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cidadania e ética unid04

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Cidadania e Ética
Cidadania e Ética
1ª edição
2019
Autoria
Parecerista Validador
Francesco Napoli
Homero Nunes Pereira
*Todos os gráficos, tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência.
Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Nenhuma parte
desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. A violação dos
direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.º 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
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 4Unidade 44. Bioética
Para iniciar seus estudos
A Bioética tem se tornado um assunto midiático quando estamos 
tratando, por exemplo, de pesquisas envolvendo seres vivos. Nesta 
unidade, você aprenderá sobre os principais aspectos relativos a ela, assim 
como aprofundar nos aspectos sociais que envolvem tal conceito. 
Objetivos de Aprendizagem
• Analisar a relação entre a Bioética e os principais aspectos 
referentes à sociedade e à pesquisa.
• Identificar os impactos da Bioética na vida cotidiana.
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Cidadania e Ética | Unidade 4 - Bioética
Introdução da unidade
Bioética é um dos assuntos que você ouvirá cada vez mais nos próximos anos. Reflete um aspecto essencial de 
nossa vida em sociedade e tem impactos profundos nas empresas e nas normatizações das nações. No seu cerne, 
encontra-se o debate sobre quais são os limites da vida humana diante das tecnologias e da pesquisa científica. 
4.1 O que é bioética 
A Bioética é um campo recente do conhecimento cuja origem encontra-se nas tentativas de resposta às mudanças 
e desafios surgidos no século XX, principalmente nas esferas coletivas, ambientais e também individuais. Traz 
consigo uma visão ética ampliada em relação à valorização da vida no planeta, exigindo, portanto, uma postura 
consciente, responsável e virtuosa de todos os seres humanos. Fátima Oliveira, pesquisadora do tema, afirma que:
O termo Bioética apareceu nos meados de janeiro de 1971, quando o biólogo e oncologista 
Rensselaer Potter, da Universidade de Wisconsin, Madison, EUA, publicou o livro Bioética: a ponte 
para o futuro. Segundo o autor, ‘bio’ para representar o conhecimento biológico dos sistemas 
vigentes, e ‘ética’ representa o conhecimento dos sistemas de valores humanos (OLIVEIRA, 2004).
A palavra Bioética possui duas raízes: ética vem de ethos, que é o caráter de nosso comportamento, e bios vem 
de “vida”, indicando, portanto, que estamos buscando o melhor comportamento, o mais virtuoso e responsável 
para com a vida. Não somente a vida humana, mas todo o ecossistema vivo que existe em nosso planeta.
Figura 16 – Postura consciente
Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.
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Cidadania e Ética | Unidade 4 - Bioética
4.1.1 A bioética e o antropomorfismo
O ser humano tem por característica essencial a capacidade de emitir juízos de valor. Em outros termos, julgamos 
as coisas como belas, feias, certas, erradas, boas e más. Normalmente, fazemos isso com base em uma perspectiva 
estritamente humana, ou seja, vemos o mundo de modo sempre antropomórfico. O antropomorfismo é um 
conceito filosófico que denuncia algo que parece óbvio, mas que é muito complexo: a forma por meio da qual 
vemos o mundo é sempre uma perspectiva humana. E o humano é sempre limitado e sujeito ao erro. Você já 
parou para pensar como o homem sempre se acha o centro das coisas? Chamamos isso de antropomorfismo. 
Por exemplo, se os elefantes pudessem imaginar um deus, este teria tromba e orelhas grandes. Nós humanos 
antropomorfizamos as coisas e sempre as concebemos pela nossa própria concepção de mundo. Estamos 
acostumados a pensar o certo e o errado, por exemplo, com base em nós mesmos, ou seja: seres humanos 
pensando o que é certo e errado para os próprios seres humanos. Se classificamos o ato de roubar como errado, 
isso tem implicações que devem valer para toda nossa sociedade. Você consegue imaginar o que aconteceria 
com a sociedade se roubar não fosse algo proibido? Portanto, o certo e o errado, e os motivos a eles associados, 
possuem um objetivo explícito: o ser humano e a sua sociedade.
Nem sempre todas as respostas foram dadas. Muitos comportamentos são frutos do costume, ou seja, não 
possuem uma justificativa completamente racional. Todos esses aspectos são relativos à ética e à moral, objetos 
de profundo estudo dos filósofos.
Sócrates questionou a Grécia Antiga acerca do motivo de seguir o que era considerado certo. Aristóteles buscou 
compreender o que devia ser feito para se comportar de forma virtuosa e traçou um caminho mediano entre o 
excesso e a falta. Kant, um filósofo iluminista, elevou a questão ao traçar um aspecto que seria universal, ou seja, 
abarcaria a todos. Em todos esses mais de vinte e cinco séculos de pensamento, o foco sempre foi o ser humano, 
seu comportamento e seus impactos na sociedade.
Na história do pensamento ocidental, o homem sempre esteve no foco da reflexão filosófica. O Iluminismo, 
movimento do século XVIII, é antropocêntrico, ou seja, tem o homem como centro das reflexões em detrimento 
da visão teocêntrica, a qual prevaleceu durante toda a Idade Média, que tinha Deus como centro. Diante disso, a 
contemporaneidade apresenta uma série de novas demandas éticas que precisam ser contempladas. 
Na modernidade, o estado laico é a base da ética. Estado laico significa uma concepção de estado que separa 
religião e governo, de modo que a diversidade religiosa seja garantida e nenhuma religião específica tenha poder 
político. Essa concepção aparece, pela primeira vez na história da humanidade, no Iluminismo. Kant inaugura um 
pensamento ético que se desvincula de toda a religião, construindo uma base racional e sólida para pensarmos 
o comportamento humano por nós mesmos, sem tutores ou autoridades eclesiásticas.
Nesse ponto, estão as bases da ética profissional, que entende que a religiosidade fica restrita à vida pessoal 
do indivíduo, ou seja, à esfera privada; e na vida profissional, ou seja, na esfera pública, o indivíduo deve agir 
conforme a razão, a ciência e a objetividade. Este pressuposto básico do republicanismo e do estado de direito 
permite que os cientistas possam atuar sem que a religião direcione suas ações.
Se toda a ética contemporânea parte do pressuposto iluminista e do Estado laico, questões oriundas dos avanços 
da própria ciência ainda não foram devidamente compreendidas, pois poucos filósofos tiveram a consciência de 
ampliar o foco para além do ser humano, de modo a refletir a respeito dos demais seres vivos. Apesar do respeito 
pelos animas de estimação e domésticos, sempre se observou uma separação entre os seres vivos: os racionais, 
e, portanto, éticos, e os irracionais, ou bestiais. Ao que parece, o sentido da ética era exclusivo para os seres 
humanos. Reginaldo José Horta, filósofo que estuda a ética não especista, afirma que:
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Cidadania e Ética | Unidade 4 - Bioética
A visão imperante no ocidente baseia-se na crença de que o mundo foi criado para o bem do 
homem e de que as outras espécies devem se subordinar a seus desejos e necessidades. O relato 
bíblico da criação, interpretado como uma concessão divina da autoridade do homem sobre 
a natureza e os animais, assim como a filosofia grega, responsável por demarcar as diferenças 
fundamentais entre os gêneros de vida humana e animal, consolidaram a noção de que o 
propósito de tudo o que existe é proporcionar o domínio e usufruto humano. (HORTA, 2015)
A origem desse pensamento, na modernidade, se deve à René Descartes, filósofo francês do século XVI que 
desenvolveu um pensamento que coloca o homem em um lugar diferenciado dos outros animais, pois, na 
filosofia cartesiana, a existência está associada ao pensamento racional. “Penso, logo existo” é algo que é 
exclusivamente humano, portanto, segundo Descartes, os animais não teriam alma, e seus corpos seriam como 
máquinas biológicas, as quais nos cabe conhecer e manipular ao nosso bel-prazer. Descartes, com seu método, 
influenciou o cientificismo do século XIX e, quandoa ciência se separa da filosofia, associando-se à Revolução 
Industrial, esta visão de que os animais são objetos de estudo prevaleceu durante muito tempo. São recentes os 
discursos de defesa dos direitos dos animais.
4.1.2 Os animais têm direitos?
Trata-se de uma questão polêmica. A utilização de animais não humanos (ANH) em laboratórios de pesquisa, de 
origem cartesiana, é uma prática comum e tem sido considerada um aspecto decisivo para o desenvolvimento 
da ciência, principalmente no que tange à investigação biomédica. Porém, seu emprego tem sido polêmico e 
desperta vários debates que vêm se ampliando nos últimos 30 anos. Hoje em dia, denominada Animal Ethics, a 
ética envolvendo ANH é um campo do conhecimento filosófico oriundo da ética que se preocupa com a crítica ao 
antropocentrismo e com a necessidade de se estabelecer limites para a utilização de ANH em pesquisas científicas.
O desenvolvimento da ciência moderna conduziu a humanidade a um patamar tecnológico de grandes 
proporções. Deixamos as montarias para utilizarmos o automóvel, aumentamos cem vezes nossa capacidade de 
produzir alimentos e fomos capazes de conhecer e dominar as menores frações da matéria.
Os séculos XIX e XX são marcados pelo amadurecimento do método científico e, com ele, inúmeros dilemas 
surgiram, sendo um deles, a questão sobre se a ciência teria algum limite para com os seres vivos. Resultados 
positivos na clonagem e o domínio na geração de seres vivos in vitro colocaram o cientista numa posição “divina” 
diante da possibilidade de se criar vida.
No ano de 1996, os cientistas Ian Wilmut e Keith Campbell conseguiram criar o primeiro 
mamífero clonado com êxito por meio de uma célula adulta. Tratava-se da ovelha Dolly, 
uma pesquisa científica que foi um marco para o avanço da investigação genética e que 
aconteceu depois de 270 tentativas falhadas.
A divulgação da existência de Dolly ocorreu somente em 1997, quando os especialistas 
estavam certos de que ela era saudável e ia sobreviver. A ovelha morreu aos seis anos, quando 
se decidiu sacrificá-la na sequência de uma infeção pulmonar, e o corpo foi exposto desde 
então no Museu Nacional de Edimburgo.
Saiba mais
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Cidadania e Ética | Unidade 4 - Bioética
Figura 17 – Dolly – primeiro clone produzido pelo ser humano
Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.
Em uma outra direção, o século XX também se destacou pelo crescimento dos produtos industrializados. Se 
tomarmos o exemplo dos medicamentos e de alguns produtos de beleza, iremos descobrir que muitos só 
puderam ser desenvolvidos por meio de testes em animais. Muitos desses testes significavam um certo nível 
de sofrimento.
4.1.3 Progresso da ciência?
A ideia de progresso é uma ideologia positivista do século XIX, que parte do pressuposto cartesiano de domínio 
da natureza. A ciência delineia-se como área separada da filosofia no seio do Positivismo, então o discurso do 
progresso está impregnado nela. O positivismo é uma doutrina filosófica do século XIX que tinha o método 
científico como base. Seu principal representante foi Augusto Conte.
Porém, esse discurso, que sempre repetiu que devemos transformar a natureza em nome do progresso, já está 
desgastado. Certamente você já ouviu, várias vezes, frases como: “devemos aterrar esse pântano em nome do 
progresso!”; “vamos derrubar essa floresta em nome do progresso!”; “vamos demolir esse prédio e construir 
outro mais moderno em nome do progresso”. “Em nome do progresso” já fizemos várias coisas desprovidas de 
acerto e chegamos ao ponto de colocar nosso próprio planeta em risco. Portanto, o termo que hoje substituiu o 
famigerado termo “progresso” é “sustentabilidade”.
A ciência é uma instituição que tem história e diversos momentos distintos. A ciência, como nós a conhecemos 
hoje, surge no séc. XIX, e podemos dizer que ainda está aprendendo a dar seus primeiros passos, mesmo com 
todo esse suposto “avanço”. Será que a ciência está evoluindo mesmo? O que significa evoluir? 
Marilena Chauí, filósofa brasileira, afirma que o discurso de progresso da ciência é uma falácia. Segundo ela, “a 
ciência não caminha numa via linear contínua e progressiva, mas por saltos ou revoluções” (CHAUÍ, 1999). Portanto, 
não há um caminho delimitado para a ciência percorrer cuja finalidade é pré-estabelecida, pelo contrário, a ciência 
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Cidadania e Ética | Unidade 4 - Bioética
segue um caminho escuro, sem saber onde vai chegar; e as novas teorias não necessariamente substituem as 
antigas. Por exemplo, é a física newtoniana que faz o velocímetro dos carros operar e é com ela que conseguimos 
lançar um foguete no espaço. A teoria de Einstein provocou uma ruptura epistemológica na física, pois Einstein não 
conseguia compreender o movimento dos corpos no espaço por meio da física newtoniana, então foi necessário 
inventar outra teoria, que não é melhor nem mais “evoluída” que a newtoniana, apenas diferente.
Chauí afirma que:
Há, porém, uma razão mais profunda para nossa crença no progresso. Desde a Antiguidade, 
conhecer sempre foi considerado o meio mais precioso e eficaz para combater o medo, a 
superstição e as crendices. Ora, no caso da modernidade, o vínculo entre ciência e aplicação 
prática dos conhecimentos (tecnologias) fez surgirem objetos que não só facilitaram a vida 
humana (meios de transporte, de iluminação, de comunicação, de cultivo do solo, etc.), mas 
aumentaram a esperança de vida (remédios, cirurgias, etc.). Do ponto de vista dos resultados 
práticos, sentimos que estamos em melhores condições que os antigos e por isso falamos em 
evolução e progresso. Do ponto de vista das próprias teorias científicas, porém, a noção de 
progresso não possui fundamento. (CAHUÍ, 1999)
Vários episódios colocam em xeque esta crença no progresso da ciência, desde a bomba atômica, esse emblema 
do século XX, até episódios isolados, que até hoje deixaram marcas na história da ciência. Em 1930 ocorreu o 
episódio conhecido como “o desastre de Lübeck” que consistiu na morte de 75 dos 100 adolescentes – sem o 
consentimento de seus responsáveis – submetidos a um teste com uma vacina desenvolvida para prevenção da 
tuberculose. 
Em 1931, a Alemanha definiu as chamadas Diretrizes para Novas Terapêuticas e Pesquisa em Seres Humanos, 
o que não impediu que, durante a Segunda Guerra Mundial, fossem cometidas atrocidades – sob o nome de 
“pesquisa” – com judeus, ciganos e outros grupos perseguidos pelo nazismo.
Em 1963, na cidade de Nova York, nos EUA, mais precisamente no Hospital Israelita de Doenças Crônicas, 22 
idosos doentes – sem consentirem – receberam injeções de células cancerígenas vivas. Tais episódios provocaram 
um abalo na tradicional confiança dos pacientes em relação aos seus médicos.
Aos poucos, a questão formou-se de modo inevitável: qual é o custo do desenvolvimento científico? Existe 
algum limite para a pesquisa? Devemos deixar o cientista livre para pesquisar de qualquer modo, em nome dos 
benefícios que a humanidade terá à sua disposição?
Para responder a essas questões, devemos ponderar se o ser humano é ou não um meio para que a humanidade 
se desenvolva. Esse é o dilema de qual é o valor da vida e quais os limites do uso da força e da coesão. Na mesma 
direção, somos levados quando deixamos de nos perceber como os únicos seres vivos que sofrem com as 
pesquisas.
Devemos permitir que os animais sofram em nome do nosso desenvolvimento científico e tecnológico? Se a vida 
é algo a ser preservado, por quais motivos negamos essas questões aos demais seres vivos? A Bioética surge, 
portanto, nesse contexto em que a ciência, o desenvolvimento e o valor da vida são colocados em questão. 
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Cidadania e Ética | Unidade 4 - Bioética
4.2 Preceitos da bioética
Nas décadas de 1980 e 1990, a disciplina de Bioética se institucionalizou. As autoras Dirce Guilhem e Débora 
Diniz afirmam que:
(...) no que se refere à pesquisa biomédica, um elemento decisivo para essa mudança de 
mentalidade tenha sido a formação de um discurso crítico com relaçãoà pesquisa científica, 
não aceitando mais a premissa de que o desenvolvimento da ciência estaria acima de qualquer 
suspeita para o bem-estar e a saúde da humanidade. Começaram, portanto, a surgir dúvidas, dos 
pontos de vista ético, jurídico, econômico e mesmo político, sobre certos avanços relacionados 
à experimentação humana, ao controle comportamental, à engenharia genética, à saúde 
reprodutiva, ao transplante de órgãos, dentre tantos outros temas atualmente analisados pela 
bioética. (DINIZ, 2007)
O autor Reich desenvolveu um conceito de Bioética que contempla os aspectos de sistematização, 
interdisciplinaridade e pluralismo. Em sua obra intitulada Enciclopédia de Bioética, ele afirma que:
Bioética é o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão moral, decisões, condutas 
e políticas – das ciências da vida e atenção à saúde, utilizando uma variedade de metodologias 
éticas em um cenário interdisciplinar. (REICH, 1995)
A Bioética faz uso do principialismo, prática que se fundamenta em elementos de prima facie, ou seja, possuem 
validade à primeira vista, mas que não são absolutos. Veja quais são estes princípios:
Princípio da beneficência 
Beneficência está ligada a fazer o bem, ou seja, buscar aquilo que seria o bem para o maior número de pessoas. 
Como o conceito de “bem” é estritamente filosófico, entra em questão a necessidade de não “absolutizá-lo”, 
de modo que seja necessário fazer um cálculo que seja capaz de prever os benefícios e os riscos. Esse exercício 
implica uma necessidade de conhecimento técnico e filosófico, necessariamente interdisciplinar para que o 
máximo de benefícios para o máximo de pessoas seja o objetivo, de modo que o mínimo de danos seja causado. 
Princípio da não maleficência 
Se beneficência está ligada ao conceito filosófico de “bem”, maleficência lida com o conceito de “mal”. Esse 
princípio parte do pressuposto que evitar o mal, ou seja, evitar qualquer dano intencional aos outros indivíduos 
já é visar ao bem do outro. 
Princípio do respeito da autonomia 
Autonomia, em grego, significa estabelecer suas próprias normas (nomos), portanto o princípio da autonomia diz 
respeito à nossa capacidade de agir intencionalmente.
Princípio da justiça
O princípio da justiça garante a equidade no acesso à saúde de modo que bens e recursos sejam distribuídos de 
modo justo.
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Cidadania e Ética | Unidade 4 - Bioética
Figura 18 – Medicina mal praticada
Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018
É possível perceber que tais princípios agem sobre muitos contextos, em especial na prática da medicina e suas 
pesquisas e superam os tipos de pesquisas realizadas no passado, no qual o indivíduo não possuía escolha e 
tampouco era tratado como um ser com dignidade.
Em muitos aspectos, quando assumimos que deve haver uma Bioética envolvida, estamos lidando exclusivamente 
com uma busca pela essência do que deve agir sobre todas as formas de vida, preservando autonomias e 
liberdades.
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Cidadania e Ética | Unidade 4 - Bioética
Para melhor exemplificar a questão de normatizações a favor da prática médica, reflita sobre 
este trecho das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina:
Art. 4º A formação do médico tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos 
requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades gerais:
I - Atenção à saúde: os profissionais de saúde, dentro de seu âmbito profissional, devem estar 
aptos a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto 
em nível individual quanto coletivo. Cada profissional deve assegurar que sua pratica seja 
realizada de forma integrada e contínua com as demais instâncias do sistema de saúde, sendo 
capaz de pensar criticamente, de analisar os problemas da sociedade e de procurar soluções 
para os mesmos. Os profissionais devem realizar seus serviços dentro dos mais altos padrões 
de qualidade e dos princípios da ética/bioética, tendo em conta que a responsabilidade da 
atenção à saúde não se encerra com o ato técnico, mas sim, com a resolução do problema de 
saúde, tanto em nível individual como coletivo (...). [Brasil, 2001, p. 1] 
Fonte: BRASIL, 2001.
Saiba mais
4.3 Temas contemporâneos da bioética
A Bioética tem como objetivo criticar a postura demasiada antropocêntrica do homem, que se coloca em um 
lugar privilegiado em detrimento das outras espécies, das quais dependemos para viver. A perspectiva segundo 
a qual o homem rompeu com a natureza e fundou a cultura fez com que o homem se colocasse nesse “outro 
lugar”, separado da natureza e com o objetivo de dominá-la. Porém, somos uma espécie animal como qualquer 
outra que está no planeta Terra há milhões de anos em uma complexa trama de processos evolutivos. Contudo, 
o homem se sente emancipado da natureza por meio dessa ruptura (natureza-cultura) que é a base da própria 
condição humana.
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Cidadania e Ética | Unidade 4 - Bioética
Figura 19 – René Descartes – séc. XVII
Fonte: SHUTTERSTOCK,2018.
Uma grande questão que se coloca na contemporaneidade é, justamente, qual a medida dessa ruptura, pois 
já houve, na história do pensamento ocidental, filósofos, como René Descartes, que afirmaram que o homem 
chegaria a dominar a natureza por completo, por meio da razão. Pensadores contemporâneos como Nietzsche e 
Freud começam a questionar, em tom de denúncia, essa postura demasiada antropocêntrica, retomando, com 
base em Charles Darwin (século XIX), esse fato, que é impossível de ser ignorado: somos uma espécie como 
qualquer outra, fazemos parte do planeta e estamos sujeitos à natureza, dependendo de recursos naturais, assim 
como todas as outras espécies. Ademais, a natureza está dentro de nós, não apenas no sentido biológico, na 
medida em que somos fruto de um processo de milhões de anos de evolução da vida, mas também no sentido 
de uma perspectiva psicanalítica. Temos uma herança arcaica e um laço indissolúvel com nossos ancestrais por 
meio do inconsciente. Freud, no ensaio intitulado “O Mal-Estar na Civilização” afirma que:
Nunca dominaremos completamente a natureza, e o nosso organismo corporal, ele mesmo parte 
dessa natureza, permanecerá sempre como uma estrutura passageira, com limitada capacidade 
de adaptação e realização. (FREUD, 2011)
Por isso, falar de ruptura com a natureza é algo que sempre deve ser devidamente problematizado. Faz-se 
necessário um equilíbrio. De certa forma, o homo sapiens rompeu com a natureza em vários aspectos, mas, por 
outro lado, sempre seremos parte da natureza e ela estará sempre dentro de nós. Em outros termos, essa ruptura 
nunca se concretizará, pois nunca dominaremos por completo a natureza, na medida em que somos parte dela.
Desde a modernidade, o discurso segundo o qual o homem dominaria a natureza prevaleceu e influenciou o 
cientificismo até o século XIX, desembocando no conceito do progresso. Como vimos, essa perspectiva de 
leitura do mundo, que compreende o progresso como um constante processo de domínio da natureza, precisa 
ser questionada. Esse discurso nos levou, já no século XX, a uma percepção de que nosso modo de lidar com o 
planeta está desequilibrando ecossistemas que demoraram milhões de anos para se formar. E, pior que destruir 
o planeta, estamos destruindo a nós mesmos. Karl Marx (1818-1883) foi o primeiro pensador a constatar que o 
sistema capitalista é insustentável e, por isso, tenderia à autodestruição. 
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Cidadania e Ética | Unidade 4 - Bioética
Na verdade, precisamos nos descolar dessa leitura antropocêntrica e nos lembrar de que o homem, na verdade, 
nunca destruirá o planeta Terra, mas sim destruirá a si mesmo, o que, ironicamente, seria muito saudável para 
o planeta, que rapidamente recuperaria seus ecossistemas, permanecendo por mais alguns milhões de anos, 
incólume, em nosso pacato sistema solar. A natureza produziu esta espécie que se autodenominou homo sapiens 
e o máximo de destruição que essa inusitada espécie poderia provocar seria a autodestruição.
Charles Darwin (1809-1882)revolucionou a ciência ao propor a teoria da evolução, que 
afirma que as espécies sobrevivem por meio da seleção natural e adaptação. A teoria da 
evolução é a base não só da Biologia moderna, mas também de toda a ciência, inclusive nas 
áreas humanas.
Saiba mais
A noção de meio ambiente que o senso comum tem parte de um pressuposto de ruptura 
entre natureza e cultura, como se o homem não fizesse parte da natureza, pois o meio 
ambiente é sempre o “outro lugar”; “lá na natureza”.
Figura 20 – Floresta tropical
Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.
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Cidadania e Ética | Unidade 4 - Bioética
Um dos movimentos que fizemos em direção à superação dessa visão antropocêntrica é a Ecologia. O termo 
Ecologia tem uma origem etimológica que remete a essa necessidade de pensar o meio ambiente como algo 
que nos engloba. Ecologia significa o estudo da casa ou morada – em grego óikos –, do ponto de vista científico, 
há uma ampliação desse conceito: Ecologia é o estudo da relação dos organismos ou grupos de organismos com 
seu meio ambiente e é um dos campos da Bioética.
4.3.1 Bioética do aborto à eutanásia
A ética em pesquisas com seres humanos é um novo campo do conhecimento que promove uma interface entre 
os saberes, aproximando a ciência da ética, evitando que erros do passado voltem a se repetir.
Figura 21 – DNA artístico
Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.
No Brasil, a Resolução CNS nº 196/96 surgiu como um verdadeiro divisor de águas na ética em pesquisas que 
envolvem seres humanos, já que resgatou recomendações internacionais, diretrizes e documentos publicados 
até a época de sua criação, garantindo a proteção dos indivíduos participantes de pesquisas em todo o Brasil.
As questões debatidas em Bioética na atualidade sobre qual seria o início da vida humana podem ser colocadas 
com base em dois princípios morais diferentes: o Princípio da Sacralidade da Vida (PSV) e o Princípio do Respeito à 
Autonomia da Pessoa (PRA). De acordo com o primeiro princípio, que costuma ser bem aceito na cultura brasileira 
devido à nossa formação cristã, a vida consistiria em um bem – de origem divina, ou mesmo natural –, possuindo 
uma espécie de estatuto sagrado e que nunca poderia ser interrompida, nem mesmo com qualquer tipo de 
autorização, de quem quer que seja. Já o princípio do respeito à autonomia da pessoa confere ao indivíduo uma 
autonomia sobre sua vida, o que justifica o desejo da eutanásia em casos extremos, por exemplo.
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Cidadania e Ética | Unidade 4 - Bioética
Mesmo o próprio responsável legal não teria o direito de optar pela eutanásia. Nessa 
perspectiva, a vida seria sempre considerada digna de ser vivida, independentemente de 
suas condições específicas ou de qualquer tipo de sofrimento.
Assista ao filme “Mar Adentro” do cineasta chileno-espanhol Alejandro Amenábar.
Saiba mais
A ética nos permite refletir sobre o aborto e a eutanásia de uma perspectiva filosófica. Dessa forma, podemos 
ultrapassar a visão religiosa e adentrar a realidade de modo mais incisivo. O aborto pode ser discutido com 
base em preceitos religiosos, mas essa discussão acaba por negligenciar um fator que tem urgência em nossa 
sociedade atualmente: antes de tudo, o aborto deve ser encarado como uma questão de saúde pública. 
Existe um fato inexorável: mulheres vão optar pelo aborto, e a ilegalidade faz com que elas tenham de recorrer 
a clínicas clandestinas e métodos extremamente invasivos e desumanos. As mulheres de classe alta utilizam 
sua influência para conseguir uma clínica de qualidade (e sabemos que não é difícil encontrar um profissional 
que realize o procedimento). Por outro lado, as mulheres menos abastadas, que são a maioria, envolvem-se em 
situações insalubres em clínicas clandestinas sem nenhum acompanhamento psicológico ou até profissional. 
Há relatos de mulheres que realizam abortos com agulhas de crochê manipuladas por pessoas sem nenhuma 
formação na área da saúde. 
O número de abortos clandestinos no Brasil é desconhecido justamente pela proibição, mas muitos de nós 
conhecemos alguém que já abortou, o que nos permite inferir que essa prática é recorrente. A proibição acaba 
por não permitir que a mulher possa acessar o sistema de saúde e apresentar sua demanda, que teria o auxílio de 
um assistente social e de um psicólogo, podendo até evitar o aborto. Tendo isso em vista, especialistas a favor da 
legalização acreditam que ela pode, na realidade, diminuir o número de abortos.
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Cidadania e Ética | Unidade 4 - Bioética
Figura 22 – Protesto a favor da legalidade do aborto
Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.
Outro aspecto importante dessa questão é a autonomia da mulher sobre seu corpo. Sabemos que nossa sociedade 
tem como base moral uma cultura machista e heteronormativa que hierarquiza os gêneros, colocando o homem 
em uma posição privilegiada em detrimento da mulher. A própria lei do aborto, por exemplo, é uma lei criada por 
homens. Portanto, a causa da legalização do aborto transcende a questão religiosa e adentra as pautas como 
saúde pública, feminismo e liberdade.
Síntese da unidade
Nesta unidade, você pôde conferir como que a modernidade trouxe novos desafios aos seres humanos, 
especialmente envolvendo a tecnologia e a vida. A Bioética é uma busca por garantir que a vida seja o limite das 
experiências humanas. 
O homem sempre se sentiu alheio à natureza, vendo-a como uma ameaça. Isso proporcionou uma relação 
de destruição da natureza que, hoje, converteu-se em um discurso de Ecologia, de direito dos animais. Como 
também ficou claro que somos parte dessa natureza, vieram os discursos ligados ao ser humano, como aborto e 
eutanásia. 
Nesta unidade, você pôde adquirir subsídios teóricos para pensar essas questões de modo mais aprofundado e 
desenvolver pontos de vistas mais críticos. Esperamos que você tenha gostado!
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Considerações finais
As questões relacionadas à Bioética não se esgotam na abordagem desta 
unidade. Diante das novas tecnologias e do crescimento da população 
mundial, estaremos sempre à mercê de novos debates, pois a vida não 
pode ser deixada em segundo plano.
	Unidade 1
	1. Ética, Moral e Justiça
	Unidade 2
	2. A Condição Humana
	Unidade 3
	3. Existencialismo
	Unidade 4
	4. Bioética
	Unidade 5
	5. Sistemas Políticos
	Unidade 6
	6. Consciência Política e Ação Social
	Unidade 7
	7. Cidadania e Responsabilidade Social
	Unidade 8
	8. A Questão Brasileira

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