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Cidadania e Ética Cidadania e Ética 1ª edição 2019 Autoria Parecerista Validador Francesco Napoli Homero Nunes Pereira *Todos os gráficos, tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência. Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.º 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. 7 1Unidade 11. Ética, Moral e Justiça Para iniciar seus estudos Nesta unidade, você conseguirá compreender os diferentes contextos em que somos, enquanto seres humanos, questionados a agir diante do que é bom ou ruim, certo ou errado, e como tais ações se relacionam diretamente com o modo como nossa sociedade reconhece e valida o que está de acordo com as normas de justiça e cidadania. Preparados para essa grande viagem pelo saber prático? Vamos lá! Objetivos de Aprendizagem • Contextualizar as questões éticas enquanto elementos filosóficos e históricos, bem como as diversas consequências para a análise de assuntos relacionados à vida social e às normas legais. • Comparar os conceitos de ética e moral. • Diferenciar ética, moral e senso comum. • Explicar o caráter filosófico da ética. • Identificar o caráter universal da ética e o caráter cambiante da moral. • Descrever o conceito de imperativo para Kant. 8 Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça Introdução da unidade O que é agir de uma maneira boa? O que é bom para você pode ser bom para todos os outros brasileiros? Como devemos lidar, no Brasil contemporâneo, com o debate sobre corrupção, justiça e ética? Nesta unidade, você conferirá que, há mais de 26 séculos, o ser humano debate sobre o agir virtuosamente e a justiça, o que denota como o assunto sempre foi importante para as sociedades. Espera-se que você possa pensar sua realidade por meio do conhecimento que aqui é oferecido, de conceitos e da história por trás da busca do ser humano por um mundo no qual possamos viver bem. 1.1 Ética, moral e justiça O que é ética? O que é moral? O que é justiça? Esses termos estão muito presentes na mídia e no vocabulário de qualquer pessoa. A todo o momento, ouvimos que determinado político não teve ética ou que outro político disse defender a moral e os bons costumes. Normalmente, esses termos aparecem associados à política, mas, na vida cotidiana, também os encontramos em muitos outros lugares e com significados muito diferentes. Por exemplo, quando se diz, na gíria, que alguém “teve as moral”, estamos diante de uma constatação da habilidade de alguém para determinada tarefa, ou quando dizemos que o professor “não tem moral com a turma”, queremos dizer que ele não consegue exercer sua autoridade, ou ainda quando dizemos que alguém está com “a moral abalada”, queremos dizer que tal pessoa está com sua estima baixa. Esses significados permeiam o senso comum, mas, academicamente, existe um significado que engloba todos eles e ainda é mais profundo. O termo ética também apresenta diversas utilizações no senso comum que se afastam de seu sentido filosófico. Dizemos, utilizando o termo como um adjetivo, que algo não é ético; dizemos ainda que alguém não teve ética para conduzir determinada situação. Temos também, nas empresas, os códigos de ética e os conselhos de ética, por exemplo. São utilizações diversas, que habitam o nosso dia a dia e nos deixam, de certa forma, familiarizados com esses termos. Porém, na academia, temos definições próprias, que conferem a esses termos a condição de conceitos filosóficos. Ao ler um bom dicionário de filosofia – por exemplo, o Dicionário Oxford de Filosofia, organizado por Simon Blackburn, lançado no Brasil pela editora Zahar –, você encontrará os seguintes verbetes, aqui apresentados de forma adaptada, para os conceitos de ética, moral e justiça: • Ética: do grego ethos, caráter. Estudo dos conceitos envolvidos no raciocínio prático: o bem, a ação correta, o dever, a obrigação, a virtude, a liberdade, a racionalidade, a escolha. • Moral: embora a moral das pessoas e sua ética acabem por ser a mesma coisa, há um uso do termo que restringe a moral aos sistemas, como o de Kant (noção de dever) em oposição à noção de virtude, de Aristóteles. • Justiça: na justiça distributiva, almejamos alcançar os princípios que especificam a justa distribuição dos benefícios e obrigações; na justiça processual, almejamos compreender mais a aplicação do que o desenvolvimento das leis; finalmente, na justiça retributiva, procuramos compreender como compensar uma injustiça (BLACKBURN, 2017). 9 Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça Figura 1 – Justiça Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018. Você perceberá que o dicionário nos coloca diante de nomes e termos que não refletem o nosso conhecimento cotidiano desses conceitos. Se, porventura, você, que corre os olhos sobre este texto, questionar seus parentes mais próximos ou seus amigos mais íntimos acerca do que eles sabem sobre esses três termos, é bem provável que a resposta envolva “fazer a coisa certa” ou que o “agir ético está de acordo com as leis da justiça”. Mas será que existe a coisa certa? Será que a justiça é algo perfeito sempre? A maioria também concordará que o conhecimento sobre tais conceitos é essencial para que possamos viver bem em nossa sociedade. Afinal de contas, como seria viver em uma sociedade onde todos tivessem como principal regra mentir ou não cumprir com seus compromissos? Já imaginou o alto custo que seria oferecer empréstimos ou contratar algum tipo de prestação de serviço? Até mesmo as empresas, em suas atuações, estão sempre alertas para questões éticas envolvendo pesquisas, testes de produtos, etc. Se tais conceitos são importantes para a nossa vida em sociedade, como explicar que poucos estejam completamente de acordo com o seu significado mais geral? Ou seja, por qual motivo existe tanta variação na hora de responder o que é exatamente cada um deles? Seria importante supor, por exemplo, que, se existem diferenças, então é possível que nem todos compreendam bem como é agir de forma ética ou como agir com justiça. Talvez possamos supor também que exista um grande número de situações específicas, cada uma exigindo a sua própria forma de justiça ou de ética. Outro aspecto ainda fica em aberto: por que cabe à filosofia estudar tais conceitos? Se entre as pessoas existem certas variações a respeito do significado, por que devemos dar crédito aos filósofos, sempre envolvidos em inúmeras disputas, o que passa a imagem de nunca haver consenso sobre tais assuntos? Nesta unidade, esperamos problematizar essas questões, demonstrando como tais conceitos são complexos e fazem parte do pensamento da civilização há mais de 26 séculos. Veremos também como a cultura de cada região e o momento histórico são importantes para definirmos o que consideramos como certo e errado. Apesar 10 Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça de o tema ter desdobramentos históricos e filosóficos, seja no ocidente, seja no oriente, desde a Antiguidade, teremos um foco maior na historia da filosofia ocidental. Isso não significa que o tema se limite por completo nesse recorte; afinal, muito se debateu sobre tais temas entre os pensadores africanos, indianos e chineses. É importante também lembrar a relevância do pensamento crítico. A filosofia fornece um aspecto muito importante para as nossas vidas, que é o de pensar a realidade com “ferramentas conceituais ou assuntos” que ampliam as nossas possibilidades de compreensão do mundo que nos cerca. Portanto, o que aqui é apresentado visa ampliar o seu pensamento, e não fornecer um guia estático ou definitivo sobre o assunto. Vamos então adentraros conceitos em busca de compreender melhor cada um deles. Para saber mais sobre o pensamento com as “ferramentas conceituais” da filosofia, pesquise blogs da área. A internet está repleta de ótimos blogs, páginas e sites. Uma dica é a página Esclarecimento filosófico. Busque por ela na rede! Saiba mais 1.1.1 Concepções filosóficas de ética Todas as sociedades e culturas, ao longo da história do ser humano, possuem um conjunto de valores concernentes ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido, e à conduta correta, válido para todos os seus membros. Isso significa que sempre houve um conceito para o que era certo e, consequentemente, para o que fosse errado. Esse conceito não somente envolvia o ato do indivíduo, como também o seu caráter. Geralmente, pessoas com caráter eram dignas de confiança e estavam sempre agindo dentro da lei ou de uma maneira exemplar aos olhos dos demais membros da sociedade. Figura 2 – Tribo da Nova Guiné Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018. 11 Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça Uma das filósofas mais importantes da contemporaneidade no Brasil, Marilena Chauí, que será utilizada como uma das principais referências nesta unidade, nos lembra, em seu livro Convite à filosofia, que a simples existência da moral não significa a presença explícita de uma ética, entendida como filosofia moral, isto é, uma reflexão que discuta, problematize e interprete o significado dos valores morais. Muitas vezes, o certo e o errado estavam internalizados nas pessoas por meio de costumes que pouco eram colocados em debate. Notamos, portanto, uma primeira e importante diferenciação entre a moral de uma comunidade ou cultura e a filosofia moral. Na primeira, o reconhecimento do certo ou errado não exige a razão como intermediadora, mas um conjunto de costumes refletidos no bem comum de todos os envolvidos. Já na segunda, existe uma preocupação em justificar, comprovar, problematizar, questionar e, portanto, fazer uso da razão para compreender melhor os dilemas envolvidos no que é considerado certo e no que é considerado errado. 1.1.1.1 Ética, filosofia e ciência Enquanto a ciência, de modo geral, procura descrever a realidade, compreender sua dinâmica e realizar previsões, o campo da ética, por sua vez, busca propor uma realidade na qual o agir esteja em sintonia com o que é ou não é válido por meio da razão. A natureza é o reino da necessidade, ou seja, de eventos regidos por sequências necessárias de causa e efeito – é o reino da física, da astronomia e da química. Além do reino da natureza, há o reino humano da práxis, no qual as ações são realizadas racionalmente, não por necessidade causal, mas por finalidade e liberdade. A ciência em si não se preocupa com a ética pelo fato de suas ações não estarem relacionadas a uma realidade com fatos considerados como verdadeiros ou falsos. Não há, no mundo da moral, uma lei a ser descoberta e escrita. Pelo contrário, somos nós, como seres humanos responsáveis, que devemos conduzir a um mundo ético. Fique atento! 1.1.1.2 Costumes Nossos sentimentos, interesses, ações, condutas e, portanto, comportamentos, em geral, são modelados pelas condições em que vivemos (família, classe e grupo social, escola, religião, trabalho, etc.). Somos compostos pelos costumes de nossa sociedade, que nos educa para respeitarmos e reproduzirmos os valores propostos por ela como bons e, portanto, como obrigações e deveres. Desse modo, valores e costumes são percebidos por nós como se existissem por si e em si mesmos, parecendo ser naturais e universais (como se valessem em qualquer época e lugar). Os costumes, as tradições, as crenças, porque são anteriores ao nosso nascimento e formam o próprio tecido da sociedade em que vivemos, têm uma tendência a serem considerados inquestionáveis como se fossem “sagrados” (as religiões sempre mostram os costumes como tendo sido ordenados pelos deuses, na origem dos tempos, por meio da mitologia). Ora, a palavra costume se diz, em grego, ethos – de onde se derivou ética – e, no latim, mores – a qual, por sua vez, deu origem à moral. Observamos, então, que a ética e a moral se referem ao 12 Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça conjunto de costumes tradicionais de uma sociedade, o que significa que são considerados valores e obrigações para a conduta de seus membros. Em termos filosóficos, porém, há uma distinção entre ética e moral, por meio da qual se compreende a moral como esse conjunto de costumes, crenças, hábitos, tradições, leis e todo elemento que, de alguma forma, regula a conduta humana. Já a ética é esse campo do conhecimento filosófico que tem a moral como objeto de estudo. Em alguns países do mundo, é permitido o casamento entre pessoas de diferentes idades, inclusive entre um indivíduo mais velho e outro ainda na fase de pré-adolescência ou infância. Já na maioria dos países ocidentais, tal ato é recriminado e pode, inclusive, incorrer no crime de pedofilia. Isso significa que certo e errado não são absolutos, alternando-se a cada cultura e época. Não existirá, portanto, uma definição universal do que é certo ou errado do ponto de vista do comportamento. 1.1.1.3 Sócrates e o início da ética Sócrates foi um dos filósofos ocidentais imortalizado por sua história de questionamento, busca da verdade e sacrifício em nome da filosofia. Ele não escreveu nenhum livro e o que sabemos dele tem origem, principalmente, nos diálogos de seu discípulo, Platão, e nos textos de Aristóteles, discípulo de Platão. Sócrates é considerado o pai da ética ou filosofia moral, pois foi o primeiro a direcionar os questionamentos filosóficos para questões humanas, ou seja, enquanto seus antecedentes, os filósofos, conhecidos como pré-socráticos, tinham a natureza como objeto de pesquisa, Sócrates herda o legado filosófico e o redireciona para o homem, inaugurando tanto a ética quanto o próprio racionalismo. Portanto, ética surge no século V a.C. como uma busca pela universalidade das questões morais. O que seria a bondade ela mesma, que vale em qualquer época e lugar, que transcende tempo e espaço? Esta busca percorreu os mais de 26 séculos de história do pensamento ocidental e nos chega com a mesma urgência da época de Sócrates. O início do pensamento ético se dá em um território socrático-platônico, portanto racionalista e idealista. Essa característica da ética é um fator muito importante para compreendermos como pensamos a ética no decorrer do pensamento ocidental. Assim sendo, a ética é um campo do conhecimento filosófico que tem a moral como objeto de estudo. Fique atento! 13 Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça Figura 3 – Sócrates Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018. Contudo, o método socrático de perguntas, que buscavam realizar um parto das ideias, o coloca em destaque em relação aos demais pensadores de sua época e anteriores a ela. Marilena Chauí afirma que: (...) ao indagar o que são a virtude e o bem, Sócrates realiza, na verdade, duas interrogações. Por um lado, interroga a própria sociedade, para saber se o que ela tem o hábito de considerar virtuoso e bom corresponde efetivamente à virtude e ao bem; e, por outro lado, interroga os indivíduos particularmente, para saber se, ao agir, esses possuem efetivamente consciência do significado e da finalidade de suas ações, ou seja, para saber se seu caráter ou sua índole são realmente virtuosos e bons. A indagação ética socrática dirige-se, portanto, à sociedade e ao indivíduo (CHAUÍ, 2000). 1.1.1.4 Aristóteles, eudaimonia e justo meio Já a distinção entre saber teorético e saber prático se deu com Aristóteles, discípulo de Platão, que foi aluno de Sócrates. Saber teorético é o conhecimento de objetos e fatos naturais que se apresentam e agem independentemente de nós e sem nossa interferência. Como dissemos, a filosofianascente tem como objeto de estudo a natureza – isso seria um conhecimento teorético, por exemplo. Apesar de antes de Aristóteles essa distinção não ser muito nítida, dizemos que foi com Aristóteles que ela se deu. O saber prático seria o conhecimento daquilo que só existe por causa de nossa ação – a ação humana – e, portanto, dependeria de nós, o que significa que a ética é necessariamente um saber prático. Na práxis, é o indivíduo que age, e a ação e a 14 Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça finalidade do agir são inseparáveis. Nas palavras de Chauí (2000): “Na práxis ética, somos aquilo que fazemos e o que fazemos é a finalidade boa ou virtuosa”. Aristóteles distingue ética e técnica como práticas que se diferem pelo modo de relação do indivíduo que age com a ação e com a finalidade da ação. Um escultor tem como finalidade uma estátua e, por isso, o produto é separado de quem o produz. Técnica é o meio para alcançar o resultado, que é o produto. Já a práxis com viés ético, a atividade e quem a executa possuem uma ligação íntima entre si e, também, com o produto: a vida virtuosa. Saiba mais Aristóteles deu grande importância à vontade racional, à deliberação e à escolha, o que o levou a considerar uma virtude como condição de todas as outras e presente em todas elas: a prudência ou sabedoria prática. São duas as suas principais obras, sendo a mais conhecida a Ética a Nicômaco. Nela, também é possível encontrar o conceito de eudaimonia ou vida feliz, segundo a virtude e por meio da sabedoria prática. A ética, portanto, era concebida como educação do caráter do sujeito moral para dominar racionalmente impulsos, apetites e desejos, para orientar a vontade rumo ao bem e à felicidade e para formá-lo como membro da coletividade sociopolítica. Sua finalidade era a harmonia entre o caráter do sujeito virtuoso e os valores coletivos, que também deveriam ser virtuosos. Aristóteles também concebeu que as ações ideais, ou seja, as ações virtuosas estariam numa mediana, em um ponto médio entre o excesso e a falta. A virtude da coragem, por exemplo, teria como “vício do excesso” a temeridade e, como “vício da falta”, a covardia. Imagine a seguinte situação: você está visitando uma cachoeira a qual nunca havia ido antes. Há um grande poço no qual uma imensa queda d’água se dissipa. O excesso de coragem ou a temeridade seria alguém chegar e, sem nenhum conhecimento da profundidade do poço ou da altura da queda, saltar de ponta. Já a covardia seria alguém que não consegue sequer chegar à beira da queda para ver a água. O justo meio seria o ponto de equilíbrio entre o excesso e a falta, ou seja, alguém que analisasse a profundidade em uma primeira entrada na água, ainda sem nenhum salto, depois fizesse saltos menores e, por fim, fizesse o grande salto do alto da queda. A coragem, para Aristóteles, envolve prudência e razão, e o modo de encontrar essa justa medida seria a observação do modo como o homem se comporta. Figura 4 – Cachoeira na Chapada da Diamantina, Brasil Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018. 15 Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça 1.1.1.5 Ética na Idade Média Após a Antiguidade, dos gregos e dos romanos, acompanhamos o surgimento do cristianismo e uma nova proposta de ética. Chauí afirma que, diferentemente de outras culturas e religiões da antiguidade, que estavam sempre vinculadas a uma nacionalidade e, consequentemente, a questões políticas, “(...) o cristianismo nasce como religião de indivíduos que não se definem por seu pertencimento a uma nação ou a um estado” (CHAUÍ, 2000), na medida em que a Idade Média é marcada pela fragmentação política e ausência de força dos Estados. O que diferencia o cristianismo nascente é justamente ser marcado pela fé num mesmo e único Deus. “O Deus cristão relaciona-se diretamente com os indivíduos que nele creem” (CHAUÍ, 2000). Chauí, sobre essa peculiaridade do cristianismo no que tange à ética, afirma que “isso significa, antes de qualquer coisa, que a vida ética do cristão não será definida por sua relação com a sociedade, mas por sua relação espiritual e interior com Deus” (CHAUÍ, 2000). Deus assume um papel importante na concepção do que deve ou não ser feito. A partir do cristianismo, a lei divina revelada, a qual devemos obedecer impreterivelmente e sem exceção, passa a considerar que o ser humano é incapaz de realizar o bem e as virtudes. Tal concepção traz à tona nova ideia na moral até então inédita: a ideia do dever. Chauí (2000) afirma que: Mesmo quando, a partir do Renascimento, a filosofia moral distancia-se dos princípios teológicos e da fundamentação religiosa da ética, a ideia do dever permanecerá como uma das marcas principais da concepção ética ocidental (CHAUÍ, 2000). Chauí prossegue sua argumentação questionando se a ética exige um sujeito autônomo; afinal, a ideia de dever não introduziria a heteronomia, isto é, o domínio de nossa vontade e de nossa consciência por um poder estranho a nós? O filósofo Jean Jacques Rousseau (1712-1778), no século XVIII, buscou confrontar essa questão; para ele, a consciência moral e o sentimento do dever são inatos, ou seja, nascem com a pessoa, pois seriam como a própria “a voz da Natureza” e o “dedo de Deus” em nossos corações. Nascemos puros e bons, dotados de generosidade e de benevolência para com os outros. Se o dever parece ser uma imposição e uma obrigação externa, imposta por Deus aos humanos, é porque nossa bondade natural foi pervertida pela sociedade, quando esta criou a propriedade privada e os interesses privados, tornando-nos egoístas, mentirosos e destrutivos (CHAUÍ, 2000). O dever seria uma espécie de força que nos faria recordar nossa natureza primitiva e originária. Segundo Rousseau, obedecendo incondicionalmente ao dever e, portanto, à lei divina inscrita em nosso coração, estaríamos seguindo nosso instinto mais primitivo, ou seja, obedecendo a nós mesmos, aos nossos sentimentos e às nossas emoções, e não à nossa razão, que seria responsável pela sociedade que corrompe o homem. 16 Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça Figura 5 – Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018. 1.1.1.6 A ética de Kant Outra resposta, também do final do século XVIII, foi trazida pelo filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) em oposição à “moral do coração”, de Rousseau. Kant volta a afirmar o papel da razão na ética, pois, segundo ele, não existe bondade natural. Por natureza, diz Kant, somos egoístas, ambiciosos, destrutivos, agressivos, cruéis, ávidos de prazeres que nunca nos saciam e pelos quais matamos, mentimos, roubamos. É justamente por isso que precisamos do dever para nos tornarmos seres morais (CHAUÍ, 2000). A razão prática é a liberdade como instauração de normas e fins éticos. Se a razão prática tem o poder para criar normas e fins morais, tem também o poder para impô-los a si mesma. Essa imposição a si mesma é o dever, é também a manifestação mais alta da humanidade em nós. Obedecê-la é obedecer a si mesmo ao mesmo tempo em que damos a nós mesmos os valores, os fins e as leis de nossa ação moral – por isso, somos autônomos. Kant elaborou as bases da ética moderna. Em um pequeno texto intitulado O que é Esclarecimento?, Kant, em resposta pública a um pastor que havia criticado o Iluminismo, elabora um argumento que ainda é essencial para os dias de hoje: a necessidade da separação entre as esferas pública e privada em um contexto de Estado laico. Quando dizemos “esfera pública”, referimo-nos a essa esfera da vida, na qual atuamos na rua, a partir de um 17 Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça papel social predeterminado publicamente, no qual há formalidade, como um cargo institucional, na nossa vida profissional etc. Quando dizemos “esfera privada”,referimo-nos a essa esfera da vida, na qual atuamos dentro de casa, em nossa vida pessoal e nos papéis sociais desempenhados a partir dela, como o papel de pai, filho etc., sempre de maneira mais informal e passional. Kant vai dizer da necessidade de “maioridade da razão” nesses modos de atuação e de como é imprescindível que, na esfera pública, prevaleça a razão, de modo que a política seja praticada em termos de Estado laico. Para tal, Kant afirma ser necessária uma atitude de ousadia contra a preguiça e a comodidade da menoridade da razão. Seria necessário ousar saber, libertar-se dos tutores e pensar por si mesmo! Veja este trecho do famoso texto de Kant: O Esclarecimento é a saída do homem da condição de menoridade auto-imposta. Menoridade é a incapacidade de servir-se de seu entendimento sem a orientação de um outro. Esta menoridade é auto-imposta quando a causa da mesma reside na carência não de entendimento, mas de decisão e coragem em fazer uso de seu próprio entendimento sem a orientação alheia. Sapere aude! (Ousai saber!) Tenha coragem em servir-te de teu próprio entendimento! Este é o mote do Esclarecimento (KANT, 2010). Para Kant, o esclarecimento ou iluminismo, seria o movimento de emancipação do homem de seus tutores em direção a uma autonomia, que caracterizaria a maioridade da razão. Dessa forma, segundo Kant, a religiosidade, os sentimentos, a subjetividade etc., poderiam se manifestar perfeitamente na esfera privada, mas, na esfera pública, deve prevalecer a razão: Para o esclarecimento, porém, nada é exigido além da liberdade; e mais especificamente a liberdade menos danosa de todas, a saber: utilizar publicamente sua razão em todas as dimensões. Mas agora escuto em todos os cantos: não raciocineis! O oficial diz: não raciocineis, exercitai-vos! O Conselho de Finanças: não raciocineis, pagai! O líder espiritual: não raciocineis, crede! (um único senhor no mundo pode dizer: raciocinai o quanto quiser, e sobre o que quiser; mas obedecei!) Por todo canto há a restrição da liberdade. E qual restrição serve de obstáculo para o esclarecimento? Qual não o impede e até mesmo o sustenta? Respondo: o uso público do entendimento deve ser livre em qualquer momento, e só ele pode gerar o esclarecimento entre os seres humanos; o uso privado do mesmo pode freqüentemente ser bastante restrito, sem que, todavia, o progresso do esclarecimento seja, por isso, impedido (KANT, 2010). Observe que Kant, quando fala que existe um único senhor que diz para raciocinar o quanto quiser, mas obedecer, faz uma menção ao rei da Prússia (atual Alemanha) Frederico II, que era um déspota esclarecido, ou seja, um monarca que aderiu aos ideais iluministas, abrindo mão de seu poder político, mas se mantendo na condição de influência nacional. Vejam que situação interessante! Um filósofo iluminista que defende a separação entre igreja e Estado, a democracia e a república, encontra-se em uma monarquia e está publicando um texto sobre o que é o esclarecimento ou o Iluminismo. É curioso percebermos o modo como Kant elabora sua narrativa por conta desse paradoxal contexto, defendendo o Iluminismo, e, ao mesmo tempo, reconhecendo a postura esclarecida do rei Frederico II. Os ideais iluministas ainda estão em processo de efetivação, pois, como disse Marx, a infraestrutura ou a parte material, como a tecnologia, por exemplo, muda muito mais rapidamente do que a superestrutura, que é o pensamento e a própria cultura. Dessa forma, para que ideias como liberdade de crença, liberdade de expressão e representatividade se efetivem, o Estado laico se torna elemento básico e uma verdadeira bandeira a ser levantada por todos que defendem a democracia e o republicanismo. 18 Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça O mais famoso exemplo de despotismo esclarecido é a família real britânica, que se mantém em um lugar de prestígio e privilégios, mas não tem mais o poder político de outrora, que atualmente é exercido pelo parlamento. Saiba mais Figura 6 – Família real britânica Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018. Portanto, o dever, para Kant, não se apresenta por meio de premissas pré-estabelecidas, que definiriam uma suposta essência de cada virtude e diriam o que deveria ser feito em nossas vidas. O dever é uma forma que deve valer para toda e qualquer ação moral. Sendo assim, o dever é um imperativo categórico, pois ordena incondicionalmente. O imperativo categórico exprime-se numa fórmula geral: age em conformidade apenas com a máxima que possa querer que se torne uma lei universal. Em outras palavras, ato moral é aquele que se realiza como acordo entre a vontade e as leis universais que ela dá a si mesma. Vejamos o exemplo também retirado da obra de Chauí (2000): Por que, por exemplo, mentir é imoral? Porque o mentiroso transgride as três máximas morais. Ao mentir, não respeita em sua pessoa e na do outro a humanidade (consciência, racionalidade e liberdade), pratica uma violência escondendo de um outro ser humano uma informação verdadeira e, por meio do engano, usa a boa-fé do outro. Também não respeita a segunda máxima, pois se a mentira pudesse universalizar-se, o gênero humano deveria abdicar da razão e do conhecimento, da reflexão e da crítica, da capacidade para deliberar e escolher, vivendo na mais completa ignorância, no erro e na ilusão (CHAUÍ, 2000). 19 Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça Figura 7 – Immanuel Kant (1724-1804) Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018. 1.2 Justiça e crise de valores Após a nossa breve passagem pelos principais pontos filosóficos da ética, chegamos a um elemento que é consequência do que foi apresentado: o conceito de justiça. Assim como a ética, associamos a justiça com leis e com o comportamento em consonância com estas leis. Trata-se, portanto, de considerar que as leis são ordenamentos que qualificam as ações dos indivíduos como válidas ou não. Contudo, as leis não possuem a prerrogativa de discutirem o que é o certo ou errado, mas de reunirem o consenso de uma sociedade visando a um tratamento que atue de modo igual ou justo em todos os membros da sociedade. Equidade é o conceito-chave neste exemplo, que faz par com a isonomia, ou seja, com o reconhecimento de que todos os indivíduos sejam iguais perante as leis. Historicamente sabemos que nem sempre as leis atuaram de forma igualitária ou isonômica. Mesmo nos dias atuais, se discute muito se o acesso a recursos financeiros permite que os indivíduos tenham tratamento diferenciado perante a lei. Neste sentido, as leis são elementos de regulamentação do comportamento, mas, por sua vez, não são exatas. A justiça se vincula à busca por uma igualdade perante a sociedade, mas ela parece mudar ao longo dos tempos, de maneira muito semelhante ao comportamento social e moral. Há décadas, no Brasil, havia pouco reconhecimento da condição da mulher desquitada, o que mudou muito nos últimos anos, principalmente em relação à questão da honra masculina. Logo, devemos considerar que a moral, os costumes e a justiça estão atrelados e em constante transformação. Se o conceito de certo ou errado não é fixo, devemos compreender que o que é ou não justo também muda. 20 Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça 1.2.1 Ética profissional Se você é um pedagogo, administrador, psicólogo, engenheiro ou possui qualquer outra forma de atuar no mercado por meio de trabalho especializado – este que necessita de formação acadêmica –, sua profissão tem a ciência como chancela, ou seja, é a ciência que dá credibilidade, condições e comprovação de que sua atuação é eficiente. Por isso, toda atuação profissional no âmbito do trabalho especializado terá de seguir determinadas regras estabelecidas pelo método científico, que são a base de códigos de ética, conselhos federais etc. Aqui entra o conceitode deontologia. Na maioria das vezes, os códigos de ética estão mais ligados à deontologia do que à ética propriamente dita. A diferença entre essas duas áreas está no fato de a ética ter um caráter reflexivo e a deontologia estar mais ligada à prática profissional. A deontologia esta focada em regular a conduta profissional, pois sua atuação deve seguir aqueles procedimentos que já foram testados e comprovados cientificamente como os mais adequados e eficientes, tendo em vista que o que autoriza você a exercer tal profissão é justamente o diploma concedido por uma instituição que está subordinada a um governo (a ciência se desenvolve melhor no Estado laico). No Brasil, todas as instituições de ensino, tanto da rede pública quanto da rede privada, estão subordinadas às regras do Ministério da Educação, que determina quais conteúdos são necessários para tal formação, fiscaliza e avalia as instituições de ensino e garante que somente especialistas, mestres e doutores sejam professores. Ou seja, por trás de todo conhecimento, técnica e inovação, está a ciência. Deontologia, no âmbito da ética profissional, é um conjunto de princípios e regras de conduta, ou seja, os deveres de determinada profissão. Cada área de atuação profissional tem a sua própria deontologia, que tem a função de regular o exercício profissional a partir de um código de ética específico. As normas estabelecidas pela deontologia não proveem necessariamente da moral, mas, sim, de direitos e deveres, princípios e ações de determinada profissão considerando suas especificidades. O termo deontologia foi criado em 1834 pelo filósofo inglês Jeremy Bentham, e o primeiro código de deontologia surgiu na área da medicina, nos Estados Unidos. Saiba mais Há todo um arcabouço regulatório que busca garantir que todo método, procedimento e conhecimento seja comprovadamente o mais exitoso até o momento, levando em conta que a própria ciência está em constante construção e mudança; por isso a necessidade, cada vez maior, de se manter atualizado por meio de pós- graduações, mestrados e doutorados. Portanto, sua atuação profissional tem um compromisso ético de seguir essas determinações, que são consenso entre os pesquisadores. E quando algo não é consenso? Ou quando alguém se utiliza do respaldo de sua profissão para fins eticamente questionáveis? Imagine um psicólogo que utiliza a autoridade de seu diploma para doutrinar religiosamente seus pacientes, dizendo praticar uma espécie de psicologia própria, que ele denomina de “psicologia cristã”; ou um professor que utiliza sua autoridade e credibilidade para doutrinar seus alunos, seja religiosamente ou por meio de alguma ideologia que não é aceita na academia; ou mesmo um gestor que comete algum tipo de discriminação. Essas práticas são condenáveis em termos éticos, pois partimos do pressuposto que quem aprendeu determinada ciência por meio da academia tem um compromisso social com esta e deve exercer esse papel social que lhe foi conferido pela sociedade a partir da laicidade e cientificidade. 21 Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça Um psicólogo que se utiliza de seu diploma para evangelizar, grosso modo, afirmando ser uma depressão a “falta de Deus no coração” ou um “encosto”, que se resolverá se houver a adesão à determinada religião, ou que a homossexualidade seria uma doença e ele ofereceria a cura, está sendo antiético, pois não há, cientificamente, uma corrente da psicologia chamada psicologia cristã e já está comprovado que relações homoafetivas são práticas comuns em várias culturas em diferentes épocas, e não uma patologia. Portanto, não há comprovação de que esse tipo de tratamento tem eficácia; logo, chamamos isso de charlatanismo. O Estado laico não proíbe essas práticas. Não há problema algum em oferecer ajuda às pessoas com sofrimento psíquico por meio da religião – vários pastores fazem isso. O problema está em utilizar a ciência “psicologia” como um respaldo para essa prática, exercendo-a em desconformidade com o código de ética do Conselho Federal de Psicologia. O mesmo se aplica para o exemplo do professor que abusa de seu poder e credibilidade ou do gestor que atenta contra os direitos humanos. Ambos devem exercer seus papéis em conformidade com a ciência, com a legislação e com a ética de seus ofícios e comprometidos com a sociedade como um todo. Figura 8 – Casal homoafetivo Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018. 1.2.2 Religião e religiosidade O termo “igreja” refere-se à instituição religiosa – empresa que tem sede física, placa e logomarca –, uma instituição que formaliza a religiosidade, esta que é o sentimento espontâneo de espiritualidade, que muitas pessoas têm e que, na modernidade, se libertou da condição institucionalizada e se tornou individual, seguindo a tendência do individualismo contemporâneo, oriunda do capitalismo. Por exemplo: é comum ouvirmos que determinada pessoa diz não ter religião, mas tem uma espiritualidade própria, por meio da qual ela diz sentir as energias do cosmos, ou ainda pessoas que inventam seus próprios rituais, como casamentos, nos quais os próprios indivíduos inventam a cerimônia, sem vínculo com nenhuma igreja. Essa é a base do Estado laico, um 22 Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça estado sem vínculo com nenhuma religião, que permite que todas as religiões possam coexistir, inclusive quem não tem religião ou até mesmo quem é ateu. A democracia depende do Estado laico para existir, assim como a ciência também necessita de laicidade para sua prática. Figura 9 – O Papa Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018. O Brasil tornou-se oficialmente um Estado laico em 15 de novembro de 1889, quando deixou de ser uma monarquia e passou a ser uma república. Até então, todos os rituais da vida social, como casamentos, registros de nascimentos e óbitos, festividades e acontecimentos sociais em geral eram determinados pela igreja católica. Com a proclamação da república, essas funções foram sendo gradualmente transferidas da igreja para o Estado. Hoje, se você for se casar, basta entrar em um cartório, pegar a senha e pagar a taxa. Trata-se de um contrato, reconhecido pelo Estado, que não lhe pergunta nada sobre religião. Por acontecer na esfera pública, costuma ser pouco cerimonioso e, se há algum grau de cerimônia, trata-se de herança dos tempos de monarquia. As cerimônias propriamente ditas são feitas nas igrejas ou nas casas das pessoas, ou seja, na esfera privada. Ao mesmo tempo, existem, ainda hoje, cidadezinhas nos interiores do país nas quais nascimentos e mortes ainda são registrados pela igreja católica, pois nunca chegaram cartórios por lá. Outra polêmica em torno dessa questão está ligada à existência de uma bancada evangélica em nosso Congresso Nacional, que já demonstrou em vários episódios uma falta de consideração pela laicidade do Estado, permitindo que convicções puramente religiosas permeiem suas escolhas e atitudes em uma clara ausência de espírito republicano. 23 Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça Síntese da unidade Nesta unidade, vimos como os temas ética, moral e justiça estão relacionados a uma vida em sociedade considerada como adequada ou correta. Esse julgamento muitas vezes faz parte de um conjunto de valores que são parte de um costume ou hábito social. A ética enquanto justificativa racional é parte da filosofia moral, que buscou desde os gregos antigos estabelecer uma análise do que seria o certo e o errado. Vimos também a importância das discussões sobre ética e o quanto elas são necessárias para todas as sociedades. Na atualidade, vimos que a base das relações profissionais no que tange à ética passa pelo Estado laico. Outro fator importante de se ressaltar diz respeito ao modo como os temas éticos são tratados na academia. Como você pôde perceber, um cursode ética não vai necessariamente transformar as pessoas em indivíduos virtuosos e eticamente impecáveis. Na verdade, um curso de ética tem o objetivo de proporcionar a reflexão sobre os temas que concernem à conduta humana por meio dos filósofos que discutiram e aprofundaram tal temática. 24 Considerações finais Viver uma vida que vale a pena requer colocá-la constantemente em análise, o que pode ser um trabalho extremamente dispendioso, se não impossível de ser de feito. A filosofia nos permite olhar para a sua história e para as principais ideias de seus filósofos como uma forma de minimizar o esforço de ponderar sobre as questões da vida. Se vivemos em uma sociedade complexa, então nosso esforço será não somente de voltar o pensamento para nossos atos, como o de considerar o que os demais estão pensando. Não será surpresa alguma perceber que a maioria considera cansativo ou improdutivo colocar em dúvida os próprios costumes, deixando para momentos extremos esse ato. Contudo, as constantes crises éticas que atingem empresas, governos e sociedade demonstram que não podemos nos considerar profissionais éticos se não pensamos com profundidade a respeito do que realmente deve ser feito em prol do bem comum. A virtude do todo depende da compreensão de cada um. Essa unidade inicial funciona como um convite para continuarmos a nos aprofundar para sair dos hábitos repetitivos e encarar de fato o que podemos fazer de melhor, pois o grande desafio da ética contemporânea é, justamente, estabelecer essa relação com a moral, de modo que o Estado laico possa garantir que nenhum aspecto específico da moral se sobreponha aos outros (determinada religião, por exemplo). As principais características do nosso tempo são a diversidade, multiplicidade, heterogeneidade, multiculturalismo, sincretismo e diferenças de toda ordem convivendo juntas, o que revela uma moral cada vez mais diversa e complexa. Para garantir representatividade e equidade em uma república democrática, é imprescindível que o Estado laico seja defendido, pois somente ele pode proporcionar a liberdade de crença, de expressão, de ir e vir – em suma, a própria democracia. Unidade 1 1. Ética, Moral e Justiça Unidade 2 2. A Condição Humana Unidade 3 3. Existencialismo Unidade 4 4. Bioética Unidade 5 5. Sistemas Políticos Unidade 6 6. Consciência Política e Ação Social Unidade 7 7. Cidadania e Responsabilidade Social Unidade 8 8. A Questão Brasileira
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