de água à distância (ROSEN, 1994). O sistema de suprimento distribuía água para fontes, banheiros e outras estruturas públicas, contribuindo para as necessidades básicas da 8 vida civil. Além disso, eles dedicavam atenção especial à pureza da água, preocupando-se em separar os aquedutos que possuíam água adequada para beber, dando outro destino útil aos que não possuíam (ROSEN, 1994). Graças às instalações públicas acessíveis, os romanos adquiriram o costume de tomar banho regularmente, sendo comum encontrar ambientes com salas para banhos. Isso contribuiu para melhorar as condições de higiene, apesar de algumas práticas anti-higiênicas terem surgido nos últimos anos do Império (ROSEN, 1994). Apesar das dificuldades em estabelecer um diagnóstico preciso, há evidências de que ocorreram epidemias de tifo exantemático, peste bubônica e varíola na história de Roma. Com menor frequência e menos duradouras, também ocorreram epidemias de difteria, malária, febre tifoide, disenteria e tuberculose. O autor George Rosen, em seu livro “Uma História da Saúde Pública” defende que: O cuidado da Roma imperial com o suprimento de água, e o destino da água de esgoto, provavelmente ajudou na prevenção da febre tifoide e da disenteria. O apreço dos romanos pelo banho, e a consequente diminuição do Pediculus corporis, talvez tenha evitado surtos de tifo exantemático (ROSEN, 1994, p. 45). Entre as principais contribuições de Roma para a medicina, estão o surgimento de um serviço público de médicos municipais e também a criação de hospitais. No início, a medicina era exercida por sacerdotes, escravos e mais tarde, homens livres na república romana. A partir do século III a.C, os médicos gregos começaram a migrar para Roma e passaram a ser mais requisitados (ROSEN, 1994). Entretanto, a medicina era acessível apenas para quem tinha dinheiro, enquanto os pobres recorriam à medicina popular e aos deuses. No século II d.C., os médicos foram nomeados e distribuídos para atender aos pobres em várias cidades e também a ensinar a medicina. Além disso, a partir do século I d.C., iniciaram-se as construções de enfermarias para escravos e hospitais públicos para civis e militares (ROSEN, 1994). No fim do século V, com a invasão dos bárbaros e o surgimento de novas políticas econômicas e sociais, houve a queda do regime romano e iniciou-se o período da Idade Média. As principais epidemias que marcaram o início da Idade Média foram peste de Justiniano e Peste Negra. Outras doenças como lepra, peste bubônica, varíola, difteria, sarampo, influenza, malária, ergotismo, tuberculose, 9 escabiose, erisipela, antraz, tracoma, malária também estavam presentes. As doenças que tiveram maior impacto na saúde pública medieval foram lepra e peste bubônica (ROSEN, 1994). Baseado na cultura cristã, ainda prevalecia o pensamento de que o adoecimento era uma forma de punição pelos pecados. Nesse contexto, as pessoas buscavam combater as doenças através da religião e recorriam aos mosteiros para SAIBA MAIS SOBRE O ASSUNTO: A lepra é uma das doenças que causaram mais terror à humanidade. Ela começou a se espalhar pela Europa por volta dos séculos VI e VII, alcançando um pico assustador nos séculos XIII e XIV. A população pobre era a mais acometida, representando um problema social e sanitário muito sério. Baseado no fato de que a lepra era contagiosa e colocava em risco outras pessoas, a notificação passou a ser obrigatória. Porém, juntamente a essa medida evolutiva de saúde pública, o isolamento dos leprosos também passou a ser exigido, tirando a liberdade e direitos de muitas pessoas. A igreja tomou para si a responsabilidade de controlar o problema baseada no princípio de contágio do Velho Testamento, passando a considerar os leprosos como impuros, por apresentarem uma condição patológica. Como solução, os leprosos deveriam isolar-se da comunidade e submeterem-se aos rituais de purificação. Nesse contexto, surgiram as casas de leprosos, que chegaram a cerca de 19 mil em toda a Europa. Hoje em dia essa doença é chamada de Hanseníase e sabe-se que ela é causada por uma bactéria, que foi descoberta em 1873 (Mycobacterium leprae). O tratamento é realizado através da rede pública de saúde e apesar de longo, alcança a cura. Para ler mais sobre o assunto, acesse a matéria “Lepra: a maldição divina”, no link abaixo: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/lepra-a-maldicao- divina.phtml https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/lepra-a-maldicao-divina.phtml https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/lepra-a-maldicao-divina.phtml 10 realizar orações. Consequentemente, no século IX, surgiram mosteiros que apresentavam muitos recursos e isso impulsionou a construção de comunidades urbanas (ROSEN, 1994). As cidades surgiram na forma de aglomerados com muitos problemas, principalmente relacionados à distribuição de água limpa, criação de animais e aumento de sujeira nas ruas. Para combater esses problemas, foram criados regulamentos para exigir organização da população, além disso, as ruas foram pavimentadas e a criação de animais de frente à rua foi proibida para manter a limpeza e organização (ROSEN, 1994). Existia uma crença de que o surgimento de doenças estava associado a pontos que vendiam alimentos, que poderiam estar estragados. Desse modo, iniciou-se a inspeção rigorosa dos alimentos como uma medida preventiva de doenças, sendo um importante marco da administração pública medieval (ROSEN, 1994). A preocupação da população em viver mais veio acompanhada de regulamentações acerca da higiene e cuidados pessoais com habitação, limpeza, sono e nutrição. No fim da Idade Média, as assistências médicas e sociais estavam bem mais evoluídas. A classe médica foi dividida em clínicos, cirurgiões e os chamados itinerantes, responsáveis por procedimentos mais sérios e difíceis. Além disso, ainda no século XII aumentaram as construções de hospitais e instituições beneficentes, como asilos e abrigos para homens, mulheres e crianças, e a partir do século XIII, a responsabilidade dos hospitaispassou a migrar das mãos da igreja para a municipal. 11 A ERA DO PENSAMENTO CIENTÍFICO A transição da Idade Média para o Renascimento ocorreu de forma lenta e gradual, com o surgimento de uma revolução tecnológica, caracterizada pelo crescente interesse em progredir, principalmente industrialmente, que abriu espaço ao interesse pela ciência. No campo da saúde pública, a teoria voltada à ciência evoluiu rapidamente, porém a prática sanitária mudou muito pouco (ROSEN, 1994). Estudiosos focaram em conhecer o corpo humano e as doenças, buscando elaborar teorias científicas que provassem os fenômenos naturais. A área da epidemiologia e a da observação clínica evoluiu muito no conhecimento teórico e contribuíram para a descrição de várias doenças, como a coqueluche, a febre tifoide e a escarlatina. Essa caracterização clínica representa um passo importante para a definição de doenças importantes, além de abrir caminho para implementação de medidas de controle de saúde pública específica (ROSEN, 1994). SAIBA MAIS SOBRE O ASSUNTO: A pandemia da peste bubônica parece ter surgido no século XIV na Ásia Central, em uma região de roedores selvagens das estepes. A doença se espalhou para o oeste até atingir o mar Negro, alcançando a Europa em 1348. A peste arrasou a Europa durante 3 anos e ainda permaneceu presente em surtos intervalados até 1388. As pessoas que pegavam a doença assumiam um estado de pânico pela associação à ira divina e à negação da comunidade. O princípio da notificação e isolamento iniciado com a lepra foi aplicado para peste bubônica, com a diferença de que os enfermos eram isolados durante 40 dias em suas próprias casas. As pessoas que ali residiam com o doente também ficavam em isolamento. Mais tarde, as medidas de controle adotadas para a lepra e a peste bubônica, evoluíram para sistemas capazes de combater doenças contagiosas, com a criação de estações de observação e isolamento e procedimentos de infecção, sendo hoje práticas comuns na saúde pública. O documentário a seguir ilustra um pouco da história da Peste Negra na Idade Média: https://www.youtube.com/watch?v=L2-HoovP-Dk https://www.youtube.com/watch?v=L2-HoovP-Dk 12 As epidemias estudadas ou observadas pela primeira vez nos séculos XVI e XVII foram: o suor inglês, tifo exantemático, escorbuto, escarlatina, varicela e a sífilis. A sífilis surgiu no século XV e seu caráter sexual foi definido rapidamente e logo foram tomadas medidas em busca de controlar as fontes da infecção. Essas medidas de controle eram baseadas em outras doenças contagiosas como a lepra e a peste, com notificação dos casos e tratamento em locais destinados especificamente para esse grupo de doentes (ROSEN, 1994). Vários estudiosos tentaram esclarecer a origem dessas doenças e para eles o contágio estava relacionado com a atmosfera. Thomas Sydenham e Fracastoro postularam teorias de que a constituição da atmosfera determinava o aparecimento de enfermidades devido à presença de agentes infecciosos, tratados como sementes ou seminárias na época, que tinham a capacidade de se reproduzir e persistir no ambiente, e ainda, invadir o corpo humano e causar doença. Essas teorias receberam o nome de miasmáticas, as quais caíram apenas após o descobrimento da bacteriologia (ROSEN, 1994; ANDRADE, 2001). Por volta de 1560, surgiram os primeiros relatos de doenças e acidentes relacionados ao trabalho dos mineiros, chamando a atenção para o grupo dos trabalhadores. Esse grupo passou a ser estudado e mais tarde, a Revolução Industrial impulsionou o surgimento da medicina preventiva já por volta do século XIX, na qual a saúde pública introduz medidas preventivas baseadas nestes riscos ocupacionais (CAMPOS, 2012). O Estado passou a direcionar o governo visando o bem-estar da sociedade como idêntico ao bem-estar do Estado. Esse sistema ficou conhecido como mercantilismo e influenciou a administração da Saúde Pública (ROSEN, 1994). Para os políticos, o aumento do poder e riqueza nacional dependiam de uma população grande e saudável, e, portanto, esta relação levantou a necessidade de dar atenção aos problemas de saúde. Uma população saudável apresenta alta produtividade no trabalho, o que é essencial para o crescimento da indústria e, consequentemente do país (CAMPOS, 2012). Nesse sentido, o Estado passou a investir na análise dos problemas de saúde através da aplicação de métodos estatísticos e, isso contribuiu para o estudo e desenvolvimento da Saúde Pública. Entre as variáveis estudadas estavam taxa de nascimentos e de mortes, variações das taxas de mortes, segundo as estações ou 13 local de moradia. Portanto, as condições civis, morais e econômicas estavam sendo analisadas por teorias matemáticas, que permitiam calcular as perdas econômicas em consequência das doenças e esclarecer sobre a morbidade e mortalidade da população (ROSEN, 1994). Esses estudos passaram a acontecer de forma fragmentada pela Europa, até que os governos pudessem reunir conhecimentos suficientes para a implantação de uma política de saúde pública. Como verificamos, no decorrer da história, as autoridades tomavam decisões que julgavam mais convenientes para a resolução de problemas pontuais. Agora, com a criação de um sistema nacional de saúde pública, passa a existir um conselho permanente, que é responsável por avaliar com base científica os problemas de saúde e tomar medidas de controle para todos os problemas, que de alguma forma, influenciavam no bem-estar da população (ROSEN, 1994). A limpeza das ruas era de responsabilidade dos próprios moradores e foram determinadas medidas punitivas como multas para quem as poluísse ou deixassem animais perambulando, especialmente porcos, devido ao risco de sujeira por excrementos. A partir do século XVI, as autoridades começaram a empregar limpadores de ruas para recolher sobras e material dos esgotos. Porém, o destino dos esgotos continuou sendo um problema até meados do século XIX (ROSEN, 1994). O suprimento de água a partir de poços e nascentes naturais passou a ser insuficiente com o crescimento da população, sendo necessário um aprimoramento do sistema. No fim do século XVI e no século XVIII, houve um aumento marcante na instalação de sistemas hidráulicos e na criação de companhias de água, que se tornaram responsáveis pelo suprimento de água em um nível industrial. Essas mudanças só foram possíveis graças às inovações tecnológicas que estavam acontecendo na época, como por exemplo, as bombas de água. A prática de filtração da água teve início no século XVI, porém, a sua aplicação ao nível de cidades ocorreu apenas no século XIX (ROSEN, 1994). O desenvolvimento da ciência no século XVI e XVII, inclusive no campo da anatomia e fisiologia, permitiu um conhecimento mais preciso das doenças e os estudiosos passaram a concretizar a ideia de que as doenças transmissíveis eram causadas por microrganismos. Porém, esse crescimento não resultou em muitas mudanças sobre a administração dos problemas de saúde comunitária até o século 14 XIX (ROSEN, 1994). Apesar do crescimento do conhecimento tecnológico e científico nos séculos XVI, XVII e XVII, os problemas de saúde pública continuaram sendo tratados de maneira semelhante àquela que se fazia na Idade Média. As mudanças mais marcantes na administração da saúde pública e a fundação do movimento sanitário ocorreram efetivamente no século XIX (ROSEN, 1994). O autor Rosen descreve em seu livro “História da Saúde Pública”, que: Cada vez mais os homens, tendo experimentado a transformação, achavam difícil conceber uma sociedade estática. Discutia-se a conveniência de uma mudança, ou o modo de realizá-la, mas todos viam a mudança como inerente à sociedade. Essa atmosfera intelectual e emocional, e suas atitudes, nascem do Iluminismo e da Revolução Industrial.As situações criadas por esses movimentos serviram como sementeira para a germinação de ideias e tendências revolucionárias da Saúde Pública no século XIX. (ROSEN, 1994, p. 113). O Iluminismo regia a aceitação da inteligência e a utilização da razão para o progresso da humanidade. A obra Enciclopédia das Artes, Ciências e Ofícios publicada em 1751, reuniu o conhecimento de vários pensadores e filósofos que se concentravam na reforma da sociedade. O filósofo Diderot, em seus artigos, escreveu sobre a importância de combater a mortalidade infantil para o crescimento populacional e sugeriu mudanças na assistência médica, chamando atenção para fatores que poderiam contribuir para melhorar o funcionamento dos hospitais (ROSEN, 1994). A consciência e o conhecimento das consequências que as doenças causavam fizeram com que alguns grupos da população como, médicos, clérigos e mercadores e outros cidadãos de espírito público exigissem melhoras. No fim do século XVII e início do XVII, houve um aumento marcante no número de habitantes, devido a uma alta na taxa de nascimento e uma queda na taxa de mortes. Vários movimentos populares contribuíram para esse cenário, como por exemplo: O movimento do bem-estar da criança que impulsionou a reforma das condições responsáveis pela mortalidade infantil; A Campanha contra o Gim, que resultou no controle do licenciamento e teor de álcool da bebida e o declínio do consumo teve um efeito considerável na mortalidade; 15 A luta contra o abandono e morticínio de crianças por negligência, bebês indesejados ou até mesmo assassinatos. Na França, Alemanha e Londres surgiram linhas de defesa exigindo direitos das crianças à vida e à liberdade, sendo que em alguns casos, foram definidas regras sobre amamentação, alimentos, vestes e exercícios para as crianças. Concomitantemente, houve também esforços para melhorar a obstetrícia e redução da mortalidade materna; Atenção às condições de saúde dos trabalhadores, com tomada de medidas para exterminar doenças ocupacionais como o escorbuto dos marinheiros, doenças dos mineiros e metalúrgicos e também de soldados; Reforma do sistema penal e situação dos presídios; Atenção à demência e reforma do tratamento dos doentes em hospícios. Philippe Pinel e William Tuke e seus pensamentos precederam as mudanças iniciais na evolução do sistema humano de cuidados aos doentes mentais. Eles defendiam que os hospícios deveriam oferecer um ambiente familiar aos pacientes, livres de brutalidades e correntes. Esses pensamentos iniciaram por voltar de 1792 e contribuíram para a criação de hospitais psiquiátricos municipais em 1815, que demonstravam progresso nos métodos de tratamento e padrões profissionais no cuidados dos enfermos mentais (ROSEN, 1994, p. 117-123). Com o crescimento das cidades, muitos trabalhadores migraram para as metrópoles e surgiu a necessidade de atenção à saúde da população pobre, que não tinha condições de pagar pelos serviços médicos. Nesse contexto, principalmente em Londres, foram criados associações e hospitais beneficentes, com focos especiais de atendimento. O Hospital de Londres foi fundado para oferecer atendimento a todas as pessoas doentes, em particular, manufatureiros, marinheiros e suas esposas e filhos. O Hospital de Middlesex, criado em 1746, tinha o objetivo de atender pacientes com varíola, o Hospital Lock para pacientes com doenças venéreas e o Hospital de São Lucas, para pacientes com doenças mentais, entre muitos outros. Esse movimento se espalhou, inicialmente para cidades vizinhas, até atingir outros locais da Europa (ROSEN, 1994). Este autor ainda salienta que: Essas instituições não nasciam do governo, mas resultavam de esforços de cidadãos e subscrições e heranças as financiavam […] Não obstante, ajudaram a criar um padrão de comportamento, comum, nos esforços da Saúde Pública do século XIX, na luta contra os problemas trazidos pela industrialização. Esse padrão se caracteriza por várias fases: primeiro um indivíduo, ou um pequeno grupo influente, reconhece um mal social; em seguida, empreendem-se, mediante iniciativa individual, estudos, experimentos ou melhoramentos; por fim, essa agitação leva o governo a agir e, em caso do êxito, à legislação. (ROSEN, 1994, p. 126). Embora os hospitais representassem um grande avanço para a saúde, havia um lado que deixava a desejar por práticas primitivas de enfermagem e higiene pobre. 16 As melhorias nas instalações sanitárias e do padrão de limpeza foram influenciadas por James Lind, o pioneiro da higiene naval. A reforma dos hospitais passou a ser levada a sério e a produzir mudanças efetivas no início do século XIX (ROSEN, 1994). Os esforços para melhorar a qualidade da água aconteciam, mas demoraram a mostrar êxito. Em meados de 1820, os canos de suprimento de água passaram a ser substituídos por canos de ferro fundido. Em 1829, James Simpson introduziu em Londres a filtração arenosa, lenta, feita por camadas de pedras grandes e pequenas, cascalho e areia. Nessa época, o propósito principal era remover a poluição grosseira e clarear a água (ROSEN, 1994). Alguns médicos, influenciados pelas doutrinas dos filósofos políticos e dos teóricos da ciência política, tentaram aplicar esses conceitos a problemas de saúde pública. Desde então, surgiu à ideia da criação de uma política médica pelo governo e maior o empenho para alcançar esse objetivo, baseados, principalmente nas obras de dois autores na Alemanha: Johann Peter Frank e Franz Anton Mai (ROSEN, 1994). Frank, em sua obra de 1779, apoia que a saúde do povo deve ser responsabilidade do Estado e apresenta um modelo de sistema de saúde pública guiado pelo humanismo, contribuindo em maior parte para guiar o sistema de higiene pública e privada. Em sua obra, Frank chama atenção para cuidados com a gestante e com a saúde da criança, com a higiene do alimento, da roupa, da recreação e da moradia. Em relação às instalações sanitárias, defende que a limpeza das cidades é dever de autoridades municipais e sugere que o lixo seja destinado à terrenos distantes da cidade. Também discute a necessidade de construção de privadas que não contamine as fontes de água de beber. Frank também buscou lidar com a medicina militar, doenças venéreas, hospitais e doenças epidêmicas e comunicáveis, chegando a formulação de uma política de saúde abrangente e coerente (ROSEN, 1994). Mai criou um código de leis que coordena a saúde em todos os aspectos, com o objetivo de manter e também de promover a saúde. O autor baseava-se nas mesmas ideias de Frank, mas defendia com muita ênfase a educação na área da saúde, considerando os agentes de saúde como educadores e responsáveis por instruir a comunidade nos assuntos da área da saúde. Apesar das origens das políticas de saúde pública terem surgido na Alemanha, o desenvolvimento e aplicação dessas teorias ocorreram na Inglaterra e na França em meados do século XIX 17 (ROSEN, 1994). O final do século XVII e início do XVIII foram marcados pela produção e incentivo de estudos relacionados à epidemiologia das doenças, no qual relacionavam as condições da saúde com dados geográficos sobre o clima, hidrografia, plantas e também sobre o modo de vida dos habitantes. Segundo o Comitê da Sociedade Médica do Estado de Nova York, o objetivo principal era “apurar as influências do clima, do solo, das diferentes ocupações, e das causas normais e físicas, na produção e na modificação das doenças (ROSEN, 1994)”. O impulso do Iluminismo para a educação em saúde ajudou a preparar o caminho para o desenvolvimento de campanhas de saúde durante o século XIX. Esperava-se que ao desenvolver a educação em saúde sobre higiene, o espírito de revolução moral e racionalidade do Iluminismo, seriam suficientes para incentivar ações individuais satisfatórias para melhorar (ROSEN,1994). As doenças que ameaçavam o período do século XVII e XVIII eram: a peste, principalmente na Inglaterra; a febre amarela na América; e a varíola na Grã-Bretanha, no continente e nas Américas. Embora essas doenças representassem o terror da humanidade, outras doenças como escorbuto, raquitismo, tuberculose, coqueluche, escarlatina e difteria, matavam milhares de indivíduos, em sua grande maioria crianças (ROSEN, 1994). A varíola foi a doença que teve maior impacto no século XVIII, chegando a ser a principal responsável pelas altas taxas de mortalidade infantil. Daí surgiu a necessidade de combater a varíola através da prevenção. Já sabiam que surtos de varíola conferia imunidade e surgiu a ideia de inoculação da doença advinda de um indivíduo que sobreviveu, em indivíduos saudáveis, esperando provocar um caso benigno que culminasse na proteção da forma grave da doença. Essa prática ganhou força depois que os filhos da família real passaram pelo procedimento em 1722, e apesar dos perigos e do surgimento de grupos opostos, a prática continuou e se afirmou (ANDRADE, 2001; ROSEN, 1994). Edward Jenner, um médico inglês, teve a ideia de inocular matéria vacinal de uma pessoa que tinha adquirido a doença naturalmente em um indivíduo e utilizar a matéria colhida desse indivíduo para inocular em outras pessoas. Em 1796, ele colocou essa ideia em prática inoculando matéria da varíola da mão de uma ordenhadora que tinha contraído a doença naturalmente. Jenner inoculou a varíola no 18 menino depois de algumas semanas e ele não desenvolveu a doença, provando a teoria da imunidade. Após esse acontecimento, a vacinação da varíola se difundiu por todo o mundo rapidamente (ANDRADE, 2001; ROSEN, 1994). Edward Jenner nasceu em 17 de maio de 1749 e morreu em 26 de janeiro de 1823. Em 1796, realizou a primeira experiência contra varíola sobre James Phipps, de oito anos de idade. Em 1797, após a Royal Society exigir mais provas da sua descoberta da imunidade, fez mais experimentos em várias outras crianças, incluindo seu próprio filho de 11 meses de idade. Em 1798, seus resultados foram finalmente reconhecidos. Jenner foi amplamente ridicularizado, principalmente pela igreja, que achava repulsivo a prática de inocular material de um animal doente nas pessoas. Apesar disso, sua teoria ganhou força e tornou-se famoso, sendo considerado o pioneiro da vacinação contra a varíola e o pai da imunologia. Figura: Edward Jenner. Fonte: http://www.bbc.co.uk/history/historic_figures/jenner_edward.shtml A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E A REFORMA SANITÁRIA O início do movimento de reforma sanitária no século XIX ocorreu primeiramente na Inglaterra, impulsionado pelos efeitos nocivos da Revolução Industrial que ali se desenvolveram com maior força (ROSEN, 1994). Muitas estradas, vias férreas e fluviais foram construídas, principalmente na Inglaterra, França e Estados Unidos. Concomitantemente, ocorreu o progresso mecânico, com desenvolvimento de transportes e máquinas de produção. Esse crescimento está ligado ao aumento de número de trabalhadores e organização da indústria em fábricas (ROSEN, 1994). Desde 1800, exigiam-se melhorias das condições de trabalho, com foco inicial nas fábricas. Após muitas lutas, aprovou-se o Ato Fabril em 1833, porém esse ato oferecia proteção apenas ao trabalho infantil, que proibidas de trabalharem nas fábricas, passaram a ser enviadas para trabalhar em minas de carvão. Daí, a investigação iniciou-se sobre o trabalho das minas e relevou um quadro sombrio sobre 19 as condições de trabalho, principalmente de mulheres e crianças, que eram incompatíveis com uma vida longa e saudável (ROSEN, 1994). Após incansáveis tentativas de projetos de lei, apenas em meados do século XIX, foram tomadas medidas que regulavam as condições de trabalho nas minas e fábricas. Ao longo de todos esses anos a preocupação com a saúde ocupacional acumulou-se aliada à pesquisa médica, reforma social e às ações administrativas, a assistência à saúde do trabalho evoluiu consideravelmente no século XX (ROSEN, 1994). Em 1834, a Inglaterra aprovou a Lei dos Pobres, na qual o governo era responsável por dar assistência aos pobres. Com o tempo, perceberam que essa além dos custos altíssimos, contribuía para a diminuição da oferta de trabalhadores para a indústria, já que os pobres desempregados estavam sendo sustentados por essa lei (ROSEN, 1994). Os filósofos defendiam também a tese de que essa ajuda legal impedia o progresso e que correto seria o governo manter-se neutro, pois isso incentivaria os pobres a irem atrás de seus próprios interesses, desse modo, se estimularia a educação e o aperfeiçoamento moral. Assim, o parlamento nomeou uma Comissão Real para investigar a Lei dos Pobres. Edwin Chadwick fazia parte dessa comissão e escreveu o relatório que incorporou novos princípios à lei. Mais tarde, essa comissão viria a contribuir para a reforma sanitária. Na Nova Lei dos Pobres, a assistência passou a ser limitada a pessoas que não tivessem capacidade física de exercer o trabalho e aos que vivessem em situações mais miseráveis (ROSEN, 1994). As novas condições de trabalho dentro de fábricas e o desenvolvimento de centros urbanos sem planejamento trouxe novos problemas de saúde. A necessidade de trabalhar impulsionou a aglomeração de pessoas e moradias coletivas nos centros urbanos. Os mais pobres viviam em cortiços pequenos, amontoados e mal ventilados, em condições precárias e miseráveis (ROSEN, 1994). O pouco interesse em tomar medidas sanitárias encontrava suporte na crença de que os indivíduos seriam capazes de suprir as próprias necessidades e de que os problemas consequentemente, se resolveriam com esse progresso. Esse descaso associado ao aumento do número de pessoas e moradias precárias e aglomeradas, levou ao acúmulo de lixo nas ruas e deu origem à prática de usar pátios como 20 depósitos. Além disso, a maioria das casas não possuía privada e as práticas de higiene tornaram-se um problema insalubre (ROSEN, 1994). As epidemias que marcaram o século XIX foram febre amarela e cólera. Outras doenças como a varíola, a febre tifoide, disenteria, difteria e escarlatina também foram muito recorrentes, pois atingiam a população que ficava impossibilitada de trabalhar, gerando prejuízos econômicos, além dos sociais. A cólera, a disenteria e a febre tifoide, são doenças intestinais que afetavam com maior força as comunidades mais pobres que viviam nas áreas mais poluídas, devido à transmissão por meio de água, alimentos ou outros utensílios contaminados. A difteria, a escarlatina e o sarampo eram transmitidos de pessoa a pessoa, e a situação de aglomerados em que as comunidades eram formadas facilitava a difusão e surtos (ROSEN, 1994). A reforma sanitária iniciou diante do desamparo, imundície, pobreza e da doença, mas impulsionada em sua maior parte pelo interesse econômico, pois preservar o trabalhador era essencial para o crescimento industrial. Um dos principais estudiosos responsáveis pela reforma sanitária foi Chadwick, que como membro da Comissão Real de estudo da Lei dos Pobres, era o único com a visão de relacionar à saúde às condições sociais e físicas de vida dos pobres. Ele defendia que a prevenção de enfermidades era importante e poderia contribuir sob o aspecto econômico, além de incentivar o uso de informações estatísticas na prevenção de doenças (ROSEN, 1994). Edwin Chadwick nasceu em 24 de janeiro de 1800 na Inglaterra e morreu em 6 de julho de 1890 em Surrey. Advogado e reformador social dedicou sua vida à reforma sanitária na Grã-Bretanha. Participou da comissão real de reforma da Lei dos Pobres (1834- 1846) e comissário do Conselho de Saúde (1848– 1854). Defendia que a saúde pública deveria ser administrada localmente, sendo o grande responsávelpor elaborar o sistema sob o qual o país era dividido em grupos de paróquias administradas por conselhos de guardas eleitos, cada junta com seu próprio oficial médico. Figura: Edwin Chadwick. Fonte: https://www.britannica.com/biography/Edwin-Chadwick https://www.britannica.com/biography/Edwin-Chadwick 21 O espírito da aplicação de inquéritos que já havia surgido no século XVIII, foi ampliado no século XIX para investigar esses assuntos e avaliar quais seriam as melhores ações. Esses inquéritos foram incentivados pela Comissão da Lei dos Pobres e a partir deles, foram realizados relatórios regionais das condições sanitárias da população que provava a relação da doença com a imundície do ambiente e as condições insalubres de abastecimento de água. Nesse relatório, Chadwick especifica os achados e descreve quais ações deveriam ser tomadas para resolver os problemas, iniciando a reforma sanitária (ROSEN, 1994). Após a publicação desse relatório, foi criado em 1843 por Sir Robert Peel, a Comissão Real para Investigação da Situação das Cidades Grandes e dos Distritos Populosos. As primeiras propostas desse Comitê foram: O estabelecimento de corpos de saúde em comunidades urbanas; A nomeação de um inspetor nas cidades grandes, que fosse responsável por exigir o cumprimento das regras sanitárias; A aprovação de um ato de sistema de esgotos; A aprovação de um ato para regular as construções futuras; Atenção especial para o sistema de abastecimento de água, que deveria ser amplo e inspecionado (ROSEN, 1994, p. 174). Em 1845, após muitas investigações, o Comitê apresentou a recomendação de uma nova legislação. Daí surgiu à proposta de que o governo seria o responsável por regulamentar a situação sanitária de todas as comunidades urbanas. Entretanto, o governo não agiu imediatamente e os sanitaristas recorreram à estratégia usada no século XVIII, com a criação de organizações e movimentos voltados à reforma sanitária que objetivavam a disseminação de informação ao público e atrair a atenção do governo (ROSEN, 1994). Nessa conjuntura, surgiram grupos e associações voltados a algumas melhorias em específico, como as moradias de classes trabalhadoras, das condições de trabalho nas indústrias e da promoção da limpeza entre os pobres. Em meio à pressão, o governo aprovou algumas medidas legislativas como o “Ato Sanitário de Liverpool” (1846), “Ato da Remoção de Incômodos e de Prevenção de Doenças” (1846), “Ato dos Banhos e Lavanderias” (1846), “Ato das Cláusulas de Melhoria das Cidades” (1847) e “Ato da Saúde Pública” (1848) (ROSEN, 1994, p. 176). Em 1848 foi criado o Conselho de Saúde, que delegava autoridade aos 22 conselhos locais para cuidar do abastecimento de água, do sistema de esgotos e da regulamentação de outros assuntos. Chadwick, Shaftesbury e Southwood Smith foram nomeados e contribuíram para instalação de vários sistemas de esgoto e de abastecimento de água em várias comunidades urbanas. Também foi criada a função de médico de Saúde Pública, na qual os médicos eram indicados pelo município para preencher essa posição (ROSEN, 1994). O Conselho enfrentou muita resistência sobre as propostas, principalmente devido à centralização do poder pela influência de Chadwick. As críticas eram tantas, que em 1854, o Parlamento decidiu recusar a renovação do Ato de Saúde Pública, e o primeiro Conselho Nacional de Saúde chegou ao fim, juntamente com a contribuição de Chadwick que se afastou do processo (ROSEN, 1994). Apesar de todo o conhecimento adquirido sobre os problemas sanitários, a falta de instrumento administrativo impedia que esses problemas fossem solucionados. Havia a necessidade de um departamento central de saúde que organizasse o processo de mudança, que segundo Rosen (1994) se desenvolveu lentamente apoiado em três principais marcos: 1. O reestabelecimento do Conselho Geral de Saúde, em 1848, após o afastamento de Chadwick; 2. A criação do Conselho do Governo Local, em 1871; 3. A aprovação do Ato de Saúde Pública, em 1875, que passou a supervisão da saúde pública para o Conselho Privado. (ROSEN, 1994, p. 182-183). Em 1855, John Simon assumiu como funcionário médico responsável pelo Departamento médico do Conselho Privado (1858-1871), e produziu relatórios que refletiam sobre a situação anual das doenças, condições de trabalho, higiene e habitação da população. Em 1869, foram dados os primeiros passos para resolver os problemas de administração da saúde pública. Com a criação de um Comitê Real para estudar a administração sanitária da Inglaterra, foi recomendada: união de todas as funções de saúde do governo, inclusive a de administração da Lei dos Pobres, em um só Departamento, o Departamento Médico do Conselho Privado; consolidação de toda a legislação de Saúde Pública e padronização das repartições sanitárias (ROSEN, 1994). Assim, criaram o Conselho do Governo Local que comportava o Conselho da 23 Lei dos Pobres e o Departamento Médico do Conselho Privado. Em 1875, aprovaram o Ato de Saúde Pública, que dividiu o país em distritos sanitários que deveriam ser supervisionados pelo Conselho do Governo Local. Esse sistema foi o primeiro a demonstrar capacidade suficiente para combater os problemas de saúde pública (ROSEN, 1994). Concomitantemente a essa organização da administração pública, surgiram as Associações de Saúde das Cidades, que eram constituídas por um grupo de médicos e leigos, que lutaram pela correção dos problemas da vida urbana através do apoio público. A contar destas associações, fundou-se em 1852, a Associação Sanitária de Manchester e Salford e, em 1856, a Associação Metropolitana de Médicos Sanitaristas. Com o crescimento de funcionários sanitarista, essa associação também cresceu e se tornou a Sociedade dos Médicos Sanitaristas, que tinha grande influência sobre os conselhos do governo (ROSEN, 1994). Esse processo de reforma sanitária difundiu-se para outros lugares além da Inglaterra, alcançando a Europa e a América, a Alemanha, a França, Bélgica, Prússia e outros Estados continentais. De modo geral, o desenvolvimento da reforma sanitária, nesses outros países foi impulsionado pelos mesmos problemas encontrados na Inglaterra, como as condições insalubres das comunidades que estavam se formando nas cidades em busca de trabalho, que levavam à disseminação de doenças (ROSEN, 1994). A evolução seguiu a tendência da formação de movimentos que exigiam melhorias e à aplicação de inquéritos sanitários para compreender melhor os problemas, de acordo com cada localidade, e assim, definir as ações necessárias para melhorar. Com o passar do tempo iam surgindo propostas de organizações, regulamentações baseadas em leis governamentais e criação de Conselhos responsáveis por administrar todas as ações voltadas à reforma. Nos Estados Unidos, Shattuck escreveu um “Relatório”, que representa um marco para a evolução da saúde comunitária. Na época que foi publicado, em 1850, não teve muito efeito, mas suas recomendações se realizaram em grande parte durante muitos anos depois e influencia sanitaristas modernos até os dias de hoje. Shattuck defendia que organização da Saúde Pública deveria começar pelo estabelecimento de um Departamento Estadual de Saúde, e também deveriam existir departamentos em cada uma das cidades. Ele incentivava o uso de inquéritos 24 sanitários associados à avaliação estatística das variáveis, levando em consideração a idade, sexo, raça, ocupação, situação econômica e habitação. Shattuck também previu cuidados quanto ao saneamento ambiental, controle de alimentos e de doenças transmissíveis, enfatizava valor da vacinação contra varíola, controle do uso de drogas, alcoolismo, atenção à saúde mental e da criança, além de pregar o ensino da medicina preventiva (ROSEN, 1994). CONSIDERAÇÕES FINAISChegamos ao fim da nossa primeira unidade, agora já temos uma visão das principais influências trazidas pelos períodos históricos no tocante à história da saúde no mundo. Na antiguidade, os povos não tinham muita consciência da importância da saúde. Apesar de alguns médicos defenderem a prática de higiene, eles nem sempre a associavam ao risco de desenvolver doenças ou prejudicar a saúde do indivíduo. Entretanto, eles ao menos possuíam a visão de harmonia entre o homem e o ambiente, acreditando que essa era a base para manter uma vida saudável, apesar da falta de embasamento científico. O início do desenvolvimento de sistemas de abastecimento de água e de esgoto foi uma das principais contribuições das antigas civilizações, principalmente dos romanos, para a área da saúde. Naquela época, a igreja tinha muito poder e existia a cultura cristã de que as doenças eram punições divinas, e pouco se fazia para combater essas enfermidades. O desenvolvimento do pensamento científico, impulsionado pelo interesse de evoluir industrialmente, contribuiu com a volta da atenção do Estado para a saúde. Essa atenção era baseada no interesse em manter a população saudável e garantir mão de obra para o crescimento industrial. Esse período ficou marcado pela crescente preocupação com as doenças e a higiene, principalmente com a limpeza da cidade e com o sistema de esgoto, que evoluíram gradualmente. Com o início da Revolução Industrial, instalou-se o caos das condições de vida que os trabalhadores estavam levando. As condições precárias de moradia associadas à pobreza e falta de higiene pessoal e do ambiente, contribuíram para o aumento de epidemias de doenças graves, estas colocavam em risco a mão de obra 25 do governo. Nesse contexto, a reforma sanitária começa a se instalar, iniciando com a aplicação de inquéritos para investigar quais seriam as melhores ações para resolver esses problemas. Apoiada pelo Estado, a reforma sanitária voltou-se, principalmente para a classe trabalhadora, afinal eles carregavam o peso da revolução nas costas e precisavam manter-se firmes e saudáveis. Foi apenas nesse momento, que as ações visando a melhoria da saúde pública começaram a acontecer com maior força, pois nos momentos anteriores, apesar do conhecimento teórico, pouco era colocado em prática. ATIVIDADES DE AUTOESTUDO 1. Na antiguidade, os médicos baseavam-se em alguns fundamentos para oferecer assistência à população. Assinale a alternativa que não representa esses fundamentos A) Pureza da água. B) Higiene. C) Harmonia entre o homem e o ambiente. D) Pureza do ar. 2. Quais são as principais doenças que atingiam os povos antigos? A) Difteria, febre tifoide, peste bubônica e varíola. B) Difteria, febre tifoide, peste bubônica e doença de chagas. C) Febre tifoide, peste bubônica, varíola e febre amarela. D) Febre tifoide, peste bubônica, varíola e meningite. 3. Assinale a alternativa que não representa uma das principais contribuições do período da Idade Média para a saúde. A) Crescimento da classe médica. B) Construções de hospitais e instituições beneficentes. C) Isolamento de leprosos. D) Limpeza e organização das ruas e alimentos. 26 4. O progresso científico no período Renascentista era guiado principalmente por qual objetivo? A) Progresso industrial. B) Extinção de doenças. C) Reforma sanitária. D) Diagnóstico de doenças. 27 DISCIPLINA – HISTÓRIA DA SAÚDE Unidade II – ASPECTOS HISTÓRICOS DA SAÚDE PÚBLICA NO MUNDO: A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA E DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE Professora Me. Andressa Lorena Ieque Objetivos de Aprendizagem: Conhecer a história e o processo de crescimento científico sobre a bacteriologia e as doenças transmissíveis; Compreender como o conhecimento das doenças contribuiu para a evolução da saúde; Definir os principais personagens envolvidos nos estudos de microrganismos e caracterização das doenças; Entender o processo de edificação da educação em saúde; Explorar os primeiros grupos que receberam atenção voltada especificamente para eles; Apreender o sistema de organização e situação atual da saúde pública moderna; Apresentar os principais problemas da saúde pública moderna. Plano de estudo: Tópico 1 – A Era Bacteriológica. Tópico 2 – A educação em saúde. Tópico 3 – A Saúde moderna. 28 INTRODUÇÃO À UNIDADE Olá aluno (a)! Nessa nova unidade, continuaremos explorando os aspectos históricos da saúde, respeitando a linha do tempo. Agora, chegamos à Era bacteriológica, que será abordada no primeiro tópico. De início, conheceremos quais foram os estudiosos que marcaram o início da bacteriologia médica e de que forma eles contribuíram para aprimorar o conhecimento sobre microrganismos, relacionando-os às doenças transmissíveis. Também compreenderemos como esse período influenciou a tomada de decisões sobre a saúde da população. No tópico 2, daremos continuidade ao estudo sobre as influências da Era bacteriológica e avaliaremos as principais medidas tomadas para o controle de doenças e outros problemas específicos que afetavam a saúde da comunidade, apoiando-se em um novo caminho: a educação em saúde. Por fim, no último tópico, apreenderemos a situação da saúde contemporaneamente, buscando entender como o sistema de organização evoluiu, quais as principais mudanças, vistas ao comparar a saúde dos anos anteriores com os dias de hoje e também, quais os problemas que surgiram ou que ainda persistem amedrontando a comunidade. A ERA BACTERIOLÓGICA Desde a antiguidade existiam teorias de que as doenças eram causadas por “vermes” e com o advento da Revolução Industrial e estímulo do pensamento científico, vários estudiosos buscaram desenvolver teorias sobre o contágio de doenças. Em 1840, Jacob Henle marcou a história da bacteriologia e das doenças comunicáveis, com a formulação de uma teoria que de que organismos vivos eram a causa das doenças contagiosas e infecciosas. Ele defendia que a matéria mórbida aumentava na medida em que a doença progredia, sendo assim, essa matéria devia ser de natureza viva, já que apenas os organismos vivos eram capazes de se multiplicar. Henle tentou investigar a natureza desses organismos vivos, porém percebeu que isso só seria possível, através de experimentações difíceis de serem executadas (ROSEN, 1994). O trabalho de Henle e de outros estudiosos contribuíram para a descoberta de 29 muitos fungos, parasitas e mais tarde, bactérias. Porém, a dificuldade em provar pontualmente a origem da doença com o microrganismo prejudicou a força da teoria microbiana, que continuou sem aceitação por muitos profissionais médicos e cientistas (ROSEN, 1994). Leeuwenhock descobriu as bactérias em 1683, mas não conseguiu esclarecer sobre a origem desses organismos. Com o passar do tempo, descobriram que esses organismos estavam envolvidos em processos de putrefação e fermentação e nesse contexto, alguns defendiam a teoria da geração espontânea, de que os organismos poderiam surgir de matéria inanimada (ROSEN, 1994). A teoria microbiana ganhou força assente em estudos envolvendo fermentação, que era utilizado na produção de vinhos, pães, queijo e cerveja. No século XIX, o crescimento urbano favoreceu o aumento da procura desses alimentos e o processo passou a receber maior atenção para que fosse possível a produção em larga escala. Em 1863, os estudos de Louis Pasteur sobre fermentação contribuíram para o fim da teoria da geração espontânea, principalmente devido ao seu achado de que alguns organismos cresciam apenas na ausência do ar. Esse achado levou-se a acreditar que a putrefação era uma espécie de fermentação e ocorria devida à atividade de micróbios anaeróbios (ROSEN, 1994). Em 1865, Antoine Villeminapresentou uma série de estudos experimentais, estes indicavam que a tuberculose era causada por um germe microscópio e transmitido via aérea. Casimir Devaine também estava desenvolvendo estudos sobre o antraz. A partir de 1870, as técnicas de isolamento e manuseio de organismos microscópios começaram a avançar, tornando possível o estudo das bactérias. Os cientistas passaram a utilizar meios de cultura para realizar o isolamento de bactérias e estudar sua morfologia (ROSEN, 1994). Robert Koch realizou experimentos para estudar o antraz e fez descobertas sobre seus mecanismos de crescimento e reprodução, demonstrando como a doença era transmitida. Nesse contexto, Koch conseguiu provar a teoria de Henle e foi o primeiro a elucidar a história natural de uma doença, provando sua origem microbiana e contribuindo para o nascimento da bacteriologia médica (ROSEN, 1994). 30 Robert Heinrich Hermann Koch nasceu em 11 de dezembro de 1843 e morreu em 27 de maio de 1910. O médico e cirurgião alemão foi um dos fundadores da bacteriologia. Ele descobriu o ciclo da doença do antraz (1876) e as bactérias responsáveis por causar a tuberculose (1882) e a cólera (1883). Suas descobertas e inovações técnicas vieram acompanhadas de conceitos fundamentais sobre a etiologia de doenças. Por suas descobertas em relação à tuberculose, ele recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1905. Muito antes de sua morte, seu lugar na história da ciência foi universalmente reconhecido. Figura: Robert Heinrich Hermann Koch. Fonte: https://www.britannica.com/biography/Robert-Koch Com o avanço das técnicas de estudo, várias descobertas aconteceram rapidamente. Em 1877, Pasteur descobriu que era possível alterar a virulência dos micróbios e baseado na vacinação da varíola por Jenner, passou a defender a ideia da prevenção de doenças através da produção de vacinas de cepas atenuadas dos micróbios (ROSEN, 1994). Estudos experimentais de vacinação começaram a ser desenvolvidos para várias doenças. A partir desses estudos, a imunologia se desenvolveu e a indução de resistência através da injeção de germes vivos atenuados ou mortos passou a ser chamado de imunização ativa. Concomitantemente, também descobriram a imunização passiva, que era feita através da administração de soros que continham anticorpos capazes de destruir organismos invasores, podendo ser usado com objetivo profilático e também terapêutico (ROSEN, 1994). Com o tempo foram surgindo vacinas profiláticas para a cólera, peste e febre tifoide, tuberculose, febre amarela e poliomielite. O soro de imunização passiva também começou a ser utilizado para difteria, tétano, envenenamento por picada de cobra e botulismo. A imunologia também contribuiu para o desenvolvimento de testes diagnósticos de várias doenças e esses avanços produziram forte impacto e influência na criação de um programa de Saúde Pública (ROSEN, 1994). https://www.britannica.com/biography/Robert-Koch 31 Louis Pasteur nasceu em 27 de dezembro de 1822, e morreu em 28 de setembro de 1895. Químico e microbiologista francês, foi um dos mais importantes fundadores da microbiologia médica. Foi pioneiro no estudo da assimetria molecular; descobriu que microrganismos causam fermentação e doença, originou o processo de pasteurização, salvou as indústrias de cerveja, vinho e seda na França, e ainda, desenvolveu vacinas contra o antraz e a raiva. Ocupou numerosas posições acadêmicas e suas realizações científicas renderam-lhe a mais alta condecoração da França, a Legião de Honra. Hoje existe um número impressionante de instituições que levam seu nome, um conjunto de honrarias concedidas a poucos cientistas. Figura: Louis Pasteur. Fonte: https://blog-mundo-biologia.blogspot.com/2016/10/biografia-de-louis-pasteur.html Os achados bacteriológicos contribuíram também para a resolução de problemas associados às cirurgias. Baseado nos estudos de Pasteur, Davaine e Koch, o médico cirurgião Joseph Lister, passou a associar a esses organismos vivos a causa de infecções e mortes cirúrgicas (ROSEN, 1994). Em 1865, Lister aplicou o princípio antisséptico no tratamento de feridas, no qual se associava o uso de desinfetantes químicos capazes de matar os microrganismos causadores de feridas. Em 1880, esse princípio evoluiu para o SAIBA MAIS SOBRE O ASSUNTO: Robert Koch e Louis Pasteur foram personagens ilustres e muito importantes no desenvolvimento da área da microbiologia, que representou uma evolução científica importante no processo de construção do serviço de saúde. O link abaixo traz informações sobre a biografia de figuras importantes da história da saúde pública: http://www.ccms.saude.gov.br/revolta/personalidades.html https://blog-mundo-biologia.blogspot.com/2016/10/biografia-de-louis-pasteur.html http://www.ccms.saude.gov.br/revolta/personalidades.html 32 princípio da assepsia e desenvolvimento de técnicas, que asseguravam um campo operatório livre de bactérias. Esses princípios foram aplicados e contribuíram na saúde pública, principalmente no controle de doenças transmissíveis. De acordo com Rosen (1994): À proporção que se identificavam os microrganismos, e se expunham os modos de ação dos microrganismos, abria-se o caminho para um controle de doenças infecciosas, mais racional, e específico. E as autoridades sanitárias puderam desenvolver essa atividade em uma escala sem igual (ROSEN, 1994, p. 258). Em meados de 1890, começaram a surgir laboratórios de bacteriologia com o fito de desenvolver pesquisas, e também laboratórios de diagnóstico. Os Departamentos de Saúde passaram a assumir o diagnóstico de doenças transmissíveis para controlá-las, além de fornecer produtos biológicos de graça aos médicos e sanitaristas, com intuito de promover esse controle (ROSEN, 1994). A responsabilidade do governo na proteção da saúde do povo tem no Laboratório de Saúde Pública um exemplo. O laboratório representa o resultado prático do período microbiológico, como a organização dos Departamentos de Saúde tinha sido o produto do movimento pela reforma sanitária. Assim como estes forneceram o mecanismo para a administração dos problemas de saúde comunitária, os laboratórios ofereceram um instrumento científico para a execução do programa de Saúde Pública. (ROSEN, 1994, p. 260). Como consequência das epidemias de cólera em 1890, surgiu o conceito de portador humano e o processo de transmissão de doenças na comunidade foi compreendido. Vários estudiosos ajudaram a consolidar a ideia de que pessoas não doentes poderiam contribuir no contágio de doenças, pois portavam organismos virulentos, capazes de causar doenças em outras pessoas. Esse conceito foi importante para o esclarecimento da transmissão de outras doenças além da cólera, como a difteria, a febre tifoide e mais tarde, a meningite e poliomielite (ROSEN, 1994). A última lacuna a ser preenchida no esclarecimento de transmissão de doenças foi preenchida com a descoberta do vetor animal. Foi descoberto que alguns organismos poderiam sobreviver no interior de insetos, e esses insetos eram responsáveis por transmitir a doença aos humanos. Em 1894, Patrick Manson descobriu que a transmissão da malária era feita através de mosquitos e o enigma da 33 doença começou a ser desvendado. À luz dessa teoria, descobriram que a peste bubônica era transmitida por pulgas de ratos, e que a febre amarela era causada por um parasito que vivia no interior de mosquitos (ROSEN, 1994). Todas essas evoluções pontuais contribuíram para melhorias na saúde da população que aconteceram gradativamente, mas que agiram com forte impacto e representaram grandes mudanças. As medidas tomadas fizeram com que as doenças infecciosas começassem a diminuir, e a mortalidade também. Esses elementos foram importantes para oenvelhecimento da população, que é característico em países de economia avançada. Infelizmente essas mudanças não ocorreram de forma uniforme para todas as comunidades do mundo, e sempre haverá discrepâncias marcantes na qualidade de vida entre as várias classes (ROSEN, 1994). A ATENÇÃO A GRUPOS ESPECÍFICOS DA SOCIEDADE E A EDUCAÇÃO EM SAÚDE A desigualdade social e a existência de classes mais pobres que viviam sob condições ruins de saúde despertou o interesse de movimentos, que se preocupavam com o bem-estar social. A primeira guerra mundial serviu de incentivo para a adoção de medidas que melhorassem as condições de saúde e diminuíssem os índices de mortalidade, pois uma população maior também geraria maior alistamento militar. A preocupação com as fases da vida infantil foi foco de melhoria, surgindo programas voltados para o cuidado da maternidade e da criança. A amamentação passou a ser estimulada e foram instaladas estações que forneciam leite puro e limpo (ROSEN, 1994). No início do século XX, a educação em saúde começou a crescer, influenciada em grande parte pela preocupação em instruir as mães sobre os cuidados infantis. As grávidas passaram a receber acompanhamento médico desde o início, a partir da notificação de sua gravidez, e esse suporte se estendia para a criança após o nascimento. Em 1909, houve um surto de febre tifoide em Nova York que teve como fonte de infecção o leite. A partir daí a pasteurização passou a ser exigida para os leites usados para bebês (ROSEN, 1994). Paralelamente aos cuidados com a mãe e os bebês, nasceu a vertente de desenvolvimento de serviços de saúde voltados para a criança em idade escolar. As 34 escolas começaram a passar por visitas e inspeções médicas, devido a preocupações com as instalações sanitárias dos prédios e prevenção de doenças transmissíveis (ROSEN, 1994). Era comum o aparecimento de doenças como difteria, sarampo, escarlatina, doenças de pele, dos olhos e subnutrição. A educação dos pais para combater esses males foi reconhecida e foram desenvolvidas abordagens educacionais, além da inserção de profissionais da saúde, como enfermeiros, nas escolas para trabalhar com medidas de acompanhamento e exames periódicos (ROSEN, 1994). O problema da subnutrição foi resolvido com o movimento da merenda, com o objetivo de ajudar na suplementação da alimentação das crianças. A segunda guerra mundial influenciou no “Ato da Educação” de 1944, que regulamentava a obrigatoriedade de as autoridades fornecerem, sem custo, merenda e leite a todas as crianças que desejassem (ROSEN, 1994). Diante do descobrimento da importância da educação em saúde, surgiu a necessidade de formar um sanitarista capaz de trabalhar e ensinar, de acordo com as necessidades da população. Daí surgiu à enfermagem em saúde pública, que dava assistência à saúde por meio da visitação dos grupos necessitados, seja em suas casas ou em outros estabelecimentos, como, por exemplo, as escolas. Inicialmente, as enfermeiras não precisavam ter conhecimento da área de enfermagem e trabalhavam como voluntárias. Com o tempo, passaram a exigir algum tipo de estudo na área e iniciou-se uma tendência de especialização, com focos específicos de trabalho (ROSEN, 1994). A promoção da saúde e a prevenção da doença foram realizadas em grande parte por ação voluntária, com o surgimento de agências que tinham o propósito de solucionar problemas de saúde comunitária. A Associação Nacional de Tuberculose é o exemplo mais antigo desse tipo de organização e representa o movimento voluntário em saúde (ROSEN, 1994). A tuberculose foi um problema muito grande, pois além de causar doença crônica, incapacitava muitas de suas vítimas. Desde 1887, foram criadas várias organizações com o objetivo de educar e dar suporte aos doentes tuberculosos, que representam a consciência do valor da organização sanitária como meio de controlar a doença (ROSEN, 1994). A ideia de organizar agências para controle de outras enfermidades se difundiu 35 e surgiram grupos com foco na atenção em doenças venéreas, higiene mental, paralisia infantil, saúde da criança, entre outras. O aumento dessas organizações despertou a necessidade de coordenação de fundos, esforços e de orientação. Para suprir essa necessidade, foi criado o Conselho Nacional de Saúde, em 1921 (ROSEN, 1994). Nas primeiras quatro décadas do século XX, foram aprovadas muitas leis e regulamentações trabalhistas para lidar com os problemas de saúde ocupacional. Paralelamente, o Ministério do Trabalho ficou responsável por um sistema de inspeção das fábricas, e o Ministério da Saúde, por supervisionar as condições sanitárias do local de trabalho. Nesse campo, foram reconhecidos vários perigos para a saúde do ambiente de trabalho e várias medidas foram adotadas visando diminuir os riscos e consequências deletérias ao trabalhador (ROSEN, 1994). SAIBA MAIS SOBRE O ASSUNTO: O artigo a seguir discute os principais aspectos históricos da educação em saúde e como isso ocorreu no mundo, inclusive no Brasil. Para acessar o artigo na íntegra, acesse o link abaixo: https://docplayer.com.br/6180416-Educacao-em-saude-aspectos-historicos-no-brasil.html Por volta de 1830 começam a surgir críticas à Lei dos Pobres, pois muitos acreditavam que a ajuda aos doentes deveria ser fornecida em instituição específica, mas muitas delas estavam em condições degradantes, portanto os miseráveis preferiam receber a ajuda em suas próprias casas. Logo, a pobreza dos não doentes foi associada à falha moral. A reforma na Lei dos Pobres de 1834 acabou com essa obstrução do mercado de trabalho [...] muitos dos pobres mais necessitados foram abandonados à sua sorte quando se retirou a assistência externa, e entre aqueles que sofreram mais amargamente estavam os ‘pobres merecedores’ [...]. [...] Se a Speenhamland impedira a emergência de uma classe trabalhadora, agora os trabalhadores pobres estavam sendo formados nessa classe pela pressão de um mecanismo insensível (POLANYI, 1980, p. 105). Em meados de 1900, foi criada uma Comissão Real para examinar a Lei dos https://docplayer.com.br/6180416-Educacao-em-saude-aspectos-historicos-no-brasil.html 36 Pobres, pois achavam que as medidas estavam muito restritas a uma parte da população. Em 1909, foi sugerido o abandono dos princípios da Lei dos Pobres, porém, não foi acatado devido à concordância quanto a várias questões consideradas essenciais. Ao invés de extinguir a Lei dos Pobres, o Comitê publicou dois relatórios, um da minoria e um da maioria (ROSEN, 1994). Enquanto o relatório da maioria tinha uma proposta mais fragmentada com sugestões de seguro-desemprego, seguro-saúde e rodízio de trabalhadores o relatório da minoria trazia a proposta de um serviço médico unificado. O plano era combinar os serviços da Lei dos Pobres com o das autoridades de Saúde Pública, sendo que a administração ficaria a serviço de um Departamento Nacional de Saúde. Esse plano originou o Serviço Nacional de Saúde, fundado em 1943 (ROSEN, 1994). O processo de determinação de como o sistema de assistência médica aos trabalhadores seria oferecido foi extenso e complicado. Muitas assembleias e conferências foram realizadas para definir como o serviço de assistência. As linhas mais fortes eram: assistência oferecida unicamente pelo governo ou através de programas privados de pagamento prévio. A partir de 1935, houve crescimento de programas de pagamento prévio para hospitalização e assistência médica (ROSEN, 1994). A SAÚDE MODERNA Por fim, vimos todos os aspectos históricos que contribuíram para a construção do sistema de saúde pública dos dias atuais. O resultado geral disso tudo coincidiu com o fato de a saúde ser responsabilidade do Estado (CAMPOS, 2012; ROSEN, 1994). Baseado na história, o Estado teve papel muitoimportante para a edificação dos serviços de saúde pública, porque a comunidade almejava um governo que fosse responsável pela saúde do povo. Entretanto, vimos que a participação da comunidade foi essencial em muitas situações, como por exemplo, a criação de agências que ofereciam serviços voluntários e que foram essenciais para ajudar na assistência de doentes. Nesse sentido, a cooperação da Comunidade-Estado é valorizada, pois facilita o êxito de programas de saúde pública e de seguridade social. Rosen (1994) destaca: 37 É necessária, em suma, participação de cada membro de uma comunidade na obra de melhoria da saúde individual e coletiva. Para esse propósito, a educação em saúde representa o instrumento fundamental. (ROSEN, 1994, p. 354). Em uma perspectiva mundial, o Estado passou a ser o responsável pela saúde pública, contando com a participação da comunidade. A assistência à saúde sob o olhar do Estado moderno veio com preocupações voltadas às necessidades individuais, familiares, comunitárias e de seguro social. O Estado, como autoridade única e central em investir poderes para promover o bem-estar da população, também tem que organizar suas ações de acordo com a economia nacional (ANDRADE, 2001; ROSEN, 1994). Para garantir a eficiência do Estado na conciliação de recursos, surgiu a necessidade de criar sistemas de administração para realizar a organização dessas ações. Assim, as unidades menores de organização foram sendo substituídas e complementadas por unidades maiores, com a criação de Departamentos e Conselhos Nacionais de saúde pública. Todas essas unidades deviam organizar as ações de saúde baseadas no conhecimento da comunidade, ou seja, respaldando-se em estudos epidemiológicos (ROSEN, 1994). A criação da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1948 consolidou esse processo, que agora permite um olhar sobre a saúde em âmbito mundial. A iniciativa de criar a OMS surgiu da Organização das Ações Unidas (ONU), preocupada em criar uma organização que fosse dedicada exclusivamente à saúde mundial. O Objetivo da OMS é promover o acesso universal à saúde, considerando o bem-estar físico, mental e social do indivíduo. As suas ações são voltadas para melhorias no saneamento, na saúde da família, na capacitação de profissionais da área da saúde e fortalecimento dos serviços médicos e na luta contra doenças (ROSEN, 1994). Atualmente, a OMS é responsável por estabelecer normas e padrões de atenção em saúde, monitorar e avaliar as tendências de saúde baseadas em estudos, investigações e relatórios e também definir quais são as medidas necessárias para controlar um problema de saúde pública. Todas essas decisões são tomadas na Assembleia Mundial da Saúde com a participação de todos os Estados que fazem parte da organização (FERREIRA, 2014). Apesar da existência de organizações para padronizar o serviço, existem 38 muitas variações nos serviços de assistência à saúde no mundo todo. Portanto, já que não podemos generalizar os fatos, devemos ao menos conhecer o sistema de organização de saúde pública do nosso país. Todos os períodos estudados que representam a linha do tempo da construção do serviço de saúde até os dias de hoje, passaram por situações que na época eram pouco entendidas e difíceis de serem controladas. No momento atual isso não é diferente e novamente estamos vivendo um período de complexidade, no qual surgem problemas novos que ainda não possuem solução. Porém, pelo menos já possuímos um sistema organizado para guiar a compreensão e determinar medidas para combater esses problemas. Ao avaliarmos a situação da saúde nos períodos anteriores e compará-la com a nossa realidade atual, temos, que de modo geral, as doenças da infância diminuíram, a mortalidade de recém-nascidos reduziu, a expectativa de vida aumentou, não sofremos mais tanto com doenças epidêmicas, mas sim com doenças crônicas ou degenerativas, justamente devido a esse aumento da expectativa de vida e estabelecimento de uma população mais velha. As doenças mais comuns são câncer, doenças cardiovasculares, doenças renais, diabetes, artrite e alterações mentais. O controle e combate a essas doenças é um dos problemas que ainda não possui uma solução concreta (ANDRADE, 2001; ROSEN, 1994). Os acidentes envolvendo veículos também atraem a atenção pública porque é responsável por um grande número de mortes. Vários estudos geoespaciais, epidemiológicos, estatísticos e de engenharia de segurança vêm sendo realizados para tentar diminuir esse problema. A preocupação com a saúde mental também cresceu, pois a ela têm sido associados muitos outros problemas de saúde comunitária (ANDRADE, 2001; ROSEN, 1994). Um problema que ganhou atenção apenas nos últimos anos foi o da poluição atmosférica, que Rosen (1994) compara à preocupação com a água de antigamente. Foram notados surtos e epidemias associados à poluição do ar e isso despertou preocupação das autoridades, porém a importância da indústria, que é a principal responsável por essa poluição, ainda impede a resolução total do problema. O problema de habitação, que acontece desde a época da Revolução Industrial, ainda existe. As autoridades reconhecem que esse problema está interligado à condição econômica e tenta resolver esse problema dando auxílio 39 moradia, sendo que alguns países oferecem habitações para indivíduos que não possuem condição financeira ou que vivam sob situações precárias em cortiços (ROSEN, 1994). No contexto geral, muitos desafios já foram solucionados em teoria devido ao processo contínuo e crescente de estudos e aumento do conhecimento. Entretanto, a aplicação desses conhecimentos nem sempre é possível de imediato, ou o processo da prática até iniciou-se, porém não alcançou resultados satisfatórios ainda. Mas o importante é continuar lutando para combater todos esses problemas e oferecer uma vida mais digna e saudável. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o fim de mais essa unidade, temos o panorama geral da história da saúde até os dias de hoje. Vimos que os estudos sobre microrganismos representaram um avanço enorme para a comunidade científica, médica e política no que diz respeito aos cuidados com a saúde da comunidade. Na área científica, os pesquisadores estavam empenhados em conhecer a natureza das doenças, e nesse sentido, várias teorias foram formuladas e colocadas em prática através de estudos experimentais, buscando comprovar e ganhar reconhecimento das autoridades. O desenvolvimento de técnicas diagnósticas e de vacinas revolucionou o controle de doenças, pois agora existiam alternativas concretas para combater os problemas de saúde. Na área médica, os estudos permitiram compreender como as doenças eram causadas e quais eram os principais mecanismos de transmissão, esclarecendo sobre quais seriam as melhores condutas para combater a doença. E na área política, todo esse conhecimento acumulado permitiu a implantação de medidas de controle que fossem capazes de impedir que essas doenças continuassem se espalhando e denegrindo a saúde da comunidade. Nesse contexto, várias melhorias de saúde aconteceram e refletiram na diminuição das epidemias por doenças infecciosas e da mortalidade. Além da área de doenças transmissíveis, outros problemas de saúde pública também começaram a receber maior atenção. Essa atenção foi baseada em um novo sistema, o de educação em saúde, que visava oferecer informação à população com o objetivo de ensinar 40 sobre situações que poderiam contribuir para melhorar a saúde individual, familiar e social. Para que o processo de educação em saúde acontecesse, o governo investiu na capacitação profissional com perfil de saúde pública, ou seja, que fosse capaz de dar atenção e educação em saúde ao mesmo tempo. Com a evolução desse sistema, vários grupos da comunidade passaram
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