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A epidemia transexual histeria na era da ciência e da globalização - Jorge, Marco Antonio Coutinho e Travassos, Natália Pereira (2017)

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Resenha Crítica
Texto: A epidemia transexual: histeria na era da ciência e da globalização? - Jorge, Marco Antonio Coutinho e Travassos, Natália Pereira (2017)
O artigo destaca a princípio o lugar que vem sendo ocupado pela transsexualidade na nossa atual conjectura do exibicionismo midiático, e postula a hipótese de que o lugar da histeria na contemporaneidade é nos fenômenos relativos ao gênero.
No que tange à transexualidade na medicina e na psicanálise, é apresentado que o transexualismo começou a ser entendido a partir do momento que se começou a disseminar na medicina a adequação de gênero através da modificação do corpo, destacando a falta de naturalidade com que o sujeito trata o próprio corpo nessa condição além da falta de espaço para interrogação sobre as diferenças sexuais, com certa “intolerância do não saber”. A respeito da metodologia podemos diferenciar a medicina da psicanálise partindo de sua ótica curalista alocando o transexualismo no âmbito das doenças psiquiátricas propondo sua cura através da modificação do corpo, enquanto a segunda propõe o tratamento do real pela via do simbólico invertendo essa perspectiva. Stoller se posiciona diante do assunto definindo o transexualismo como uma desordem em que uma pessoa anatomicamente normal sente-se membro do sexo oposto mas continua consciente do sexo biológico, Lacan faz uma crítica perante isso, afirmando ser inconsistente a sua argumentação destacando a importância de seu conceito de foraclusão nos casos de psicose. Foi Moustapha Safouan que despertou a discussão a luz da psicanálise ao introduzir o lugar do desejo e do significante do Nome-do-Pai permitindo assim destacar a posição subjetiva a respeito do desejo do Outro e a seu próprio sexo, e foi além da teoria Lacaniana ao marcar dois campos distintos de gozo e também a nodulação borromeana que possibilita pensar o transexualismo enquanto sintoma.
Para compreender o enigma da histeria é preciso partir da concepção de que é uma patologia polimorfa onde sua manifestação se transforma de acordo com a época em que se insere, sendo assim seus sintomas seriam considerados “migratórios”. A princípio era denominada “a incógnita que usava o corpo para se manifestar” ou “doença mental” perante a psiquiatria, assim, perante a medicina, a histeria sempre foi omissa, sendo considerada como “simulações, tentativas de manipulação” que na verdade não tinham de fato uma “doença” por trás dos discursos teatrais, sendo assim desqualificada e ficando à margem do nada. Foi a partir de Charcot que essa concepção começou a mudar, e houve uma estruturação dos saberes sobre a histeria onde a partir da hipnose Freud abriu portas para a conceituação da transferência e a partir da fantasia inconsciente postula a etiologia das neuroses partir do sexo como traumático e não de um trauma sexual, passando de um real externo à dimensão de outro real segundo Lacan. O deslocamento da histeria rumo ao discurso dominante do contexto a coloca sempre próxima do saber, e hoje é considerada “epidemia” diante das questões de gênero, ou ainda a epidemia histérica da era globalizada, se considerarmos o momento contemporâneo. 
Lacan, quando escreve o matema do discurso do histérico, situa no sujeito histérico a estrutura discursiva. Como agente do discurso, o sujeito se coloca como objeto de desejo, indecifrável pelo Outro, e todo o saber que virá a ser produzido pelo mestre não será suficiente para decifrar o enigma da sexualidade, assim a histeria significa uma interrogação sobre o real do sexo, que é impossível de ser representado pelo simbólico e pela linguagem. 
A histérica, ao questionar o real do sexo, recorre a um mestre a fim de destituí-lo de sua potência, pois acredita que não há um saber real sobre as diferenças do sexo. Apesar de inúmeras ciências tentarem produzir conteúdos sobre essas diferenças, apenas o saber freudiano efetivamente construiu um conteúdo sobre a bissexualidade estrutural.
Dessa maneira, a figura da histérica na clínica sempre questiona “o que o Outro tem que eu não tenho?”, essa dúvida mantém o desejo dela quando há identificação com o desejo do Outro. Como dito por Freud, no inconsciente não existe a diferença sexual. No âmbito da medicina, o médico se propõe a corrigir o desacordo existente entre corpo e identidade sexual, e consequentemente, cria uma enorme demanda de procedimentos que visam à transformação corporal. Porém, a insatisfação do histérico ainda pode continuar, visto que a busca pelo processo de destransição cresce atualmente. 
Pelo saber psicanalítico, a tentativa de mudança de sexo é uma resposta à dúvida do histérico, que questiona se é homem ou mulher. São inúmeras formas de manifestações da histeria nos dias de hoje, porém a transexualidade tem se tornado a mais frequente dentro das clínicas, trazendo a tona a grande questão entre anatomia e subjetividade. 
DANI, SUA PARTE FICA AQUI, BEIJOS. <3
Muitos psicanalistas questionam onde a histeria estaria se manifestando na atualidade e se seria a transexualidade a nova forma de manifestação da mesma, devido ao grande número de ocorrências. Nesta questão, são consideradas também, quando atrelada à medicina, a realização de cirurgias para troca de sexo, que eram proibidas até o ano de 1997. Apenas em 2008 foi que o governo brasileiro oficializou o “Processo transexualizador”. A partir desse momento até o ano de 2014 realizou-se, pelo sistema único de saúde, 6.724 procedimentos ambulatoriais e 243 cirurgias. 
O artigo levanta uma questão importante, indagando se estaria na própria estrutura histérica os elementos em jogo para a multiplicação da demanda supracitada. De acordo com Lacan, este seria um fato de estrutura, quando o sujeito, faltoso em seu cerne, se fascina por todo significante mestre na intenção de que o mesmo preencha sua falta, ainda que este seja impotente. 
Dessa maneira, o presente artigo atenta para o fato de que devemos considerar a histeria e suas manifestações no momento em que discutimos sobre a transexualidade, colocando-a como parte constituinte do sujeito e que pode leva-lo a consequências graves, como o suicídio. Trate-se de um assunto atual e alarmante, visto que tem implicado em inúmeras ações no que diz respeito ao sujeito. Observam-se médicos e pais diagnosticando crianças com a transexualidade, e iniciando precocemente tratamentos hormonais.
Por fim, visto que a imagem corporal representa o maior valor que o indivíduo pode ter na sociedade atual, é preciso refletir sobre a necessidade do uso de todos os possíveis recursos para se colocar a transexualidade em seu lugar de fato e não apenas um espaço de valorização exacerbada do corpo e inúmeras intervenções realizadas contra ele.

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