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Relações_de_Poder_no_Cotidiano_Escolar

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reprodução.Biblioteca online – sem valor comeBiblioteca online – sem valor comercial. 
Proibida a venda e a reprodução.rcial. Proibida a da e a reprodução. 
Relações de 
poder no 
cotidiano escolar 
Circulação interna 
Textos extraídos do livro: Relações de Poder no Cotidiano Escolar, de Lúcia Maria Gonçalves de Resende 0 
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"Conhecer os outros é inteligência, conhecer-se a si próprio é 
verdadeira sabedoria. Controlar os outros é força, controlar-se 
a si próprio é verdadeiro poder." 
(Lao-Tsé) 
Textos extraídos do livro: Relações de Poder no Cotidiano Escolar, de Lúcia Maria Gonçalves de Resende 1 
 
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INTRODUÇÃO................................................................................................................... 3 
 
1. REFLEXÕES SOBRE A ESCOLA................................................................................ 4 
Atividades de Síntese........................................................................................................... 
 
14 
2. RELAÇÕES DE PODER: UMA ANÁLISE CONCEITUAL....................................... 15 
 
3. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA............................................................................... 27 
 
4. DA PRÁTICA PENSADA Á PRÁTICA REALIZADA............................................... 37 
 
5. ANÁLISES FINAIS ....................................................................................................... 72 
Atividades de Síntese........................................................................................................... 
 
82 
REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 83 
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 86 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sumário 
Textos extraídos do livro: Relações de Poder no Cotidiano Escolar, de Lúcia Maria Gonçalves de Resende 
 
2 
 
Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Este módulo que ora apresentamos visa reunir o melhor do pensamento teórico e crítico 
sobre as relações de poder que se estabelecem na escola, expondo um leque de questões de grande 
relevância para o debate nacional sobre a Educação. 
A pluralidade e as necessidades de nossas escolas pressupõem dois aspectos básicos: a 
competência e a coragem de fazer. Ambos caminham juntos e se impulsionam mutuamente. E 
preciso criar espaços, na esfera da escola, para os profissionais se sentirem desconfortáveis com seu 
fazer, com a mesma intensidade como têm se sentido com as instituições e órgãos superiores. A 
insatisfação consigo mesmo propicia o (re)pensar, o (re)construir. 
Na medida em que este processo ocorrer em cadeia será possível pensar em construções de 
fato coletivas, em identidades de escola e finalmente em melhoria da qualidade de ensino. 
Por acreditar que os profissionais de educação podem alterar o rumo do processo ensino-
aprendizagem com mais força e determinação que planos, leis, decretos e projetos construídos em 
instâncias muitas vezes distantes das possibilidades e dos limites da escola, é o objetivo deste 
estudo. 
Esperamos assim contribuir para a reflexão dos profissionais da área de educação, visto que 
nesse campo o questionamento é o primeiro passo na direção da melhoria da qualidade do ensino, o 
que afeta todos nós e o país. 
 
A todos, bons estudos! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Introdução 
Textos extraídos do livro: Relações de Poder no Cotidiano Escolar, de Lúcia Maria Gonçalves de Resende 
 
3 
 
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Capítulo 1 
 
Reflexões sobre a escola 
 
Sabe-se que a prisão é o único lugar onde o poder se manifesta 
sem nenhuma necessidade de se mascarar. 
Foucault 1989, p. 54 
 
Analisando um determinada escola, podemos perceber a importância da construção 
coletiva do projeto político-pedagógico decorrente da necessidade de explicitação das ações já 
estava “plantada”, mas faltava uma ação que possibilitasse fazer germinar, desenvolver a 
construção. As questões da escola, em geral, não eram tratadas de forma articulada e ampla, ao 
contrário, podia-se perceber a formação de verdadeiros “feudos” na análise e na administração dos 
problemas. 
A comunicação oral e gestual, por exemplo, nem sempre era vista como relevante, uma vez 
que se destacava um caráter aparentemente neutro, oficioso e até secundário; no entanto, 
ocultavam-se ou explicitavam-se comportamentos compromissados com uma postura que se 
definia pela busca da manutenção das estruturas sociais vigentes e com formas de relação de poder 
autoritárias e contraditórias ao discurso. 
Além desse aspecto, a possibilidade de formas democráticas e mais transparentes na 
condução da escola impõe a participação qualificada de pessoas, grupos e instituições no 
funcionamento articulado de suas ações, não por áreas estanques, mas com a preocupação 
globalizadora. 
Mas, certamente, seria uma postura bastante ingênua imaginar que se estaria propondo a 
compreensão das relações fundamentais da prática educativa nas escolas em sua amplitude global, 
porém, questiono se seria esperar demais que os profissionais envolvidos buscassem, no mínimo, o 
exercício da leitura e da interpretação coletiva das formas diversas de expressão de poder de sua 
vida cotidiana. 
O uso do termo “vida cotidiana”, entendido segundo descreve Lefebvre,1 refere-se a níveis 
de realidade social, o que equivale dizer que estamos conectados à globalidade. 
A importância de se conhecer a vida cotidiana está, principalmente, no fato de que tudo 
aquilo que normalmente é determinado pelas esferas superiores, como orientações metodológicas, 
1 Henri Lefebvre utiliza a expressão vida cotidiana para designar as características da vida sob o modo capitalista de produção. 
Textos extraídos do livro: Relações de Poder no Cotidiano Escolar, de Lúcia Maria Gonçalves de Resende 
 
4 
 
 
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níveis de autonomia social e outras, produz-se e constrói-se do e no cotidiano. Em outras palavras, 
tudo que é criado deve vir do cotidiano e retornar a ele para ser confirmado e validado. 
Todos os estudos sobre a cotidianidade apontam a complexidade e a contraditoriedade de 
seu conteúdo. Isso porque sugere, entre outros aspectos, a reflexão sobre a vida dos gestos, das 
atividades rotineiras, do mundo privado de cada um, em todas as suas ambivalências. Atinge um 
modo de existência social que flui entre o fictício e o real, o abstrato e o concreto, o homogêneo e o 
heterogêneo. 
A relação do homem com a cotidianidade é direta, propiciando um processo de 
amadurecimento ao indivíduo, que se reproduz diretamente como indivíduo e indiretamente como 
complexo social. Segundo Heller:2 
O homem nasce já inserido em sua cotidianidade. O amadurecimento do homem significa, 
em qualquer sociedade, que no indivíduo adquire todas as habilidades imprescindíveis 
para a vida cotidiana da sociedade (camada social) em questão. (...) E adulto quem é capaz 
de viver por si mesmo a sua cotidianidade. (1972, p. 18) 
No que diz respeito à escola, é preciso que as decisões institucionais para se efetivarem 
emerjam da prática cotidiana, sendo, portanto, necessário conhecê-la, identificando suas 
características e formas de expressão. Reforçando, a vida cotidiana insere-se na história, modifica-
se e modifica as relações sociais, e acrescenta Heller: “Mas a direção destas modificações depende 
estritamenteda consciência que os homens portam de sua essência e dos valores presentes ou não 
ao seu desenvolvimento.” (1972, p. 20) 
Segundo autores como Kosik (1988) e Lefebvre (1979), a escola, muitas vezes, é acusada 
pelo trabalho alienado de seus profissionais e dessa acusação infere-se que a vida cotidiana é 
atingida por uma das dimensões da alienação, que, segundo Marx, está associada ao caráter da 
objetivação. Nela, o trabalho deixa de ser vital, criador, prazeroso para se tornar apenas meio de 
subsistência. “O homem alienado de si mesmo é também o pensador alienado de sua essência 
(1978, p. 47) 
Nesta visão, a vida cotidiana passa a ser um espaço, também, de mediocridade, com alguns 
valores — como o individualismo, a neutralidade, a competição — intensificados pela estrutura 
capitalista de organização social. Ocorre uma insatisfação, que se manifesta na contestação ou na 
passividade, que mascara a mediocridade e impede a procura do “ser inteiro”. Assim, a 
cotidianidade será campo de desenvolvimento do poder criador e transformador e, também, da 
alienação. 
A questão da objetivação é vista por Heller como elemento básico do ser social. As 
objetivações mais características da vida cotidiana são as “objetivações em si”. Essa objetivação 
existe quando acontece o rompimento da heterogeneidade. O singular toma consciência da gene-
ralidade por meio das objetivações privilegiadas, como o trabalho, a ciência e a arte, por exemplo, 
ou mesmo por meio de uma escolha moral. 
Historicamente essa passagem tem sido de acesso muito restrito aos seres singulares. O que 
não significa mudar a sua cotidianidade, pois essas experiências caracterizam a vida cotidiana. A 
requisição da generalidade é continuamente posta e reposta na vida cotidiana. 
O importante é a construção da individualidade, uma vez que nela está presente a dialética 
do universal, do particular, do singular. A individualidade é uma construção interminável, o que 
significa dizer que o ser singular passa a transcender uma particularidade, chegando à consciência. 
Neste trabalho, tomaremos os princípios de Heller, em que a dialética entre o genérico e o 
particular pertence ao processo de tomada de consciência da realidade como uma construção 
2 Heller não identifica a vida cotidiana como alienação, em discordância de Lefebvre. Ela observa que a alienação não destaca a unidade entre ser 
genérico e ser singular, reforça que há oposição e não uma diferença. 
Textos extraídos do livro: Relações de Poder no Cotidiano Escolar, de Lúcia Maria Gonçalves de Resende 
 
5 
 
 
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sempre presente no cotidiano. 
Para a autora, a vida cotidiana toma o homem inteiro, em todos os seus aspectos e, 
portanto, em sua individualidade e generalidade. Nem mesmo o fato de que todas as suas 
capacidades estejam em funcionamento garante a sua intensidade. 
O homem da cotidianidade é atuante e fruidor, ativo e receptivo, mas não tem tempo nem 
possibilidade de se absorver inteiramente em nenhum desses aspectos; por isso não pode 
aguçá-los em toda sua intensidade. (1985, p. 18) 
A questão da relação de poder na escola é uma temática que há muito preocupa educadores. 
As pesquisas que têm privilegiado esse assunto buscam associar o poder a diferentes aspectos da 
realidade escolar. Meu trabalho buscará acrescentar algumas reflexões sobre essa temática, 
enfatizando a dificuldade da escola na identificação dos processos que resultam das e nas relações 
de poder. 
E, talvez, por tudo que existe de receio, polêmica e “sombra”,3 tive clareza de que esta é, 
sem dúvida, uma das “feridas” expostas da escola e que por isso mesmo merece que se assuma o 
desafio. Arendt refere-se à ilusão da percepção da realidade, afirmando que 
(...) toda a esfera dos assuntos humanos é vista do ponto de vista de uma filosofia que 
pressupõe que mesmo aqueles que habitam a caverna dos problemas humanos são 
humanos, na medida apenas em que também querem ver, embora permaneçam iludidos 
por sombras e imagens. (1972, p. 155) 
A escola entre o conservador e o emergente 
 
A qualidade da visão de mundo expressa-se não apenas na capacidade de participar da 
elaboração de um projeto comum. O discurso, freqüentemente progressista, que aflora dos textos e 
documentos nem sempre traduz o concreto pensado e vivido na escola. Ao contrário, reflete a 
própria crise de paradigmas que se pode observar nos mais diferentes níveis sociais. 
Quando abordamos o descompasso entre a fala e a postura, não nos referimos a questões 
conflitantes apenas perifericamente. Referimo-nos, sim, ao fato de que os paradigmas são 
elementos norteadores, entre outros aspectos, dos métodos e das questões definidoras da prática 
pedagógica dos profissionais da educação. Com base nesse raciocínio, as tendências pedagógicas 
explicitadas são conseqüentes de valores e princípios acumulados ao longo da experiência vivencial 
de cada profissional. Com isso não queremos dizer que seja impossível se alterar posturas 
pedagógicas, mas sem dúvida não serão as novas propostas, mesmo que bem elaboradas e 
produzidas pelas instâncias que “pensam” a escola, que promoverão essas mudanças. 
O que observamos é que, diante de uma nova proposta pedagógica, os professores adotam 
de forma mais acentuada duas condutas, quais sejam: rejeitam sem maiores reflexões, justificando 
que preferem manter-se na proposta que sempre tiveram e que sempre deu tão certo, como afirmam 
com freqüência; adotam o discurso de defesa da nova proposta, buscando com isso participar do 
grupo de educadores tidos como “progressistas” e atualizados sem, no entanto, viverem a proposta 
em suas salas de aula, pois estão distantes de sua concepção e de seu entendimento. 
Mas existem os profissionais que se preocupam em repensar suas práticas, fazendo uma 
análise crítica e buscando imprimir em seu cotidiano condutas compatíveis com o entrelaçamento 
da sua formação inicial e as experiências profissionais teóricas e práticas que caracterizam sua 
formação continuada. Infelizmente estes não se constituem na maioria, ao contrário, são vistos 
pelos próprios colegas como caxias e portanto, diferentes do grupo. Muitas vezes chegam a 
incomodar os menos interessados em fazer do processo ensino-aprendizagem um processo que não 
3 O termo “sombra” traz a conotação dada por Platão na parábola da caverna, em que seus habitantes teriam que sair dela e embarcar numa 
aventura por si mesmos — este seria o caminho para a verdade. 
Textos extraídos do livro: Relações de Poder no Cotidiano Escolar, de Lúcia Maria Gonçalves de Resende 
 
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se limite ao achismo e à repetitividade impensada. Causam claro desconforto a alguns grupos que 
vivem o pacto da mediocridade no cotidiano das suas atividades profissionais. 
A interligação paradigma — relações de poder — proposta pedagógica curricular reflete 
componentes imbricados de um mesmo processo, retratando aspectos em seus pontos divergentes 
mais profundos, que vão desde princípios filosóficos até atividades em sala de aula. Na verdade, 
qualquer currículo se efetiva, no nível da sala de aula; é o currículo ensinado e que congrega uma 
grande pluralidade de concepções e princípios filosóficos. 
O descompasso entre o implícito e o explícito é um convite a uma reflexão mais detalhada 
sobre o real paradigma que direciona as relações de poder no cotidiano da escola. Não é simples 
captar a riqueza de aspectos que se colocam em torno das manifestações das pessoas e para tanto é 
necessário estar atento ao cotidiano como espaço de manifestação, também, do simbólico e do 
imaginário. 
Para melhor esclarecer o embate de paradigmas, que não é questão exclusiva da esfera 
escolar, mas, antes, constitui-se em aspecto socialmente mais amplo, farei uma abordagem partindo 
do conceito e das ligações com as teorias da ciênciaeducativa. 
A discussão sobre paradigma4 não é nova; no entanto, nos últimos anos tem se 
intensificado. Por este motivo existe o risco de transformar-se em mais um modismo, pela forma 
como o termo é utilizado, pelo enorme prestígio e por alguns abusos. 
A noção de paradigma pode ser entendida tanto numa acepção clássica, como em Platão, 
quanto segundo uma acepção contemporânea, como em Thomas Kuhn.5 Na primeira visão, um 
paradigma tem o caráter de modelo, um tipo exemplar, pertencente a um mundo abstrato. Apesar 
de possuir elementos comuns, no sentido de apresentar função normativa, a segunda visão possui 
diferenças no sentido da ampliação da concepção, pois busca a realidade captada, vivida e não 
apenas modelar. 
Outros conceitos poderiam ser apresentados, porém, destacamos três: 
 
Paradigmas são realizações científicas, universalmente reconhecidas, que, durante algum 
tempo, fornecem problemas e soluções modelares aos praticantes de uma ciência. (Kuhn 
1962, p. 18) 
O paradigma é uma concepção geral significando a intuição do mundo, uma filosofia ou 
uma ortodoxia intelectual. O paradigma propõe problemas, métodos de pesquisa e 
critérios para soluções aceitáveis por todos aqueles que fazem pesquisa. (Martins 1981, p. 
47) 
Paradigma é o bloco de pensamento que articula um modelo ou uma teoria. Neste sentido 
é sinônimo de “metateoria”, pois, proporciona uma espécie de sintaxe que amarra a 
elaboração e reformulação das teorias pertinentes. (Molero 1991, p. 59) 
 
A essência dos conceitos diz respeito a uma rede de conceituações e metodologias que 
estão ligadas a valores e crenças com caráter exemplar. O paradigma exclui a investigação 
científica de problemas cujas soluções se antecipem a ele. Como exemplo, temos certas questões 
sociais que são afastadas da investigação por não se enquadrar à forma usual do paradigma 
dominante. Se por um lado o recorte paradigmático permite a investigação detalhada de uma dada 
parcela da realidade, por outro acaba por cercear outras possibilidades analíticas dessa mesma 
realidade, de forma que o novo, visto como anômalo, é afastado. 
No entanto, pelo próprio movimento dialético dos fatos esse “afastamento” provocado pelo 
4 O termo grego “paradigma”, que significa modelo, epistemê, possui vários sentidos embora neste trabalho será tomado de forma mais 
enfática em seus sentidos sociológico e epistemológico. 
5 Foi Thomas Kuhn quem trouxe para o centro da discussão a noção de paradigma em sua obra A estrutura das revoluções científicas. Destaca a 
estrutura de pressupostos como alicerce de uma comunidade científica. 
Textos extraídos do livro: Relações de Poder no Cotidiano Escolar, de Lúcia Maria Gonçalves de Resende 
 
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cerceamento paradigmático não tem como refrear a força da História. O papel desbravador dos 
novos paradigmas coloca os fenômenos tidos como não-científicos à mostra e muitos deles indicam 
novas perspectivas e completas revoluções epistemológicas como as produzidas, por exemplo, por 
Einstein, Marx e tantos outros. 
Os paradigmas são situados historicamente e representam a tendência dominante de cada 
época, o que significa dizer que ao longo do processo de desenvolvimento da humanidade eles vão 
se entrelaçando, se alterando, formando o que poderíamos chamar de malha referencial do 
comportamento. Esse movimento gera momentos de acomodação e também de crises. 
Um dos melhores exemplos é, provavelmente, a crise paradigmática da revolução científica 
dos séculos XVI e XVII, apontada como a responsável pelo desencadeamento do pensamento da 
Modernidade, tendo como referencial a matriz de racionalidade sobre as ciências naturais. Sem 
dúvida, o que se constatou foi o grande progresso científico e tecnológico que impera em nossos 
dias. Paralelamente, num movimento dialético, esse mesmo desenvolvimento fez emergir a 
superação do paradigma com o qual se desenvolveu. O novo traz o germe de um outro mundo, um 
outro homem, um outro episteme. 
A Modernidade caracteriza-se pela ruptura com a tradição que leva buscar no sujeito 
pensante a justificação do conhecimento. O século XVIII é conhecido como o “Século das Luzes”, 
visto que o real deve tornar-se claro em todos os seus aspectos e, portanto, transparente à razão. O 
conhecimento, a ciência e a educação são as armas para se desvelar o real, na medida em que os 
homens são dotados de luz natural, de racionalidade. A reflexão e a crítica sobre a realidade 
pressupõem a autonomia da consciência subjetiva de forma que o próprio modelo de conhecimento 
deriva da subjetividade. 
A ânsia do homem pelo progresso da ciência impediu-o de refletir, concomitantemente, 
sobre o caráter científico e social dos fenômenos. Cientistas que trabalham paradigmas emergentes 
buscam a superação da fragmentação da ciência e ainda suas conseqüências para o homem e a 
sociedade. As certezas dos sujeitos pensantes do modelo cartesiano já não conseguem manter-se na 
análise e no conhecimento da realidade. 
Hegel (1975) inicia um questionamento sobre o paradigma subjetivista, trazendo a noção 
de uma consciência historicamente determinada, sendo considerado por alguns como um dos 
precursores da “intersubjetividade”. Afirma, ainda, que a relação com a realidade não ocorre 
através da consciência subjetiva, mas pressupõe a existência da inserção mútua entre cultura e 
indivíduo. 
Marx (1979) reforçou as críticas à tradição racionalista por meio de noções como alienação 
e ideologia. A liberação humana pode ocorrer na medida em que a própria sociedade se 
transformar. O autor destaca que a noção de alienação como conceito crítico opõe-se à 
racionalidade iluminista. 
Esses são exemplos que ilustram a crise vivida pela Modernidade, no século XIX. As 
teorias científicas buscam outros caminhos, que já não se referem apenas à filosofia da consciência, 
ao formalismo e à própria lógica das teorias científicas do início desse paradigma, em detrimento 
ao sujeito do conhecimento. 
Uma análise mais profunda e séria sobre paradigma torna-se a cada momento mais 
importante para que se possa compreender as crises dos grandes sistemas interpretativos, que vêm 
perdendo a capacidade de explicar uma realidade cada vez mais complexa, plural e heterogênea. 
Em síntese, a falha da pretensão racionalista de organizar os vários aspectos do real acabou 
provocando o que alguns teóricos chamam de crise do paradigma dominante ou clássico. A 
exigência de um rigor científico deixou de fora tudo o que não pode ser explicado pela razão. 
Nesse sentido, têm surgido cada vez mais críticas ao paradigma clássico e, junto, a 
possibilidade de outros paradigmas que ainda estão se construindo. São os chamados paradigmas 
Textos extraídos do livro: Relações de Poder no Cotidiano Escolar, de Lúcia Maria Gonçalves de Resende 
 
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emergentes,6 que abrem o caminho para a transdisciplinaridade que se opõe ao característico 
isolamento disciplinar do paradigma clássico. 
É importante, como lembra Carvalho (1986), que a crítica não seja feita ao paradigma 
propriamente dito mas ao seu expansionismo, que traz em seu bojo a pretensão do alcance universal 
dos fenômenos. Isso significa que um paradigma deve ser considerado, desde que reconduzido aos 
seus limites, levando em conta os princípios da recondução e da complementaridade entre 
paradigmas, sem, portanto, serem excludentes. 
Chamamos a atenção para a amplitude deste pensamento, pois não se resume a uma 
questão epistemológica na medida em que envolve tanto o pensamento da realidade como a sua 
natureza, que dizem respeito aos princípios fundamentais que regem os fenômenos e o próprio 
pensamento. 
Dessa maneira, a visão de mundo, de homem e de sociedade que norteia as concepções 
como verdadeiros lemes, dos quais nem sempre se tem consciência, transcende ao próprio discurso.Daí porque dizer-se que a revisão de paradigmas exige coragem pela falta de evidência sobre o 
acerto da mudança e também pelo fato de que valores podem ser dolorosamente desalojados e 
velhas certezas, postas à prova. Boaventura, de maneira muito apropriada, afirma que na desafiante 
busca, os educadores, 
(...) despedem-se, com alguma dor e muita insegurança, dos lugares conceituais, teóricos e 
epistemológicos ancestrais e últimos, mas não mais convincentes e securizantes. Partem 
em busca de paragens onde o otimismo seja mais fundamentado e a racionalidade, mais 
plural. (In: Pimentel 1992, p. 59) 
A História trilhou este caminho. Em certas épocas houve mais resistência à movimentação 
paradigmática, mas ela ocorreu. Atualmente a fragilidade da resistência foi conseqüência da 
rapidez com que o novo chega ao homem e este acaba por curvar-se, se quiser estar vivo no sentido 
amplo da palavra. Para se tomar o trem da História, que possui um ritmo próprio para cada época, é 
preciso nos abrirmos para a intuição do mundo através de elos que ligarão três elementos 
interligados: revisão-elaboração-reformulação. 
Algumas pessoas e mesmo grupos sofrem de um mal chamado “paralisia paradigmática”, 
que é a doença fatal da certeza absoluta, imutável e inquestionável. Um exemplo são os fabricantes 
de relógios suíços, que eram donos do mercado e que em 1968 não acreditaram e não aceitaram a 
invenção do relógio de “quartzo”. A idéia foi comprada pelos japoneses, que passaram a dominar o 
comércio de relógios. Mais recentemente, um empresário suíço, acreditando na interminável 
corrida tecnológica, investiu no relógio “Swatch”, que possui menos componentes e é mais barato. 
Atualmente, de cada dois relógios vendidos no mundo, um é fabricado na Suíça e, desses, a maioria 
é Swatch. 
Mas poderia um exemplo de uma área, aparentemente tão distante e tão manipulável como 
a comercialização de produtos, ser trazido à área da educação? Eu diria que, guardando as devidas 
proporções, é um exemplo que pode remeter-nos a uma análise bastante profunda. 
Os educadores muitas vezes tendem a cristalizar suas concepções originárias de teorias 
ligadas a paradigmas que foram “assimilados” ao longo de suas histórias de vida, que transcendem 
delas próprias e que podem estar superadas. Os fatos que ocorrem na realidade são profundamente 
dinâmicos e trazem para o seio da escola situações que não devem ser ignoradas, verdades que não 
podem ser encobertas, ao contrário, necessitam ser discutidas no bojo dos conteúdos de cada sala 
de aula, de acordo com o nível de seus alunos. Hoje a família é outra, o aluno é outro, os fatos são 
novos e em várias escolas, os professores são os mesmos, pois muitos são os que reproduzem em 
6 Hanna Arendt usa o termo “natalidade” para expressar a idéia de emergente. Faz uma interessante análise sobre o confronto do instituído 
e o que “vem”, o que está para nascer. 
Textos extraídos do livro: Relações de Poder no Cotidiano Escolar, de Lúcia Maria Gonçalves de Resende 
 
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suas posturas e palavras o que seus mestres, há décadas, disseram. A escola necessita “oxigenar-se” 
para não ser sufocada pelo fechamento que ela própria está gerando. 
Estamos, basicamente, entre dois blocos paradigmáticos trincados pelo próprio processo 
histórico — o conservador e o emergente. Mas como toda crise, esta também traz em si o germe de 
sua própria superação, que aponta para uma nova inspiração paradigmática rumo a novos conceitos 
de relação de poder e descentralização, que se constituem em alternativas que deverão superar os 
modelos anteriores e que por sua vez não respondem a tais desafios. 
Os educadores, num momento indiscutível de transição, carecem do domínio do 
conhecimento como um espaço conceituai. Alguns poucos criticam posturas conservadoras, 
literalmente ancoradas em um paradigma ultrapassado, e buscam com muita criatividade a 
construção de novas formas de pensar a realidade, sem as conhecidas dicotomias em que o 
horizonte conceitual resume-se no ou e não no e. Conseguem ultrapassar a formação cultural que 
reforça o velho vício — pensar a contradição e não por contradição, como afirma Vieira Pinto 
(1969). 
Melhor explicando, as pessoas que conseguem a superação do ou abrem mão do 
dogmatismo, em detrimento de uma racionalidade mais plural, articulada, não-fragmentada. Em 
conseqüência, articulam-se com o poder de forma mais transparente e coerente. 
Pela não-superação, existem os educadores que, apesar dos questionamentos, não mudam 
de perspectiva, muitas vezes buscando restaurar o paradigma dominante, num movimento 
saudosista e limitado, valendo-se do poder como elemento de manutenção das relações vigentes. 
Não estou querendo classificar o novo como o indubitavelmente melhor. O empobrecedor 
está no fato de entendermos o horizonte do conhecimento como algo finito, limitado e acabado. 
Assim, as relações sociais em torno do poder transitam entre os dois pólos paradigmáticos, 
quais sejam, o conservador e o emergente ou da natalidade, como se refere Arendt (1979). Em uma 
extremidade encontram-se os educadores que consideram o conhecimento como transmissão de um 
saber pronto, e, na outra extremidade, os educadores que concebem o conhecimento como um 
processo de construção. Entre ambas, uma gama de combinações possíveis é gerada, pois a posição 
que os educadores explicitam não é estática, visto que é processual, ou seja, durante o percurso 
profissional vivem experiências que promovem alterações conceituais e práticas, mais ou menos 
lentas. 
O confronto dessas orientações teóricas reflete-se no cotidiano das escolas. Divergências 
ou até convergências acerca das posturas pedagógicas dos profissionais da educação não se 
evidenciam, em sua essência, nos exaustivos discursos repletos de jargões e modismos que podem 
ser percebidos em anfiteatros lotados nos grandes encontros nacionais ou mesmo nas discussões em 
salas de reuniões espalhadas por cada unidade escolar, mas sim no âmbito de cada sala de aula e, 
mais especificamente, na postura de cada educador no cotidiano da escola. 
A impotência diante dos problemas educacionais tem se constituído no sentimento mais 
freqüente entre os educadores que, corroídos pelo “cansaço pedagógico” e, principalmente, pela 
angústia exacerbada, anseiam chegar ao como, às receitas ou aos possíveis modelos de um 
paradigma que não foi “gestado” e, portanto, não absorvido. Em muitos dos casos esse 
descompasso não é percebido com nitidez e muito menos em suas causas, mas traz o embate entre 
o paradigma instalado e outro(s) que a realidade suscita. 
Além dessa dificuldade teórica, a escola luta contra outras mazelas, pois está inserida em 
uma sociedade não menos problemática. Entre tantas indefinições e incertezas com o processo 
educativo e, por que não dizer, decepções com os próprios poderes constituídos, a matriz teórica de 
cada educador acaba sendo descaracterizada, como a desesperança da maioria dos brasileiros com a 
melhoria da própria qualidade de vida. 
No Brasil, vive-se a “adolescência” de um processo político, no sentido pleno da palavra. 
Textos extraídos do livro: Relações de Poder no Cotidiano Escolar, de Lúcia Maria Gonçalves de Resende 
 
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São marcantes a revolta, a crítica, os descompassos provocados por ações repletas de incoerências. 
Muitas vezes se critica, de forma inconsistente, em outras instâncias mais amplas, aquilo que se 
reproduz no espaço menor. As análises acabam se limitando a questões periféricas do processo e 
relegam a um segundo plano os pontos essenciais. 
Uma escola autônoma e de qualidade, onde o saber veiculado oportunize a “todos” a 
capacidade de exercer com dignidade a cidadania, deve, sem dúvida, fazer parte de uma sociedade 
amadurecida em sua consciência social através da luta pelos direitosda cidadania coletiva. Esse 
desejo está vinculado a um determinado paradigma, ainda embrionário para muitos. 
Temos que admitir a existência do germe de um processo de amadurecimento social. 
Várias situações de organização social, mesmo que precárias, em alguns momentos podem ser 
notadas. E evidente que o impeachment de um presidente, a cassação de parlamentares, o processo 
de mobilização de algumas camadas da população para acompanhar as decisões do Congresso 
Nacional, por exemplo, não resumem e nem traduzem a capacidade de intervenção popular. 
Comparativamente, é o mesmo que uma criança das camadas populares conseguir um lugar na 
escola pública, porém, a grande questão é manter-se nela e, efetivamente aprender; como para o 
povo brasileiro é garantir condições de vida digna para a população, acompanhada pela luta 
consciente, constante e essencial por um governo transparente e democrático. 
Apesar dos indicativos de mudança, se o desejo dos educadores, explícito nos discursos, de 
uma escola mais democrática e de qualidade é consistente, por que suas ações reforçam uma 
estrutura de relação de poder semelhante à do Estado autoritário? 
E o embate dos paradigmas que se mostra no nível da escola. Com freqüência encontramos 
regimentos, planos globais, enfim as diretrizes que regem a escola repletas de nuanças 
democráticas, e no fluxo de poder das diversas esferas da organização pedagógico-administrativa 
em geral, ações antidemocráticas, conteúdos sem significado para os alunos e reforçadores de uma 
estrutura repressora. Por isso, não basta definir uma escola voltada para a maioria da população 
brasileira nas instâncias consultivas. E preciso oportunizar condições; é preciso o compromisso 
efetivo tanto das esferas mais altas de poder (macro), como também daqueles que atuam 
diretamente na escola (micro). 
Assim, não se trata mais de definir modelos normativos passivos e dicotomizados sobre 
situações absolutamente irreais. E necessário compatibilizar os pressupostos filosóficos e legais à 
concretude da escola pública. 
A crise da chamada “pedagogia científica”7 explicar-se-ia, fundamentalmente, pelo fato de 
que ela se ocupa mais com universos formativos desejáveis do que com universos escolares 
realmente possíveis, de maneira que em muitas oportunidades a escola pensa o processo de ensino-
aprendizagem desconectado com as condições dos alunos. Não se pretende a sonegação dos 
conteúdos pela justificativa das condições sociais dos envolvidos, mas se ressalta a necessidade de 
uma proposta pedagógica que tenha como referencial básico o aluno, o professor, enfim, o grupo 
social concreto em interseção com o saber elaborado. 
Atualmente, temos um quadro social repleto de desigualdades, indefinições políticas e 
graves contradições socioculturais. Conseqüentemente, a educação vive um momento de crise de 
identidade, em que necessita clarificar o conceito de Homem, de estrutura social e de mundo. 
É complexo chegar à interpretação de como a escola trabalha os reflexos de um paradigma 
tido por muitos como superado, em que apenas uma face do poder é colocada como evidente, qual 
seja, a que enaltece os fatos isolados, as respostas reprodutoras, as escolhas forçadas e que acabam 
obstruindo a “história completa” da escola. 
A transparência de uma outra face do poder, que emerge das assimetrias dialógicas entre os 
7 Este é um termo utilizado entre educadores que defendem postulados baseados no caráter ideal das teorias pedagógicas, em 
detrimento do real, o que acaba por relegar a um segundo plano as contradições sociais e culturais de forma geral. 
Textos extraídos do livro: Relações de Poder no Cotidiano Escolar, de Lúcia Maria Gonçalves de Resende 
 
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atores, poderá trazer implicações relevantes para a análise das relações de poder na escola. Assim, 
cada instituição e cada tipo de organização deveriam voltar seus olhos para as diversas faces do 
poder. 
Em outras palavras, a relação paradigma-proposta pedagógica tem sua definição, em geral, 
por órgãos superiores, através de uma proposta dita democrática e discutida com a participação e a 
representação de diferentes escolas, que na maioria das vezes são simbólicas e que não têm 
garantido determinadas posturas metodológicas, igualmente democráticas, nas escolas. A 
participação do grande grupo acaba sendo sucateada, destorcida e nada representativa. E, o que é 
provavelmente mais sério, sem o crédito dos docentes que não acreditam nem mesmo na necessi-
dade e na validade de tais reflexões e definições, pois concretamente não alteram suas posturas 
metodológicas na esfera da sala de aula. 
Por isso, atualmente, a compreensão dos paradigmas é cada vez mais importante para que a 
crise dos grandes sistemas interpretativos seja mais bem avaliada, visto que gradualmente esses 
sistemas vêm perdendo a sua capacidade de contribuir na leitura da realidade. E premente a 
preocupação com o que há de mais profundo, que baliza e fornece os padrões de conduta aos 
educadores — suas próprias matrizes paradigmáticas educacionais, que parecem indiferentes às 
novas propostas, às vias criativas, enfim às possibilidades infinitas que possuem o ser humano e a 
própria História. 
Questionamentos que se fazem presentes 
 
De uma forma ou de outra, existem os educadores que têm buscado o caminho da coerência 
entre o pensar e o fazer, há tanto dicotomizados, porém, avançando pouco, mantendo-se 
desiludidos pela falta de perspectiva, inebriados pelo corporativismo e, finalmente, ofuscados pelas 
ideologias liberal e neoliberal que acabam por mascarar o sentido da realidade social, admitindo a 
desigualdade e desqualificando a idéia de luta de classe. 
Em conseqüência, percebemos a escola vivendo e disseminando uma de suas mais graves 
contradições, qual seja, aquela que contrapõe o desejo da vida digna à coisificação humana. 
Haveria saída? A escola teria condições de ultrapassar os entraves e cumprir sua função? 
Seria possível a abertura para um paradigma compatível com as situações emergenciais? 
Não há dúvida de que a ciência da educação carece de elementos teóricos mais consistentes 
e mais compatíveis com a realidade, mesmo que se escute em alguns discursos que o problema é de 
ordem prática; esta é uma análise, no mínimo, dicotomizada e ingênua. No entanto, já existem 
indicativos e elementos teóricos necessários, mesmo que em alguns aspectos parcializados, para 
desencadear uma alteração significativa no encaminhamento dos problemas da escola pública; é 
preciso viabilizar ações. Não devemos nos apegar a adaptações e verdadeiras leviandades 
metodológicas em nome da melhoria da qualidade de ensino. O próprio sucateamento da escola 
começa a ser repensado, não só pelos educadores preocupados com a valorização do homem e com 
a contra- cultura, como também por aqueles cuja prioridade é o lucro, o capital econômico. Daí a 
importância em ficarmos atentos como educadores, com posições extremadas e modismos que 
acabam por ameaçar e confundir a especificidade da escola. 
Está se falando muito em qualidade total, porém qualquer generalização é temerária. E 
preciso guardar as devidas diferenças da relação objetivos-processo/máquina-homem/produto final-
ser em construção. Não vai aqui nenhum saudosismo ou conservadorismo que resulta em 
resistência à mudança. Registro aqui, sim, a preocupação de alguém que se propõe educadora, e 
que vislumbra a assustadora possibilidade de ver um espaço como a escola, que é tão rico, tão 
contraditoriamente mesclado entre o concreto, o subjetivo, o intersubjetivo, tão voltado a um tipo 
de lucro que na maioria das vezes se conflitua ao do capital econômico. É preciso produção, não há 
dúvida, é preciso também racionalidade, clareza, investimento, mas objetivando o Homem, a sua 
Textos extraídos do livro: Relações de Poder no Cotidiano Escolar, de Lúcia Maria Gonçalves de Resende 
 
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qualidade de vida, a sua felicidade, que é o grande desafio e sentido da empreitada educativa. A 
educação não precisa buscar em outras fontes a melhoria de sua ação; isto pode ser gerido em seu 
próprio seio. 
É importante observar que a partir da década de 1980, o Brasil vem sofrendo influência de 
um movimento internacional que está preocupado em redefinir as bases de exploração da classe 
trabalhadora, através de novas formas de organização do trabalho (tecnologia de grupo, células de 
produção, qualidade total). Mesmo sob a ótica capitalista, coloca-se a necessidade de repensar a 
organização do Estado, do trabalhador e da própria escola. 
Segundo Freitas (1992), a qualidade da escola passa a interessar mais na medida em que a 
estrutura social necessita de mais habilidades do trabalhador, como capacidade de abstração, para 
certas decisões, raciocínio matemático e outras. Todas essas habilidades são típicas de ser 
desenvolvidas na escola, mas não no modelo que aí está. Por outro lado a educação é temida pelo 
grupo que detém o poder porque gera conscientização. A escola deve analisar muito bem os 
antagonismos que permeiam uma sociedade capitalista, para não prejudicar a classe trabalhadora e, 
ao mesmo tempo, crescer na direção das necessidades da maioria da população. Quanto ao velho 
embate educar/explorar, não há dúvida de que não devemos recusar qualquer tipo de abertura. Mas 
fazer uso dela sem ter conhecimento do processo no qual está inserida é caminhar ingenuamente, 
como se a sociedade capitalista não contivesse em seu interior interesses antagônicos. 
Para um caminhar consciente, as relações de poder na escola, na extremidade, teriam que 
ser analisadas e repensadas, se é que em algum momento isso ocorreu de maneira séria e voltada 
para as necessidades dos alunos. Como se refere Foucault: 
(...) captar o poder em suas extremidades, em suas últimas ramificações, lá onde ele se 
toma capilar; captar o poder nas suas formas e instituições mais regionais e locais, 
principalmente no ponto em que, ultrapassando as regras do direito que o organizam e 
delimitam, ele se prolonga, penetra em instituições, corporifica-se em técnicas e se mune 
de instrumentos de intervenção material, eventualmente violento. (Foucault 1979, p. 182) 
Numa leitura mais rápida alguém poderia indagar-se sobre a prioridade em se pensar a 
questão do poder e não especificamente questões de metodologia e conteúdo. Mas por tudo que já 
foi colocado, evidentemente, esses aspectos do processo educativo são indissociáveis. 
A opção por determinados encaminhamentos pedagógicos, conscientemente ou não, traz 
consigo os pressupostos que irão nortear os padrões de relação de poder do diretor, do vice-diretor, 
do orientador educacional, do professor, como também do próprio aluno, à revelia, inclusive, do 
que esteja registrado, formalmente, em documentos, como planos de ensino, projetos pedagógicos e 
qualquer proposta pedagógica mais ampla. 
Assim, analisar o projeto pedagógico, a valorização do aluno e do profissional da educação, 
enfim, a escola como um todo é analisar também as relações de poder que se efetivam em seu 
interior. 
Para definir o objeto de pesquisa, inicialmente fiz um levantamento bibliográfico relativo à 
produção teórica existente. Como a questão da relação de poder, dirigida especificamente para a 
escola, é um tema em certos aspectos novo, busquei, também, nas produções teóricas clássicas os 
elementos balizadores do estudo. Dentre os teóricos estudados, destaco as contribuições de 
Foucault e Gramsci, mesmo que num primeiro momento possam parecer, em alguns pontos, 
divergentes. 
Esse levantamento bibliográfico foi realizado com base em categorias, tais como poder, 
autoridade, dominação, paradigma e cotidianidade. As indagações preliminares deram origem a 
outros pontos, igualmente relevantes, e, no decorrer do estudo, começaram a ser mais bem 
configurados através de minha participação mais estreita na vida da escola selecionada. 
O objetivo mais amplo foi analisar o fluxo de poder que se estabelece nas séries iniciais do 
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lº grau de uma escola pública do Distrito Federal. Baseada nessa proposição geral, busquei, de 
forma mais específica, identificar como se estabelece a dinâmica de poder entre aluno-professor-
especialistas de educação e diretor, analisando a matriz paradigmática norteadora e as 
conseqüências que esse paradigma traz ao processo de ensino-aprendizagem. 
Outros dois objetivos que destaco dizem respeito aos indícios de novas relações de poder 
junto à comunidade escolar e ainda aos subsídios para refletir, no nível dos cursos formadores dos 
novos professores. 
Fui, então, para a escola com minha experiência e algumas das representações de 
“professora primária” que se colocaram através dos anos de magistério, mas que pertenciam a um 
passado já quase distante; de professora universitária que mantém um contato com a escola de 1Q 
grau, segundo muitos desta mesma escola, distante o bastante e capaz de criar uma forte barreira 
para a credibilidade daqueles que estão com as “mãos na massa” e, finalmente, com as 
preocupações, os prazos e as ansiedades, até previstos mas não menos sofridos, de um aluno de 
pós-graduação. 
Iniciei, de peito aberto, um processo de pesquisa carregado de mitos, empirismo, leituras, 
pesquisas parciais, fatos e muito estudo, o que me permitiu analisar com mais clareza a revisão da 
referência primeira. 
No início da pesquisa, a presença dos “mitos” nas interpretações era ingenuamente afastada 
ou mesmo negada. Após leituras e muita reflexão pude compreender a importância do resgate do 
mito. Gudsdorf em Mito e metafísica discute a questão do mito afirmando: 
Desta mesma maneira, poderiam ser analisadas certas afirmações essenciais da “Ciência”, 
e mostrar que a Evolução e o Evolucionismo, o Materialismo, em suma, todas as 
concepções de conjunto fundadas sobre uma base pretensamente científica designam, na 
realidade, idéias preconcebidas. Opõem o dogmatismo a dogmatismo, e combatem mitos 
com outros mitos. Todos estes mitos confluem, de resto, num mito mais geral, que é o 
próprio mito da ciência, o cientificismo. (1979, p. 276) 
Qualquer tipo de análise do cotidiano só se desenvolve de forma mais rica e coerente se 
estiver iluminada por um respaldo teórico. Tendo esse raciocínio como referência busquei junto a 
alguns teóricos pistas que pudessem nortear a analítica das relações de poder. 
 
 
 
 
 
Este capítulo trouxe diversas reflexões sobre a escola. Faça uma síntese das principais idéias 
abordadas neste capítulo. 
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Atividades de Síntese 
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Capítulo 2 
 
Relações de poder: uma 
análise conceitual 
Captar o poder nas suas formas e instituições mais regionais e 
locais, principalmente no ponto que, ultrapassando as regras 
de direito que o organizam e delimitam, ele se prolonga, 
penetra em instituições, corporifica-se em técnicas e se mune 
de instrumentos de intervenção material, eventualmente 
violento. 
Foucault 1979, p. 182 
 
Retrospectiva histórica 
 
O poder sempre se coloca como um dos elementos da engrenagem social mais ampla, onde 
as pessoas ocupam lugares diferenciados, inclusive em instituições sociais como a escola. 
Mas como captar as relações de poder na escola? Como os indivíduos se constituem em 
verdadeiros efeitos de poder e em conseqüência seu reprodutor? 
Não há dúvida de que para nos aproximarmos dessa dinâmica será preciso não só uma 
análise do poder em seus mecanismos mais próximos como também em seus mecanismos gerais e 
em suas formas de dominação global. 
Outra questão que se coloca é -— como esses mecanismos foram filtrados pelas 
instituições menores e de que maneira se deslocam e expandem ao longo da história? 
Para subsidiar as reflexões sobre as relações de poder e restaurar as linhas originais da 
velha instituição escolar, faremos uma breve exposição desses elementos históricos, buscando 
principalmente em Ponce (1982) e Manacorda (1992) o referencial. Cabe destacar o fato de que 
para “perseguir” o processo educativo historicamente, é inevitável delimitar seu relacionamento 
com temas mais gerais da história da humanidade. 
Portanto, o discurso pedagógico é sempre social, no sentido de que tende, de um lado, a 
considerar como sujeitos da educação as várias figuras dos educandos, pelo menos nas 
duas determinações opostas de usuários e de produtores, e, de outro lado, a investigar a 
posição dos agentes da educação nas várias sociedades da história. Além disso, é um 
discurso político, que reflete as resistências conservadoras presentes no fato educativo e, 
afinal, a relação dominantes-dominados. (Manacorda 1992, p. 06) 
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Assim, os aspectos cotidianos, ligados ao desenvolvimento produtivo social e político, 
adquirem grande relevância, de forma que a educação reflete as relações sociais mais gerais, nos 
espaços educativos e, particularmente, na escola. 
Partindo das comunidades primitivas, identifiquei como características a coletividade 
pequena, a propriedade comum e um caráter democrático que se consolidava através de um 
conselho formado por adultos homens e mulheres. Mesmo nessa estrutura, o grupo se organizava 
através da troca de poderes. Quando certas tarefas deixaram de ser executadas individualmente ou 
por determinados indivíduos, surgiu o início da divisão do trabalho, no entanto, sem submissão de 
alguns, fossem homens ou mulheres. A economia doméstica destinada às mulheres tinha um caráter 
de função pública, socialmente necessária, assim como era função dos homens fornecer o alimento. 
A educação das crianças não era confiada a alguém em especial e sim à “vigilância” do 
próprio meio, pois, pouco a pouco, os pequenos amoldavam-se aos padrões que o grupo estabelecia. 
A criança percebia a vida da comunidade, ajustando-se às normas e ao ritmo próprios. Em outras 
palavras, a criança passava pela “primeira educação” sem o direcionamento específico de alguém, 
mas pelo poder do social que imprimia os princípios de vida e pela vida. 
A pressão e a imposição social registram a impossibilidade da eliminação das influências 
sociais. Ter poder e submeter-se a ele cobrem as preocupações e obsessões dos seres, do 
nascimento à morte, pois todo grupo social pode ser considerado como um feixe de relações de 
poder. 
E difícil pensar o homem sem um nível de relação de poder, por mais isolada que seja a 
estrutura social. “O homem enquanto homem é social, isto é, está moldado por um ambiente 
histórico de que não pode ser separado”. (Ponce 1982, p. 24) 
O ideal pedagógico de “ajustamento”, de dever ser, era sugerido ao homem primitivo pelo 
meio social. A finalidade educativa derivava-se da estrutura homogênea do ambiente social. Nessa 
estrutura, tanto o homem como a mulher se alternavam nas lideranças temporárias que as funções 
impunham. 
O ideal educativo com função homogênea deixou de existir com o princípio da divisão em 
classes, que foi lentamente transformando a sociedade. Essa transformação redundou em um novo 
vínculo, reforçado pelo caráter escravagista que impunha o poder do homem sobre o homem. 
Nesse momento, os fins educativos deixaram de estar explicitados na estrutura comunitária. 
O antagonismo grupai resultou na dicotomia “organizadores” e “executores”, o que originou a 
desigualdade das educações respectivas. Isso quer dizer que o grupo organizador educava seus 
sucessores para ocupar seus cargos. A educação nessa perspectiva difunde e reforça os privilégios 
próprios. 
Acompanhando as transformações experimentadas pela propriedade privada, a mulher 
também se modificou socialmente. De um matriarcado que se registrava em algumas comunidades 
fundadas na propriedade comum, a mulher foi relegada a um segundo plano, deixando de ter 
“função social” e afastando-se do trabalho social tido como produtivo para cuidar das funções 
apenas domésticas, que eram vistas como atividades de apoio. Sua figura passou a ser semelhante à 
das crianças. 
As conseqüências da propriedade privada para a vida social podem ser colocadas através de 
alguns pontos relevantes, como a religião personificada em deuses e não em elementos da natureza, 
a autoridade paterna, a submissão da mulher e dos filhos e a separação entre o trabalho físico e o 
intelectual. Com esses elementos o Estado surgiu para legitimar a nova estrutura social. 
O poder era respaldado pela educação imposta pela classe proprietária que, como explica 
Ponce (1982), deveria cumprir três finalidades: destruir os vestígios de qualquer tradição inimiga, 
consolidar e ampliar a condição de domínio e ainda prevenir uma possível rebelião das classes 
dominadas. Para tanto, o ideal pedagógico já não pode ser o mesmo para todos e tem a missão de 
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impingir aos dominados a aceitação da desigualdade. 
A mesma economia que assegurou a grandeza do mundo antigo, fundada no trabalho 
escravo, acabou por provocar o seu deterioramento. 
A miséria cresceu de tal forma que a exploração escrava já não produzia rendas 
compensatórias. O escravo passou a produzir menos do que custava a sua própria manutenção, 
forjando o enfraquecimento do sistema de exploração em grande escala. Nesse contexto, a 
“servidão” passou a representar vantagem sobre a “escravidão”, pois o servo custeava sua vida. 
Criou-se nesse momento uma relação social na qual, por um lado, o servo era a única fonte de 
provento para o patrão e, por outro, o patrão se constituía na única forma de sustento do servo. 
As transformações que a sociedade sofreu durante o feudalismo impuseram, do ponto de 
vista do domínio religioso, algumas alterações. O cristianismo canalizou para o mundo extraterreno 
as limitações, ressaltando que tanto o servo como os seus senhores eram iguais diante de Deus, o 
que implicava a manutenção do status quo terreno e da igualdade celestial. 
Na Idade Média, todos os que tinham interesses culturais e que não eram filhos de servos 
poderiam ir para o convento, ajudando a erguer o muro entre a sabedoria e a ignorância. 
Preocupados em aumentar suas riquezas, os senhores feudais desprezavam a instrução e a cultura, 
utilizando para tanto a violência e o saque. 
A nobreza nãoparticipava de “escolas”, mas tinha garantida a educação por meio dos 
serviços da figura materna e do “pajem” até os sete anos. O ponto central da educação era a arte 
militar, pois a guerra era a profissão dos nobres. 
Os senhores feudais que não eram produtores, mas parasitas, aos poucos foram abrindo 
mão, por necessidade, de seus privilégios; em conseqüência, os súditos deram origem a uma nova 
classe social conquistando a liberdade e passaram a ocupar-se, basicamente, do artesanato e do 
comércio. Lentamente as “cidades” transformaram-se em centros de comercialização implicando a 
transformação da fortaleza para o comércio. 
Paralelo à economia mercantil um novo processo se introduz — o aparecimento dos 
mestres livres que, sendo cléricos ou leigos, passam, também, a ensinar aos leigos. As atividades 
desenvolviam-se fora das escolas episcopais e acabavam por satisfazer as exigências culturais das 
novas classes sociais. Esse pode ser considerado o embrião de um mundo moderno, visto que 
novos conteúdos são introduzidos, refletindo as necessidades e os interesses das classes 
emergentes. 
Os chamados burgueses, que nessa época não tinham nenhuma intenção revolucionária, 
levaram a Igreja a deslocar o centro do ensino, que até então se concentrava nos monastérios, para 
o clero secular. A preocupação pedagógica de então era a teologia. Essas escolas foram o cerne das 
atividades e permitiram à burguesia vantagens das quais só a nobreza e o clero dispunham. A 
estrutura orgânica da sociedade assentava-se basicamente em duas autoridades: Aristóteles e a 
Igreja. 
Com o passar do tempo a Igreja viu-se ameaçada de perder o controle que há muito tempo 
exercia sobre a cultura; assim, investiu nos “pregadores”8 de forma organizada. Foi uma estratégia 
para acalmar as “heresias” e as inovações; no entanto, a economia do século XI e todas as questões 
circundantes, como a razão, o nominalismo e a experimentação, já não eram contidas. 
A igreja católica, progressivamente excluída de seus tradicionais domínios geográficos e 
ideais, isto é, do Estado pontifício e da função da assistência e da instrução, ficou 
freqüentemente conduzindo uma batalha de defesa. (Manacorda 1992, p. 292) 
8 A figura dos jesuítas no Brasil foi uma ação que se deu no sentido de instalar e fixar o catolicismo. Não entrarei, neste trabalho, 
em aspectos mais detalhados dessa atuação por entender que já existe farto material sobre o assunto e, ainda, pelo fato de que o 
importante é situar histórica e politicamente a presença da Igreja no processo educativo. No decorrer do texto alguns 
esclarecimentos serão apresentados. 
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A essa altura quatro correntes pedagógicas que vão desde o século XVI até o século XVIII 
já estavam diante dos olhos — a que expressava os interesses da nobreza, a que servia à Igreja 
feudal, a que refletia os princípios da burguesia protestante e a que traduzia tímidas afirmações da 
burguesia não-religiosa. 
O modelo moral que caracterizou a escolarização vinculou-se primeiramente à Igreja, 
desde a catequização até seu desenvolvimento a partir do século XVII, especialmente na França. 
Nesse modelo, os pressupostos pedagógicos que concebem a escola um ambiente organizado 
moralmente baseiam-se na importância atribuída à disciplina na formação dos alunos. 
Essa disciplina é aplicada tanto no trabalho com os conteúdos como na regulação da 
vontade. Para tanto caberá ao professor o papel central no processo, dissociando ensino de 
aprendizagem, aluno de professor. 
Por sua vez a Companhia de Jesus saiu a campo para fortalecer o poder da Igreja e no lado 
estritamente pedagógico deu aos colégios um grande e brilhante verniz cultural. Não havia 
preocupação com a educação popular, mas sim com a educação dos nobres e dos burgueses ricos. 
Em pouco tempo estavam à frente do ensino. 
No “Novo Mundo”, os objetivos da ação jesuítica estavam voltados para o recrutamento de 
fiéis e servidores. A conversão dos indígenas foi assegurada pela catequese que se deu via escolas 
elementares e que aos poucos se estendeu aos filhos dos colonos. 
Romanelli (1983) caracteriza a ação pedagógica dos jesuítas como apegada às formas 
dogmáticas do pensamento contra o pensamento crítico, reafirmativa da autoridade da Igreja e dos 
mais velhos, privilegiando os exercícios da memória e a concentração do esforço intelectual nas 
atividades literárias e acadêmicas. 
Mas as relações de poder que se basearam por tanto tempo na dominação feudal fizeram 
com que a burguesia afirmasse os direitos do indivíduo como ponto central de seus princípios. 
Aspiravam à liberdade de contratar, comerciar, crer, pensar. Até então nunca se falara tanto de 
cultura, razão e luzes; aos poucos consolidava-se novo paradigma. A burguesia acabava assumindo 
diante da nobreza o papel de defensora dos direitos gerais da sociedade. 
Mas se por algum tempo ela vislumbrou a esperança de um Homem Total, pleno e livre, a 
história encarregou-se de evidenciar que a situação das massas piorou e os novos “amos” pareciam 
não se importar com isso. A burguesia triunfante interessava o indivíduo apto à competição do 
mercado. 
O mesmo poder que dividia a sociedade continuou dividindo a educação. Ensino e métodos 
eram diferenciados para as duas classes sociais. Os trabalhos manuais, que eram o eixo das escolas 
da classe mais explorada, apareciam também nas escolas dos ricos, mas apenas como um exercício 
ou distração. Mais uma vez a escola reforçava a dicotomia entre o pensar e o fazer. 
Apesar de tudo, a burguesia não podia recusar a instrução ao povo, assim como na 
Antiguidade e no feudalismo. As máquinas sofisticadas exigiam alguma qualificação. O 
capitalismo carecia de modificações constantes de técnicas de produção e de novas invenções. 
Trabalho científico e livre investigação estão para o capitalismo assim como religião e 
dogmatismo estão para o feudalismo. Dessa forma, as escolas tradicionais já não satisfaziam, 
restando à burguesia a exigência de uma educação primária para as massas e uma educação 
superior para os técnicos. Aos filhos burgueses era reservado o ensino livresco e divorciado da vida 
real, sem intenção utilitária; era o chamado ócio digno, restrito a uma classe apenas. 
Ao final do século XIX houve o advento da escola laica, entre outros aspectos, por pressão 
e por conquista. A Igreja perdeu o controle do ensino. Do ponto de vista pedagógico, duas 
correntes podem ser destacadas: a metodológica, que devota respeito à atividade livre e espontânea 
da criança, isto é, a criança educa-se a si própria através de um trabalho coletivo; a doutrinária, que 
entende a escola como um meio de transformação social, estruturada na reação ao Estado. 
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Essas duas correntes caminharam algum tempo lado a lado. Já no século XX, em que a 
divisão da sociedade em classes mostra-se de forma mais clara para a maioria, a educação tem, de 
um lado, preparado as novas gerações para condições fundamentais da própria existência do capita-
lismo, e, por outro, equilibrado os valores contra-hegemônicos que surgem desta mesma educação. 
Se o fato educativo é um politikum e um social, conseqüentemente, é também verdadeiro 
que toda situação política e social determina sensivelmente a educação: portanto, 
nenhuma batalha pedagógica pode ser separada da batalha política e social. (Manacorda 
1992, p. 360) 
A educação e todo o “jogo” de poder que a cerca são aquilo que a organização social indica 
e não se pode pensar em reforma pedagógica fundamental sem que antes se imponha à classe 
revolucionária que a gerou. 
 
Autoridade e poder: Questões conceituaisPensar a educação no bojo das transformações sociais é também pensar as amplas formas 
de legitimação da sociedade capitalista brasileira. 
É sob a égide de todo um poder político e econômico mais amplo que se pretende pensar o 
fluxo de poder entre alunos, professores, especialistas de educação e diretor, em particular. Com 
uma análise mais ampla, produto também de um referencial teórico sobre a questão do poder, será 
possível uma aproximação mais significativa sobre os papéis desempenhados na instituição escolar, 
que, com sua estrutura burocrática, reflete e reproduz as contradições da estrutura educacional 
brasileira mais geral. 
A “categoria” poder é o suporte teórico básico deste estudo. Utilizando o referencial de 
alguns estudiosos que abordam a questão do poder, farei uma exposição sobre parte dos conceitos 
apresentados por eles, indispensáveis a esta pesquisa, mesmo que alguns deles tenham tratado do 
assunto fora da perspectiva da sala de aula e do fluxo de poder que acontece na escola. 
A discussão sobre autoridade e poder passa, necessariamente, por Weber, considerado o 
fundador das disciplinas Sociologia Política ou do Poder, Sociologia do Direito e Sociologia da 
Religião. Para Weber, o poder é a “probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, 
mesmo contra resistências” (1991, p. 33). 
Intrinsecamente ligado ao conceito de poder, Weber coloca o de dominação, entendida 
como “a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre 
determinadas pessoas indicáveis”. Por sua vez, considera a disciplina como a “probabilidade de 
encontrar obediência pronta, automática e esquemática a uma ordem” (1991, p. 33), mediante 
treino, sem crítica ou resistência. 
Para Weber, sociologicamente, o conceito de poder é amorfo, enquanto no caso da 
dominação existe alguém mandando em outras pessoas, não podendo prescindir de um quadro 
administrativo ou de uma associação. 
Uma associação de dominação pressupõe um quadro administrativo e pode se constituir de 
forma legítima. Pode ser política, considerada dentro de um quadro geográfico, quando é garantida 
pela ameaça e até aplicação de coação física por parte do quadro administrativo. A coação física é 
apenas um dos meios e é empregada quando falham outros meios. Ação social politicamente 
orientada? que influencia a direção de uma associação política de forma não-violenta, pode evitar a 
coação física. 
Estado, na perspectiva weberiana, é uma empresa caracterizada como instituição política, 
uma vez que seu quadro administrativo possui legitimidade para o uso da coação física, se 
necessário; enquanto a Igreja, por exemplo, é uma associação de dominação do tipo hierocrática, 
uma vez que aplica a coação psíquica e pretende o monopólio da legítima coação hierocrática. 
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Com base no exposto, podemos pensar a escola também como uma instituição do tipo 
hierocrático, cabendo a reflexão no sentido de que em diversas situações enquadra-se como 
instituição política. 
Weber, ao estudar a burocracia, identifica-a com a disciplina racional, através de 
mecanismos próprios da instituição burocrática, que por sua vez se fundamenta na racionalização, 
nos métodos, no treinamento rotinizado, na disciplina, de forma a tender o comportamento à 
obediência uniforme e impessoal Embora sem abordar especificamente a escola, o autor acaba 
deixando evidente sua forma de estruturar-se. 
A dominação ou autoridade não significa, necessariamente, a possibilidade de exercer 
poder ou influência sobre outras pessoas, pois, para que ela seja exercida, é preciso haver um 
mínimo da vontade de obedecer e o interesse na obediência. Pode basear-se em vários tipos de 
submissão, inclusive a de ordem racional. 
Toda forma de dominação procura legitimar-se; a obediência e o quadro administrativo 
podem variar de acordo com a natureza da legitimidade. Weber considera três tipos “puros” de 
dominação legítima, a saber: 
 
• de caráter racional ou dominação legal: baseia-se na crença, na legitimidade das 
ordens estatuídas e no direito de mando daqueles que estão nomeados para exercer a 
dominação; a obediência decorre de uma ordem impessoal, de “direito”, limitada pela 
competência dessa ordem que se caracteriza por regras técnicas e normas; o tipo mais 
puro é o exercido pela dominação burocrática decorrente do conhecimento; 
• de caráter tradicional ou dominação tradicional: baseia-se na crença, nas tradições e 
na legitimidade daqueles que simbolizam a autoridade como representantes dessas 
tradições; deve-se obediência à pessoa do senhor ou à indicada por ele; as ordens são 
legitimadas pela tradição ou pelo livre-arbítrio do senhor; a dominação acontece com 
ou sem quadro administrativo; 
• de caráter carismático ou dominação carismática: baseia-se na veneração da 
santidade, do poder heróico ou do caráter exemplar de uma pessoa ou das ordens dela 
emanadas; a obediência decorre da confiança pessoal, que pode se desvanecer, caso 
deixem de existir os motivos que levaram à veneração. Na associação dos adeptos 
existe uma relação comunitária de caráter emocional que pode se rotinizar se houver 
interesse dos membros da comunidade, quando, então, a escolha do novo líder se dá 
por certas características, por revelação ou por designação. 
 
Enquanto Weber preocupa-se em analisar o poder, a dominação e a obediência do ponto de 
vista exclusivamente sociológico, o interesse de Mannheim concentra-se em situar o poder dentro 
de um contexto democrático. 
A democracia, para Mannheim, implica uma teoria do poder de forma concreta, como ele 
se distribui e como pode ser controlado. “Nenhuma sociedade pode existir sem alguma forma de 
poder” (1972, p. 67). 
E uma teoria de conjunto e refere-se à economia, à administração, à persuasão pela 
religião, pela educação e pelos meios de comunicação. 0 poder manifesta-se sempre que a pressão 
social é exercida pelo domínio ou pela manipulação. Este conceito de poder ajuda na planificação 
da sociedade, onde a política não é estanque, sendo necessário o equilíbrio das forças sociais. As 
pressões ou as formas de poder alteram- se de acordo com a natureza das ações e os meios de 
controle sobre esse poder. O autor distingue três formas de poder cujas manifestações diferenciam-
se, conforme o controle exercido: 
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• livre desafogo, quando o descontrole da violência de indivíduos ou grupos pode 
conduzir ao caos, à anarquia e até a anomia; caracteriza-se pelo contágio da emoção e 
pelo desaparecimento de controle social e autodomínio; 
• destruição organizada: guerras, revoluções; 
• poder canalizado: concentra-se nas instituições e é regulado por princípios, regras e 
normas; controla, ao mesmo tempo, o comportamento. Mannheim coloca que o 
“arquétipo da sensação de poder é o sentimento pessoal de força ao conseguirmos que 
outra pessoa se curve a nossa vontade”, (1972, p. 71), daí toda a discussão sobre o 
poder estar associado ao controle. 
 
Das relações pessoais, nas quais o controle é mútuo, o poder institucionaliza-se até chegar à 
sua forma mais adiantada que é a lei, sendo significativa essa passagem por retificar as relações 
pessoais do processo social. 
É interessante verificar como o poder passa de um homem para uma instituição ou 
organização para chegar ao controle do homem pelo homem. O poder passa de um indivíduo para 
uma função e aí ele pode se tornar impessoal, pode ser transmitido, exercido de forma coletiva e 
padronizar-se para diferentes culturas. 
O poder, no contexto democrático, deve ser contido de forma total, deve se valer de uma 
estrutura legal e organizacional e deum preparo individual, além de se submeter a uma avaliação 
funcional para não se tornar arbitrário. 
O poder concentra-se ao redor de funções, de grupos funcionais ou associações e também 
em torno de grupos orgânicos do tipo das comunidades que desenvolvem seu próprio sentido de 
solidariedade. Há toda uma “cultura” grupai, no sentido de fortalecer e criar elos entre os membros. 
A noção de comunidade aqui apontada não se contém em fronteiras, podendo se ligar a 
ação e reação históricas; o importante é o sentimento de pertencer, o sentimento do “nós”. O poder 
funcional é mais racional que o poder centrado na comunidade. 
O poder que se origina dos sentimentos tribais, do regionalismo, do nacionalismo desperta 
geralmente mais temor que o que se desenvolve por meio de interesses meramente 
econômicos; este está localizado e é racionalmente calculável; o primeiro é difuso e 
imprevisível, (Mannheim 1972, p. 80) 
O poder inerente ao “nós” comunitário possui algumas características. Nem sempre é 
expansivo e agressivo, apresenta necessidades psicológicas que podem ser bastante influenciadas 
pela educação, resulta de processos históricos e não é imposto; pode ser influenciado por vários 
fatores; pode sofrer o processo chamado de “desarraigamento” capaz de levar à desintegração do 
caráter e à fácil manipulação por pessoas ou organizações ou, por outro lado, à emancipação 
progressista (pensamento independente e desenvolvimento pessoal). O processo de emancipação 
pode conduzir a outro tipo de poder: o dos intelectuais chamados, atualmente, de “formadores de 
opinião”, em condições de desenvolver motivações, as quais podem ou não ser influenciadas por 
um plano — em toda sociedade há sempre indivíduos motivados e motivadores e as idéias tendem 
a sobreviver aos seus divulgadores. 
O poder funcional, sendo mais racional que o poder concentrado em grupos, pode ser 
utilizado para neutralizar e controlar as emoções desses grupos. 
O poder deve ser controlado democraticamente e seu abuso estabelece alguns riscos: 
excessiva concentração de poder; falta de defesa (física e mental) do cidadão levando-o à apatia ou 
à agonia; incerteza e desconfiança mútua diante da vida social desordenada; extremismo. 
Por outro lado, existem pontos favoráveis que podem contrabalançar o abuso do poder, 
como a garantia de liberdades civis; a possibilidade de usar princípios democráticos; a visão de 
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totalidade em relação à humanidade e a responsabilidade coletiva. 
A questão do poder nas sociedades capitalistas, tratada por Foucault9 por meio de seu 
método genealógico, pretende deslocar o eixo do problema, até então posto pela ciência política ou 
pelo direito. Para ele, o poder não pode ser explicado por sua função repressiva ou por inspiração 
do modelo econômico que o considera como mercadoria. 
Na sua análise, procura fazer uma aproximação entre a concepção jurídica ou liberal de 
poder político, encontrada, principalmente, entre os filósofos do século XVIII, e a concepção 
marxista, no que se refere ao economicismo presente nessas teorias do poder. 
Para a teoria jurídico-clássica o poder é considerado como um direito possuído, assim 
como se possui um bem qualquer, podendo ser transferido ou alienado por um ato jurídico, parcial 
ou totalmente. A teoria jurídico-política da soberania desempenhou historicamente quatro papéis, a 
saber: 
 
• em primeiro lugar, referiu-se a um mecanismo de poder efetivo, consubstanciado 
na monarquia; 
• depois, serviu de instrumento e até de justificativa para a existência das grandes 
monarquias administrativas, com característica autoritária ou absoluta; 
• foi também usada como arma tanto para limitar como para reforçar o poder real; 
• serviu de base para a construção de um modelo alternativo, contra as monarquias 
administrativas, principalmente com base em Rousseau e seus contemporâneos, 
proporcionando o surgimento das democracias parlamentares. 
 
Por outro lado, a visão marxista trata da funcionalidade do poder, ou seja, do papel que se 
desempenha na manutenção e na reprodução das relações de produção, assim como na dominação 
de classes. Nesse sentido, o poder político encontra na economia a sua razão histórica. 
No sistema jurídico-político, o poder é tratado como direito originário que se cede 
constituindo-se, assim, na soberania que tem no contrato a sua matriz política. Quando há excessos 
ou rompimento do contrato, o poder corre riscos de se tornar opressivo. 
A análise do poder nesse caso baseia-se, principalmente, no esquema: contrato opressão. Já 
no segundo caso, busca analisá-lo com base no esquema: guerra opressão ou dominação repressão. 
Por esse esquema a oposição faz-se entre luta e submissão, enquanto no primeiro faz-se entre o 
legítimo e o ilegítimo. 
O discurso de Foucault visa inverter a lógica desses discursos ao fazer sobressair o aspecto 
da dominação que está embutido nas relações de soberania. Entende que dominação não significa: 
(...) o fato de uma dominação global de um sobre os outros, ou de um grupo sobre outro 
grupo, mas as múltiplas formas de dominação que podem se exercer na sociedade. 
Portanto, não o rei em sua posição central mas os súditos em suas relações recíprocas: não 
a soberania em seu edifício único, mas as múltiplas sujeições que existem e funcionam no 
interior do corpo social. (1979, p. 181) 
A questão central do direito passa a ser entendida como a da dominação e da sujeição, em 
oposição à questão da soberania e da obediência, até então posta pela ciência política e do direito. 
Nessa perspectiva faz-se necessário, na visão de Foucault, levar em consideração algumas 
preocupações metodológicas, a saber: 
 
• em primeiro lugar, deve-se captar o poder em suas extremidades, em suas 
ramificações, no seu aspecto micro, dialeticamente relacionado com o aspecto macro; 
9 Foucault não apresenta uma teoria sobre o poder, ele faz uma “analítica do poder”, considerando a necessidade de tomar o poder 
como algo que surgiu em um determinado ponto, de onde se deverá fazer a gênese e depois a dedução. 
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• em segundo lugar, deve-se estudar o poder em sua intenção, em sua prática real e 
efetiva, em sua face externa, onde ele se implanta e produz efeitos; 
• em terceiro lugar, deve-se observar que o poder é algo indivisível; é algo que 
circula, funciona em cadeia e se exerce em redes; 
• em quarto lugar, deve-se analisá-lo de forma ascendente e, como se refere 
Foucault, 
(...) a partir dos mecanismos infinitesimais que têm uma história, um caminho, técnicas e 
táticas e depois de examinar como estes mecanismos de poder foram e ainda são 
investidos, colonizados, utilizados, subjugados, transformados, deslocados, desdobrados, 
etc. por mecanismos cada vez mais gerais e por formas de dominação global. (1979, p. 
184) 
• em quinto lugar, o poder, para exercer-se fora dos mecanismos ideológicos, 
necessita formar, organizar e pôr em circulação um saber ou mesmo aparelhos de 
saber, que não são construções ideológicas. 
 
Em resumo, Foucault sugere que para se estudar o poder é necessário estudá-lo fora do 
campo delimitado pela soberania jurídica e pela instituição estatal. E preciso estudá-lo com base 
em técnicas e táticas de dominação. 
Nessas preocupações metodológicas, Foucault procura desmistificar as teorias que apontam 
o exercício do poder, partindo do centro para a periferia, do macro para o micro e que são 
absorvidas pelos aparelhos do Estado. Contudo, não desconsidera a relação com o macrossistema 
uma vez que a existência do micro ocorre numa relação contraditória e dialética. 
A ênfase aqui

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