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Apostila Saúde Coletiva

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SAÚDE COLETIVA
PROF.A MA. MARIA CECILIA MEREGE
Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira
REITOR
 (
Reitor:
Prof. Me. Ricardo Benedito de 
Oliveira
Pró-Reitoria Acadêmica
Maria Albertina Ferreira do 
Nascimento
Diretoria EAD:
Prof.
a 
Dra. Gisele Caroline 
Novakowski
PRODUÇÃO DE
 
MATERIAIS
Diagramação:
Alan Michel Bariani 
Thiago Bruno Peraro
Revisão Textual:
Fernando Sachetti Bomfim 
Marta Yumi Ando
Produção Audiovisual: 
Adriano Vieira Marques 
Márcio Alexandre Júnior Lara 
Osmar da Conceição Calisto
Gestão de Produção:
Aliana de Araújo Camolez
)Prezado (a) Acadêmico (a), bem-vindo
(a) à UNINGÁ – Centro Universitário Ingá.
Primeiramente, deixo uma frase de Sócrates para reflexão: “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida.”
Cada um de nós tem uma grande responsabilidade sobre as escolhas que fazemos, e essas nos guiarão por toda a vida acadêmica e profissional, refletindo diretamente em nossa vida pessoal e em nossas relações com a sociedade. Hoje em dia, essa sociedade é exigente e busca por tecnologia, informação e conhecimento advindos de profissionais que possuam novas habilidades para liderança e sobrevivência no mercado de trabalho.
De fato, a tecnologia e a comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, diminuindo distâncias, rompendo fronteiras e nos proporcionando momentos inesquecíveis. Assim, a UNINGÁ se dispõe, através do Ensino a Distância, aproporcionarumensinodequalidade, capaz de formar cidadãos integrantes de uma sociedade justa, preparados para o mercado de trabalho, como planejadores e líderes atuantes.
Que esta nova caminhada lhes traga muita experiência, conhecimento e sucesso.
© Direitos reservados à UNINGÁ - Reprodução Proibida. - Rodovia PR 317 (Av. Morangueira), n° 6114
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WWW.UNINGA.BR
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01
)U N I D A D E
ENSINO A DISTÂNCIA
DISCIPLINA:
SAÚDE COLETIVA
SAÚDE COLETIVA: CONCEITOS E HISTÓRIA
PROF.A MA. MARIA CECILIA MEREGE
SUMÁRIO DA UNIDADE
INTRODUÇÃO	5
1. O QUE É SAÚDE COLETIVA E CONCEITOS INICIAIS	6
1.1. SAÚDE E SUAS INTERFACES	6
1.1.1. SAÚDE COLETIVA	6
1.2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PROCESSO SAÚDE–DOENÇA	9
1.2.1. A DETERMINAÇÃO SOCIAL DO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA	14
1.3 HISTÓRIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE: QUADRO SANITÁRIO E TRANSIÇÕES EPIDEMIOLÓGICAS NO BRASIL	16
1.3.1 DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL ATÉ À CHEGADA DA FAMÍLIA REAL (1500 A 1889)	17
1.3.2. DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA ATÉ 1930	20
1.3.3. A ERA VARGAS OU PERÍODO DA SEGUNDA REPÚBLICA (1930 – 1945)	24
1.3.4. PERÍODO DA REDEMOCRATIZAÇÃO OU DESENVOLVIMENTISTA (1945 – 1963)	26
1.3.5. PERÍODO DO REGIME MILITAR (1964 – 1984)	28
1.3.5.1. REFORMA SANITÁRIA	33
1.3.6. PERÍODO DA NOVA REPÚBLICA (1985 – 1988)	33
CONSIDERAÇÕES FINAIS	36
WWW.UNINGA.BR	4
INTRODUÇÃO
Bem-vindo(a), caro(a) aluno(a).
A saúde coletiva é um campo de conhecimentos e práticas que tem estado presente em muitos trabalhos, seja ao longo dos anos que medeiam a sua institucionalização no final dos anos 1970 seja ainda nos dias atuais. Em seu trabalho, Foucault (1979) registra as origens da medicina social, vinculada à polícia médica na Alemanha, à medicina urbana na França e à medicina da força do trabalho na Inglaterra. Essas três formas defendem a tese de que, com o capitalismo, ocorreu a passagem da medicina privada à medicina coletiva, desenvolvendo-se em fins do século XVIII e início do XIX e socializando o primeiro objeto, que foi o corpo como força de produção e força de trabalho. Isso só foi levado a sério na segunda metade do século XIX, quando se criam condições para a emergência da medicina social, devendo a medicina intervir na vida política e social, apontando os obstáculos que impedem o funcionamento normal do processo vital com vistas a afastá-los.
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SAÚDE COLETIVA 
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)Logo, a saúde coletiva assume um papel político e técnico, visando à reformulação do setor saúde e à concepção da saúde como um direito do cidadão e dever do Estado, devendo a participação ser efetivada na busca pela implementação de uma política de recursos humanos em saúde coletiva, associada às condições de saúde da população e de incentivo à pesquisa.
A Organização Mundial de Saúde (OMS), ao definir saúde como o completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausência de doenças, resvalou para uma concepção de saúde como um estado absoluto, cujo objetivo é a qualidade de vida. Sendo assim, trata-se de uma questão que ocupa a atenção de muitas pessoas, governos, empresas e comunidades, visto que, além de corresponder ao estado de vida, também é o modo como a pessoa leva a vida.
Vale ressaltar que a saúde contempla três dimensões: o estado vital, o setor produtivo e a área do saber, as quais são extremamente essenciais na identificação dos problemas e necessidades de saúde, bem como na explicação e modo de organização para enfrentamento dos problemas relacionados à saúde.
É um componente da economia, já que produz bens e serviços e hospitais, laboratórios, clínicas, centros e unidades básicas de saúde são estabelecimentos que ofertam serviço de saúde. Ao mesmo tempo, existem indústrias farmacêuticas, de equipamentos, vacinas, materiais médico- cirúrgicos, assim como empresas que comercializam planos de saúde e instituições responsáveis pela gestão, como o Ministério da Saúde e as Secretarias municipais e estaduais. Uma parte dessas organizações presta serviços de saúde; a outra parte produz bens, como medicamentos, vacinas e equipamentos.
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EDUCAÇÃO
 
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DISTÂNCIA
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1. O QUE É SAÚDE COLETIVA E CONCEITOS INICIAIS
1.1. Saúde e suas Interfaces
Antes de ser trabalhada a expressão “Saúde Coletiva”, vale ressaltar que o termo saúde designa um conceito rico e complexo, de grande interesse filosófico, científico e prático.
Sendo assim, vale relembrar a definição mencionada na Introdução, segundo a qual a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1949, logo após a Segunda Guerra Mundial, conceituou saúde como o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças.
Essa definição é utópica, já que o homem nunca será completo: ele está sempre em busca de sua felicidade e aperfeiçoamento. No entanto, a definição acerta ao dizer que saúde não é a simples ausência de enfermidades.
Pelo que já se percebe, são várias as dimensões ou facetas do conceito de saúde, reconhecidas por diversos autores. Veja algumas:
I. (
SAÚDE COLETIVA 
| UNIDADE 
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)A questão conceitual da saúde como problemática filosófica (ou, mais precisamente, epistemológica), crucial para o reconhecimento dos saberes sistemáticos referidos a questões de vida, funcionalidade, competência, sofrimento, dor, aflição, incapacidades, restrições vitais e morte.
II. A saúde como fato, atributo, função orgânica, estado vital individual ou fenômeno natural, definido, negativamente, como a ausência de doenças e incapacidade ou, positivamente, como funcionalidades, capacidade, necessidades e demandas.
III. A medida da saúde no sentido de avaliação do estado de saúde da população, indicadores demográficos e epidemiológicos, análogos de risco, competindo com estimadores econométricos de salubridade ou carga de doença.
IV. O valor da saúde e, nesse caso, tanto sob a forma de procedimentos, serviços e atos regulados e indevidamente legitimados como mercadoria, quanto sob a forma de direito social, serviço público ou bem comum, por parte da cidadania global contemporânea.
V. A práxis da saúde, como conjunto de atos sociais de cuidado e atenção a necessidades e carências de saúde e qualidade de vida, conformados em campos e subcampos de saberes e práticas institucionalmente regulados, operados em setores de governo e de mercados, em rede sociais e institucionais.
1.1.1. Saúde coletiva
A saúde coletiva pode ser definida como um campo de produção de conhecimentos voltados à compreensão da saúde e à explicação de seus determinantes sociais, bem como ao âmbito de práticas direcionadas, prioritariamente, à sua promoção, prevenção deriscos e ao cuidado com agravos e doenças. Volta-se, ainda, à reorientação da assistência e à melhoria da qualidade de vida, privilegiando mudanças nos modos de vida e nas relações entre pessoas e instituições envolvidas no cuidado à saúde da coletividade, gerida pelo Estado.
Essa área busca entender a saúde/doença como um processo que se relaciona com a estrutura da sociedade, o homem como ser social e histórico, e o exercício das ações de saúde como uma prática social permeada por prática técnica que é, simultaneamente, social, sofrendo influências econômicas, políticas e ideológicas.
O objeto não é apenas o indivíduo, mas, sobretudo, os grupos sociais; portanto, a coletividade.
Embora a saúde coletiva, historicamente, tenha sido constituída, principalmente, por médicos, outros profissionais, como cientistas sociais, enfermeiros, odontólogos, farmacêuticos e também agentes oriundos de outras áreas do conhecimento (como engenheiros, físicos e arquitetos), contribuíram para sua construção. Trata-se, portanto, de uma área multiprofissional e interdisciplinar.
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SAÚDE COLETIVA 
| UNIDADE 
1
)A Saúde Pública está ligada ao setor governamental e é voltada para os problemas de saúde que atingem a coletividade.
	a) A saúde, enquanto estado vital, setor de produção e campo de saber, está articulada à estrutura da sociedade através das suas instâncias econômicas e político-ideológicas, apresentando, portanto, uma historicidade.
	b) As ações de saúde (promoção, proteção, recuperação, reabilitação) constituem uma prática
social e trazem consigo as influências do relacionamento dos grupos sociais.
	c) O objeto da Saúde Coletiva é construído nos limites do biológico e do social e compreende a investigação dos determinantes da produção social das doenças e da organização dos serviços de saúde e o estudo da historicidade do saber e serviços de saúde e o estudo da historicidade do saber e das práticas sobre os determinantes. Nesse sentido o caráter interdisciplinar desse objeto sugere uma integração no plano do conhecimento, e não no plano da estratégia, de reunir profissionais com múltiplas formações.
	d) O ensino da Saúde Coletiva envolve a crítica permanente dos sucessivos projetos de redefinição das práticas de saúde surgidos nos países capitalistas, que têm influenciado a reorganização do conhecimento médico e a reformulação de modelos de prestação de serviços de saúde: Reforma Sanitária, Medicina Social, Medicina Integral, Medicina Preventiva e Medicina comunitária.
· Na medicina social o foco era a arte de conservar a saúde do homem, intervindo diretamente na sociedade e sofrendo influencias desta, tendo como finalidade o estudo e a cura das doenças, estando envolvido também na elaboração de leis.
· A reforma sanitária envolve ações de saúde e saneamento voltadas para o espaço
urbano e o controle de epidemias seguidas do desenvolvimento do Estado Nacional
· O modelo de medicina preventiva divide-se em medicina integral e medicina comunitária, as quais propuseram uma rearticulação dos conhecimentos biomédicos na dimensão social e populacional do adoecimento, ampliando a concepção do processo saúde- doença e seus determinantes que a medicina clinica vinha construindo quando enfatizava uma abordagem individual e biomédica.
	e) O processo ensino-aprendizagem não é neutro. Representa um momento de apropriação do saber pelo educando e pode ser acionado como prática de mudança ou de manutenção.
	f) O conhecimento não se dá pelo contato com a realidade, mas pela compreensão de suas
leis e pelo comprometimento com as forças capazes de transformá-la
	g) A participação ativa e criativa do educando e do educador no processo ensino-aprendizagem pressupõe o privilegiamento de uma prática pedagógica fundamentalmente dialógica e antiautoritária, na qual o aluno não se limita a receber conteúdos emitidos pelo professor. Ou seja, tanto o aluno como o professor aproveitam-se do momento para problematizar a realidade, o modo de pensa-la e o próprio processo de produção-transmissão-apropriação do conhecimento.
	h) Ensino da Saúde Coletiva remete a uma concepção ampla de prática. Nela se incluem a prática técnica, a prática teórica e a prática política, entendidas como dimensões da prática social. Nessa perspectiva, as práticas exercidas pelos alunos e professores tendem a se articular com os movimentos mais amplos das forças sociais.
	i) O conceito de inserção no complexo de saúde admite a participação de docentes e discentes em distintos níveis políticos -administrativos, técnico-administrativos e técnico- operacionais. A análise das práticas de saúde desenvolvidas pode delinear como prática pedagógica a prática das mudanças no complexo de saúde.
	j) O conceito de participação em saúde transcende o envolvimento dos grupos interessados no âmbito do planejamento, gestão e avaliação das ações de saúde. Esse conceito passa pela democratização da vida social, o que implica a ação organizada sobre o processo político.
Quadro 1 – Saúde Coletiva: quadro técnico de referência. Fonte: Paim (1982).
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SAÚDE COLETIVA 
| UNIDADE 
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)Por conseguinte, convém conhecer o significado de “políticas públicas”, “níveis de atenção à saúde”, “cuidados primários em saúde”, “atenção primária em saúde” e “atenção básica”, todos termos que nos acompanharão até o final deste material.
· Políticas públicas: são diretrizes que visam a nortear gestores e profissionais quanto às ações em determinada área da vida social, na busca de resultados de saúde voltados a determinadas situações de saúde ou a populações específicas. Sua formulação envolve a discussão entre vários atores da sociedade: governo, legisladores, representantes de associações civis e setores produtivos (comércio, indústria, transporte, entre outros), a fim de se obter um consenso, com várias proposições legisladas, isto é, transformadas em leis. Um bom exemplo é a Política Nacional do Idoso, a qual prevê ações que vão desde a assistência à saúde dessa população até à gratuidade no transporte público. Além dela, tem-se a Política Nacional da Atenção Básica, a Política Nacional de Promoção da Saúde, a Política Nacional de Humanização, entre outras a serem mencionadas no decorrer da apostila.
· Nível de atenção à saúde: trata-se da divisão dos serviços de saúde com base em suas características e complexidade tecnológica. Essas tecnologias podem ser divididas em: leve (calcada nas relações interpessoais, como técnicas de entrevistas), leve - dura (saberes estruturados, como a administração e a epidemiologia) e dura (uso de equipamento e normas institucionais). Todos os serviços de saúde utilizam três tipos de tecnologia, mas, em muitos deles, um ou dois tipos é/são mais relevante(s). No Brasil, temos três níveis de atenção: a atenção básica, com os serviços de vigilância em saúde e as Unidades Básicas de Saúde (UBS); a atenção secundária ou média complexidade, com os hospitais gerais e os ambulatórios; e a atenção terciária ou alta complexidade, com os hospitais e os serviços especializados (caso daqueles voltados para o tratamento de doenças específicas, como o câncer). Há descrito por alguns autores, ainda, a atenção quaternária, que seria a especialização da especialização, como a medicina nuclear.
· Cuidados primários em saúde: são definidos como cuidados de elevada complexidade tecnológica, alta penetração na comunidade, alta resolutividade dos problemas das populações, sendo socialmente aceitáveis. Os cuidados primários também se devem configurar como principal e primeiro contato do usuário com o sistema de saúde, além de proporcionarem serviços de proteção da saúde, cura e reabilitação. Esse termo foi cunhado na Conferência Internacional sobre Cuidados de Saúde Primários de Alma-Ata, em 1978.
· Atenção primária em saúde: forma de se reorganizarem os serviços de saúde, tendo os cuidados primários como estruturadores do sistema de saúde. Prevê a participação ativa da comunidade e de profissionais em sua organização e gestão e tem foco em um sistema desaúde (como no caso do Sistema Único de Saúde (SUS)).
· Atenção básica: denominação usada no Brasil, é equivalente à Atenção Primária em Saúde.
1.2. Evolução Histórica do Processo Saúde–Doença
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SAÚDE COLETIVA 
| UNIDADE 
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)A saúde e a doença sempre estiveram presentes na vida dos seres vivos e, desde os primórdios, buscaram-se explicações para se compreender tais eventos, com base nos conhecimentos daquele determinado momento histórico.
Sendo assim, nos primórdios da civilização, a saúde apresentava uma “visão mágica”, sendo vista como algo natural. Portanto, não havia necessidade de se explicá-la; ela simplesmente acontecia. Já a doença, ou outros agravos de saúde, podia ser compreendida de duas formas: ou ela era provocada por situações nas quais se podiam claramente identificar a causa e o efeito (como em quedas ou ataques de animais) ou a doença possuía uma causa “misteriosa”, sobrenatural, não identificável (como as doenças transmissíveis e outras disfunções orgânicas, como doenças provocadas por deficiências nutricionais). Nesse caso, o sobrenatural explicava tudo o que os humanos não podiam compreender, em razão das limitações tecnológicas.
As doenças eram vistas como castigo dos deuses sobre as pessoas e sobre as populações que haviam falhado em cumprir suas obrigações morais e religiosas perante sua comunidade. Como estavam ligadas aos deuses, era papel dos sacerdotes ajudar os doentes e guiá-los na procura pela cura.
Nessa época, a sociedade já tinha hábitos que a protegiam contra o adoecimento, tais como: enterrar os dejetos, beber água limpa e se abrigar do frio e do calor intensos. Esses hábitos eram resultado da observação da natureza e da influência dela sobre as pessoas.
Já na civilização grega do século V a.C., a saúde e a doença foram explicadas a partir de conclusões advindas da observação atenta do homem, de seus costumes e suas relações com a natureza. Nesse período, Hipócrates, médico considerado o pai da medicina, descreveu como o modo de vida dos homens e sua relação com a natureza podiam resultar em uma vida saudável ou em adoecimento, além de orientar, de modo prático, como os homens deveriam viver se quisessem evitar o adoecimento: com moderação. Hipócrates defendia que a saúde era resultado do equilíbrio entre o homem e seu meio. Suas observações, a respeito do papel da natureza no desenvolvimento das doenças, influenciaram a organização dos espaços nas comunidades gregas em relação ao descarte de dejetos, ao acesso à água limpa, à higiene pessoal e à moradia.
Esses conhecimentos foram praticados no Império Romano a fim de se garantir a salubridade, com construções que perduram até hoje.
Na Pérsia, atual Irã, existiam hospitais onde as doenças eram separadas em virtude dos sintomas apresentados. A higiene e a alimentação eram fatores importantes no tratamento dos doentes, e as pessoas que lá trabalhavam eram treinadas para as suas funções. Medidas de proteção coletiva, escoamento de esgoto e separação da água potável também eram comuns nas grandes cidades.
Na Idade Média, conhecida como Idade das Trevas (séculos V a XV), marcada pela presença onipotente da Igreja, a qual dominou e enclausurou o conhecimento científico até então, toda e qualquer teoria que explicasse a vida sem se referir a Deus era considerada blasfêmia.
Nesse período, a organização das populações em feudos-comunidade girava em torno do senhor feudal, dono das terras e da população que nela habitava – fato que levou ao crescimento desordenado das cidades, gerando elevado aglomerado populacional. As cidades já não possuíam mecanismos para garantir o mínimo de higiene, o que gerava um ambiente ideal à proliferação de doenças transmissíveis e desembocava na expansão de doenças epidêmicas de grandes proporções, como a peste bubônica, o tifo e a varíola.
Devido à forte influência da Igreja na vida social, a doença passou a ser o foco das atenções, sendo considerada castigo divino, resultado da desobediência às normas da Igreja ou da impureza da alma, podendo ser curada somente se houvesse vontade divina para tal. Como exemplo disso, cite-se o tratamento conferido aos doentes mentais, os quais, considerados possuídos pelo demônio, eram queimados em praça pública, como parte do processo de “purificação” de suas almas.
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SAÚDE COLETIVA 
| UNIDADE 
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)Por cerca de dez séculos, as cidades ficaram à deriva no que diz respeito às regras sanitárias. Somente próximo ao fim da Idade Média, algumas medidas sanitárias foram tomadas a fim de melhorar a saúde da população, como a proibição de jogar animais mortos e restos de alimentos nas vias públicas. Nesse momento, também começou a tomar forma a Teoria dos Miasmas, que relacionava transmissão de doenças aos “maus ares” ou ares pútridos. Acreditava-se que o ar das casas e cidades era infectado e capaz de transmitir doenças. Com base nisso, a medicina utilizava os recursos que considerava corretos. Um exemplo: a peste bubônica, doença transmitida pela pulga do rato, foi causa de epidemias que dizimaram milhares de pessoas. Como os médicos acreditavam que a transmissão se dava pelo ar, esses mesmos médicos, ao visitarem os doentes, usavam vestimentas especiais que cobriam todo o corpo, além de uma máscara com um longo “bico”, que possuía ervas aromáticas em sua ponta e visava a “purificar” o ar contaminado.
Atualmente, ainda é possível identificar populações que explicam o adoecimento como sendo evento ligado ao poder divino e que desenvolveram rituais de cura a partir dessa concepção. Pense no Brasil, que é um País onde a religiosidade é muito presente no cotidiano das pessoas e onde se recorre a vários rituais na busca pela cura de doenças, rituais que podem ser utilizados paralelamente aos tratamentos tradicionais. Medicina moderna? Quantas vezes não se fazem cultos, novenas e outros rituais pela recuperação de um membro da família?
No Renascimento (a partir do século XV), houve uma ruptura entre a Igreja e o poder político, gerando mudanças importantes à sociedade ocidental. Com as Grandes Navegações, os europeus chegaram ao continente americano, onde encontraram novas civilizações (maia e asteca) e diversas populações indígenas. Nesse encontro, foram trocadas diversas doenças originárias das Américas e outras tantas originárias da Europa.
Reiniciaram-se as pesquisas na área da ciência no intuito de se compreender o funcionamento do mundo e do homem. Os estudos biológicos cresceram rapidamente, desde o desenvolvimento de teorias e equipamentos que auxiliassem na pesquisa de fenômenos naturais, como o funcionamento do corpo humano.
Pela primeira vez, a dissecação do corpo humano não foi considerada pecado, e vários estudos gregos e islâmicos foram resgatados, o que possibilitou aos cientistas europeus o conhecimento do interior do homem e a compreensão das relações entre os órgãos, ainda que de forma incipiente. A analogia entre o funcionamento do corpo humano e algumas máquinas era prática frequente entre os pesquisadores; daí a gênese da ideia de que a doença é um “defeito” da máquina humana, sem relação com o meio externo.
A teoria dos Miasmas ainda era forte à época, inclusive, os códigos sanitários foram estabelecidos visando a sanear as cidades. Porém, controvérsias em relação à origem das doenças começaram a surgir, tendo-se, de um lado, os cientistas que acreditavam que as doenças resultavam do contato exclusivo entre as pessoas, e, do outro, os cientistas que acreditavam ser o ambiente social um de seus principais causadores.
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SAÚDE COLETIVA 
| UNIDADE 
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)O Renascimento foi uma revolução da cultura, das artes e da ciência na Europa, que influenciou todo o Ocidente, além ter sido um contraponto ao obscurantismo da Idade Média. Vários nomes ilustres da época são conhecidos até hoje, como Leonardo da Vinci, homem de múltiplos talentos: pintor, cientista e inventor. Com sua visão grandiosa sobre o futuro do homem, influencia diversos cientistas e artistas até hoje.
No Iluminismo, com a Revolução Industrial da segunda metade do séculoXVIII na Inglaterra, nasce uma nova forma de produção de bens de consumo, baseada na produção em larga escala, no uso de tecnologia e no emprego de grande quantidade de trabalhadores. Assim, desloca-se a força de trabalho das zonas rurais para as cidades, alterando-se a relação entre empregados e empregadores: aos empregadores, coube a riqueza, e, aos empregados, couberam péssimas condições de vida.
Nesse período, surge a Medicina Social, responsável por discutir o processo de adoecimento a partir das condições de vida das pessoas e propor formas de atuação para o controle das doenças e mortalidade. Tais formas extrapolavam a prática médica, compreendendo, inclusive, intervenções sobre a moradia dos trabalhadores e garantia de melhor alimentação a eles. Porém, não houve grande impacto à saúde da população, em sua maioria, empobrecida e analfabeta que era. Os proprietários dos meios de produção e os políticos tinham seus interesses financeiros a defender. Não lhes importava apoiar uma visão questionadora do processo saúde-doença que impactasse de forma negativa as questões econômicas.
Na era bacteriológica, os germes já eram conhecidos antes do século XIX. Porém, somente nessa época é que foram apresentadas as primeiras provas de que eles estavam relacionados a algumas doenças. Entre as ações mais significativas, citam-se:
· O médico alemão Robert Koch comprovou a transmissão do antraz;
· O químico francês Louis Pasteur e sua equipe centraram esforços na descoberta de mecanismos de infecção e formas de prevenção;
· O médico inglês Edward Jenner desenvolveu a vacina contra a varíola;
· O cirurgião inglês Joseph Lister propôs o uso de fenol como antisséptico antes das cirurgias;
· O médico húngaro Ignaz Semmelweis associou o fato de estudantes de Medicina saírem das salas de anatomia diretamente para as de parto, sem lavarem as mãos ou trocarem de roupa, a casos de febre puerperal, recomendando a lavagem de mãos como estratégia para se evitar infecção;
· A enfermeira inglesa Florence Nightingale recomendou, com base nas descobertas cientificas da época, que o ambiente hospitalar fosse limpo, ventilado e salubre, de modo a propiciar o tratamento e a recuperação dos doentes.
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SAÚDE COLETIVA 
| UNIDADE 
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)Com isso, uma nova teoria sobre o processo saúde-doença nasceu: a teoria bacteriológica, segundo a qual a doença tem uma causa única: a infecção. Essa visão foi importante para a identificação de vários agentes patogênicos e seu controle; no entanto, reduziu o olhar sobre o processo de adoecimento ao desconsiderar a influência dos fatores psicossociais (aqueles ligados ao funcionamento social e mental das pessoas), com inegável forte influência no processo saúde- doença.
No entanto, em meados do século XX, outras teorias surgiram devido à incapacidade de a teoria bacteriológica explicar a complexidade do adoecimento. Dentre elas, surgiu o Modelo Multicausal, o qual considerava a Multicausalidade do processo de adoecimento, sendo que a mais conhecida e utilizada até a atualidade é a História Natural da Doença (HND), proposta pelos pesquisadores americanos Leavell e Clark, em 1965.
Para esses pesquisadores, denomina-se história natural da doença o conjunto de processos interativos que criam o estímulo patológico no meio ambiente ou em qualquer outro lugar, passando pela resposta do homem ao estímulo até às alterações que levam a um defeito, invalidez, recuperação ou morte.
Esse modelo explicativo do processo saúde-doença divide o adoecimento em duas fases: a pré-patogênese, período anterior ao adoecimento, em que as manifestações patológicas ainda não se manifestaram; e a patogênese, que é o momento a partir do qual a doença já está instalada no ser vivo, já se encontrando ativas as manifestações patológicas. Ao mesmo tempo, a História Natural considera a interação entre agentes e fatores do ambiente do indivíduo como partes integrantes do processo de adoecimento. O modelo também prevê diferentes estratégias para a prevenção das doenças.
Figura 1 - Diagrama da história natural da doença. Fonte: Leavell e Clark (1976).
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SAÚDE COLETIVA 
| UNIDADE 
1
)A pré-patogênese compreende interação entre os agentes patogênicos, o ambiente e o suscetível; no nosso caso, o “ser humano”, o hospedeiro que gera o estímulo para o aparecimento da doença.
Os agentes patogênicos podem ser: físicos (calor, radiação, frio etc.); químicos (substâncias psicoativas, substâncias tóxicas); biopatógenos (vírus, fungos, bactérias, príons etc.); nutricionais (tipo de alimentação); ou genéticos (alterações de genes). No entanto, lembre-se de que nenhum agente sozinho é capaz de desencadear doença.
O ambiente contribui de formas variadas e é considerado de modo amplo, desde o meio natural até o meio cultural. Por exemplo: morar em um local sem saneamento básico e sem educação sobre higiene torna as pessoas mais propensas às doenças diarreicas.
· Patogênese: período no qual a doença já está instalada, e as alterações no organismo são iniciadas, podendo o processo patológico resultar em cura, cronificação da doença, sequelas/invalidez ou até morte. Esse período é dividido em:
· Interação: momento no qual o estímulo entra em contato com o hospedeiro e começa a gerar doença. Por exemplo: uma pessoa contamina-se com o vírus HIV em uma relação sexual.
· Alteração dos tecidos: nessa fase, a doença provoca alterações nos tecidos do corpo humano. Seguindo-se com o exemplo anterior: o vírus HIV invade as células do indivíduo, multiplica-se e, depois, as destrói.
· Sinais e sintomas: em virtude das alterações dos tecidos, os sinais e os sintomas da doença começam a aparecer. No caso da infecção por HIV, com a destruição das células imunológicas, o indivíduo passa a ter infecções frequentes.
· Desfecho: a doença pode terminar de várias formas, com a cura total, a cura com sequelas, a cronificação ou a morte. A infecção por HIV, atualmente, possui um desfecho controverso, vez que alguns pesquisadores defendem que ela se tornou uma doença crônica; outros, que ela sempre levará à morte.
Baseado nessa lógica de desenvolvimento da doença, Leavell e Clark propuseram a classificação das ações preventivas, que devem ser voltadas para cada uma das fases descritas anteriormente. Tal classificação perdura até hoje nos guias de planejamento das ações preventivas. São três os níveis de prevenção:
· Primária: ações voltadas para atuar no controle dos fatores pré-patogênicos, evitando-se o aparecimento do estímulo e, consequentemente, da doença. Ou seja, prevê ações de proteção específica, como imunização, educação para a saúde, controle de vetores etc.
· Secundária: o foco é o indivíduo que já adquiriu a doença e que precisa de ações que evitem agravo ou a morte. Trata-se do diagnóstico, tratamento precoce e limitação da invalidez.
· (
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)Terciária: nesse caso, a invalidez ou o defeito crônico provocado pela doença já estão instalados, sendo necessário foco na prevenção ou melhora da incapacidade. A atividade de reabilitação é seu principal trabalho, no intuito de reinserir socialmente o indivíduo para que ele tenha uma vida normal, mesmo com restrições.
Figura 2 - Níveis de Prevenção. Fonte: A autora.
1.2.1. A determinação social do processo saúde-doença
No intuito de entender essa teoria, convém conhecer duas expressões essenciais à compreensão dos assuntos tratados.
A primeira expressão é Determinantes Sociais de Saúde, a qual é definida como fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais, que influenciam a saúde positiva ou negativamente e que podem ser influenciados por decisões políticas ou individuais (ao contrário da idade, sexo e fatores genéticos, os quais também influenciam a saúde, mas não são modificáveis por aquelas decisões). Mais resumidamente, a expressão pode ser entendida como as condições sociais em que as pessoas vivem e trabalham.
A segunda expressão é Condicionantes de Saúde, as quais estabelecem limites a uma dada situação, isto é, condicionamuma situação a determinados fatores. Por exemplo: apenas mulheres podem engravidar; portanto, o sexo é fator condicionante para a gestação entre os humanos.
Sendo assim, observe a diferença entre as expressões. A primeira abrange os fatores que influenciam a saúde e que podem ser alterados por meio de decisões dos envolvidos ou externas a eles. Na segunda expressão, tem-se uma condição que não pode ser alterada já que é inerente à pessoa: idade, sexo, fatores genéticos, entre outras características.
 (
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)O debate sobre Determinantes Sociais da Saúde (DSS) se dá desde 1960. Dentre os vários modelos que procuram representar graficamente os DSS, o adotado é o Modelo de Dahlgren e Whitehead (1991), o qual dispõe os DSS em camadas hierárquicas.
Figura 3 - Determinação Social do Processo Saúde-Doença. Fonte: Dahlgren e Whitehead (1991).
 (
O vídeo, disponível em:
https:/
/www.youtube.com/watch?v=ii-fbpUy4iE
 , permite entender quais são os determinantes sociais e como eles influenciam na saúde.
)
No centro da figura, aparece um grupo de indivíduos com suas características de idade, sexo e fatores hereditários. Esses são determinantes biológicos que não podem ser modificados por meio de políticas públicas. Os DSS, que podem e devem ser modificados pela ação humana, uma vez que são produtos da ação humana, são representados, em uma primeira camada, pelo estilo de vida dos indivíduos. Apesar de resultarem de escolhas pessoais, essas escolhas sofrem forte influência de determinantes culturais, econômicos, acesso a informações etc. A camada seguinte é representada pelas redes sociais e comunitárias, que expressam o nível de interações e de coesão entre indivíduos e grupos. O apoio social derivado dessas interações se revela, cada vez mais, um importante elemento para a promoção, proteção e recuperação da saúde.
A camada seguinte se refere às condições de vida e trabalho, que incluem o acesso aos serviços de saúde e educação. Finalmente, a camada mais externa se refere aos macrodeterminantes, relacionados a estruturas socioeconômicas, culturais e ambientais de uma dada sociedade.
 (
A entrevista, disponível em
https:/
/www.youtube.com/watch?v=ZPo0vKZL0IM 
,
permite entender os fatores que podem influenciar a saúde dos
brasileiros.
) (
SAÚDE COLETIVA 
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)Sendo assim, esse modelo integra vários componentes que interferem de forma negativa ou positiva sobre o processo saúde-doença e propõe a modificação das estruturas sociais, econômicas e políticas como parte fundamental para se alcançar a saúde plena (por exemplo: melhores salário e transporte, acesso igualitário aos serviços de saúde e cidades pensadas para pessoas, e não para carros).
1.3 História das Políticas Públicas de Saúde: Quadro San- itário e Transições Epidemiológicas no Brasil
Ao longo da evolução, o sistema de saúde do Brasil adquiriu características importantes que acompanharam as tendências políticas e econômicas de cada momento histórico. Citem-se certos aspectos que marcaram a história da organização desse sistema: a evolução da política de saúde se deu em estreita relação com a evolução política e social da sociedade brasileira, seguindo a ótica do capitalismo nacional, o qual, por sua vez, foi influenciado pelo capitalismo internacional.
 (
Política
 
de
 
Saúde
 
é
 
definida
 
como
 
a
 
ação
 
ou
 
omissão
 
do
 
Estado,
 
como
 
resposta
social
 
diante
 
dos
 
problemas
 
de
 
saúde
 
e
 
seus
 
determinantes,
 
assim
 
como
 
da
)
produção, distribuição e regulação de bens, serviços e ambientes que afetam a
saúde dos indivíduos e da coletividade.
Sendo assim, torna-se necessário um breve resgate da história da política de saúde no Brasil, abordando-a por períodos históricos e relacionando-a ao contexto econômico e político de cada momento, desvelando-se com certas dificuldades e entraves estruturais que persistem até hoje.
1.3.1 Do descobrimento do Brasil até à chegada da Família Real (1500 a 1889)
 (
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)Após a descoberta do Brasil, no período de 1500 a 1822, o Brasil foi colônia de Portugal. Tinha sua produção econômica realizada por meio dos ciclos do açúcar e da mineração, à base do trabalho escravo, com vistas ao comércio internacional, de acordo com os interesses da Coroa Portuguesa. Logo, não havia interesse de Portugal em investir em infraestrutura para a melhoria das condições de quem vivia no Brasil.
A população era composta, majoritariamente, por indígenas, escravos, senhores (muitas vezes, nobres e aventureiros portugueses) e poucos colonos degredados ou fugidos de Portugal e do restante da Europa. Como a economia estava pautada no extrativismo, bastava haver portos com estrutura mínima para o escoamento da matéria-prima explorada.
O perfil de adoecimento era marcado pela presença de doenças transmissíveis (DT), tanto as originais do país quanto as importadas (doenças que dizimaram milhares de indígenas em várias regiões e que ainda permanecem como um mal entre diversas tribos). São exemplos: a malária, introduzida em 1549; a varíola, em 1561; a febre amarela e a hanseníase, por volta de 1680. Essas doenças foram trazidas pelos colonizadores, pelos aventureiros e pelo comércio de negros africanos envoltos no trabalho escravo.
Não se pode falar da existência de uma política de saúde nos períodos colonial e imperial. No entanto, tomavam-se medidas que visavam a minimizar os problemas de saúde pública que afetavam a produção econômica e prejudicavam o comércio internacional. Essas medidas incluíam: o saneamento dos portos por onde escoavam as mercadorias; a urbanização e a infraestrutura nos centros urbanos, de maior interesse econômico e muito insalubres (Salvador, Recife, Ouro Preto, Rio de Janeiro, Cuiabá e São Paulo); e campanhas para debelar as epidemias frequentes e prejudiciais à produção, além de afetarem a imagem brasileira perante os países com os quais o Brasil mantinha comércio internacional. Essas intervenções eram pontuais e, tão logo conseguiam controlar os surtos da época, eram prontamente abandonadas. A primeira campanha foi realizada em Recife e Olinda, entre 1685 e 1694, para debelar uma epidemia de febre amarela que afetava a produção e exportação da cana-de-açúcar.
Figura 4 - Brasil Colônia: Fonte: Ferreira (2017).
 (
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)A assistência médica à saúde não existia. Quem tinha dinheiro (como os coronéis do café) ia à Europa ou era atendido pelos raros médicos que vinham da Europa para tratá-los. Quem não tinha dinheiro procurava a medicina popular, a fim de cuidar do espírito, fazer sangrias e fazer uso de ervas, como no caso dos índios, negros e brancos pobres. As Santas Casas de Misericórdia ainda não possuíam caráter de hospital propriamente dito. Eram voltadas a abrigar indigentes, pobres, viajantes e doentes mentais, sem cuidados apropriados. A primeira Santa Casa do Brasil foi inaugurada em 1543, em Santos (SP). As Santas Casas eram administradas pela Irmandade de Misericórdia, fundada em Lisboa por Dona Leonor de Lancastre, em 1498, enquanto ela regia o trono de seu irmão, Dom Manuel, em Portugal.
A situação da saúde no País passou a mudar por volta do século XVIII, quando houve um maior afluxo de médicos e nobres portugueses para o Brasil. As cidades começaram a aumentar. A grande preocupação nas cidades era com o lixo, que se acumulava nas vias públicas. Por isso, criaram-se órgãos que cuidavam da limpeza e da higiene das cidades, mas nada era feito em relação à saúde das pessoas.
Apenas com a vinda da família real portuguesa ao Brasil (a qual fugia de Napoleão Bonaparte, imperador francês) em 1808, começou-se a ter alguma preocupação com a saúde das pessoas nas cidades, o que se deve ao fato de toda a nobreza ter vindo junto, totalizando cerca de 15 mil pessoas.
Figura 5 - Santa Casa da Misericórdia. Fonte: Novo Milênio (2010).
 (
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)Com isso, várias melhorias ocorreram no País. Coisas até então proibidas por Portugal, como indústrias (que eram poucas),passaram a ser permitidas, e diversos órgãos públicos foram criados, dentre eles: a fundação das Escolas de Medicina do Rio de Janeiro (1813) e da Bahia (1815); a criação da Imperial Academia de Medicina (1829 – órgão consultivo do Imperador para as questões de saúde pública); e a organização da Inspetoria de Saúde dos Portos (1828).
A cidade do Rio de Janeiro foi escolhida como cidade moradia da família real. Entretanto, problemas ocorriam, pois a corte esbanjava dinheiro, e quem arcava era o povo, que tinha de ceder suas casas para os membros da corte morarem.
 (
Carlota Joaquina, Princesa do Brasil: 
o filme ilustra, de forma divertida, a chegada da corte ao País. O link pode ser acessado em https://ok.ru/video/941498894967.
)
O desconforto político com a monarquia culminou na Proclamação da República, que tornou o Brasil uma República Federativa, derrubando a monarquia e aclamando como presidente do Brasil o Marechal Deodoro da Fonseca (1889), um dos líderes do Movimento Republicano.
1.3.2. Da Proclamação da República até 1930
A Proclamação da República, em 1889, determinou uma nova configuração da política brasileira e, consequentemente, das formas de se viver no País. Com a abolição da escravidão, em 1888, veio a necessidade de mais mão-de-obra para as fazendas – estimulando a imigração, principalmente, de europeus. A cafeicultura, como principal produção econômica (resultando, posteriormente, na República denominada Café com Leite, em que políticos apoiados por fazendeiros de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro se alternavam no poder), gerou lucros que eram investidos nas cidades e que mudaram a face do País, mais precisamente das grandes cidades litorâneas (como Rio de Janeiro, Santos e Salvador) e das cidades produtoras de café.
A situação de saúde da população apresentava-se sob o mesmo panorama do período anterior, com predomínio das doenças pestilenciais como cólera, febre amarela, malária, tuberculose, tifo, peste, varíola e gripe espanhola. As condições de saneamento básico eram bastante precárias, e várias epidemias matavam a população e dificultavam o recrutamento de trabalhadores da Europa, assim como o escoamento da produção local, já que os navios estrangeiros se negavam a parar em nossos portos, com medo das doenças epidêmicas.
 (
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)Resgatando-se a teoria bacteriológica e seus avanços científicos, o governo brasileiro, então, encontrou a solução para resolver o problema das epidemias em nossas cidades litorâneas e nos principais portos do País. Destacaram-se dois médicos formados a partir dessa teoria: Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e Emílio Ribas, em Santos. Ambos atuaram no intuito de sanear as cidades que possuíam os maiores e mais importantes portos, estimulando, assim, o comércio internacional e fomentando a política de imigração, trazendo para as lavouras cafeeiras a mão de obra necessária à produção de café.
Oswaldo Cruz, médico e pesquisador, estudou no Instituto Pasteur, em Paris, e foi nomeado diretor-geral da Saúde Pública. Elegeu as Campanhas Sanitárias como modelo de intervenção de combate às epidemias rurais e urbanas, de conotação militar. Era um modelo de inspiração americana trazido de Cuba e se caracterizava pela centralização das estruturas administrativas, pela concentração de poder e por um estilo repressivo de intervenção médica nos corpos individual e social.
Entre as medidas tomadas, estavam o controle dos ratos e dos locais de procriação de mosquitos, assim como o estabelecimento da polícia sanitária, composta por agentes de polícia que acompanhavam os agentes de saúde na aplicação de medidas saneadoras a fim de controlar as doenças no Rio de Janeiro e em São Paulo e evitar manifestações e reações contrárias da população, tudo com vistas a garantir o cumprimento das ações.
No Rio de Janeiro, os cortiços e as casas do centro da cidade foram derrubados de forma violenta, deixando a população desabrigada (muitas pessoas foram para os morros, dando início ao cimento das favelas cariocas). Doentes de hanseníase eram levados aos sanatórios e proibidos de conviver com seus familiares.
 (
Rattus Rattus, Anima Saúde: 
o vídeo permite entender, de forma animada, os problemas enfrentados pelo Brasil no início do século
XX. O link está disponível
 
em
https:/
/www.youtube.com/watch?v=y3V
a
y6xPwKY.
) (
SAÚDE COLETIVA 
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)Figura 6 - Movimento Sanitário. Fonte: D’ávila (2018).
Nessa época, foi criado o Instituto de Manguinhos, no Rio de Janeiro, depois denominado Instituto Oswaldo Cruz, com a finalidade de pesquisa e desenvolvimento de vacinas.
Em 1904, houve imposição legal da vacinação contra a varíola, o que desencadeou uma revolta popular (Revolta da Vacina) liderada por opositores políticos do governo e médicos contrários à vacinação. A Revolta foi reprimida após poucos dias, depois da morte de alguns líderes populares.
 (
A
 
Revolta
 
da
 
Vacina:
 
causas,
 
revolta
 
e
 
consequências:
 
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o
 
vídeo, 
fica mais fácil entender o motivo da Revolta e suas consequências. O link está disponível em https:/
/www.youtube.com/watch?v=mwacFba08m4
 
.
)
Revolta da Vacina: reação popular ocorrida no período de 10 a 16 de novembro de 1904, contra a Lei da Vacinação obrigatória de combate à varíola, aprovada em 31 de outubro de 1904. A população estava insatisfeita com as medidas autoritárias e policialescas das campanhas sanitárias comandadas por Oswaldo Cruz para combate de várias epidemias. Com a aprovação da Lei, permitiu-se a entrada nas residências de brigadas sanitárias acompanhadas por policiais para que se desse a vacinação à força. Então, movimentos estudantis e populares iniciaram manifestações, sob a liderança de políticos opositores do governo e de médicos contrários à vacinação. O centro da cidade do Rio de Janeiro se transformou em campo de guerra, e sua contenção se deu após forte repressão policial, da qual resultaram muitas prisões, feridos e mortes. Após o episódio, a vacinação se tornou opcional e, passado algum tempo, com a aceitação da medida, a epidemia de varíola foi controlada.
 (
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)Com todo o ocorrido, pode-se dizer que Oswaldo Cruz alcançou seu objetivo no Rio de Janeiro, que era sanear a cidade e controlar as epidemias. Foi reconhecido, em poucos anos, como uma figura importante para o Brasil, responsável pela criação do Departamento Nacional de Saúde, embrião do Ministério da Saúde, além do Instituto de Manguinhos, como dito anteriormente.
Até a década de 1930, a saúde pública funcionou, principalmente, na forma de campanhas e com o apoio da polícia sanitária. Por isso, ficou conhecida como campanhista, sempre voltada para problemas de saúde que afetavam a população, mas, principalmente, motivada por interesses econômicos. Apesar disso, tal modelo trouxe avanços: além do controle das doenças transmissíveis, fundou-se, em 1923, a Escola Anna Nery, de enfermagem, com base no modelo norte-americano de formação, voltada à saúde pública. Além disso, diversos centros de saúde e uma rede de laboratórios públicos destinados à pesquisa foram criados.
Figura 7 - Revolta da Vacina. Fonte: René Jr. (2013).
Enquanto isso, a saúde individual permanecia parecida com a do Brasil colônia: médico para quem podia pagar, e curandeiros e Santas Casas para os pobres. Com a chegada dos imigrantes, houve discreta mudança. Muitos eram trabalhadores que atuavam politicamente em seus países, com ideias sobre a importância de sua união para garantir direitos básicos, como o direito de acesso à moradia e à saúde.
A organização dos trabalhadores resultou em diversas greves, que eclodiram no País entre os anos 1915 e 1920. Entre as reivindicações, estavam o trabalho com carga horária pré- determinada, salário justo, assistência à saúde e condições mais saudáveis de trabalho.
Em 1920, Carlos Chagas assumiu o Comando do Departamento Nacional de Saúde, inovando o modelo campanhista de Oswaldo Cruz, criando alguns programas que introduziram a propaganda e a educaçãosanitária da população como forma de prevenção contra as doenças. Nessa ocasião, criaram-se alguns órgãos para o controle da tuberculose, da lepra e das doenças sexualmente transmissíveis.
Muitas categorias se juntaram e formaram fundos financeiros mútuos, financiados pela contribuição de uma porcentagem sobre o salário de cada um e que atendiam a todos os que contribuíam. Esses fundos garantiam assistência médica individual ao trabalhador e a suas famílias, bem como pensões em caso de morte e invalidez. Ademais, funcionavam com regras determinadas pelos próprios trabalhadores em assembleias.
 (
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)Com isso, em 1923, foi promulgada a Lei Elói Chaves, que determinava a criação das Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAP), uma derivação dos fundos mútuos. A lei inovou ao determinar que o empregador também contribuísse com uma porcentagem para a formação do fundo comum. Essa é considerada o embrião da Previdência Social no País.
As primeiras CAPs foram instituídas nas empresas ferroviárias e, mais tarde, estendidas aos portuários, marítimos e outras áreas, dando início ao sistema previdenciário no Brasil, como resposta das empresas e do governo às reivindicações operárias.
Observa-se, ainda, o crescimento da medicina liberal, que era utilizada pela classe dominante e com poder aquisitivo, restando à maioria da população brasileira que não tinha direito às CAPs apenas os serviços oferecidos pelos escassos hospitais filantrópicos mantidos pela Igreja ou, é claro, a prática popular da medicina.
Figura 8 - Mapa Mental de Direito Previdenciário: Lei Eloy Chaves. Fonte: Mapas & Questões (2010).
Na área da saúde, o estado brasileiro caracterizou-se, ao longo desse período, por dois aspectos básicos: o primeiro se refere à estreita relação entre a política de saúde estabelecida e o modelo econômico vigente; o segundo se refere à clara dicotomia entre as ações de saúde pública e as ações de assistência médica.
Emergem, nessa conjuntura, dois modelos de intervenção nas questões de saúde: o sanitarismo campanhista e o curativo-privatista.
 (
O
 
modelo
 
sanitarismo
 
campanhista
 
envolve
 
uma
 
abordagem
 
coletiva
 
e
 
ambiental da
 
doença
 
e
 
se
 
caracteriza
 
pela
 
prática
 
autoritária.
 
O
 
modelo
 
clínico
 
curativo-
)
privatista, realizado por meio das CAPS e da medicina Iliberal, privilegia a
abordagem individual e medicalizante dos problemas de saúde e nega a relação da doença com as condições de vida dos indivíduos e coletividades.
 (
SAÚDE COLETIVA 
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)No decorrer dos anos 1920, o controle do governo federal passa a ser disputado por outros grupos sociais que se fortalecem econômica e politicamente no processo de urbanização e industrialização crescentes, surgindo rupturas no cenário político. Por sua vez, a crise econômica aprofunda-se no Brasil a partir da crise mundial de 1922 a 1929, o que trouxe impactos negativos à exportação do café.
Diante desse panorama, as oligarquias agrárias perdem força política, favorecendo a Revolução de 1930, comandada por Getúlio Vargas e por representantes da classe dominante, a qual também contou com o apoio da classe média urbana (representada por profissionais liberais, intelectuais, militares e tenentes) e das classes populares insatisfeitas com as condições de vida e trabalho. Assim, a Revolução de 1930 marcou o fim da hegemonia política dos grupos ligados ao café e à pecuária, insuflando a influência das indústrias mais voltadas para o mercado interno e o aumento do capital. Inicia-se uma nova fase política sob o comando de Getúlio Vargas, que se mantém no poder por 15 anos.
1.3.3. A Era Vargas ou Período da Segunda República (1930 – 1945)
A partir de 1930, o Brasil esteve sob o comando político do Presidente Getúlio Vargas, quando, então, foi promovida uma ampla reforma administrativa e política que culminou com a Constituição de 1934, iniciando-se o governo constitucional até 1937, e a ditadura do Estado Novo de 1937 a 1945. Trata-se de uma fase de forte centralização política e participação estatal nas políticas públicas, o que, aliado às políticas populistas, atribuiu ao presidente a alcunha de “o pai dos pobres”.
No período em questão, ocorre um deslocamento do polo dinâmico da economia para os centros urbanos, com grande investimento no setor industrial na região centro-sul, especialmente nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Esse encaminhamento reforça, ainda mais, a importância econômica e financeira dessa região, agravando os desequilíbrios regionais ainda vigentes nos dias atuais. Essa política promove o êxodo rural, especialmente da região Nordeste para os centros econômicos do País, contribuindo para o processo de urbanização precária e desordenada e proliferação de favelas nas grandes cidades.
A crescente massa urbana constitui a mão-de-obra para o setor industrial crescente. Esse, por sua vez, passa a exigir cada vez mais investimentos de grande porte em infraestrutura. O Estado, como regulador das relações entre capital e trabalho, estabelece o salário mínimo, o que, junto a outras medidas, possibilita o acúmulo de capital necessário ao investimento na infraestrutura demandada pela industrialização, a exemplo da construção da Companhia Hidrelétrica do Vale de São Francisco e da Siderúrgica de Volta Redonda.
Mudanças na estrutura do Estado e uma legislação paralela foram criadas para a promoção da expansão do sistema econômico em projeto, colimando na criação do Ministério do Trabalho, da Indústria e Comércio e do Ministério da Educação em Saúde.
Foram promulgadas as leis trabalhistas nesse governo, as quais estabelecem uma relação contratual entre capital e trabalho e, ao mesmo tempo, garantem certos direitos sociais aos trabalhadores. Ao mesmo tempo, promoveu-se a vinculação dos sindicatos à estrutura do Estado, com exigência de pagamento de contribuição sindical por parte dos empregados sindicalizados. O crescimento acelerado da indústria se dá à custa das condições precárias de trabalho, aumentando os riscos e problemas de saúde aos trabalhadores urbanos, piorando as condições de vida e saúde dessa população, que não contava com moradia e saneamento adequados. Dessa forma, aos problemas antigos de saúde da população (doenças crônicas e epidêmicas), acrescentaram-se outros decorrentes da inserção no processo produtivo industrial e das condições precárias no modo de viver, tais como: acidentes de trabalho, doenças profissionais, estresse,
desnutrição e verminose.
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SAÚDE COLETIVA 
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)Porém, as medidas adotadas iam em direção a manter a força de trabalho com condições de produção, valendo-se da assistência médica vinculada à Previdência Social, que, a partir de 1933, transformou o CAPS em Instituto de Aposentadoria e Pensões (IAPs). Passou-se a gestão ao Estado, sendo o seu presidente nomeado pelo Presidente da República e os representantes dos trabalhadores e patrões indicados pelos sindicatos atrelados ao poder executivo, mudando a prática da escolha por eleição direta.
O financiamento era de forma Tripartite, com participação dos empregados, empregadores e Estado, sendo este último o centralizador dos recursos financeiros.
A assistência médica, que era prerrogativa fundamental da CAPS (por meio de uma rede própria desenvolvida para esse fim), passou a ser secundária no período dos IAPs, instituto que priorizava a contenção de gastos, tendo em vista a política de acumulação do capital necessário ao investimento em outras áreas de interesse do governo.
A criação do Ministério da Educação e Saúde ocorreu em 1930, com a função de coordenar as ações de saúde pública no mesmo modelo do sanitarismo campanhista do período anterior. Essa fase correspondeu ao auge do sanitarismo campanhista na área de saúde pública, com a criação do Serviço Nacional de Febre Amarela, do Serviço de MaIária no Nordeste e da Fundação Serviço Especial de Saúde Pública (SESP).
A política de saúde adotada reforça a antiga dicotomia: as ações de caráter coletivo sob a gestãodo Ministério da Educação e Saúde (modelo sanitarismo campanhista), separadas das ações curativas e individuais, vinculadas aos IAPS, reforçando a dualidade do modelo assistencial. Destaque-se que a população de maior poder aquisitivo utilizava os serviços privados de saúde integrantes da medicina liberal crescente, enquanto a maioria da população não vinculada à previdência contava apenas com os escassos serviços públicos e com as instituições de caridade, além das práticas populares de tratamento.
Durante a Segunda Guerra Mundial, um convênio com os EUA foi feito, levando ao surgimento do SESP (Serviço Especial de Saúde Pública), o qual foi moldado tendo como base o modelo norte-americano, com foco em prevenção e atuando nas áreas em que não havia cobertura dos serviços tradicionais, como a Amazônia. A atuação nessa região era estratégica para os EUA, já que a Amazônia era a segunda maior produtora de látex do mundo, material importante para a guerra. E a Indonésia, fornecedora principal dos EUA, encontrava-se em região constantemente atacada pelos países que formavam o Eixo, os quais lutavam contra os EUA na Segunda Guerra.
1.3.4. (
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1
)Período da redemocratização ou desenvolvimentista (1945 – 1963)
O ano de 1945 foi marcado pelo fim da Segunda Guerra Mundial, com os EUA e as forças aliadas tendo saído vitoriosos sobre o fascismo e nazismo, com a derrota de Hitler. Ao mesmo tempo, os regimes ditatoriais se enfraquecem, e um clima de democratização surge no cenário mundial. Motivadas por esse clima e pela crise econômica brasileira, forças sociais, lideradas por opositores do regime, impõem a deposição do presidente Getúlio Vargas, em 29 de outubro de 1945.
Com isso, reinicia-se um período de redemocratização do País, com eleições para presidente e para a Assembleia Constituinte, seguindo-se a consolidação do populismo nacionalista, o pluripartidarismo de caráter nacional e maior efervescência nacional.
Após a eleição, inicia-se o governo de Eurico Gaspar Dutra (1946 – 1951), durante o qual é aprovada a quarta constituição, mantendo-se o regime presidencialista e os direitos trabalhistas do governo de Vargas. Ao mesmo tempo, declara-se ilegal o Partido Comunista Brasileiro, adotando-se medidas anti-inflacionárias e congelando-se o salário dos trabalhadores.
Eurico Gaspar Dutra lança o Plano Salte (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia), elaborado em 1948 e aprovado em 1950, destacando a saúde como uma das suas prioridades; porém, o plano não se consolidou na prática, já que a maior parte dos recursos foi destinada à área do transporte.
Pode-se dizer que o sanitarismo campanhista no governo de Dutra teve um caráter centralizador e autoritário. Críticas dirigidas à atuação da Fundação SESP surgem e há a proposta para a criação do Ministério da Saúde independente. Os casos de tuberculose, malária e outras doenças transmitidas por insetos reduzem devido às campanhas sanitárias.
No período de 1951 – 1954, ocorre o retorno de Getúlio Vargas por eleições diretas. Os projetos econômicos são retomados, expandindo-se a Companhia Siderúrgica Nacional, ampliando-se rodovias, criando-se usinas hidrelétricas e a Petrobrás, dentre outras medidas para garantir a infraestrutura necessária ao processo de industrialização que Getúlio desejava implementar, em uma política de caráter nacionalista.
Ao mesmo tempo, sedimenta-se o populismo como modalidade de relação entre governante e governados e que se caracteriza pela prática de contato direto com as massas populares, sem a intermediação do partido ao qual era filiado (o PTB), desqualificando a ideia de democracia representativa, em uma perspectiva de vínculo emocional com o povo para poder ser eleito e governar. Com isso, certas concessões sociais são feitas no intuito de adquirir o apoio popular para as medidas econômicas e políticas adotadas.
O Ministério da Saúde foi criado em 1953 independente à área da Educação, tendo sido destinado àquele cerca de um terço dos recursos do antigo Ministério da Educação e Saúde. Nesse período, havia dois tipos de sanitaristas com propostas distintas:
· (
SAÚDE COLETIVA 
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1
)Os que defendiam a manutenção do tradicional modelo do sanitarismo campanhista e a prática higienista da Fundação SESP.
· Os que desenvolviam a corrente de opinião do sanitarismo desenvolvimentista, sob o argumento da relação entre o nível de saúde da população e o grau de desenvolvimento econômico do País. Defendiam uma proposta de articulação das campanhas sanitárias à promoção de assistência e articulação de ações preventivas e curativas de acordo com as necessidades da população, a serem executadas em nível municipal. Porém, a atuação era limitada devido aos poucos recursos destinados à pasta, havendo, assim, pouca efetividade nas questões relativas à saúde pública brasileira.
Em 1954, Getúlio Vargas se suicida, passando a ser conhecido como o mártir do nacionalismo, herói popular e pai dos pobres.
Juscelino Kubitschek governa o País de 1956 a 1960, promovendo grandes transformações econômicas com o apoio do capital estrangeiro. Põe em ação o Plano de Metas, cujo objetivo é a construção de Brasília.
Seu governo se caracteriza pela ênfase no desenvolvimento, tendo as políticas sociais como paliativas. Nesse contexto, a saúde pública obtém modestas conquistas, enquanto os IAPS fortalecem o modelo de assistência médica curativa aos seus segurados na perspectiva de manutenção do trabalhador saudável para a produção. Aqueles que possuíam mais recursos e cuja categoria profissional exercia maior poder de pressão construíam hospitais próprios para o atendimento de seus segurados. Algumas empresas insatisfeitas com a atuação dos Institutos começaram a contratação de serviço médicos particulares, o que, mais tarde, viria a se constituir nas empresas médicas ou medicina de grupo, que terão espaço garantido na assistência previdenciária em anos seguintes. Amplia-se, assim, o modelo médico-assistencial privatista, que se tornou hegemônico dos anos 1960 aos 1980.
Segue-se um período tumultuado na política do País, com a vitória de Jânio Quadros, em 1961, e, em virtude de sua renúncia já no mesmo ano, a condução da política pelo seu vice, João Goulart, sofrendo forte oposição política da elite nacional, pelo fato de defender reformas de base e políticas sociais. A partir de uma articulação dos militares, da burguesia industrial e da elite nacional, foi planejado um golpe das forças armadas, que se concretizou no dia 31 de março de 1964, instaurando-se a ditadura militar, a qual perdurou até sua lenta, gradual e pactuada transição para o regime democrático, em 1985.
1.3.5. Período do regime militar (1964 – 1984)
Esse período perdurou por 20 anos, podendo ser dividido em três fases.
Na primeira fase (1964 – 1968), estabelecem-se eleições indiretas para presidente. Vários mandatos de parlamentares federais e estaduais são cassados. Há intervenção nos sindicatos, dentre outras medidas autoritárias e antidemocráticas.
Promoveu-se, nesse período, o processo de restauração da ordem na sociedade, entendido como repressão a qualquer discordância, modernização da estrutura econômica subordinada ao interesse do grande capital nacional e internacional, reestruturação do aparelho estatal, com a expansão de sua tecnoburocracia, levando, assim, ao desenvolvimento da industrialização, modernização e diminuição dos gastos sociais, favorecendo a acumulação capitalista.
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)Em 1974 a 1984, há abalo na política econômica, devido à crise do petróleo, recessão mundial e à redução dos empréstimos internacionais. Frente a isso, ocorre a concentração de renda nas mãos da minoria e o empobrecimento de grande parcela da população.
No campo da saúde, implantou-se, de modo gradual e intenso, um sistema de saúde caracterizado pelo predomínio financeiro das instituições previdenciárias e por uma burocracia técnica a priorizar a mercantilização da saúde. Nessa perspectiva, em 1966, promoveu-se a unificação dos Institutosde Aposentadorias e Pensões (IAPs), com a criação do Instituto Nacional de Previdência e Assistência Social (INPS), subordinado ao Ministério do Trabalho e Previdência Social, de responsabilidade pelos benefícios previdenciários e pela assistência médica aos segurados e seus familiares. A medida uniformiza os benefícios para todas as categorias, mas acaba com a gestão tripartite (trabalhadores, empregadores e União) que existia até então nos IAPs, passando o INPS a uma gestão centralizada do ponto de vista administrativo e financeiro, com fins de capitalização.
Destaque-seque, até 1964, aassistênciamédicaprevidenciáriaeraprestada, principalmente, pelos hospitais, ambulatórios e consultórios médicos da rede de serviços próprios dos Institutos, passando-se, a partir de então, à contratação prioritária dos serviços privados de saúde.
O INPS passa a ser o grande comprador dos serviços privados de saúde, o que estimula o fortalecimento do setor privado e a prática médica baseada no “lucro”.
Ao mesmo tempo, mantém-se a expansão da medicina de grupo, caracterizada pela contratação de uma empresa médica para a assistência dos empregados, os quais deixam de contribuir para o INPS.
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Nesse
 
período,
 
a
 
medicina
 
em
 
grupo
 
era
 
orientada
 
pela
 
comercialização
 
da
 
saúde e
 
pelo
 
lucro,
 
destinando-se
 
a
 
trabalhadores
 
com
 
maior
 
poder
 
aquisitivo.
)
Ocorreu, no período, uma expansão da assistência médica da previdência a partir da inclusão dos trabalhadores rurais (1971), das empregadas domésticas (1972) e dos trabalhadores autônomos (1973). A ampliação da seguridade e da assistência médica a outras categorias traz um grande impacto aos gastos da previdência, já elevados, em decorrência do modelo assistencial, da forma de contrato com as empresas privadas que favoreciam a lucratividade, além de fraudes e corrupção frequentes, com grande ônus aos cofres previdenciários.
O Ministério da Saúde, com a missão de atuação em âmbito coletivo, é deixado em segundo plano, perdendo poder e privilégios políticos. Com recursos limitados, torna-se ineficiente para enfrentar os problemas de saúde pública que se agravavam no País em decorrência das condições precárias de vida impostas à maioria da população. Os sanitaristas perdem espaço político, com consequente desvalorização do modelo sanitarista campanhista de anos anteriores. As ações de saúde pública reduzem-se ao controle e à erradicação de algumas endemias, comandadas agora pela Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM).
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)O sistema previdenciário foi desvinculado do Ministério do Trabalho, passando-se à subordinação do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), criado em 1974, o que não traz mudanças nas características dos serviços de saúde: o favorecimento do modelo clínico de caráter individual, curativo e especializado, em detrimento das ações coletivas e saúde pública; a expansão do complexo médico-assistencial privado, composto pelo hospital, pela indústria farmacêutica, por equipamentos médico-hospitalares e pela medicina de grupo; a lógica lucrativa do setor saúde; a desigualdade de acesso e diferenciação no atendimento de acordo com a clientela; além da exclusão de parcela importante da população do atendimento à saúde.
Com a criação do MPAS, também foi criado o Fundo de Apoio e Desenvolvimento Social (FAS), cujos recursos eram destinados ao financiamento da construção de hospitais. Esse Ministério elaborou o Plano Pronta Ação (PPA), que ampliava a contratação de hospitais e clínicas particulares para atendimentos de urgência a qualquer indivíduo, segurado ou não. Elevaram-se, assim, os gastos previdenciários e fortaleceu-se a dicotomia entre atenção preventiva e atenção curativa.
Com o alto custo da assistência (que é complexa, pouco resolutiva e insuficiente para a demanda), com a menor arrecadação financeira em tempos de crise econômica e com os desvios dos recursos (alimentados pela ânsia de lucro do setor privado), viveu-se um caos nos serviços públicos de saúde.
A insatisfação da sociedade aumenta, tendo em vista que a resolução dos problemas sociais por parte do Ministério da Saúde era lenta e insignificante. Com isso, movimentos sociais crescem e denunciam a ineficiência das estruturas de saúde pública previdenciária, reivindicando serviços de saúde e lutando por melhores condições de vida à população menos favorecida.
Em 1975, na V Conferência Nacional de Saúde, foi discutida a crise no setor saúde, sendo levantados os problemas da insuficiência, má distribuição e falta de coordenação dos serviços de saúde, além da inadequação e ineficácia.
Apresentou-se a proposta para a criação de um Sistema Nacional de Saúde, pela Lei 6.229, a qual definia as atribuições dos diversos Ministérios envolvidos com a questão da saúde, além das atribuições das instâncias federal, estadual e municipal. No entanto, a oposição dos empresários da saúde dificultou a regulamentação da lei, e o governo manteve sua intervenção política em alguns programas verticais, tais como: Programa Materno-infantil, Programa Nacional de Imunização, Programa Nacional de Alimentação e Nutrição (PRONAN), Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica etc.
Em 1977, efetivou-se uma nova reordenação burocrático-administrativa do sistema de saúde com a criação do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS). Tal sistema era composto pelos seguintes órgãos: Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) – direcionado para o pagamento de benefícios aos segurados; Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) – encarregado da prestação de assistência médica individual e curativa por meio dos serviços privados contratados e conveniados aos trabalhadores urbanos e rurais; Fundação Legião Brasileira de Assistência (LBA) – com a finalidade de prestar assistência à população carente; Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS); Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (DATAPREV); Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (FUNABEM); e Central de Medicamentos (CEME).
Ao mesmo tempo, a política econômica no regime militar trouxe, como consequência, a concentração de renda, arrocho salarial, redução do poder de compra do salário mínimo, aumento de preços, colapso dos serviços públicos de saúde e transporte, além de precárias condições de vida à população brasileira, o que levou ao aumento da mortalidade e de morbidade por doenças endêmicas e algumas epidemias ainda persistentes (como exemplo, cite-se o aumento da mortalidade materna, mortes por doenças cardiovasculares e neoplasias).
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SAÚDE COLETIVA 
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)A partir da Conferencia de Alma Ata, ocorrida em 1978, começa a ser difundido na América Latina e no Brasil, com apoio da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Organização Pan- Americana de Saúde (OPAS), o conceito de Atenção Primária à Saúde e os princípios da medicina comunitária, que preconizava: a desmedicalização, o autocuidado de saúde, a atenção primária realizada por não profissionais de saúde e a participação da comunidade. Há a implantação de alguns programas vinculados aos departamentos de medicina preventiva na perspectiva de formação de estudantes da área de medicina, por meio de novas práticas e novas concepções para a organização dos serviços de saúde.
O Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina levanta críticas dos problemas sanitários do País, e uma abundante produção acadêmica apresenta severas críticas ao modelo assistencial e fundamentação teórica quanto à determinação social da saúde-doença, além de alternativas para a reestruturação do sistema de saúde, partindo da concepção de saúde como direito de cidadania.
Em 1976, iniciou-se o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS) no Nordeste, até que, em 1979, teve abrangência nacional, promovendo uma grande expansão da rede ambulatorial pública, favorecendo a entrada de técnicos provenientes do movimentosanitário nos órgãos de Saúde do Estado e fazendo surgir novas experiências no campo da saúde pública.
Com a crise do regime militar, manifestações no processo eleitoral ocorrem e, em 1974, o partido MDB sai vitorioso. Cresce a redemocratização do País com a Lei da Anistia em 1977, a qual concede direito de retorno dos exilados e condenados por crimes políticos. Isso traz o fortalecimento do campo da saúde e a proposta de reformulação do setor. Gera-se o projeto denominado PREV-SAÚDE, discutido na VII Conferência Nacional de Saúde, no governo de João Figueiredo, projeto que não foi implementado devido a objeções dos dirigentes do INAMPS e à pressão dos empresários da saúde.
PREV-SAÚDE: Programa de Serviços Básicos de Saúde, que visava a uma reorientação do sistema vigente, por meio de uma integração entre dois Ministérios (da Saúde e da Previdência Social) e as Secretarias estaduais e municipais de saúde. Propunha-se à extensão da cobertura do serviço a toda a população, com ênfase na atenção primária à saúde e na participação comunitária.
O movimento social mantém-se articulado e pressiona o governo por mudanças no modelo de assistência previdenciária em crise crescente. Assim, em 1981, cria-se o Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária (CONASP), ligado ao INAMPS, o qual propõe mudanças do modelo assistencial, tendo em vista a melhoria da qualidade da atenção, a ampliação de serviços para a população urbana e rural, a descentralização e a hierarquização dos serviços de saúde por nível de complexidade. Houve a entrada de vários sanitaristas nas áreas estratégicas do INAMPS e a fiscalização das prestações de contas dos prestadores de serviços credenciados. Para combater a fraude, passaram a exercer maior influência no processo de reforma do setor da saúde, mesmo mediante a disputa com o setor privado.
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SAÚDE COLETIVA 
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)A partir do CONASP, foi possível a criação, em 1983, do Programa de Ações Integradas de Saúde (AIS). Os governos estaduais, por meio de convênios com o Ministério da Saúde e da Previdência Social, recebiam recursos que eram repassados aos municípios, possibilitando a expansão da cobertura por meio da construção de Unidades Básicas de Saúde e a contratação e capacitação de recursos humanos para os serviços de atenção básica.
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As
 
Ações
 
Integradas
 
de
 
Saúde
 
(AIS)
 
tinham
 
como
 
objetivo
 
articular
 
todos
 
os serviços
 
que
 
prestavam
 
assistência
 
à
 
saúde
 
da
 
população
 
de
 
uma
 
região
 
e
)
integrar as ações preventivas e curativas com vistas à integralidade de atenção.
Por meio dessa AIS, o INAMPS repassava 10% de sua arrecadação para as Secretarias Estaduais de Saúde, propiciando a expansão dos serviços de saúde de atenção básica.
Pode-se dizer que essa ampliação ocorre como resposta das autoridades às reivindicações dos movimentos sociais e de saúde, que foram se fortalecendo por via da organização nos diversos espaços (da Academia, do sindicalismo, das comunidades e de várias associações). Na cidade de São Paulo, a participação do movimento de saúde foi decisiva para as conquistas que sucederam na história da saúde pública brasileira nos anos 1970 e 1980. Nos últimos anos do regime militar, o Brasil estava envolto em uma grande crise econômica, caracterizada por alta inflação e forte recessão econômica. Ao mesmo tempo, a participação social aumentava, fortaleciam-se os sindicatos e a oposição política, o que culminou no Movimento das Diretas Já, resultando na Emenda Dante de Oliveira, com garantia de eleições diretas para presidente naquele ano. No entanto, não foi aprovada e, em 1985, o Colégio Eleitoral escolheu Tancredo Neves, que concorreu com Paulo Maluf para a Presidência da República.
O movimento de Saúde na cidade de São Paulo nasceu na região leste no final dos anos 1970 e se espalhou para outras regiões de maneira articulada. Era composto por moradores das periferias, em sua maioria, mulheres que lutavam pela ampliação e qualidade dos serviços de saúde nos seus bairros, por saneamento básico, creches, educação e por outras políticas públicas consideradas como direito de cidadania e dever do Estado. Tal movimento se articulou aos demais, reforçando a luta pela Reforma Sanitária Brasileira.
Com a morte de Tancredo Neves, Sarney assume o poder, iniciando-se o Período da Nova República, em que novas conquistas foram obtidas pelo movimento da Reforma Sanitária e com o apoio de parlamentares, movimentos de saúde, trabalhadores da saúde, acadêmicos e entidades como CEBES e ABRASCO. Essas entidades foram fundamentais na politização, divulgação de conhecimentos, críticas e experiências inovadoras na área da saúde, propostas pela articulação da sociedade com vistas a mudanças na esfera sanitária, fortalecendo a proposta da Reforma Sanitária em construção ao longo dos anos 1970 e 1980.
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SAÚDE COLETIVA 
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)O Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (CEBES) foi criado em 1976, sendo que, por meio da Revista de Saúde em Debate, manteve -se um espaço para a divulgação dos problemas de saúde brasileiros, de crítica e propostas para a reforma do sistema de saúde. Já a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO), criada em 1979, atuava na formação de profissionais com ênfase na saúde coletiva e articulação com a sociedade organizada e com o poder público para a reorganização das políticas públicas de saúde.
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Sugere-se a leitura do texto A questão democrática na área da saúde, disponível no link
https://cutt.ly/0tZsRBf
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1.3.5.1. Reforma sanitária
A Reforma Sanitária refere-se ao projeto articulado ao longo dos anos 1970 e 1980 no Brasil, na perspectiva de reformulação do sistema de saúde, que acentuou, no período do regime militar, a sua característica de assistência médica curativa fortemente vinculada ao setor privado e lucrativo, eminentemente excludente, curativo, pouco resolutivo e dispendioso.
O projeto preconizava a criação de um sistema único de saúde, acabando com o duplo comando do Ministério da Saúde e do INAMPS, os quais executavam ações de saúde em perspectivas antagônicas.
A defesa desse projeto era encaminhada pelo movimento sanitário, que acumulava sanitaristas comprometidos com as mudanças do sistema de saúde e diversos atores sociais, dentre os quais lideranças populares, trabalhadores, sindicatos, parlamentares de esquerda, intelectuais, estudantes da saúde e entidades como CEBES e ABRASCO. Todos em luta contra as condições precárias de vida da população, contra as iniquidades do sistema de saúde, com vistas ao reconhecimento da saúde como direito social a ser garantido pelo Estado.
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)Esse projeto, cujo desenho e conteúdo consolidaram-se gradativamente ao longo do tempo, preconizava a transformação da relação entre Estado e sociedade, com clara defesa da participação social de forma institucionalizada nos rumos da política de saúde e pela construção da cidadania. Como ambição, tinha a universalização do direito à saúde, compreendida como qualidade de vida, e um modelo de atenção com ênfase na integralidade.
Nos anos 1980, o movimento sanitário usou como tática a ocupação dos espaços institucionais e a formulação e implementação de políticas de saúde frente à crise do INAMPS, o que propiciou o surgimento de alguns programas de expansão dos serviços e sua descentralização, como as Ações Integradas de Saúde – AIS (1983) – e o Sistema Unificado e Descentralizado da Saúde – SUDS (1987).
Teve como momento expressivo a realização da Vlll Conferência Nacional de Saúde, em 1986, oportunidade em que se debateu a mais completa reforma do setor saúde, com vistas à sua inscrição na Constituição Federal. Embora a maior parte das propostas discutidas e encaminhadas pelo movimento da Reforma Sanitária tenha sido inscrita no capítulo da saúde da nova Constituição em 1988, a reforma não se encerra nesse ato, uma vez que encaminhamentos para a devida implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) encontraram barreiras estruturais

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