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O ser e o dever ser(1)

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Eduardo ramalho rabEnhorst SER E DEVER SER NA TEORIA KELSENIANA DO DIREITO
Revista Direito e Liberdade – ESMARN – Mossoró - v. 1, n.1, p. 119 – 130 – jul/dez 2005
119
ISSN Impresso 1809-3280 | ISSN Eletrônico 2177-1758
www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas
∗ Diretor do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba; Doutor em Filosofia do Direito 
pela Universidade de Strasburg III, França; Professor da Escola da Magistratura do Rio Grande do Norte. 
Email: raben@openline.com.br.
sEr E dEVEr sEr na tEorIa KElsEnIana do dIrEIto
bE and should bE In KElsEn’s thEorY oF laW 
Eduardo ramalho rabenhorst*
RESUMO: O presente artigo procura refletir sobre os diversos aspectos da distinção pro-
posta por Hans Kelsen entre os domínios do Ser e do Dever Ser. Examina também as 
dificuldades inerentes a uma concepção descritivista de ciência do direito, centrada nos 
pressupostos do formalismo e da neutralidade axiológica.
Palavras-chave: Hans Kelsen. Ser e dever ser. Ciência do Direito.
ABSTRACT: This paper discusses the various aspects of the distinction proposed by Hans 
Kelsen between the domains of Being and Should be. It examines the difficulties inherent 
in designing a descriptive science of law focused on the assumptions of the formalism and 
the neutrality of values.
Keywords: Hans Kelsen. Be and should be. Science of Law.
Eduardo ramalho rabEnhorstSER E DEVER SER NA TEORIA KELSENIANA DO DIREITO
Revista Direito e Liberdade – ESMARN – Mossoró - v. 1, n.1, p. 119 – 130 – jul/dez 2005
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1 INTRODUÇÃO
A grande contribuição de Hans Kelsen para o domínio da teoria po-
sitivista do direito emerge das duas teses que constituem o âmago de sua 
célebre Teoria Pura do Direito: a da necessidade de um exame das condições 
de possibilidade do conhecimento jurídico, e a da exigência metódica da 
“pureza”, uma idéia que significa, ao mesmo tempo, a afirmação do caráter 
metateórico da ciência do direito e do seu traço distintivo com relação às 
demais ciências sociais.
Os principais traços deste programa aparecem já no primeiro grande 
trabalho de Kelsen intitulado Hauptprobleme der Staatsrechtslehre (Pro-
blemas fundamentais da teoria jurídica do Estado), cuja primeira edição é 
de 1911. Essa obra manifesta uma forte influência do neokantismo alemão 
e, mais particularmente ainda, da filosofia dos valores de Herman Cohem. 
Porém, é importante observarmos que, se Kelsen seguiu os neokantianos na 
busca da fundação da lógica específica das ciências sociais, ele soube tomar 
suas distâncias com relação a este movimento filosófico, no que diz respeito 
ao estatuto da ciência jurídica. 
Kelsen reconhece que o seu projeto é, na verdade, uma radicalização 
do pensamento kantiano. Para o jurista austríaco, se Kant afastou a metafí-
sica da sua filosofia da natureza, ele a manteve, no entanto, no plano da sua 
filosofia do direito. Assim, a despeito das intenções de Kant, a Teoria Pura 
do Direito pretende transpor o princípio da lógica transcendental kantiana, 
concebendo o dever-ser como a categoria lógica das ciências normativas em 
geral, e da ciência do direito em particular.
2 A PUREZA METÓDICA
A Teoria pura do direito tem como princípio fundamental a “pure-
za” metódica, que é entendido por Kelsen em dois sentidos distintos: em 
primeiro lugar, ele faz referência ao próprio caráter objetivo e autônomo 
da ciência do direito, que deve se conformar em descrever o seu objeto 
de uma forma neutra, sem se pronunciar acerca de seu conteúdo ético ou 
político. Obviamente, isso não significa uma adesão aos postulados de um 
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positivismo jurídico radical ou ao ideal de um mundo jurídico perfeito, 
livre de toda ideologia. Tal interpretação não procede, pois a exigência de 
“neutralidade axiológica” concerne à ciência do direito e não ao direito ele 
próprio. Neste sentido, nunca é demais lembrar que o propósito de Kelsen 
é construir uma “teoria pura” do direito, e não uma teoria do direito “puro”.
Na verdade, ao definir a ciência do direito como metateoria do direito 
positivo, Kelsen segue um artigo de base da teoria analítica do direito esboça-
da por J. Austin e J. Bentham, a saber, o de que não existe nenhuma correla-
ção entre o direito tal como ele é e o direito tal como ele deveria ser. Tal idéia foi 
expressa por Bentham no seu célebre Fragmento sobre o governo de 1776:
Existem duas posições, uma das quais tem de ser assumida por 
quem quer que tenha algo a dizer sobre uma questão jurídica: 
a do expositor e a do censor. Ao expositor cabe explicar o que 
a lei é, tal como a entende; ao censor cabe indicar o que ele 
acredita que deve ser. Por isso, o primeiro se ocupa, principal-
mente, de determinar ou inquirir os fatos; o segundo de dis-
cutir as razões (BENTHAM apud PARAMO, 1984, p.128). 
O que Bentham sugere, portanto, é uma distinção entre duas posi-
ções distintas com relação ao direito: a primeira apresentaria o direito tal 
como ele é de fato (na sua atualidad) ou tal como ele foi (na sua história), 
enquanto que a segunda procederia a uma crítica do direito atual ou pas-
sado, prescrevendo o que este deveria ser. Na linha de Bentham, J. Austin 
introduzira uma distinção nítida entre a “jurisprudência” e a “ciência da 
legislação”: a primeira, acredita o filósofo inglês, estuda o direito existente 
tal como ele é efetivamente. Já a segunda estuda o direito segundo critérios 
de avaliação, isto é, de um ponto de vista deontológico. E é no quadro desta 
distinção teórica que Austin enuncia a sua famosa frase, freqüentemente 
evocada pelos partidários do positivismo jurídico: “A existência da lei é uma 
coisa; seu mérito ou demérito é outra ”.
Mas há pelo menos duas maneiras diferentes de se interpretar a frase 
acima citada. A primeira, consiste em dizer que, para Austin, a lei é moral-
mente falível, isto é, ela não é necessariamente boa, correta ou justa. Porém, 
tal interpretação enunciaria um truísmo admitido até mesmo pelo jusna-
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turalista mais ortodoxo. Uma segunda leitura, ao contrário, consistiria em 
afirmar que, segundo Austin, não é possível oferecer uma definição ética ou 
politicamente orientada do direito, uma vez que, para fazê-lo, é necessário 
avaliar o direito, e as avaliações são simplesmente a expressão de atitudes.
Esta última parece ser a interpretação de Kelsen que, de imediato, re-
conhece que a sua teoria pura do direito é uma teoria “positivista”, no sentido 
de que ela evita toda definição ética ou política do direito (KELSEN, 1985). 
Neste sentido, a teoria kelseniana é vislumbrada, pelo seu próprio autor, 
como uma teoria “monista” em oposição às teorias “dualistas”, que supõem 
a existência, ao lado do direito positivo, de um direito “ideal” ou “justo”. 
Porém, isso não significa que Kelsen negue a existência de uma norma de 
justiça que guiaria, em última instância, a ação humana. Na verdade, o que o 
jurista austríaco afirma é apenas que a ciência do direito não tem por objeto 
a descoberta dessa norma de justiça última e, mais importante ainda, que a 
validade do direito positivo não pode depender de uma tal norma.
E é assim que encontramos o segundo sentido atribuído pela teoria 
pura ao termo “pureza”. Com efeito, a validade de uma norma jurídica 
positiva não pode ser aferida de um princípio moral ou de um ideal de 
justiça. A validade de um ordenamento jurídico é, pois, infrajurídica, no 
sentido de que apenas uma norma jurídica superior (a Constituição, por 
exemplo) pode fundar a validade de uma norma jurídica inferior. Natural-
mente, como não podemos remontar tal processo ao infinito (perguntar, 
por exemplo, de onde a própria Constituição tira a sua validade), devemos, 
necessariamente, supor a existênciade um postulado lógico-transcendental 
ao qual Kelsen atribui o nome de “norma fundamental”. Tal norma não 
deve ser confundida nem com uma norma de direito positivo, nem com 
uma norma de justiça transcendente. 
A norma fundamental é, segundo a Teoria pura do direito (Kelsen mu-
dará de terminologia mais tarde), uma hipótese, ou pressuposição, cuja fun-
ção é, simultaneamente, evitar o “sofisma naturalista” de se deduzir o nor-
mativo de instâncias não-jurídicas e impedir o regresso ao infinito quando 
tentamos definir a validade de um ordenamento jurídico na sua totalidade. 
Assim, podemos dizer, seguindo Roberto Vernengo (1986), que o estatuto da 
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norma fundamental é duplo: ela é, ao mesmo tempo, uma categoria episte-
mológica e o fundamento de validade de todo ordenamento jurídico (valida-
de entendida aqui como eficácia, e não como legitimidade ética ou política).
3 SER E DEVER-SER
Importa observarmos que, no centro de todas estas distinções, se 
encontra precisamente a oposição vislumbrada por Kelsen entre o ser e o 
dever-ser. Com efeito, tal oposição define o objeto constitutivo da ciência 
do direito, fixa o conhecimento por ela proporcionado no quadro geral das 
demais ciências normativas. Porém, a despeito de o fato da dicotomia entre 
o ser e o dever-ser estruturar o projeto kelseniano de uma teoria pura do 
direito, o uso que Kelsen faz desta é por demais ambíguo. 
De fato, observa J. Wroblewski (1981) que toda interpretação do 
papel da oposição entre o ser e o dever-ser no pensamento kelseniano es-
barra na dificuldade da ausência de uma definição precisa de tais categorias, 
por parte de Kelsen. Na Teoria pura do direito, o jurista austríaco cita os 
Principia Ethica de Moore para justificar que a diferença entre o Sein e o 
Sollen não pode ser aprofundada em detalhes, uma vez que ela é “um dado 
imediato da nossa consciência” e, como tal, algo de simples e de indefinível. 
Neste sentido, escreve Kelsen: 
ninguém pode negar que o enunciado : tal coisa é - ou seja, 
o enunciado através do qual descrevemos um ser fático - se 
distingue essencialmente do enunciado : algo deve-ser - com 
o qual descrevemos uma norma - e que de circunstância de 
algo ser não se segue que algo deva ser, assim como da cir-
cunstância de que algo deve ser não se segue que algo seja 
(KELSEN, 1985, p. 6 ).
Face à ausência de definição precisa dos termos - sem dúvida curiosa 
num autor que pretende fundar uma ciência objetiva do direito -, Wro-
blewski sugere que devemos tentar compreender a dicotomia entre o ser 
e o dever-ser em cada um dos níveis onde ela é empregada por Kelsen. 
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Assim, segundo Wroblewski, Kelsen utilizaria a dicotomia entre o Sein e o 
Sollen em quatro níveis distintos: o ontológico, o epistemológico, o lógico-
-semiótico e o nível “modal”.
No nível ontológico, Kelsen apresenta o dualismo entre o ser e o 
dever-ser como uma oposição entre duas “realidades” distintas: a da natu-
reza, por um lado, e a dos valores por outro. Porém, o jurista austríaco nos 
fornece uma análise por demais imprecisa de tal distinção ontológica. Na 
verdade, Kelsen pressupõe tal distinção, sem justificá-la propriamente. 
O que Kelsen fará com mais clareza é apresentar essa mesma dico-
tomia ontológica entre o ser e o dever-ser, num segundo sentido, a saber, 
como diferença entre o ato de vontade que instaura a norma jurídica, e a 
sua significação objetiva. Com efeito, segundo a Teoria Pura do Direito, a 
norma jurídica é a “significação de um ato de vontade” através do qual uma 
determinada conduta é ordenada, autorizada, habilitada ou derrogada. A 
norma jurídica não se confunde, portanto, com o ato de vontade que a ins-
taura. Ela é, pois, um dever-ser (Sollen), enquanto que tal ato de vontade 
é apenas um ser (Sein). 
Procedendo assim, observa Michel Troper (1994), Kelsen toma as 
suas distâncias com relação às concepções positivistas tradicionais: se os 
atos de vontade possuem a significação de que uma norma foi criada, tal 
significação não provém de uma propriedade intrínseca a tais atos. Ao con-
trário, são exatamente as normas que conferem esta significação normativa, 
de tal forma que estes atos podem ser interpretados de acordo com elas. 
Neste sentido, as normas jurídicas são “esquemas de interpretação”, e a 
tarefa da ciência do direito consiste precisamente em descrever tais esque-
mas1. Logo, a especificidade da ciência do direito decorre do próprio caráter 
específico do seu objeto, ou seja, o direito tem por objeto os mesmos fatos 
objetivos examinados pelas ciências naturais, sendo que ele apreende tais 
fatos enquanto fatos jurídicos, isto é, enquanto fatos que possuem uma 
significação normativa.
1 Kelsen nos dá um exemplo bastante esclarecedor da sua tese: alguns homens estão reunidos numa sala, pro-
nunciando certas palavras e realizando determinados gestos (levantando ou abaixando as mãos). Apenas do 
ponto de vista do direito, isto é, com o auxílio deste esquema de interpretação que é a norma jurídica, nós 
podemos compreender que o que se passa nessa sala é precisamente uma assembléia.
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A posição de Kelsen é, portanto, radicalmente diferente daquela que 
caracteriza um positivismo restrito, em que a ciência do direito é concebida 
segundo o modelo das ciências naturais. Afinal, segundo o positivismo jurí-
dico tradicional, o objeto da ciência do direito não é outro senão o conjunto 
de comportamentos sociais observáveis, e a ciência do direito, ela própria, 
uma espécie de psicologia ou sociologia empírica do comportamento. Kel-
sen não nega o interesse de uma tal pesquisa empírica para a teoria jurídica. 
No entanto, o que ele observa é que, se desejamos examinar o sentido es-
pecífico das normas jurídicas, devemos supor que o conhecimento jurídico 
se organiza de uma forma radicalmente distinta daquela do conhecimento 
patrocinado pelas ciências naturais. E é por isso que a Teoria pura do direito 
estabelecerá, ao lado da distinção ontológica entre o ser e o dever-ser, uma 
outra distinção; desta vez, de contornos nitidamente epistemológicos.
4 A DISTINÇÃO ENTRE O SER E O DEVER-SER NO PLANO 
EPISTEMOLÓGICO
Para Kelsen, o ser e o dever-ser determinam os limites de dois ti-
pos diferentes de conhecimento que se distinguem tanto pelos seus objetos 
específicos quanto pelos seus princípios explicativos. O primeiro tipo de 
conhecimento é oriundo das ciências naturais, que, segundo Kelsen, são 
ciências “causais”, no sentido de que elas se relacionam com os seus objetos 
(os fenômenos físicos, temporal e espacialmente situados) por meio de uma 
descrição fundada sobre o princípio de causalidade do tipo “se A é, B é ou 
será”. É importante lembrarmos aqui que Kelsen situa, entre as ciências 
causais, não apenas as ciências tradicionalmente consideradas como “natu-
rais” (a física, a química e a biologia, entre outras), mas também a psicolo-
gia, a história e a sociologia, ciências que, para o jurista austríaco, têm por 
objeto “a conduta humana na medida em que ela é determinada através de 
leis causais, isto é, na medida em que se processa no domínio da natureza ou 
da realidade natural” (KELSEN, 1985, p. 96). Dessa forma, entre as ciên-
cias sociais “causais” e as ciências naturais, existirá apenas uma distinção de 
grau, e não propriamente de princípio.
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Ao lado das ciências causais, se localizam asciências normativas, que 
recebem tal denominação, não porque elas estabelecem normas ou prescre-
vem um comportamento qualquer, mas porque descrevem normas. Segun-
do a Teoria pura do direito, ainda que as normas sejam fatos objetivos situ-
ados no tempo e no espaço, elas não se deixam apreender por uma relação 
de causa e efeito. Ao contrário, elas exigem um princípio de interpretação 
específico, a que Kelsen, utilizando-se da terminologia kantiana, dá o nome 
de princípio de imputação. Tal princípio toma a forma de um juízo hipo-
tético do tipo “Se A é, então B deve ser”, juízo que estabelece uma conexão 
entre uma certa conduta e as suas conseqüências. 
Nestes moldes, a ciência do direito aparece, então, como uma meta-
teoria descritiva da estrutura do ordenamento jurídico. Tal ciência se limita, 
pois, a descrever as normas com auxílio de enunciados fatuais que não se 
confundem com as normas jurídicas elas próprias (Rechtsnormen). Uma 
proposição é um enunciado descritivo, isto é, um enunciado indicando que 
algo é, foi ou será. Uma norma, ao contrário, é uma prescrição (no sentido 
mais amplo do termo, isto é, englobando as permissões e as habilitações), 
criada por uma autoridade jurídica competente, e que deve ser observada 
pelos operadores jurídicos 2.
E é assim que encontramos o terceiro nível da distinção kelsenia-
na entre o ser e o dever-ser, a saber, o nível lógico-semiótico. De fato, as 
proposições jurídicas são, enquanto enunciados descritivos, submetidas aos 
valores-de-verdade, isto é, verdadeiras ou falsas. As normas jurídicas, ao 
contrário, não são susceptíveis ao tratamento vericondicional, pois uma 
prescrição não é verdadeira ou falsa, mas simplesmente válida ou inválida. 
Assim, se a verdade é uma propriedade da proposição de direito, a validade, 
por sua vez, é o próprio modo de existência de uma norma jurídica.
2 De fato, foi um grande mérito de Kelsen apontar tal distinção mostrando que no discurso ordinário é co-
mum utilizarmos a palavra “direito” de uma forma bastante ambígua, confundindo, pois, dois domínios que 
são diferentes: o direito enquanto sistema de normas jurídicas e o direito enquanto disciplina metateórica 
que descreve tal sistema. No entanto, como bem observou o lógico polonês G. Kalinowski, Kelsen, acredi-
tando poder relacionar esta distinção à duas acepções do termo “dever” — prescritivo no caso das normas e 
descritivo no caso das proposições de direito — terminou por confundir linguagem com metalinguagem sem 
perceber, pois, que no caso das proposições de direito, o verbo Sollen não é utilizado, mas apenas menciona-
do. Ver a propósito G. Kalinowski (1965).
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5 CIÊNCIA DO DIREITO E ÉTICA
Mas, aqui, é importante abrirmos um parêntese para assinalar que, 
diante do que foi exposto acima, a diferença entre a ciência do direito e a 
ética não pode ser estabelecida. Aliás, essas duas disciplinas são “ciências 
normativas”, no sentido de que ambas se propõem a descrever normas. 
Ora, sob o risco de ameaçar a pureza metodológica da ciência do direito, 
Kelsen se vê constrangido a estabelecer a especificidade de cada uma destas 
disciplinas, mostrando a heterogeneidade existente entre as normas jurídi-
cas e as normas morais.
Mas o problema não é tão fácil de ser resolvido. Na verdade, é inte-
ressante observarmos que a posição kelseniana em relação à ética é extrema-
mente ambígua. Por um lado, Kelsen adota uma posição não cognitivista 
com relação aos valores morais, pois acredita o autor da Teoria pura do 
direito que os valores possuem apenas uma constituição emotiva e subje-
tiva3. Contudo, o próprio Kelsen reconhece que, da mesma maneira que 
confundimos muitas vezes o direito com a ciência do direito, confundimos, 
igualmente, a moral com a ética, e afirma, “ desta o que só quanto aquela 
está certo : que regula a conduta humana, que estatui deveres e direitos, isto 
é, que estabelece autoritariamente normas, quando ela apenas pode conhecer e 
descrever a norma moral posta por uma autoridade moral ou consuetudinaria-
mente produzida” (KELSEN, 1985, p. 64). No mais, Kelsen denuncia outra 
confusão que consiste em definir a ética como “ciência de fatos” e, destarte, 
como um simples ramo da psicologia ou da sociologia. A ética, como a 
ciência do direito, “é ciência de normas ou ciência normativa porque tem por 
objeto normas de dever-ser como conteúdos de sentido, e não os atos da ordem do 
ser insertos no nexo causal, cujo sentido são normas” (KELSEN, 1985, p. 63 ).
Assim, fica claro que a ciência do direito e a ética não se distinguem 
pelos seus métodos. Ambas são ciências normativas que descrevem normas 
entendidas como a significação de fatos empíricos. Enquanto tal, elas se-
riam igualmente regidas pelo princípio de imputação, se bem que a impu-
3 Vários autores observaram que esta posição acerca dos valores é contraditória, pois, se por um lado Kelsen 
manifesta um não cognitivismo explicito com relação aos valores morais, por outro, na seção 4 da sua Teoria 
pura do direito, ele supõe a existência de “valores legais” derivados das normas jurídicas objetivamente válidas. 
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tação jurídica seja diferente da imputação moral4. No mais, a ética, como a 
ciência do direito, também descreve o seu objeto por meio de proposições 
descritivas submetidas aos valores-de-verdade.
A diferença entre a ciência do direito e a ética só aparece, portanto, ao 
nível dos seus respectivos objetos. A moral se distingue do direito pelo fato 
de que as suas normas não têm, como as normas jurídicas, o caráter de atos 
de coação. Neste sentido, escreve o autor da Teoria pura do direito: 
O direito só pode ser distinguido essencialmente da moral 
quando [...] se concebe como uma ordem de coação, isto é, 
como uma ordem normativa que procura obter uma deter-
minada conduta humana ligando à conduta oposta um ato 
de coerção socialmente organizado, enquanto a moral é uma 
ordem social que não estatui quaisquer sanções desse tipo, 
visto que as suas sanções apenas consistem na aprovação da 
conduta conforme às normas e na desaprovação da conduta 
contrária às normas, nela não entrando sequer em conside-
ração o emprego da força física (KELSEN, 1985, p. 68 ).
6 A CIÊNCIA DO DIREITO NA TEORIA GERAL DAS NORMAS
Tal concepção da separação entre o direito e a moral (por meio da sanção) é 
por demais contestável, mas não abordaremos o problema aqui. Mais importante 
é sublinharmos a grande transformação que a teoria kelseniana sofreu, a partir dos 
anos 60, quando o jurista austríaco, afastando-se das suas posições neokantianas 
iniciais, propôs uma nova concepção da ciência do direito. Com efeito, observa 
oportunamente Michel Troper (1994), uma das principais dificuldades da Teoria 
pura do direito estava exatamente em não estabelecer um critério preciso de vali-
dação das suas próprias proposições. 
Na verdade, na Teoria pura do direito, Kelsen se limitava a afirmar que uma 
proposição de direito, segundo a qual existe, num determinado ordenamento 
jurídico a obrigação de realizar “P”, é verdadeira, se este ordenamento estabelece, 
de fato, a obrigação de realizar “P” (e falsa, no caso contrário). Porém, proceden-
4 Na primeira edição da Teoria pura do direito Kelsen utilizava o mesmo termo em alemão Zurechnung para 
fazer referência a estes dois tipos de imputação. Porém, na segunda edição desta obra ele decide empregar o 
termo Zuschreibung (atribuição) para designar a imputação moral.
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do assim, Kelsen apenas afastava o problema sem, na verdade, resolvê-lo;pois, se 
a validade é, segundo ele próprio, tão-somente a conformidade de uma norma 
inferior com uma norma superior, o fato é que tal conformidade não pode ser 
verificada de uma forma objetiva, posto que não se trata de um fato empírico.
Esta dificuldade é, na verdade, fruto da definição da norma jurídica, não 
como uma realidade empírica, mas sim como uma espécie de entidade ideal. 
Anos mais tarde, já nos Estados Unidos, Kelsen mudará de opinião e passará a 
reconhecer que as proposições de direito não descrevem normas que sejam en-
tidades ideais, mas que elas representem a expressão de atos de vontade. Neste 
sentido, e de acordo com a nova posição de Kelsen, as proposições de direito 
seriam efetivamente verdadeiras ou falsas, pois a validade seria vista, agora, como 
uma simples propriedade empírica de ordem sociológica ou mesmo psicológica 
(uma norma é válida se ela foi criada por um ato de vontade). Note-se, portanto, 
que estamos diante de uma reviravolta fundamental do pensamento kelseniano 
que afetará profundamente o estatuto da ciência do direito, ou seja, o sentido da 
distinção entre o ser e o dever-ser, e a própria idéia da possibilidade de existência 
de uma lógica das normas. 
No texto póstumo da Teoria Geral das Normas (publicado em 1979), Kel-
sen, abandonando a sua definição da norma como entidade ideal, passará a con-
ceber a distinção entre o ser e o dever-ser como uma simples distinção “modal”, 
segundo a terminologia de Wroblewski. Doravante, ser e dever-ser serão definidos 
como conceitos puramente formais, isto é, como “dois modos que podem tomar 
todo e qualquer conteúdo” (KELSEN, 1979, p. 70 ). Neste sentido, numa frase do 
tipo “A paga sua dívida de jogo”, o substrato modal indiferente “pagar dívida de 
jogo” toma o modo do ser, enquanto que numa frase do tipo “ A deve pagar a 
sua dívida de jogo”, o substrato modal indiferente toma a forma de um dever-ser.
Como observa C. Grzegorczyk, Kelsen, ao introduzir tal distinção (que 
parece lembrar a distinção estabelecida por Hare entre o conteúdo de uma pro-
posição e o seu modo de expressão), não ajuda a esclarecer o sentido da oposição 
entre o ser e o dever-ser, no âmbito da sua doutrina, uma vez que ele não se preo-
cupa em determinar qual seria o estatuto dos “modos” do ser e do dever-ser (seria 
ontológico, epistemológico ou alético?). No mais, é sabido que a lógica deôntica 
estabelece uma relação entre as modalidades ônticas e as modalidades deônticas, 
Eduardo ramalho rabEnhorstSER E DEVER SER NA TEORIA KELSENIANA DO DIREITO
Revista Direito e Liberdade – ESMARN – Mossoró - v. 1, n.1, p. 119 – 130 – jul/dez 2005
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estas últimas entendidas como “modos” do Sollen. Porém, para Kelsen, o Sollen 
já é, ele próprio, um modo.
A Teoria geral das normas introduz também uma profunda mudança no 
que se refere à aplicação da lógica no domínio do direito. Com efeito, no passado, 
Kelsen sustentava que se os princípios lógicos não eram aplicáveis diretamente às 
normas jurídicas, eles seriam, em contrapartida, aplicáveis indiretamente às pro-
posições de direito. Porém, o jurista vienense foi obrigado a mudar tal posição, 
dado que esta não era mais compatível com a sua nova concepção da validade e 
da verificação das proposições da ciência do direito. Assim, ele passará a defender 
a idéia de que a validade de uma norma individual não depende, como no caso de 
uma proposição, de uma inferência a partir de uma norma geral. Logo, a verdade 
de uma proposição do tipo “Sócrates é mortal” está contida, implicitamente, nas 
proposições “Todos os homens são mortais ”e“ Sócrates é mortal”, enquanto que 
a validade de uma norma individual do tipo “ Smith deve ser condenado a uma 
pena de prisão” não está contida na norma “ Todo assassino deve ser condenado a 
uma pena de prisão”. Na verdade, a norma individual “Smith deve ser condenado 
a uma pena de prisão” é válida não porque pode ser inferida de uma norma geral, 
mas apenas porque ela é a manifestação de um ato de vontade de um juiz.
No entanto, como bem observou Michel Troper (1994), seguindo a opi-
nião de Letizia Gianfromaggio (1987), Kelsen parece confundir, erradamente, 
aquilo que pertence à lógica com aquilo que pertence à teoria do direito, pois, 
ao afirmar que a validade de uma norma individual não depende da possibilida-
de de uma inferência de uma norma geral, ele acreditou poder contestar, assim, 
toda possibilidade de uma lógica das normas, quando poderia simplesmente ter 
vislumbrado que uma inferência entre as normas poderia ser logicamente válida, 
mas que a validade jurídica de uma norma não depende desta inferência.
Apesar de todas estas contradições e hesitações do pensamento do ju-
rista vienense, não se pode negar que ele continua sendo, até hoje, o mais 
importante entre todos aqueles que a teoria contemporânea produziu. Neste 
sentido, as dificuldades enfrentadas pela teoria pura do direito testemunham 
os impasses de uma doutrina que, procurando preservar a qualquer preço 
uma separação entre os domínios do ser e do dever-ser, termina por negar a 
própria racionalidade do direito.

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