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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA CURSO DE PSICOLOGIA FLORA DIMITRIA MELO OLIVEIRA - 2114474 JOÃO HENRIQUE LIMA FARIAS - 2114528 MARYANE ELLEN MEDEIROS SILVA - 2114535 VICTORIA DINIZ DOS SANTOS - 2118201 AV2 – TEORIAS II RESENHA: VISITA AO ESPAÇO CULTURAL Fortaleza 2021 O autor e pintor Salvador Dalí nasceu em Figueres, Espanha, em 1904. Realizou seus estudos em uma simples escola municipal até ingressar no Instituto de Figueres, onde teve oportunidade de ser aluno de desenho sob a orientação de Juan Núñes Fernández, um personagem que se fez relevante ao acreditar no talento de Dalí. Em 1924, Dalí vivia em um ambiente carregado das ideias de Sigmund Freud, justo no momento da conferência sobre o surrealismo na Espanha (CASTIGLIONI, 2012). Segundo o Manifesto Surrealista de 1924, o surrealismo era: SURREALISMO, s.m. Automatismo psíquico puro pelo qual se propõe exprimir, seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de todo controle exercido pela razão, fora de toda preocupação estética ou moral. (BRETON, 1924, p. 11). Dalí demonstrou profundo interesse pelo movimento surrealista em 1927, quando começou a trazer aspectos oníricos em seus poemas, além de sua preocupação em quebrar normas, princípios e leis naturais, e que se alimenta de todas as formas do arbitrário e do absurdo (CASTIGLIONI, 2012). Dom Quixote de La Mancha é uma obra do escritor espanhol Miguel de Cervantes que obteve grande êxito quando publicada. O livro narra as aventuras de Dom Quixote, um homem de meia idade que após ler diversos romances de cavalaria, decide tornar-se cavaleiro andante para lutar e provar seu amor por Dulcinéia de Toboso, uma mulher imaginária. Com uma mistura de fantasia e realidade, Dom Quixote narra suas aventuras contra exércitos e monstros imaginários, sendo derrotado diversas vezes, mas sempre recuperando-se e insistindo em seus objetivos. Em 1945, Salvador Dalí decide, sob a influência de seu pai, tecer ilustrações para esse clássico da literatura. O pintor acaba por criar diversos quadros que passaram a compor diversas edições posteriormente publicadas. O movimento surrealista, ao valorizar a imagem, ampliou as potencialidades do livro ilustrado. Os artistas do movimento tanto ilustraram seus contemporâneos quanto seus antecessores, onde viam propostas de valores revolucionários. (LINARDI, 2007) O surrealismo objetivava transportar o leitor para uma nova realidade, desprendendo- se das maneiras tradicionais e abolindo processos miméticos. A primeira edição ilustrada por Dalí foi publicada em 1946, com 38 pranchas e cinco desenhos acompanhando a primeira parte da obra. Cada edição de Dom Quixote é diferente da outra, e Dalí não fixa um local específico do texto onde suas figuras encaixam-se, deixando os editores colocarem as gravuras como achassem convenientes. O principal objetivo dessa estratégia é possibilitar que o leitor possa fazer uma livre associação das imagens com o texto, uma vez que remetem a todos os momentos. Dessa forma, Dalí não propõe uma ilustração no sentido convencional, reivindicando às suas imagens o mesmo grau de independência que o texto possui. O pintor quer que cada leitor seja livre para montar o seu próprio filme, onde a gravura de Dom Quixote em seu cavalo não retrata uma cena específica, mas sim todas as cenas onde o protagonista está montado em seu pangaré. Ao criar a psicanálise, Freud, realiza a terceira ferida ao narcisismo humano. Retirando o homem do seu local de privilégio de conhecedor da verdade, afirmando que o ser humano é movido por forças que sua razão desconhece. A essa força damos o nome de inconsciente. Freud estabeleceu o inconsciente, ponto central da psicanálise, como um lugar na psique. Sendo este comandado por uma energia denominada livre e pelo princípio do prazer. O inconsciente, então, tem o objetivo de satisfazer seus desejos, de chegar ao objeto da pulsão, e descarregar a tensão do aparelho psíquico. No entanto, o ser humano não aguentaria quebrar a barreira que existe entre consciente e inconsciente, para satisfazer totalmente tais desejos. O que impede, então, que o conteúdo do Ics (inconsciente) passe livremente para o Cs (consciente), é o recalcamento. Somente pode-se ter acesso ao inconsciente através de sua manifestação na consciência. O Ics, com seus traços inscritos, desde que nascemos, é dito como a parte mais arcaica do aparelho psíquico. Como apontado por Juan Carlos Kusnetzoff, em seu livro de 1982 “Introdução à psicopatologia psicanalítica”: Trata-se da parte mais arcaica do aparelho psíquico, estudando-se nela as representações chamadas “representações de coisa”. (...) O inconsciente contém “representações de coisas”, que são fragmentos de reproduções de antigas percepções. Essas representações estão dispostas como uma sucessão de inscrições, que são como uma espécie de arquivo sensorial. (...) São as coisas, reduzidas a seus traços constitutivos essenciais, tal como se inscreveram, numa época em que não existiam palavras para designá-las. (...) Daí que o conjunto de representações inconscientes forma verdadeiros fantasmas, carregados de energia proporcionada pelas pulsões. (p. 123, 124) Dessa forma, o inconsciente nos acompanha desde que passamos a existir fora da barriga de nossa mãe, os sentidos se manifestam e criam inscrições, traços mnêmicos, que ao adquirir a linguagem, e dependendo da fase de nossas vidas, vão se acumulando com novas inscrições. A arte, por sua vez, é um grande traço de representação do inconsciente e da psicanálise. Freud já dizia que o estilo de escrita de seus relatos clínicos se aproximava de romances, não porque o mesmo queria que fosse assim, e sim porque a natureza do objeto de estudo demanda um detalhamento das nuances da vida psíquica em sua história e significado, do que apenas as descrições das doenças da ciência psiquiátrica, que não incluíam a singularidade do sujeito. Temos também o fato relevante de que a construção do pensamento freudiano se faz acompanhar das rememorações de experiências autobiográficas do próprio Freud, e aí reside sua originalidade, em sua autoanálise, o que provoca a quebra do dualismo entre ficção e realidade e confunde, por meio de uma nova junção, as fronteiras entre ficção e biografia. (PASTORE, 2009) Freud nos diz, em seu texto O inconsciente, que podemos perceber nossas emoções, porém pouco sabemos sobre elas. O sentimento ao se deparar com a arte é próximo a esse, no entanto ela só terá significado a partir de uma elaboração da mesma e será diferente para cada indivíduo. Outro ponto forte é a sublimação, que consiste no desvio do objeto da pulsão, para satisfazer as pulsões sexuais e polimorfas. Esse desvio normalmente tem como alvo as artes, onde os artistas se expressam livremente e fazem desta prática o objeto de suas pulsões. (PASTORE, 2009) Temos no surrealismo a grande presença do inconsciente e da psicanálise, pois este movimento, em sua primeira colocação, demonstrava o destronamento do Eu desse lugar de privilégio e controle da consciência, abordando temas como o fortalecimento do inconsciente, do Isso fala. Salvador Dali, autor surrealista, no entanto, buscava o fortalecimento do Eu e o questionamento da realidade. Lúcia Grossi dos Santos apresenta a explicação deste pensamento em seu artigo denominado “Surrealismo e psicanálise: o inconsciente e a paranoia”: Dali propõe o fortalecimento justamente do Eu, o irracional que se trata de alcançar é o irracional concreto, aquele que se apoia num sistema de razões, a razão paranoica. Este irracional não seria o mesmo dos estados delirantes do sonho e do automatismo. A irracionalidade concreta defendida por Dali não está em antinomiacom a consciência, mas ao contrário, ela é uma espécie de “hiperconsciência”. (p.9) Para Dali o que importava era a interpretação das imagens, que seria diferente para cada indivíduo, simbolizando, assim, os desejos de cada um. Imagens são criadas a partir de lembranças, das inscrições feitas em nosso inconsciente. Na obra de Salvador Dali, chamada “Dom Quixote”, o mesmo desenvolveu imagens que tinham suas formas modificadas a cada quadro, para simbolizar a história de Dom Quixote. É possível perceber as marcas do inconsciente, na mudança das formas, na expressão que Dali coloca em cada quadro. Sendo estes o seu objeto de pulsão relacionados a sua arte e ao forte desejo da compreensão e impacto das imagens. Alessandra Marinho Bouty apresenta tais mudanças no seguinte trecho retirado de seu artigo chamado “ILUSTRAÇÕES LITERÁRIAS: a fala das imagens em Dom Quixote de Miguel de Cervantes por Jean Mosnier, Gustave Doré e Salvador Dali”: Os moinhos de Dali são, efetivamente, gigantes e ora surgem enterrados no arcabouço vazio da mente de Quixote, ora com as pás sustentadas pelos ossos dos inúmeros cavaleiros que derrotaram; os devaneios de Quixote literalmente saem de sua cabeça e se jogam pelo ar; os carneiros das nuvens turbulentas enxergadas pelo personagem são vistos nos cortes feitos por Dalí em uma cabeça alongada e esvaziada de madeira (metáfora sutil para a expressão “cabeça de vento”, talvez?); o corpo do cavaleiro se decompõe, como se decompõe sua sanidade, desenhado ao lado de um Sancho entre incrédulo e alheio. O sonho, o delírio e a confusão mental do cavaleiro andante são expressos em Salvador Dalí. (p. 9) Dessa forma, podemos pensar que Salvador Dali, sublimou o seu desejo inconsciente de ser visto, de ser diferente dos demais autores do movimento surrealista e da valorização do seu Eu, posto em cima das únicas formas de seu trabalho nesta obra e das diferenças marcantes em cada uma delas. Os sonhos, outro aspecto da teoria Freudiana sobre o inconsciente, sempre foram objetos de curiosidade. O que são? São algo premonitório ou mítico? Sabe-se, hoje, que são fenômenos psíquicos produzidos durante o sono. Em outras palavras, os sonhos são realizações de um desejo reprimido, distorcido do inconsciente, ao qual o sonhador atribui sentido. São o caminho pelo qual, através dos estudos psicanalíticos, pudemos iniciar a compreensão do funcionamento do inconsciente, sendo o ponto de articulação entre o normal e o patológico. É possível entender que o sonho funciona como um alívio ao inconsciente, porém, de uma forma que não atinja tão negativamente o consciente. Devido à essa necessidade de adaptação, os sonhos apresentam deformações, por efeito da censura. Essa deformação tem como objetivo proteger o sujeito do caráter ameaçador do desejo do inconsciente. E como ocorre a construção do sonho no inconsciente? Inicialmente, como abordado acima, é necessário que ocorra a transformação do sonho em sua forma original, conhecida como latente, para a forma cabível do mesmo – o sonho manifesto. Essa distorção é chamada de elaboração onírica. Sabendo-se que o sonho manifesto deve ter um conteúdo menor que o do conteúdo latente, temos o conceito de condensação. Na condensação, ocorre a omissão de determinados elementos para que outros possam aparecer, ocorrendo a combinação de vários elementos em um único. Outra forma de construção do sonho é através do deslocamento, consistindo na substituição de um elemento crucial por um sem importância, objetivando descentralizar a atenção. Um outro mecanismo rico para o sonho, e que é crucial para expressão artística dos mesmos, é o da figurabilidade. Nele, ocorre a seleção e transformação dos pensamentos do sonho em imagens, sendo um dos grandes responsáveis pela distorção resultante da elaboração onírica. Até aqui pode-se perceber que o próprio sistema psíquico trabalha para que o sonho tenha o caráter insano e confuso que conhecemos pelas nossas vivências. A exploração do sonho pode ir além da citada acima, tomando também caminhos artísticos, seja com a utilização dos sonhos como base criativa para a arte, seja como uma forma de interpretação para além da convencional com o analista. O movimento surrealista o qual Salvador Dalí está inserido traz fortemente o conceito onírico, ao apresentar telas com imagens de objetos fundindo-se uns com os outros – como na condensação – e apresentando novas percepções e novos pontos de vistas para o que é visto – como no deslocamento. Os conceitos apresentados para descrever os sonhos possuem claro entrelaçamento com a forma de expressão artística de Dali. Em suas ilustrações sobre Dom Quixote, Dali nos apresenta algo como o sonho dentro do sonho. Nas imagens, o espectador sente estranhamento e o ímpeto de necessidade de que ocorra uma interpretação do que está vendo, atiçando curiosidade. Assim como no escrito de Miguel de Cervantes, as imagens e os sonhos são caminhos anacrônicos de expressão, não seguindo as regras e os tempos do consciente. (BOUTY, 2019) Durante a análise é possível buscar uma atribuição de sentido aos sonhos, sabendo-se que o que é interpretado dos sonhos é o seu relato, e não o sonho em si. A busca pela interpretação do sonho faz o caminho da volta ao trabalho que a elaboração onírica executa. Há formas de buscar essa compreensão e Freud, em sua grande obra sobre o assunto – A interpretação dos Sonhos – aborda dois desses caminhos: o método da interpretação simbólica, que consiste na substituição do sonho inteiramente por um compreensível e inteligível; e o método da decifração, que considera o sonho parte a parte, buscando decifrar cada uma delas. Quando se vê o sonho sob a perspectiva artística, como para Dali e para Cervantes, é possível encontrar o valor sensível do mesmo. Para além de uma atribuição de sentido, há a valorização do sonho por si só. REFERÊNCIAS AVERSA, P.C. O trabalho do sonho na poética. Ágora (Rio J.), Rio de Janeiro, v.21, n.1, p. 127-137, 2018. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516- 14982018000100127&lng=en&nrm=iso. Acesso em 11 de maio de 2021. BOUTY, A.M. Ilustrações literárias: a fala das imagens em dom quixote de miguel de cervantes por jean mosnier, gustave doré e salvador dali. 2019. 11 f. Tese - Curso de Letras, Ufc, Fortaleza, 2019. BRETON, A. Manifestos do Surrealismo. Rio de Janeiro: Nau Editora,2004. CASTIGLIONI, R.D.M. Salvador Dalí: pintor e escritor. Porto Alegre, v. 45, n. 2, p. 123- 140, 27 mar. 2013. CORDEIRO, E.F. O inconsciente em Sigmund Freud. Psicologia.Pt: O Portal dos Psicólogos, Coronel Fabriciano, 26 jan. 2014. KUSNETZOFF, J.C. Introdução à psicopatologia psicanalítica. Buenos Aires: Nova Fronteira, 1982. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982018000100127&lng=en&nrm=iso http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982018000100127&lng=en&nrm=iso LINARDI, A.B.A. VT PICTVRA POESIS: Dom quixote e Dalí. 2007. 163 f. Tese (Doutorado) - Curso de Educação, Unicamp, São Paulo, 20017. PASTORE, J.A.D. A arte do inconsciente. Cienc. Cult., São Paulo, v. 61, n. 2, p. 20-24, 2009. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009- 67252009000200009&lng=en&nrm=iso . Acesso em 11 de maio de 2021. SANTOS, L.G. Surrealismo e psicanálise: o inconsciente e a paranoia. Revista do Programa de Pós-graduação em Estética e Filosofia da Arte da UFOP, Ouro Preto, v. 23, n. 1, p. 178- 191, maio 2017. http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252009000200009&lng=en&nrm=iso http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252009000200009&lng=en&nrm=iso
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