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SUMÁRIO LEI nº 12.850/13 (LEI DAS ORCRIM) .............................................................................................. 2 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 2 contexto histórico .......................................................................................................................... 2 CONVENÇÃO DE PALERMO ................................................................................................... 2 CONCEITO ...................................................................................................................................... 3 conceito legal ................................................................................................................................ 3 quantidade de integrantes ............................................................................................................. 4 associação estruturalmente ordenada com divisão de tarefas ....................................................... 5 INFRAÇÕES PENAIS COM PENAS MÁXIMAS SUPERIORES A 04 ANOS OU DE CARÁTER INTERNACIONAL .................................................................................................. 6 OUTRAS HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DA LEI Nº 12.850/13 ................................................. 7 tipo penal .......................................................................................................................................... 8 características ................................................................................................................................ 8 forma equiparada .......................................................................................................................... 8 causas de aumento de pena ............................................................................................................... 9 art. 2º, §2º ...................................................................................................................................... 9 art. 2º, §4º ...................................................................................................................................... 9 DISPOSIÇÕES GERAIS ............................................................................................................... 10 EFEITO DA CONDENAÇÃO – art. 2º, §6º .............................................................................. 10 participação de policiais ............................................................................................................. 11 lei nº 13.964/2019 (pacote anticrimes) ....................................................................................... 12 DA INVESTIGAÇÃO E DOS MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA ....................................... 12 meios de obtenção de prova ........................................................................................................ 12 COLABORAÇÃO PREMIADA .................................................................................................... 13 conceito ....................................................................................................................................... 13 A COLABORAÇÃO PREMIADA em outras leis ..................................................................... 13 natureza jurídica .......................................................................................................................... 14 TRATATIVAS INICIAIS .......................................................................................................... 15 DOS DEVERES DO COLABORADOR ................................................................................... 17 BENEFÍCIOS PARA O COLABORADOR .............................................................................. 18 não oferecimento da denúncia .................................................................................................... 19 LEI Nº 12.850/13 (LEI DAS ORCRIM) INTRODUÇÃO CONTEXTO HISTÓRICO O avanço dos instrumentos de persecução penal, tanto do ponto de vista tecnológico, quanto de investimento na repressão ao crime, exigiu que a criminalidade buscasse a sofisticação dos esquemas criminosos. Dito de outra forma, os criminosos viram a necessidade de estruturar, de forma organizada, as atividades criminosas com o objetivo de escapar da punição estatal e auferir maiores lucros de suas práticas ilícitas. Hoje, não é possível conceber, por exemplo, crimes de alta corrupção sem que haja a atuação coordenada de diversos agentes nos mais variados segmentos da sociedade (ala política, empresarial e agentes públicos). Aliás, a globalização e o avanço da tecnologia de comunicação foram importantes fatores para que a criminalidade ganhasse proporções transnacionais. É nesse contexto que surgiu a necessidade de uma legislação penal específica ao combate das chamadas organizações criminosas (ORCRIM). CONVENÇÃO DE PALERMO Antes do advento da Lei nº 12.850/13, não havia no Brasil um diploma legal que cuidasse especificamente sobre as organizações criminosas. Na realidade, sequer havia um conceito legal de ORCRIM. Naquela época, cabia à Convenção de Palermo, tratado internacional que o Brasil é signatário, conceitua a ORCRIM nos seguintes termos: Art. 2º, C: grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material; Apesar disso, por conta do princípio da legalidade, havia uma grande polêmica acerca da possibilidade de um tratado internacional ser apto a tipificar uma conduta como crime. A corrente majoritária e, inclusive, encampada pelos Tribunais Superiores era firme em negar a tipicidade penal à definição de ORCRIM dada pela Convenção de Palermo. Portanto, é possível afirmar que antes da Lei nº 12.850/13 não havia o crime de pertencer à organização criminosa. DÚVIDA: É possível criminalizar uma conduta por meio de tratado internacional? A resposta é NÃO. Em recente decisão do STJ (Info 659), firmou-se a tese de que a tipicidade exige a existência de lei em sentido formal, ou seja, que obedeça ao processo legislativo para a criação de lei. CONCEITO CONCEITO LEGAL A organização criminosa tem seu conceito legal disposto no art. 1º, §1º, da Lei nº 12.850/13. § 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. Nesse sentido, os requisitos legais para a ORCRIM são: LEI EM SENTIDO ESTRITO Critério material (conteúdo) Critério formal (processo legislativo) QUANTIDADE DE INTEGRANTES Afastando-se do conceito apresentado pela Convenção de Palermo, a Lei nº 12.850/13 exige a participação de, no mínimo 04 integrantes. É importante observar que uma distinção marcante entre a ORCRIM e a associação criminosa (CP, art. 288) reside, exatamente, na quantidade de integrantes. Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. Dessa forma: DÚVIDA: É necessário que os integrantes sejam culpáveis? O tema é polêmico. ORCRIM 04 ou mais pessoas Associação estruturalmente ordenada comdivisão de tarefa Infrações penais com penas máximas superiores a 04 anos ou de caráter transnacional ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA 04 ou mais integrantes ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA 03 ou mais integrantes Contudo, a corrente majoritária afirma que não é necessário que os integrantes da ORCRIM sejam todos culpáveis, para fins de preenchimento do requisito quantitativo. Nesse sentido, verificado que a organização criminosa conta com mais de 04 integrantes, considera-se preenchido o requisito do art. 1º, §1º, da Lei nº 12.850/13. ASSOCIAÇÃO ESTRUTURALMENTE ORDENADA COM DIVISÃO DE TAREFAS MUITO IMPORTANTE A associação estruturalmente ordenada com divisão de tarefas é a característica mais marcante das ORCRIM. Assim como ocorre em uma associação criminosa (CP, art. 288), a ORCRIM exige o binômio denominado estabilidade e permanência, do contrário, seria apenas uma hipótese de concurso de pessoas. Contudo, o art. 1º, §1º, da Lei nº 12.850/13 vai além (da estabilidade e permanência) e afirma que tal associação deve ser estruturalmente ordenada com divisão de tarefas, ou seja, trata-se de uma espécie particular de estabilidade e permanência. SITUAÇÃO HIPOTÉTICA: “A” é o líder de um grupo criminoso que é especializado em fraudar licitações na área da saúde. Além de controlar um grupo de empresários do ramo de fornecimento de insumos hospitalares, “A” é responsável pelo pagamento de propinas aos agentes públicos responsáveis pela licitação e fiscalização do contrato administrativo. No exemplo acima, é possível afirmar que tal grupo criminoso é classificado como uma organização criminosa, já que, além da existência de uma estrutura hierarquizada, há divisão de tarefas, existindo, inclusive, um núcleo econômico e outro formado por agentes públicos. A título de curiosidade, em minha atuação como Delegado de Polícia Federal, quando verifico a existência de infração penal que envolva a pluralidade de agentes ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA Estabilidade e permanência Estruturalmente ordenada e com divisão de tarefas ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA Estabilidade e permanência (notadamente, quando há 04 ou mais integrantes), sempre busco, inicialmente, verificar se estão presentes os requisitos da ORCRIM. O motivo é simples. Os requisitos da ORCRIM são mais específicos do que a associação criminosa (CP, art. 288), além de cominar pena mais grave. Outro motivo, porém, de ordem prática é a tipificação penal da conduta do agente que embaraça a investigação de ORCRIM (Lei nº 12.850/13, art. 2º, §1º), que não possui correspondente no Código Penal. Assim, caso um envolvido embaraçasse a investigação policial (o que sempre acontece), eu conseguiria, facilmente, uma medida cautelar, inclusive, uma prisão preventiva. Contudo, se não for possível enquadrar o grupo criminoso na definição legal de organização criminosa, eu busco a “segunda opção”: associação criminosa (CP, art. 288). Se presentes apenas os requisitos de estabilidade e permanência, a imputação é feita nesse tipo penal. Além de “pesar” no total da pena, possibilitando, por exemplo, o preenchimento do requisito legal da prisão preventiva de pena superior a 04 anos, o fato de ser cominada a pena de reclusão, “facilita” o requisito legal da interceptação telefônica (crime apenado com reclusão) para os crimes licitatórios (Lei nº 8.666/93), cujas penas são de detenção. Por fim, se ausentes até mesmo a estabilidade e permanência, é a hipótese de mero concurso de pessoas, circunstância que, no máximo, leva à modalidade qualificada de determinados tipos penais. INFRAÇÕES PENAIS COM PENAS MÁXIMAS SUPERIORES A 04 ANOS OU DE CARÁTER INTERNACIONAL A Lei nº 12.850/13 exige o preenchimento alternativo de um dos seguintes requisitos: Dessa forma, percebe-se que a caracterização de uma ORCRIM exige que os ilícitos praticados sejam de natureza grave (pena máxima superior a 04 anos) ou que tenham caráter transnacional. Caso preenchido o requisito de “caráter transnacional”, não é necessário que os crimes praticados tenham pena máxima superior a 04 anos. OUTRAS HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DA LEI Nº 12.850/13 A Lei nº 12.850/13 admite sua incidência para hipóteses em que infração penal não se relaciona às organizações criminosas. Nesse sentido, nos termos do art. 1º, §2º: § 2º Esta Lei se aplica também: I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; II - às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos. Assim: ORCRIM Prática de infrações penais com pena máxima superior a 04 anos Caráter transnacional Ø Crimes à distância: são aqueles em que o iter criminis alcança mais de um país, por exemplo, um policial federal, em zona de fronteira, é alvejado no estrangeiro, mas falece em um hospital no território brasileiro; É importante esclarecer que nesses casos a Lei nº 12.850/13 será aplicada, independentemente, da verificação de existência de uma ORCRIM, ou seja, será possível utilizar todos os meios de obtenção de prova, tal qual a colaboração premiada, ação controlada, etc. TIPO PENAL O art. 2ª, caput, da Lei nº 12.850/13 apresenta o crime de constituir, financiar ou integrar uma organização criminosa: Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. CARACTERÍSTICAS Trata-se de infração penal classificada como tipo misto alternativo de forma que a prática de mais de um núcleo do tipo penal configura crime único. Ademais, é espécie de crime formal, não se exigindo a efetiva prática de infrações penais pela ORCRIM para a consumação do crime. FORMA EQUIPARADA O art. 2º, §1º, da Lei nº 12.850/13 apresenta a forma equiparada: § 1o Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. LEI Nº 12.850/13 Crimes à distância Organizações terroristas A forma equiparada prevista no art. 2º, §1º, serve como importante instrumento para coibir a conduta de indivíduos que, mesmo sem pertencer à ORCRIM, embaraçam a investigação do grupo criminoso. CAUSAS DE AUMENTO DE PENA ART. 2º, §2º O art. 2º, §2º, da Lei nº 12.850/13, tem a seguinte redação: Art. 2º, § 2º As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo. Dessa forma: ART. 2º, §4º O art. 2º, §4º, da Lei nº 12.850/13, tem a seguinte redação: Art. 2º, § 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços): I - se há participação de criança ou adolescente; II - se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal; III - se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior; IV - se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes; V - se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização. Dessa forma: Aumento até a metade Emprego de arma de fogo DISPOSIÇÕES GERAIS EFEITO DA CONDENAÇÃO – ART. 2º, §6º O art. 2º, §6º, da Lei nº 12.850/13, tem a seguinte redação: Art. 2º, § 6º A condenação com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes aocumprimento da pena. Assim, além de perder o cargo público que atualmente ocupa, o funcionário público condenado por integrar uma ORCRIM ficará impedido de exercer outra função ou cargo público pelo prazo de 08 anos subsequentes ao cumprimento da pena. Aumento de 1/6 a 2/3 Participação de criança ou adolescente Participação de funcionário público Destinção do produto do crime ao exterior Conexão entre ORCRIM independentes Transnacionalidade da ORCRIM DÚVIDA: A perda do cargo público em razão da condenação por integrar ORCRIM configura efeito automático da decisão judicial? A resposta, apesar de polêmica, é SIM. Em regra, a perda do cargo público não configura efeito extrapenal automático da condenação (CP, art. 92, I). Contudo, uma exceção pacificamente reconhecida pela jurisprudência e doutrina é a condenação decorrente do crime de tortura (Lei nº 9.455/97). Em relação à Lei nº 12.850/13, não há consenso acerca da perda automática do cargo público, apesar de ser essa a posição adotada pelo CESPE e por parte da doutrina1. (CESPE/2020 – MPE-CE – Analista) A respeito de aspectos penais da Lei de Licitações e Contratos (Lei n.º 8.666/1993), da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei n.º 9.613/1998) e da Lei de Organização Criminosa (Lei n.º 12.850/2013), julgue o item seguinte. A perda do cargo público constitui efeito automático extrapenal da condenação transitada em julgado por crime de organização criminosa praticado por servidor público. RESPOSTA: Certo. PARTICIPAÇÃO DE POLICIAIS O art. 2º, §7º, da Lei nº 12.850/13, tem a seguinte redação: Art. 2º, § 7º Se houver indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta Lei, a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito 1 HABIB, Gabriel. Leis Penais Especiais. Vol. Único. 11ª Edição. 2019, pág. 876. EFEITO DA CONDENAÇÃO Perda do cargo público Interdição por 08 anos policial e comunicará ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão. O dispositivo legal disciplina a participação de policiais na ORCRIM, hipótese em que o Ministério Público deverá designar um membro para acompanhar a investigação policial. LEI Nº 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIMES) IMPORTANTE: ALTERAÇÃO LEGISLATIVA (LEI Nº 13.964/2019) A Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrimes) inseriu os §§ 8º e 9º ao art. 2º, nos seguintes termos: Art. 2º, § 8º As lideranças de organizações criminosas armadas ou que tenham armas à disposição deverão iniciar o cumprimento da pena em estabelecimentos penais de segurança máxima. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 9º O condenado expressamente em sentença por integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio de organização criminosa não poderá progredir de regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros benefícios prisionais se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) Em relação ao §8º, há previsão de cumprimento da pena em estabelecimentos penais de segurança máxima para as lideranças das ORCRIM que se utilizem de armas. Por outro lado, no art. 2º, §9º, a manutenção do vínculo associativo do condenado com a ORCRIM leva à proibição de benefícios penais como a progressão de regime e o livramento condicional. DA INVESTIGAÇÃO E DOS MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA O art. 3º da Lei nº 12.850/13 apresenta um rol de meios de obtenção de prova admitidos na persecução penal: Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: I - colaboração premiada; II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos; III - ação controlada; IV - acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais; V - interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica; VI - afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica; VII - infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11; VIII - cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal. COLABORAÇÃO PREMIADA IMPORTANTE: ALTERAÇÃO LEGISLATIVA (LEI Nº 13.964/2019) CONCEITO A colaboração premiada ocorre quando o investigado/acusado, além de confessar a prática do delito, resolve colaborar com a elucidação dos fatos, fornecendo informações relevantes que irão auxiliar, efetivamente, na colheita de provas contra os demais envolvidos e, em contrapartida, recebe benefícios penais e processuais. A COLABORAÇÃO PREMIADA EM OUTRAS LEIS É importante ressaltar que a colaboração premiada não foi um instituto criado pela Lei nº 12.850/13. Nesse sentido, outras leis penais já trataram sobre a colaboração premiada, por exemplo, destacam-se: O investigado/acusado confessa a prática do delito O investigado/acusado apresenta informações relevantes O investigado/acusado recebe benefícios penais e processuais • Lei de Lavagem de Capitais (Lei nº 9.613/98); • Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06); • Lei de Crimes contra a Ordem Tributária (Lei nº 8.137/90); • Código Penal; Em relação ao Código Penal, a colaboração premiada é prevista para o crime de extorsão mediante sequestro (CP, art. 159, §4º). Art. 159, § 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços. (Redação dada pela Lei nº 9.269, de 1996) DÚVIDA: E por que a Lei nº 12.850/13 é tão importante para a colaboração premiada e por que o instituto foi tão utilizado a partir de sua promulgação? Na realidade, o grande mérito da Lei nº 12.850/13 foi tratar do instituto da colaboração premiada de forma mais detalhada, inclusive, descrevendo o procedimento de celebração do acordo. NATUREZA JURÍDICA Inicialmente, cumpre salientar que natureza jurídica é a “espécie” de determinado instituto dentro do Direito, ou seja, nada mais é do que uma forma de classificar algo no mundo jurídico. Por exemplo, a natureza jurídica da legítima defesa é de causa de exclusão da ilicitude (CP, art. 23). Com o advento do Pacote Anticrimes, a natureza jurídica da colaboração premiada tornou-se prevista em lei, nos termos do art. 3º-A da Lei das ORCRIM: Art. 3º-A. O acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) Dito isso, a natureza jurídica da colaboração premiada é de MEIO DE OBTENÇÃO DE PROVA. DÚVIDA: Existe diferença entre meio de prova e meio de obtenção de prova? Sim, e muita! Meio de prova é algo que serve ao convencimento do juiz, como exemplo, o depoimento prestado por uma testemunha ou um laudo pericial. Por outro lado, o meio de obtenção de prova é o método empregado para alcançar os elementos de prova, por exemplo, uma interceptação telefônica que, se frutífera, tratará informações relevantes ao conhecimento do juiz. Assim, quando se afirma que a colaboração premiada é meio de obtenção de prova, quer dizer que ela não prova nada! Trata-se, apenas, de uma técnica para se obter provas. DÚVIDA: Então, se o colaborador não comprovar por meio de outros elementos o que informou aos órgãos de investigação/acusação no acordo de colaboraçãopremiada, não é possível condenar o delatado? Isso mesmo! Como a colaboração premiada é apenas um meio de obtenção de provas, as informações apresentadas pelo colaborador não são aptas, por si só, a embasar uma condenação penal. Assim, todas as informações prestadas pelo colaborador deverão ser corroboradas por outros elementos de informação capazes de ratificar aquilo que foi apresentado na oitiva daquele. DÚVIDA: O delatado pode impugnar o acordo de colaboração premiada celebrado por terceiro colaborador? A resposta é, em regra, NÃO. Por se tratar de um negócio jurídico personalíssimo, firmado entre o colaborador e os órgãos de investigação/acusação, os efeitos são entre as partes envolvidas. Contudo, caso a homologação do acordo de colaboração premiada não respeitar a prerrogativa de foro, será possível a impugnação pelo delatado. SITUAÇÃO HIPOTÉTICA: “A”, parlamentar federal, foi delatado em colaboração premiada homologada pelo juiz de 1ª instância. Nesse caso, “A” poderá impugnar a homologação em razão da incompetência do juízo que não respeitou sua prerrogativa de foro. TRATATIVAS INICIAIS A Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrimes) inovou a Lei das ORCRIM de forma a esmiuçar o procedimento para a celebração do acordo de colaboração premiada, razão pela qual o tema será abordado de forma detalhada no presente tópico. O art. 3º-B, caput, da Lei nº 12.850/13 tem a seguinte redação: Art. 3º-B. O recebimento da proposta para formalização de acordo de colaboração demarca o início das negociações e constitui também marco de confidencialidade, configurando violação de sigilo e quebra da confiança e da boa-fé a divulgação de tais tratativas iniciais ou de documento que as formalize, até o levantamento de sigilo por decisão judicial. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) Da leitura do dispositivo legal, resta evidente que a negociação da colaboração premiada é marcada pela confidencialidade, de forma que a divulgação indevida das tratativas iniciais configura violação dos princípios da boa-fé e da confiança. DÚVIDA: Apesar da confidencialidade do acordo de colaboração premiada, é possível que o terceiro mencionado pelo colaborador tenha acesso aos termos da colaboração? A resposta é SIM. Segundo recente julgamento do STF (Info 978), terceiros que tenham sido mencionados pelos colaboradores podem obter acesso aos termos dos colaboradores em obediência à Súmula Vinculante nº 14. Nesse caso, o acesso é restrito aos documentos em que o requerente é efetivamente citado e desde que não se refira à diligência ainda em andamento. O art. 3º-B, §1º, da Lei nº 12.850/13 tem a seguinte redação: Art. 3º-B, § 1º A proposta de acordo de colaboração premiada poderá ser sumariamente indeferida, com a devida justificativa, cientificando-se o interessado. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) O dispositivo legal positivou (transformou em lei) o entendimento jurisprudencial de que o Ministério Público não é obrigado a celebrar o acordo de colaboração premiada. Por se tratar de um negócio jurídico e, até mesmo pelas peculiaridades do instituto, a celebração do acordo de colaboração premiada está dentro da discricionariedade, ou seja, submete-se ao juízo de conveniência e oportunidade do órgão ministerial. Porém, não ocorrendo o indeferimento sumário, haverá a assinatura do termo de confidencialidade que vinculará as partes, impedindo posterior indeferimento imotivado, nos termos do art. 3º-B, §2º: Art. 3º-B, § 2º Caso não haja indeferimento sumário, as partes deverão firmar Termo de Confidencialidade para prosseguimento das tratativas, o que vinculará os órgãos envolvidos na negociação e impedirá o indeferimento posterior sem justa causa. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) O art. 3º-B, §1º, da Lei nº 12.850/13 tem a seguinte redação: Art. 3º-B, § 3º O recebimento de proposta de colaboração para análise ou o Termo de Confidencialidade não implica, por si só, a suspensão da investigação, ressalvado acordo em contrário quanto à propositura de medidas processuais penais cautelares e assecuratórias, bem como medidas processuais cíveis admitidas pela legislação processual civil em vigor. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) A Lei nº 13.964/2019 apresentou interessante disposição acerca do prosseguimento da investigação, mesmo quando apresentada a proposta de acordo de colaboração premiada. Nesse sentido, o recebimento da proposta não suspende a investigação, salvo acordo acerca de medidas processuais penais cautelares e assecuratórias, como exemplo, prisão preventiva. Por outro lado, o art. 3º-B, §6º, prevê a impossibilidade de utilização das informações prestadas pelo colaborador quando não celebrado o acordo por iniciativa do celebrante (órgão de persecução penal). Art. 3º-B, § 6º Na hipótese de não ser celebrado o acordo por iniciativa do celebrante, esse não poderá se valer de nenhuma das informações ou provas apresentadas pelo colaborador, de boa-fé, para qualquer outra finalidade. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) A exigência de boa-fé do colaborador denota que se, ardilosamente, ocultou informações relevantes ou faltou com a verdade, seria possível a utilização dessas contra si. Por fim, o art. 3º-C apresenta outras disposições acerca das tratativas iniciais: Art. 3º-C. A proposta de colaboração premiada deve estar instruída com procuração do interessado com poderes específicos para iniciar o procedimento de colaboração e suas tratativas, ou firmada pessoalmente pela parte que pretende a colaboração e seu advogado ou defensor público. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 1º Nenhuma tratativa sobre colaboração premiada deve ser realizada sem a presença de advogado constituído ou defensor público. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 2º Em caso de eventual conflito de interesses, ou de colaborador hipossuficiente, o celebrante deverá solicitar a presença de outro advogado ou a participação de defensor público. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 3º No acordo de colaboração premiada, o colaborador deve narrar todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 4º Incumbe à defesa instruir a proposta de colaboração e os anexos com os fatos adequadamente descritos, com todas as suas circunstâncias, indicando as provas e os elementos de corroboração. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) DOS DEVERES DO COLABORADOR Inicialmente, a colaboração premiada deverá produzir um ou mais dos resultados descritos no art. 4º da Lei nº 12.850/13: Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. § 1º Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade docolaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração. BENEFÍCIOS PARA O COLABORADOR A Lei nº 1.850/13 apresenta um rol de benefícios ao colaborador: • Redução de pena; • Progressão de regime; • Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos; • Perdão judicial; • Não oferecimento de denúncia; Em relação ao perdão judicial, a colaboração é permitida, nos termos do art. 4º, §2º, da Lei nº 12.850/13. Art. 4º, § 2º Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal). DÚVIDA: O Delegado de Polícia pode celebrar acordo de colaboração premiada? A resposta é SIM. Além da previsão legal expressa (art. 4º, §2º), o STF (Info 907) decidiu que o delegado de polícia pode formalizar acordo de colaboração premiada, desde que seja no curso do inquérito policial e sejam respeitadas as prerrogativas do Ministério Público. NÃO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA Sem dúvidas, o benefício mais interessante que pode ser oferecido ao colaborador é o não oferecimento da denúncia, conforme art. 4º, §4º, da Lei nº 12.850/13. É bastante interessante a possibilidade de mencionado benefício, na medida em que tanto o órgão ministerial, quanto à polícia judiciária, são submetidos ao princípio da obrigatoriedade no Processo Penal. DÚVIDA: O que é o princípio da obrigatoriedade no Processo Penal? Segundo tal princípio, verificada a prática de uma conduta delituosa, a autoridade policial é obrigada a instaurar o inquérito policial de ofício (crime de ação penal pública incondicionada) ou a requerimento do ofendido (crime de ação penal privada ou de ação penal pública condicionada à representação). Da mesma forma, o órgão ministerial é obrigado a apresentar denúncia quando presente a justa causa e os demais requisitos da denúncia. Em relação ao não oferecimento da denúncia, a Lei nº 13.964/19 trouxe nova redação quanto aos requisitos de sua concessão, nos termos do art. 4º, §4º: Art. 4º, § 4º Nas mesmas hipóteses do caput deste artigo, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se a proposta de acordo de colaboração referir-se a infração de cuja existência não tenha prévio conhecimento e o colaborador: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) I - não for o líder da organização criminosa; II - for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo. § 4º-A. Considera-se existente o conhecimento prévio da infração quando o Ministério Público ou a autoridade policial competente tenha instaurado inquérito ou procedimento investigatório para apuração dos fatos apresentados pelo colaborador. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) Dessa forma, para se obter o benefício de não oferecimento da denúncia, não basta apenas que o colaborador não seja o líder da ORCRIM e que seja o primeiro a prestar a colaboração, mas que haja o elemento de novidade acerca da infração a ser revelada. A alteração legislativa visa afastar a crítica que envolve a celebração de acordo de colaboração premiada em investigações que já existem elementos de prova suficientes e que possam representar benefícios apenas para o colaborador.