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A-POLÍTICA-DE-ASSISTÊNCIA-SOCIAL-E-SEGURANÇA-PÚBLICA

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1 
 
SUMÁRIO 
1 ASSISTÊNCIA SOCIAL .............................................................................. 2 
1.1 Princípios e diretrizes ........................................................................... 3 
2 BREVE HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL ...................................... 4 
2.1 A assistência como beneficência privada ............................................. 4 
2.2 A assistência como benemerência estatal (1930-1988) ....................... 6 
3 A ASSISTÊNCIA SOCIAL PÓS 1988 ......................................................... 8 
3.1 A assistência social na Constituição Federal de 1988 ......................... 8 
3.2 A assistência como direito social e suas implicações jurídicas .......... 10 
3.3 A organização da assistência social – a Lei no. 8.742/1993 (LOAS) . 12 
4 Estado Democrático de Direito ................................................................. 14 
4.1 Origem Histórica ................................................................................. 17 
4.2 O Surgimento do Estado .................................................................... 19 
4.3 Estado de Direito e seus Fundamentos.............................................. 20 
5 O SISTEMA DE JUSTIÇA ......................................................................... 25 
5.1 O acesso à justiça .............................................................................. 25 
5.2 O sistema de justiça ........................................................................... 34 
6 Segurança pública .................................................................................... 46 
6.1 Quem é responsável pela segurança pública? ................................... 46 
6.2 Governo Federal ................................................................................ 47 
6.3 Governos Estaduais ........................................................................... 47 
6.4 Governos Municipais .......................................................................... 47 
6.5 A segurança pública no brasil ............................................................ 47 
6.6 O direito à segurança pública como direito fundamental .................... 49 
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 52 
 
 
2 
 
1 ASSISTÊNCIA SOCIAL 
A Assistência Social está garantida no art. 203 da CF: “será prestada a quem 
dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social”. 
Deve ser prestada independentemente de contribuição, o que afasta o 
cumprimento de carências. 
 
 
Fonte: www.pma.es.gov.br 
São objetivos da Assistência Social (art. 203 da CF): a proteção à família, à 
maternidade, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes 
carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e a 
reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à 
vida comunitária; a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de 
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria 
manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 
Pelos objetivos enumerados, constata-se que a Assistência Social não é, na 
verdade, meramente assistencialista, porque não se destina apenas a dar socorro 
provisório e momentâneo ao necessitado. O que pretende a Constituição é que a 
Assistência Social seja um fator de transformação social. Deve promover a integração 
e a inclusão do assistido na vida comunitária, fazer com que, a partir do recebimento 
 
3 
 
das prestações assistenciais, seja “menos desigual” e possa exercer atividades que 
lhe garantam a subsistência. 
A Lei n. 8.742, de 7-12-1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social 
— LOAS, regulamentou o art. 203 da CF e definiu a assistência social como Política 
de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada 
através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para 
garantir o atendimento às necessidades básicas. 
Provê os mínimos sociais, ou seja, deve garantir ao assistido o necessário para 
a sua existência com dignidade. Destina-se ao enfrentamento da pobreza, ao 
provimento de condições para atender a contingências sociais e à universalização dos 
direitos sociais. Realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, através de um 
conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade (art. 2º, parágrafo 
único, da LOAS). 
A LOAS foi regulamentada pelo Decreto n. 1.744, de 8-121995, revogado pelo 
Decreto n. 6.214, de 26-9-2007. 
A participação da comunidade se dá por entidades e organizações de 
assistência social, que surgem na sociedade atendendo a demandas específicas da 
comunidade carente: são as Organizações Não Governamentais — ONGs. O art. 3º 
da LOAS as define como “aquelas que prestam, sem fins lucrativos, atendimento e 
assessoramento aos beneficiários abrangidos por esta lei, bem como as que atuam 
na defesa e garantia de seus direitos”. 
1.1 Princípios e diretrizes 
Os princípios regentes da assistência social, além daqueles que a CF elencou, 
estão previstos no art. 4º da LOAS. São normas que devem orientar as políticas 
públicas destinadas à cobertura pela assistência social. 
Os incisos I a V do art. 4º são, a nosso ver, desdobramentos dos princípios 
próprios da seguridade social, bem como do respeito à dignidade da pessoa humana. 
É de extrema importância o disposto no inciso III, que determina o respeito à 
dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de 
qualidade. Quis o legislador que a assistência social não seja imposta, mas, sim, 
prestada em razão da vontade manifestada do necessitado, quando suas condições 
 
4 
 
pessoais o permitirem. A prestação da assistência não pode se tornar discriminatória, 
mas, sim, tem que ser redutora das desigualdades sociais. Também por isso o mesmo 
inciso proíbe qualquer comprovação vexatória de necessidade. 
A transparência da utilização dos recursos destinados ao financiamento da 
assistência social está prevista no inciso V, que impõe a ampla divulgação dos 
benefícios, serviços e projetos assistenciais e dos critérios para sua concessão. 
As diretrizes da organização da assistência social estão no art. 5º da LOAS: 
descentralização político-administrativa, participação da população e primazia da 
responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social. 
2 BREVE HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL 
2.1 A assistência como beneficência privada 
A prática da assistência ao outro está presente na história da humanidade 
desde os tempos mais remotos, não se limitando nem à civilização judaico-cristã, nem 
às sociedades capitalistas. Sob a ótica da solidariedade social, pobres, viajantes, 
incapazes e doentes eram alvos de ações que assumiram formas variadas nas 
diferentes sociedades, sempre motivadas pela compreensão de que entre os homens 
nunca deixarão de existir os mais frágeis, carecedores de ajuda alheia. 
Na Grécia e Roma antigas já havia registros de ações de assistência social 
estatal, com a distribuição de trigo aos necessitados. 
Com a civilização judaico-cristã, a ajuda toma a expressão de caridade e 
benemerência ao próximo, como força moral de conduta. No intuito de conformar as 
práticas de ajuda e apoio aos aflitos, grupos filantrópicos e religiosos começaram a se 
organizar, dando origem às instituições de caridade (Sposati et al., 2007, p. 40). 
Na Idade Média, a forte influência do Cristianismo, através da doutrina da 
fraternidade, incentivou a prática assistencial com a difusão das confrarias que 
apoiavam às viúvas, os órfãos, os velhos e os doentes (Carvalho, 2006, p. 15). 
Com a expansão do capital e a precarização do trabalho, a pobreza se torna 
visível, incômoda e passa a ser reconhecida como um risco social. A benemerência,como um ato de solidariedade, passa a se constituir em práticas de dominação, que 
destituem o alvo das ações de caridade da condição de sujeito de direitos. 
 
5 
 
A caridade e a beneficência acabavam por despir o público alvo da assistência 
social da condição de cidadão, de indivíduo capaz, ou seja, sujeito de direitos, 
transformando-o em incapaz, carente e necessitado da benevolência dos mais 
abastados da sociedade. A pobreza era considerada um atributo individual daqueles 
que não se esforçavam para superá-la e que, portanto, eram tidos como responsáveis 
pela situação de miséria em que se encontravam. 
Nesse contexto, a assistência será incorporada pelo Estado sob duas formas: 
“uma que se insinua como privilegiada para enfrentar politicamente a questão social; 
outra, para dar conta de condições agudizadas de pauperização da força de trabalho” 
(Sposati et al., 2007, p. 41). 
Contudo, essa apropriação da prática assistencial pelo Estado se dará como 
expressão de benemerência, lançando-se para a seara das instituições privadas de 
fins sociais, em especial os organismos atrelados às igrejas de diferentes credos, as 
ações assistenciais. Ao Poder Público caberia somente catalisar e direcionar os 
esforços de solidariedade social da sociedade civil. 
No Brasil, até 1930 não se apreendia a pobreza enquanto expressão da 
questão social, mas sim como uma disfunção pessoal dos indivíduos. Tal fato é 
revelado pelo atendimento social dado aos indivíduos, os quais eram encaminhados 
para o asilamento ou internação. 
A pobreza era tratada como doença. Como afirma Sposati, 
“(...) os pobres eram considerados como grupos especiais, párias da 
sociedade, frágeis ou doentes. A assistência se mesclava com as 
necessidades de saúde, caracterizando o que se poderia chamar de binômio 
de ajuda médico-social. Isto irá se refletir na própria constituição dos 
organismos prestadores de serviços assistenciais, que manifestarão as duas 
faces: a assistência à saúde e a assistência social. O resgate da história dos 
órgãos estatais de promoção, bem-estar, assistência social, traz, via de regra, 
esta trajetória inicial unificada” (Sposati et al., 2007, p. 42). 
Ressalte-se, inclusive, que o primeiro hospital construído no Brasil e na 
América Latina foi a Santa Casa da Misericórdia de Santos, em 1543. Como se sabe, 
os hospitais das Santas Casas de Misericórdia foram referência no acolhimento dos 
pobres. 
As organizações de beneficência mantinham a compreensão da assistência 
como um gesto de benevolência e caridade para com o próximo. 
 
6 
 
A partir da crise mundial do capitalismo (1929), o Estado se reposiciona frente 
a sociedade, inserindo-se na relação capital-trabalho, o que será fundamental para a 
acumulação, consolidação e expansão do capital. No caso brasileiro em especial, o 
Estado passa progressivamente a reconhecer a pobreza como questão social e, 
portanto, questão política a ser resolvida sob sua direção (Sposati et al., 2007, p. 42), 
conforme abordado posteriormente. 
2.2 A assistência como benemerência estatal (1930-1988) 
 
 
Fonte: www.michelteixeira.com.br 
Os anos de 1930 e 1943 podem ser caracterizados como os anos de introdução 
da política social no Brasil. Conforme afirma Behring & Boschetti, o Movimento de 
1930, que culminou com a assunção de Getúlio Vargas ao governo, embora não tenha 
sido a Revolução Burguesa no Brasil, foi sem dúvida “um momento de inflexão no 
longo processo de constituição de relações sociais tipicamente capitalistas no Brasil” 
(Behring & Boschetti, 2006, p. 105). 
Iniciou-se com Vargas um processo de regulamentação das relações de 
trabalho no país, cujo objetivo principal era transformar a luta de classes em 
colaboração de classes, apontando uma estratégia legalista na tentativa de interferir 
autoritariamente, ainda que via legislação, a fim de se evitar conflitos sociais. 
 
7 
 
Paralelamente à ação estatal, desenvolve-se a saúde privada e filantrópica, no 
que se refere ao atendimento médico hospitalar (Bravo apud Behring e Boschetti, 
2006, p. 107). 
Deste modo, boa parte dos benefícios sociais – saúde, previdência, etc. - 
giravam em torno do trabalho (emprego). Conforme afirma Sposati (2007, p.12) “no 
pensamento idealizado liberal permanecia a ideia moral pela qual atribuir benefícios 
ao trabalhador formal era um modo de disciplinar e incentivar a trabalhar o trabalhador 
informal, tido por vadio”. 
Assim, uma vez que a maior parte da população não possuía vínculo 
empregatício, restringia-se a poucos o acesso aos direitos sociais. Aos 
desempregados restava a caridade das instituições filantrópicas. 
Além disso, é importante ressaltar que o acesso às políticas sociais da época 
só era proporcionado aos trabalhadores urbanos, encontrando-se em posição 
desprivilegiada os trabalhadores rurais. 
A assistência social, até esse momento, não possuía qualquer visibilidade, 
inexistindo no campo de atuação governamental. 
Em 1º. de julho de 1938, por meio do Decreto-lei no. 525, Getúlio Vargas 
instituiu o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), vinculado ao Ministério de 
Educação e Saúde, chefiado pelo então Ministro Gustavo Capanema. Este conselho 
era composto por sete membros “notáveis”, tendo como funções primordiais a 
elaboração de inquéritos sociais, a análise das adequações de entidades sociais e de 
seus pedidos de subvenções e isenções, além de dizer das demandas dos mais 
desfavorecidos. 
Nesse contexto, os usuários da assistência social não possuíam voz ou 
qualquer direito de participação na consecução de eventuais projetos/ programas de 
enfrentamento à pobreza. 
Entretanto o CNSS tampouco chegou a ser um organismo atuante, 
caracterizando-se mais pela manipulação de verbas e subvenções, como mecanismo 
de clientelismo político. Anos depois, suas funções passariam a ser exercidas na 
prática pela Legião Brasileira de Assistência (LBA). 
Criada em 1942, sob a coordenação da primeira dama Darcy Vargas, a LBA 
seria a primeira grande instituição nacional de assistência social. 
 
8 
 
Instalada em nível federal e registrada no Ministério da Justiça e Negócios 
Interiores como entidade civil de finalidades não econômicas, a LBA terá como 
objetivos básicos: 
“1. executar seu programa, pela fórmula do trabalho em colaboração com o 
poder público e a iniciativa privada; 
2. congregar os brasileiros de boa vontade, coordenando-lhes a ação no 
empenho de se promover, por todas as formas, serviços de assistência social; 
3. prestar, dentro do esforço nacional pela vitória, decidido concurso ao 
governo; 
4. trabalhar em favor do progresso do serviço social no Brasil.” (Iamamoto & 
Carvalho, 2007, p. 250) 
Com o passar dos anos e as sucessivas mudanças políticas do país, a situação 
da assistência social permanece a mesma: práticas clientelistas, assistemáticas, de 
caráter focalizado e com traços conservadores, sendo operado por sujeitos 
institucionais desarticulados, com programas sociais estruturados na lógica da 
concessão e da dádiva, contrapondo-se ao direito (Couto, 2006, p. 71, 107, 108). As 
heranças clientelista e patrimonialista estatais impediam que se rompesse com a 
natureza assistencialista das políticas sociais. 
3 A ASSISTÊNCIA SOCIAL PÓS 1988 
3.1 A assistência social na Constituição Federal de 1988 
A Carta Magna de 1988 é considerada um divisor de águas no campo dos 
direitos de cidadania. Conforme expresso em seu preâmbulo, a nova ordem 
constitucional será destinada a assegurar o exercício dos direitos sociais como um de 
seus valores supremos. 
A cidadania passa a ser um dos fundamentos da República Federativa do Brasil 
(art. 1º., II, CRFB). Esta terá ainda como objetivo fundamental, dentre outros, a 
construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da pobreza e da 
marginalização e a redução das desigualdades sociais. 
Nesse contexto, o constituinte originárioinovou ao destinar um capítulo próprio 
aos direitos sociais e ao estabelecer um sistema de proteção social, por meio da 
seguridade social. Mais do que isso: atribuiu à assistência social, até então, “parente 
pobre” das políticas sociais, sempre relegada à benemerência dos seus agentes, o 
 
9 
 
status de direito social: “Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, 
a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à 
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. ” (CRFB, 
1988). 
A assistência passa a integrar o tripé seguridade social, juntamente com os 
direitos à saúde e à previdência social, deixando para trás seu caráter subsidiário, de 
política complementar: 
“Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações 
de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar 
os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. 
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a 
seguridade social, com base nos seguintes objetivos: 
I – universalidade da cobertura e do atendimento; 
II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações 
urbanas e rurais; 
III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; 
IV – irredutibilidade do valor dos benefícios; 
V – equidade na forma de participação no custeio; 
VI – diversidade da base de financiamento; 
VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante 
gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, 
dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.” (CRFB, 1988) 
Como se vê, a seguridade social assumiu, como sistema de proteção social 
brasileiro, duas vertentes: uma contributiva (contrapartida dos rendimentos do 
trabalho assalariado para sua garantia) e outra não contributiva (para todos os 
cidadãos que dela necessitem). A esta última vertente, vincula-se o direito social à 
assistência. 
A noção de seguridade social supõe um conjunto de certezas e seguranças que 
cubram, reduzam ou previnam situações de risco ou vulnerabilidade sociais, as quais 
qualquer indivíduo pode ser submetido. 
“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, 
independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: 
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; 
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; 
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; 
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a 
promoção de sua integração à vida comunitária; 
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora 
de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à 
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a 
lei.” (CRFB, 1988) 
 
10 
 
Uma vez filiada pela Carta Magna ao grupo dos direitos sociais, a assistência 
social assume diversas características que nunca antes lhe foram atribuídas. Para 
entendermos melhor a importância de tal realização, passaremos agora ao breve 
estudo acerca do significado e das implicações jurídicas de sua definição como direito 
social. 
3.2 A assistência como direito social e suas implicações jurídicas 
Segundo Silva, os direitos sociais são, como dimensão dos direitos 
fundamentais do homem, “prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou 
indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores 
condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de 
situações sociais desiguais” (2005, p. 286). 
Os direitos sociais diferenciam-se dos direitos individuais, uma vez que estes, 
tratando-se de “direitos de liberdade”, nascem contra o superpoder do Estado – e, 
portanto, com o objetivo de limitar o poder --, enquanto que aqueles exigem, para sua 
realização prática (passagem da declaração puramente verbal à sua proteção efetiva), 
precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado (Bobbio, 2004, 
p. 72). 
Tradicionalmente, os direitos sociais se dirigiam como exigências ao Estado. 
Assim, voltavam-se não a uma abstenção estatal, mas a uma ação, assumindo a 
característica de prestações positivas. Contudo, tais direitos possuem duas 
dimensões: uma defensiva, identificada pela exigência de abster-se de condutas que 
possam lesionar ou ameaçar os bens jurídicos por ele tutelados, e uma prestacional, 
correspondente a deveres comissivos atribuídos ao polo passivo da relação 
(Sarmento, 2006, p. 292). 
Como se sabe, os direitos sociais se prestam a realizar a “equalização” de 
situações desiguais. Uma das essências das normas que os expressam é o fato delas 
conterem elementos sócioideológicos que revelam o compromisso das constituições 
contemporâneas na edificação do Estado Democrático de Direito; são elas 
garantidoras da dignidade humana, consolidando, dessa forma a liberdade, igualdade 
e fraternidade. 
 
11 
 
Deste modo, representam verdadeiros pressupostos de gozo dos direitos 
individuais, na medida em que criam condições materiais para exercício dos mesmos. 
Como se falar em garantia de direito à vida diante da ausência de condições que 
possibilitem uma vida digna? 
“Não é livre quem não detém autossuficiência material. Não há garantia do 
direito à vida enquanto não se figura juridicamente a fome como uma negação do 
sistema constitucional organizador da vida política no Estado. (...) Não é livre o homem 
ausente de nome que a sua própria mão desenhe. Como saber de seu direito sem 
letra, ou sinal conhecido, o homem sem nome de gente? Não há direito para o qual a 
cegueira analfabeta ofereça luz (...).” (Rocha, 1999, p. 6 e 7) 
Nesse contexto, encontra-se hoje o direito à assistência. Seu principal objetivo 
é a efetivação do Estado Democrático de Direito, por meio da promoção dos direitos 
sociais, contribuindo para a redução da exclusão social ao propiciar oportunidades de 
emancipação àqueles que, sem tal assistência, não os alcançariam. 
Ao ser consagrada pela CRFB como direito social, a assistência será retirada 
do campo da caridade ou mera liberalidade para alçar a condição de direito subjetivo 
público e, agora sim, proporcionar a emancipação dos indivíduos. 
Afirma Reale que direito subjetivo é “a possibilidade de exigir-se, de maneira 
garantida, aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como próprio” (2001, p. 
262). 
Dizia nosso Código Civil de 1916, em seu art.75: “A cada direito corresponde 
uma ação, que o assegura”. Direito subjetivo é, pois, direito de ação. A falta de tutela, 
ou a falta de ação disponível, significa de fato a inexistência ou a inexigibilidade do 
direito subjetivo. 
As normas jurídicas de conduta caracterizam-se por sua bilateralidade, 
dirigindo-se a duas partes e atribuindo a uma delas a faculdade de exigir da outra 
determinado comportamento. Forma-se, desse modo, um vínculo, uma relação 
jurídica, que estabelece um elo entre dois componentes: de um lado, o direito 
subjetivo, a possibilidade de exigir; de outro, o dever jurídico, a obrigação de cumprir. 
Quando a exigibilidade de uma conduta se verifica em favor do particular em face do 
Estado, diz-se existir um direito subjetivo público. 
 
 
12 
 
 
Fonte: jatv.com.br 
Os direitos tidos como subjetivos possuem algumas características: a eles 
correspondem sempre deveres jurídicos; eles são violáveis, ou seja, existe a 
possibilidade de que a parte contrária deixe de cumprir o seu dever; a ordem jurídica 
coloca a disposição de seu titular um meio jurídico – que é ação judicial – para exigir-
lhes o cumprimento, deflagrando os mecanismos coercitivos e sancionatórios do 
Estado (Nader, 2003, p. 302). 
Como direito subjetivo, a assistência social enquadra-se nesse esquema 
conceitual, a saber: deverjurídico, violabilidade e pretensão. Dela resulta, portanto, 
para os seus beneficiários – os titulares do direito – situações jurídicas imediatamente 
desfrutáveis, a serem materializadas em prestações positivas ou negativas. Tais 
prestações são exigíveis do Estado ou de qualquer outro eventual destinatário da 
norma (dever jurídico) e, se não forem entregues espontaneamente (violação do 
direito), conferem ao titular do direito a possibilidade de postular-lhes o cumprimento 
(pretensão), inclusive e especialmente por meio de uma ação judicial. 
3.3 A organização da assistência social – a Lei no. 8.742/1993 (LOAS) 
Os anos que seguiram a promulgação da Carta Constitucional de 1988 foram 
marcados por um amplo processo de debates e lutas para que se regulamentasse os 
direitos prenunciados pela Constituição. Somente em 1990 é que se reiniciará o que 
 
13 
 
Sposati denomina de “contrações pré-parto para consolidar a democracia social” 
(2007, p. 44), com a aprovação pelo novo Congresso eleito de várias leis 
regulamentadoras, dentre as quais a Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do 
Adolescente), Lei 8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde) e Lei 8.142/1990 (Sistema 
Único de Saúde). 
A assistência social será a última área da seguridade social a ser 
regulamentada. Segundo Zucco, 
“(...) seu processo de regulamentação demonstrou o movimento de afirmação 
e negação que permeia a assistência. Ao ser encaminhado o Projeto de Lei 
no. 48 de 1990, que dispunha sobre a Lei Orgânica de Assistência Social, à 
Câmara Federal sofreu vários embates e críticas, o que o levou a ser vetado 
pelo Presidente Fernando Collor de Mello, em 17 de setembro de 1990, com 
a alegação de vícios de inconstitucionalidade e de sustentação financeira 
para sua implantação” (1997, p. 43) 
Enfim, em 7 de dezembro de 1993 será aprovada a Lei Orgânica da Assistência 
Social – LOAS, que vem regulamentar o disposto nos arts. 203 e 204 da CRFB. Em 
42 artigos, a referida Lei dispõe sobre a organização da assistência social, no que diz 
respeito, dentre outros assuntos: 
I – aos seus princípios e diretrizes; 
II – à forma de organização e gestão das ações; 
III – às competências das esferas de governo; 
IV – ao caráter e composição das instâncias deliberativas; 
V – à instituição e competências do Conselho Nacional de Assistência 
Social (CNAS); 
VI – às competências do órgão nacional gestor da Política Nacional de 
Assistência Social (PNAS); 
VII – ao conceito de benefícios, serviços, programas e projetos; VIII – ao 
financiamento da política. 
Em consonância aos preceitos constitucionais, a LOAS define em seu artigo 1º. 
a assistência social como direito do cidadão e dever do Estado, Política de Seguridade 
Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um 
conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o 
atendimento às necessidades básicas. 
A fim de conformar as ações assistenciais à nova realidade de “direito do 
cidadão”, optou o legislador por regê-las por alguns princípios, dispostos no art. 4º. da 
 
14 
 
referida lei, dentre os quais, a universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o 
destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas. 
Nesse sentido, seria o direito à assistência um mecanismo de distribuição de 
todas as políticas; mais do que isso, mecanismo de deselitização e consequente 
democratização das políticas sociais. 
Para tanto, o legislador estabelecerá como base da organização assistencial a 
descentralização político-administrativa para os entes federados; a participação da 
população, por meio de organizações representativas, na formulação e controle das 
políticas de assistência e a primazia da responsabilidade do Estado na condução da 
política de assistência social em cada esfera de governo (art. 5º.), o que será de 
extrema relevância para a já mencionada finalidade colimada não só pela LOAS, mas 
também pelo constituinte originário. 
4 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 
O Estado Democrático de Direito, que significa a exigência de reger-se pelo 
Direito e por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo bem 
como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais, 
proclamado no caput do artigo 1º da Constituição Federal de 1988, adotou, igualmente 
em seu parágrafo único, o denominado princípio democrático, ao afirmar que “todo 
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou 
diretamente, nos termos desta Constituição”. 
O termo "Estado democrático de direito" conjuga dois conceitos distintos que, 
juntos, definem a forma de mecanismos tipicamente assumidos pelo Estado de 
inspiração ocidental. Cada um destes termos possui sua própria definição técnica, 
mas, neste contexto, referem-se especificamente a parâmetros de funcionamento do 
Estado Ocidental moderno. 
Em sua origem grega, "democracia" quer dizer "governo do povo". No sistema 
moderno, no entanto, não é possível que o povo governe propriamente (o que 
significaria uma democracia direta). Assim, os atos de governo são exercidos por 
membros do povo ditos "politicamente constituídos", por meio de eleição. No Estado 
Democrático Brasileiro, as funções típicas e indelegáveis do Estado são exercidas por 
 
15 
 
indivíduos eleitos pelo povo para tanto, de acordo com regras preestabelecidas que 
regerão o pleito eleitoral. 
 
Fonte: www.filoinfo.net 
O aspecto do termo "de Direito" refere-se a que tipo de direito exercerá o papel 
de limitar o exercício do poder estatal. No Estado democrático de direito, apenas o 
direito positivo (isto é, aquele que foi codificado e aprovado pelos órgãos estatais 
competentes, como o Poder Legislativo) poderá limitar a ação estatal, e somente ele 
poderá ser invocado nos tribunais para garantir o chamado "império da lei". Todas as 
outras fontes de direito, como o Direito Canônico ou o Direito natural, ficam excluídas, 
a não ser que o direito positivo lhes atribua esta eficácia, e apenas nos limites 
estabelecidos pelo último. 
Nesse contexto, destaca-se o papel exercido pela Constituição. Nela delineiam-
se os limites e as regras para o exercício do poder estatal (onde se inscrevem os 
chamados "Direitos e Garantias fundamentais"), e, a partir dela, e sempre a tendo 
como baliza, redige-se o restante do chamado "ordenamento jurídico", isto é, o 
conjunto das leis que regem uma sociedade. O Estado democrático de direito não 
pode prescindir da existência de uma Constituição. 
No entanto, toda a conceitualização não deverá restringir o elemento 
democrático à limitação do poder estatal e a democracia ao instituto da representação 
política. Esta, em virtude de seus inúmeros defeitos, não pode fundamentar o Estado 
Democrático de Direito, pelo menos não como ele deveria ser, já que o princípio 
 
16 
 
democrático não se reduz a um método de escolha dos governantes pelos 
governados. 
O Estado Democrático envolve necessariamente, a soberania popular. 
Conforme expõe José Afonso da Silva, o Estado Democrático se funda no princípio 
da soberania popular que ‘impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa 
pública, participação que não se exaure, como veremos, na simples formação das 
instituições representativas, que constituem um estágio da evolução do Estado 
Democrático, mas não o seu completo desenvolvimento. 
Assim, a substância da soberania popular deve ser representada pela 
autêntica, efetiva e legítima participação democrática do povo nos mecanismos de 
produção e controle das decisões políticas, em todos os aspectos, funções e variantes 
do poder estatal. Friedrich Müller apregoa que, a ideia fundamental da democracia é 
a determinação normativa de um tipo de convívio de um povo pelo mesmo povo. Já 
que não se pode ter o autogoverno na prática quase inexequível, pretende-se ter ao 
menos a autocodificação das prescrições vigentes com base na livre competição 
entre opiniões e interesses, com alternativas manuseáveis e possibilidades eficazes 
de sancionamento político 
Para José Joaquim Gomes Canotilho, o esquema racional da estadualidade 
encontra expressão jurídico–política adequada num sistema político normativamente 
conformado por uma constituição e democraticamente legitimado. Por outras 
palavras: o Estado concebe-se hoje como Estado Constitucional Democrático, porque 
ele é conformado por uma Lei fundamental escrita (= constituição juridicamente 
constituída das estruturas básicas da justiça) e pressupõe um modelo de legitimação 
tendencialmente reconduzível à legitimação democrática. 
O Estado Democrático deve ser transformador da realidade, ultrapassando o 
aspecto material de concretização de uma vida digna para o homem. Este Estado age 
como fomentador da participação pública em vários seguimentos. O Estado deve 
sempre ter presente a ideia de que a democracia implica necessariamente a questão 
da solução do problema das condições materiais de existência. Portanto, foi criado 
para ultrapassar a ideia utópica de transformação social, assumindo o objetivo da 
igualdade, a lei aparece como instrumento de reestruturação social, não devendo 
atrelar-se a outros fins como à sanção ou à promoção. 
 
17 
 
A democracia como realização de valores de convivência humana de 
igualdade, liberdade e dignidade da pessoa é conceito mais abrangente do que 
“Estado Democrático de Direito” que surgiu como expressão jurídica da democracia 
liberal. 
Além disso, é certo que o Estado Democrático deve aparecer com a função de 
reduzir antíteses econômicas e sociais e isto se torna possível com a devida aplicação 
da Constituição Federal (colocada no ápice de uma pirâmide jurídica escalonada), que 
representa o interesse da maioria. 
Em suma, após essa reflexão pode-se elencar os elementos que julgamos 
essenciais no Estado Democrático de Direito, sendo o seu fundamento e principal 
aspecto a soberania popular: 
1 - A necessidade de providenciar mecanismos de apuração e de efetivação da 
vontade do povo; 
 2 – Ser um Estado Constitucional, ou seja, dotado de uma constituição material 
legítima, rígida, emanada da vontade do povo; 
 3 - A existência de um órgão guardião da Constituição e dos valores 
fundamentais da sociedade, que tenha atuação livre e desimpedida, 
constitucionalmente garantida; 
 4 - A existência de um sistema de garantia dos direitos humanos, em todas as 
suas expressões; 
 5 - Realização da democracia com a consequente promoção da justiça social; 
6 - Observância do princípio da igualdade; 
7 - existência de órgãos judiciais, livres e independentes, para a solução dos 
conflitos entre a sociedade, entre os indivíduos e destes com o Estado. 
4.1 Origem Histórica 
A ideia de Estado Democrático tem raízes no séc. XVIII, e está ligado a ideia 
de certos valores da dignidade humana, organização e funcionamento do Estado e a 
participação popular. No entanto, na antiguidade, o indivíduo tinha valor relativo; só 
alguns participavam das decisões, ou seja, apenas os cidadãos, aqueles que eram 
homens e tinham bens; ou segundo Aristóteles (384 – 322 a. C), no seu livro III, de “A 
Política”, cidadão era aquele que tivesse autoridade deliberativa ou judiciária, jamais 
 
18 
 
um artesão ou mercenário, isso porque a virtude política, que é a sabedoria para 
mandar e obedecer, só pertence àquele que não tem necessidade de trabalhar para 
viver. 
Percebe-se que a ideia de povo é restrita a cidadão, não sendo compatível com 
a ideia de povo do século XVIII, época em que “...a burguesia, economicamente 
poderosa, estava às vésperas de suplantar a monarquia e a nobreza no domínio do 
poder político.” 
Dalmo de Abreu Dallari destaca ainda que a base do conceito de Estado 
Democrático, está na noção de governo do povo, e que tal locução deriva 
etimologicamente do termo democracia. Ainda, faz menção aos três grandes 
movimentos político-sociais responsáveis pela condução ao Estado Democrático, 
quais seriam: a Revolução Inglesa, com a influência de John Locke e expressão mais 
significativa no Bill of Rights de 1689; a Revolução Americana com seus princípios 
expressos na Declaração de Independência das treze colônias americanas em 1776, 
e a Revolução Francesa, com influência de Rousseau, dando universalidade aos seus 
princípios, devidamente expressos na Declaração dos Direitos do Homem e do 
Cidadão de 1789. 
Com relação à Revolução Inglesa, aludido autor ressalta dois pontos básicos, 
tinham por objetivo assegurar a proteção dos direitos naturais dos indivíduos; a 
intenção de estabelecer limites ao poder absoluto do monarca e a influência do 
protestantismo. Quanto à Declaração da Independência, o autor destaca a garantia 
de supremacia da vontade do povo, a liberdade de associação e a possibilidade de 
manter um permanente controle sobre o governo. 
No tocante à Revolução Francesa, afirma ser um movimento consagrador das 
aspirações democráticas. Este movimento evidencia a sociedade política que tem por 
fim a preservação da liberdade do homem e a inexistência da imposição de limites 
que não seja decorrentes de lei (expressão da vontade geral), bem como o direito dos 
cidadãos de concorrer, pessoalmente ou através de seus representantes, para a 
formação da vontade geral. 
 
19 
 
4.2 O Surgimento do Estado 
De acordo com Dalmo de Abreu Dallari, a origem do Estado Moderno remonta 
ao Absolutismo e a ideia de Estado Democrático aparece no século XVIII, através dos 
valores fundamentais da pessoa humana, a exigência de organização e 
funcionamento do Estado enquanto órgão protetivo daqueles valores. 
A doutrina diverge sobre as origens e surgimento do Estado. Dalmo de Abreu 
Dallari registra que existem três teorias básicas a respeito da época do aparecimento 
do Estado. Pela primeira, o Estado, assim como a sociedade, sempre teria existido, 
considerando que o Estado seria uma organização social, dotada de poder e com 
autoridade para determinar o comportamento de todo o grupo. Pela segunda, a 
sociedade humana teria inicialmente existido sem o Estado, tendo este sido 
constituído gradual e localmente para atender as necessidades ou as conveniências 
dos grupos sociais. E, finalmente, pela terceira teoria, somente se pode falar em 
Estado como uma sociedade política dotada de certas características bem definidas, 
como conceito histórico concreto, com a ideia e a prática da soberania, o que somente 
ocorreu no século XVII, existindo autores que apontam o ano de 1648, como a data 
oficial em que o mundo ocidental se apresenta organizado em Estados. 
Assim se descrevem os princípios que passaram a nortear os Estados, como 
exigência e cumprimento da democracia: 
 1) a supremacia da vontade popular (a participação popular no governo); 
 2) a preservação da liberdade (o poder de fazer tudo o que não incomodasse 
o próximo e como o poder de dispor de sua pessoa e de seus bens, sem interferência 
do Estado; 
 3) a igualdade de direitos (a proibição de distinções no gozo de direitos, 
sobretudo por motivos econômicos ou de discriminação entre classes sociais). 
Hodiernamente, podemos compreender o Estado como sendo um 
agrupamento social politicamente organizado, gerido por objetivos em comum, 
obviamente segundo determinadas normas jurídicas em um território certo e definido, 
sob a total tutela de um poder soberano, representado por um governo independente. 
Assim sendo, a consolidação do Estado surge à medida em que coexistem interesses 
similares de uma coletividade e o devido ânimo de colocá-los em prática. 
 
20 
 
Consoante o pensamento de Jean Dabin, que expressa a essência primordial 
do Estado: chegou um momento em que os homens sentiram o desejo, vago e 
indeterminado, de um bem que ultrapassa o seu bem particular e imediato e que ao 
mesmo tempofosse capaz de garanti-lo e promovê-lo. Esse bem é o bem comum ou 
bem público e consiste num regime de ordem, de coordenação de esforços e 
intercooperação organizada. Por isso o homem se deu conta de que o meio de realizar 
tal regime era a reunião de todos em um grupo específico, tendo por finalidade o bem 
público. Assim, a causa primária da sociedade política reside na natureza humana, 
racional e perfectível. No entanto, a tendência deve tornar-se um ato; é a natureza 
que impele o homem a instituir a sociedade política, mas foi a vontade do homem que 
instituiu as diversas sociedades políticas de outrora e de hoje. O instinto natural não 
era suficiente, foi preciso a arte humana. 
Assim, conclui-se que os objetivos do Estado são a ordem e a defesa social, 
em suma, o bem estar social, o bem público; sendo os seus três elementos precípuos 
o povo, o território e o poder político. No dizer de Darcy Azambuja, "Estado é a 
organização político-jurídica de uma sociedade para realizar o bem público, com 
governo próprio e território determinado”. Dalmo de Abreu Dallari entende o Estado 
como sendo "organização jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um 
povo situado em determinado território". Importante ressaltar que na correta acepção 
do termo Estado, mister se faz ressaltar que "o fenômeno estatal revela-se no 
elemento pessoal (Estado–Comunidade) como no elemento poder (Estado-aparelho 
ou Estado-poder)" nos dizeres de Kildare Carvalho. 
O conceito de Estado moderno, portanto, assenta-se sobre quatro elementos 
básicos: a soberania, o território, o povo e a finalidade. Ele é definido como a ordem 
jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado 
território. 
4.3 Estado de Direito e seus Fundamentos 
Para alcançar uma compreensão do Estado de Direito, não se pode prescindir 
uma análise da distinção entre direito natural e direito positivo, considerando que essa 
é uma dicotomia estabelecida pelo pensamento jurídico ocidental, e que influenciou e 
ainda influencia fortemente as relações sociedade-Estado e Estado-indivíduo, sendo 
 
21 
 
que não se pode falar da instituição Estado sem falar no Direito. Dessa divisão teórica 
resultam vários questionamentos quando se perquire da relação do Estado com o 
Direito. 
Norberto Bobbio esclarece que a distinção entre direito natural e direito positivo 
já havia sido identificada até mesmo na antiguidade, com Platão e Aristóteles. Este 
último utilizou-se de dois critérios para chegar a tal diferenciação: 
 1 - O direito natural é aquele que tem em toda parte a mesma eficácia, 
enquanto o direito positivo tem eficácia apenas nas comunidades políticas singulares 
em que é posto; 
 2 - O direito natural prescreve ações cujo valor não depende do juízo que sobre 
elas tenha o sujeito, mas existe independentemente do fato de parecerem boas ou 
más a outros. Prescreve ações cuja bondade é objetiva. O direito positivo, ao 
contrário, é aquele que estabelece ações que, antes de serem reguladas, podem ser 
cumpridas indiferentemente de um modo ou de outro, mas uma vez reguladas pela 
lei, importa (isto é: é correto e necessário) que sejam desempenhadas do modo 
prescrito pela lei. 
Os filósofos da Idade Média também discorreram sobre o assunto, deixando 
assente que existe uma clara distinção entre direito natural e direito positivo, tendo 
este a característica de ser posto pelos homens, em contraste com o primeiro que não 
é posto por esses, mas por algo (ou alguém) que está além desses, como a natureza 
(ou o próprio Deus). 
Essa distinção, que perdura até hoje, ganha importância no tocante à questão 
do exame do Estado de Direito e, em última análise, do Estado Democrático de Direito, 
quando se sabe que o positivismo jurídico reduziu todo o Direito a direito positivo, 
afastando o direito natural da categoria do Direito, pois essa corrente doutrinária não 
considera Direito, outro que não seja aquele posto pelo Estado, sendo este o único 
detentor do poder de estabelecer as normas jurídicas que irão reger a sociedade. 
Por outro lado, quando se fala de Estado de direito no âmbito da doutrina liberal 
do Estado, deve-se acrescentar à definição tradicional uma determinação ulterior: a 
constitucionalização dos direitos naturais, ou seja, a transformação desses direitos em 
direitos juridicamente protegidos, isto é, em verdadeiros direitos positivos. 
Vale acrescentar que Hans Kelsen, o precursor máximo do positivismo jurídico, 
defende que o Direito é um sistema de normas jurídicas, postas pelo Estado, num 
 
22 
 
escalonamento de autoridade legal hierárquica, em que a Constituição de um Estado 
se encontra na camada jurídico-positiva mais alta. 
Portanto, concluímos que o Estado de direito é aquele em que vigora o 
chamado "império da lei", porém este termo engloba alguns aspectos significados: 
primeiro aspecto é o de que, neste tipo de Estado, as leis são criadas pelo próprio 
Estado, através de seus representantes politicamente constituídos; o segundo 
aspecto é que, uma vez criadas pelo Estado, as leis passam a serem eficazes, isto é, 
aplicáveis, o próprio Estado fica adstrito ao cumprimento das regras e dos limites por 
ele mesmo impostos; o terceiro aspecto, que se liga diretamente ao segundo, é a 
característica de que, no Estado de direito, o poder estatal é limitado pela lei, não 
sendo absoluto, e o controle desta limitação se dá através do acesso de todos ao 
Poder Judiciário, que deve possuir autoridade e autonomia para garantir que as leis 
existentes cumpram o seu papel de impor regras e limites ao exercício do poder 
estatal. 
Na origem, o Estado de Direito tinha um conceito tipicamente liberal, daí falar-
se Estado Liberal de Direito, cujas características básicas foram: a) a submissão ao 
império da lei, lei esta emanada do Poder Legislativo, composto por representantes 
do povo; b) a divisão de poderes, que separe de forma independente e harmônica os 
poderes legislativo, judiciário e executivo; c) um enunciado de direitos fundamentais. 
Daí a importância do chamado Estado de Direito, pois após os movimentos 
liberalistas, o Estado revestiu-se de outras características marcadas principalmente 
pela divisão dos poderes, como técnica que assegure a produção das leis ao 
Legislativo e a independência e a imparcialidade do Judiciário em face aos demais 
poderes e dos interesses particulares de toda sociedade. 
Segundo ensinamentos de José Afonso da Silva: a superação do liberalismo 
colocou em debate a questão da sintonia entre o Estado de Direito e a sociedade 
Democrática. A evolução desvendou sua insuficiência e produziu o conceito de Estado 
Social de Direito, nem sempre de conteúdo democrático. Chega agora o ‘Estado 
Democrático de Direito’ que a constituição acolhe no art. 1º como um conceito-chave 
do regime adotado. 
O conceito de “Estado de Direito” foi ganhando “sinônimos” com o tempo e 
muitos desses foram concepções deformadoras. Com a superação do liberalismo, a 
expressão Estado de Direito, que inicialmente convertia os súditos em cidadão livres, 
 
23 
 
tornou-se insuficiente, pois, segundo Carl Schmitt: “Estado de Direito pode ter tantos 
significados distintos como a própria palavra ‘Direito’ e designar tantas organizações 
quanto as que se aplica a palavra ‘Estado’”. Assim, acrescenta ele, há um Estado de 
Direito feudal, outro burguês, outro nacional, além de outros conformes com o Direito 
natural, com o Direito racional e com o Direito histórico. 
Entende-se, portanto, que o Estado de Direito é sinônimo de Estado de Justiça, 
que por sua vez, nada tem a ver com o estado submetido ao poder judiciário, sendo 
este apenas um elemento que compõe o Estado de Direito. Estado submetido ao juiz 
é Estado cujos atos legislativos, administrativos e também judiciais ficam sujeitos ao 
controle jurisdicional no que tange à legitimidade constitucional e legal 
Na concepçãojurídica de Hans Kelsen, o conceito de Estado de Direito também 
é “deformado”. Para ele, Estado e Direito são conceitos idênticos. Na medida em que 
ele confunde Estado e ordem jurídica, todo Estado, para ele, há de ser Estado de 
Direito. Como, na sua concepção, só é Direito o Direito positivo, como norma pura, 
desvinculada de qualquer conteúdo, tem-se uma ideia formalista do Estado de Direito 
ou Estado Formal de Direito que serve também a interesses ditatoriais, pois, se o 
Direito acaba se confundindo com o mero enunciado formal da lei, destituído de 
qualquer conteúdo, sem compromisso com a realidade política, social, econômica e 
ideológica, todo Estado acaba sendo Estado de Direito. 
Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho: os três grandes princípios 
encontráveis num Estado submetido ao Direito são: o princípio da legalidade, o 
princípio da igualdade e o princípio da justicialidade. O princípio da legalidade, que 
contém a afirmação da liberdade do indivíduo como regra geral, seria a fonte única de 
todas as obrigações dentro de um Estado de Direito. A lei vincula o Poder Executivo, 
que não pode exigir condutas que não estejam previstas em lei, submete a função do 
Judiciário, que não pode impor sanção sem que esta esteja definida em lei, e embasa 
a atuação do Legislativo, que nada pode prescrever senão por meio de uma lei. A 
igualdade é princípio informador do conceito de lei no Estado de Direito, posto que 
suas formulações legais devem ser iguais para todos, proibindo o arbítrio, tratando os 
iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida em que se 
desigualam. A justicialidade, vista como princípio também, é o controle dos atos do 
Estado de Direito, que deve conter um procedimento contencioso para decidir os 
litígios, sejam estes entre as autoridades superiores do Estado, ou entre autoridades 
 
24 
 
e particulares, ou, num Estado federal, entre a Federação e um Estado-membro, ou 
entre Estados-membros etc. 
Portanto, o reconhecimento e a institucionalização do Estado de Direito tende 
a produzir, de forma geral, a eliminação do arbítrio no exercício dos poderes públicos, 
a submissão do poder ao império do direito e o reconhecimento de direitos e garantias 
fundamentais, que são, em última análise, a materialização de uma ideia de justiça 
presente na constituição de um Estado. Por isso, podemos afirmar que o Estado de 
direito possui várias dimensões essenciais. A primeira dimensão essencial é que o 
Estado de Direito é um Estado subordinado ao direito. Isso significa, mais 
concretamente, três coisas: a) o Estado está sujeito ao direito, em especial a uma 
Constituição (por isso, que constituição é, segundo José Joaquim Gomes Canotilho, 
o estatuto jurídico do político); b) o Estado atua através do direito; c) o Estado está 
sujeito a uma ideia de justiça. 
As demais dimensões essenciais são, resumidamente, que o Estado de Direito 
é um Estado de direitos fundamentais, ou seja, com um conjunto de normas 
constitucionais superiores, que obrigam o legislador a respeitá-las, observando o seu 
núcleo fundamental, sob pena de nulidade das próprias leis e da declaração de sua 
inconstitucionalidade; além disso, deve observar o princípio da razoabilidade, ou seja, 
é um Estado de justa medida porque se estrutura em torno do princípio material 
normalmente chamado de princípio da proibição de excesso. Além disso, destacamos 
que o Estado de Direito é um Estado que estabelece o princípio da legalidade da 
administração pública, isto é, um Estado que estabelece a ideia de subordinação à lei 
dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes do Estado que responde pelos seus 
atos, ou seja, é um Estado que civilmente é responsável por danos incidentes na 
esfera jurídica dos particulares. O Estado de Direito é um Estado que garante a via 
judiciária, ou seja, o acesso ao poder judiciário no caso de ameaça ou de lesão de 
direito. Esse princípio é complementado, entre outros pressupostos, pela garantia de 
um juízo regular e independente, pela observância do princípio do contraditório e da 
ampla defesa, pela institucionalização do direito de escolher um defensor e pelo 
reconhecimento do cidadão ter a assistência obrigatória de um advogado quando 
processado pelo Estado. 
Outro ponto fundamental e essencial do Estado de Direito é um Estado 
estruturado a partir da divisão de poderes, isto é, do fracionamento do Poder do 
 
25 
 
Estado e da independência de seus três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. 
Nesse sentido, o Estado de Direito é também, como regra, um Estado 
descentralizado, mesmo quando se configura como um Estado unitário. 
5 O SISTEMA DE JUSTIÇA 
 
Fonte: blog.projetoexamedeordem.com.br 
5.1 O acesso à justiça 
Tem se tornado lugar comum na literatura e no noticiário sobre a sociedade 
brasileira o alto potencial de conflito existente. Cenas de violência têm habitado o 
cotidiano, ao lado de um sem número de comportamentos vistos como destoantes de 
uma vida minimamente civilizada. As causas são inúmeras e entre elas, as mais 
repetidas, tanto nas análises acadêmicas como pelos meios de comunicação, são 
aquelas provocadas por questões estruturais. 
Ainda que não haja evidência empírica que apoie a hipótese segundo a qual a 
pobreza, a crise econômica, o desemprego estejam diretamente relacionados a taxas 
de criminalidade, não há como negar que formam um terreno propício à ebulição de 
conflitos. De fato, a complexidade da sociedade brasileira e, sobretudo, a sua má 
distribuição da renda, têm sido fatores que estimulam o alto potencial de conflito e a 
escalada da violência, mesmo que não expliquem nem comportamentos que 
 
26 
 
dificultam o convívio social e menos ainda a descrença nas instituições. O quadro 
social é dramático, marcado por profundas desigualdades. 
Segundo dados oficiais, os pobres chegam à casa dos milhões, representando 
cerca de 30% da população. A distância entre ricos e pobres é abismal e tem 
aumentado nos últimos anos (em 1960, os 10% mais ricos tinham renda 34 vezes 
superior à dos mais pobres; em 1990, a diferença mais do que duplicou, passando a 
ser de 78 vezes; e em 1998, segundo dados do Banco Interamericano de 
Desenvolvimento, os 10% mais ricos possuíam quase a metade – 47% – de toda a 
renda nacional). 
Por outro lado, houve uma significativa mudança no que se refere aos 
indicadores de urbanização. Enquanto em 1940 a população urbana representava 
31%, em 1970 atingiu a casa dos 68% e em 1990 passou a 79%. Entre os anos 40 e 
80 surgiram no país mais de 400 novas cidades (em 1950 o Brasil contava com 96 
cidades com mais de 20 mil habitantes, em 1985 já eram 500). Ou seja, em um 
intervalo de menos de 30 anos, a população brasileira transformou-se de 
predominantemente rural em urbana. O ritmo e a forma como este processo se 
verificou provocou desenraizamento, desagregações de famílias, perda de laços 
primários e a consequente atomização de indivíduos em cidades grandes, inchadas, 
desordenadas, com cinturões de miséria e gritantes deficiências na prestação de 
serviços. 
Ao lado desses traços, outras características não estruturais poderiam ser 
igualmente listadas como responsáveis pela magnitude dos indicadores relativos à 
criminalidade e a toda sorte de conflitos: a corrupção, a impunidade, os baixos índices 
de escolaridade, práticas ilegais perpetradas por agentes estatais, a descrença nas 
instituições e nas leis. 
Diante deste quadro, marcado por uma excessiva potencialidade de explosão 
de conflitos, seria de se supor que a instituição encarregada de resolvê-los ocupasse 
um lugar central tanto no cotidiano dos cidadãos quanto nas preocupações dos 
acadêmicos em geral. 
No entanto, não é isto o que ocorre. No que diz respeito aos estudos de 
cientistas sociais ainda é bastante reduzido o número de pesquisas e de textos 
traduzindo esforços de investigação e análisessobre o Judiciário ou sobre o sistema 
de justiça como um todo. No que se refere à população, os dados indicam uma forte 
 
27 
 
descrença tanto nas leis quanto nas instituições encarregadas de sua aplicação. 
Assim, tanto o Judiciário como as demais instituições de justiça – Ministério Público, 
Polícia, Defensoria Pública – têm recebido avaliações muito negativas. Por outro lado, 
as leis não são vistas como universais, como balizadoras de comportamentos, mas, 
sobretudo, como instrumentos para punir os “fracos” e redimir os poderosos. 
A despeito da existência de explicações díspares sobre as causas do conflito, 
o fato concreto e inquestionável é que são expressivos os números de relatos 
referentes a comportamentos que colocam em xeque a convivência pacífica. Apesar 
disso, dados revelam que apenas um percentual reduzido – cerca de 33% – entre 
aqueles que se envolveram em conflitos procuram a justiça e reconhecem nesta 
instituição a chave para a solução de seus problemas. Observemos com mais detalhe 
estes números: 
Segundo pesquisa, realizada pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e 
Estatística, IBGE, no período entre outubro de 1983 a setembro de 1988 registrou-se 
um total de 10.665.046 conflitos. Destes, 9.119.810 ocorreram na área urbana e 
1.545.236 na área rural. A distribuição do total de conflitos por sexo indica que os 
homens estiveram mais envolvidos em conflitos (60%) do que as mulheres (40%). 
O diferencial entre o montante de conflitos nas áreas urbana e rural é, 
acompanhado por diferentes padrões no tipo preponderante de conflito. Enquanto na 
área urbana prevaleceu o conflito conjugal (18.9%), seguido de perto pelo trabalhista 
(18.3%) e por crimes (17.1%), na área rural o principal tipo de conflito foi com vizinho 
(17.7%), em seguida aparece o que envolvia herança (13.7%), e o trabalhista (12.4%). 
Na área rural os conflitos conjugais representaram apenas 1.7% do total de conflitos 
e os problemas criminais 1.3%. Trata-se, como estes percentuais indicam, de duas 
realidades bastante distintas, não apenas pelo número total de conflitos produzido, 
mas, sobretudo, pelo tipo prevalecente de litígio. 
Também no que se relaciona ao gênero, nota-se diferenças no padrão de 
conflito. Os homens envolveram-se principalmente em questões trabalhistas (21.5%), 
em problemas criminais (19.5%), em separações conjugais (13.1%) e cobranças de 
dívidas (11.9%). Já para as mulheres, o tipo mais frequente de conflito foi o de 
separação conjugal (26.1%), seguido, mas com certa distância, de questões criminais 
(12.5%), de herança (12.3%) e problemas de vizinhança (12.1%). 
 
28 
 
O levantamento feito pelo IBGE preocupou-se também em focalizar com mais 
detalhes o último conflito em que as pessoas estiveram envolvidas. Chegou-se a um 
total de 8.641.761 indivíduos, ou seja, um pouco menos de 10% da população 
brasileira. 
Alguns comentários podem ser feitos em relação a este primeiro conjunto de 
dados. Dada a reconhecida potencialidade de conflitos da sociedade, de um lado, e 
abundantes relatos transmitidos pelos meios de comunicação, de outro, os 
percentuais relativos ao número total de conflitos parecem ser bastante inferiores 
àqueles que a intuição sugeriria. Não se trata de colocar em questão os números 
oficiais, mas de chamar a atenção para algumas variáveis que poderiam explicar o 
aparentemente pequeno número de indivíduos que assumiram ter estado envolvidos 
em algum tipo de conflito. Para isso podem contribuir desde o superdimensionamento 
dos conflitos em geral e da violência em particular realizado pela mídia; o 
esquecimento e a vergonha dos envolvidos; e até o que poderíamos identificar como 
a banalização do conflito. 
De fato, os meios de comunicação têm dado um espaço crescente aos 
conflitos, sobretudo à violência. Diariamente toda sorte de crimes compõem a pauta 
tanto de jornais como da mídia eletrônica, chegando a haver, inclusive, programas 
centrados neste tema, divulgando atos violentos, não poupando o espectador ou o 
ouvinte das mais cruéis perversidades. Holofotes buscam o crime, onde quer que ele 
esteja, nem que, para isso, tenham que forjar um bandido. As complexas relações 
entre o delito e os meios de comunicação, sem dúvida, mereceriam ser exploradas. 
Por outra parte, deve-se acentuar também a importância do esquecimento e da 
vergonha nos depoimentos dos entrevistados. Como se sabe, diante do pesquisador 
muitos entrevistados vacilam em registrar suas respostas. Culturalmente, o conflito é 
visto de forma bastante negativa. Assim, não seria surpreendente a deliberada ou 
inconsciente omissão de envolvimento em situações desta natureza. Some-se a estas 
ponderações o que poderia ser caracterizado como banalização da violência, isto é, o 
fato de que cenas de violência passaram a habitar com tanta frequência o cotidiano, 
que só são registradas quando ultrapassam determinados limites, limites estes cada 
vez mais amplos. 
Saliente-se, ainda, que dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 
(PNAD), publicada em 1988, indicam que, do total de pessoas envolvidas em algum 
 
29 
 
tipo de conflito no ano anterior, mais do que a metade não procurou a justiça estatal – 
apenas 45% dos entrevistados o fizeram. Isto é, 55% dos que sofreram algum tipo de 
problema sequer chegaram às portas do judiciário. O fato de um grande número de 
pessoas não procurar a justiça formal deve ser sublinhado, na medida em que indica 
tanto que muitos problemas não vêm sendo resolvidos pela instituição encarregada 
de fazê-lo, como que outros canais podem estar ocupando este espaço. 
A resolução pacífica de conflitos pode ser atingida por mais de um mecanismo: 
por técnicas extrajudiciais, organizações da sociedade civil ou por decisão judicial. As 
técnicas extrajudiciais de solução de controvérsias são: a mediação, a conciliação e a 
arbitragem. As organizações da sociedade civil resolvem problemas quer através da 
intervenção direta de suas lideranças quer em assembleias, nas quais se busca o 
consenso ou o predomínio da vontade da maioria dos associados. Por fim, o último 
mecanismo – decisão judicial – supõe, antes de mais nada, o império da lei, a crença 
nas instituições judiciárias e um mínimo de conhecimento a respeito delas, das leis e 
de sua aplicabilidade. No linguajar comum este conhecimento aparece nas 
expressões: “eu sei dos meus direitos”, “vou procurar os meus direitos”, ou “vou até 
um tribunal”. Quando “direitos” não são entendidos como tais, ou quando são vistos 
como “favores” não constituem pauta para reivindicações. Ou ainda, quando se sabe 
que, apesar de haver um direito, de nada adianta o recurso aos canais estatais, porque 
a apelação estará fadada a não provocar efeitos, configura-se uma situação na qual 
seria pouco “racional” o apelo aos órgãos do sistema de justiça. 
Desta forma, deve-se indagar por que grande parte da população não procura 
um árbitro, pago pelo poder público, para dirimir conflitos. Ou ainda, como e quais são 
os mecanismos alternativos que vêm sendo utilizados. 
Estas questões são fundamentais, já que da resposta obtida podem-se 
configurar duas situações polares: uma caracterizada pelo apelo à lei do “mais forte”, 
dada a descrença e/ou inoperância das instituições estatais que deveriam distribuir 
justiça e, no outro extremo, a presença de organizações públicas, não estatais, com 
legitimidade para dirimir conflitos de forma pacífica, indicadoras de uma sociedade 
civil bastante organizada. No primeiro caso têm-se os linchamentos, os massacres, 
os extermínios, as matanças, a justiça feita com as próprias mãos e um vasto número 
de mecanismos que operam à margem e contra a lei; no outro, há entidades públicas, 
mas não estatais, que operam resolvendo disputas. Os exemplos mais típicos, nesta 
 
30 
 
última situação, são aqueles nos quais igrejas, clubes, sociedades de amigos debairro, enfim, entidades da sociedade civil têm a legitimidade de seus membros para 
arbitrar conflitos. Em ambas as situações o sistema de justiça estatal não é ativado, 
mas as consequências para a sociedade, em um ou outro extremo, são muito distintas. 
Enquanto uma configura a ausência total de civilidade e praticamente traduz a “guerra 
de todos contra todos” hobbesiana, a outra propicia, tanto padrões de comportamento 
comunitários, como de guetos, com baixa integração societal. 
Caberia discutir em qual destes extremos seria possível enquadrar a sociedade 
brasileira. Os dados indicam que estamos distantes de uma situação caracterizada 
pela presença de fortes organizações da sociedade civil, muito embora não se possa 
negar a existência de tais instituições. Tem sido mais frequente do que normalmente 
se admite a atuação de lideranças comunitárias, de sociedades de amigos de bairro, 
de igrejas, de associações voluntárias, na solução de certos conflitos. Neste sentido, 
é particularmente comum que membros de certas igrejas, em especial as evangélicas, 
busquem a resolução de seus problemas junto às suas respectivas lideranças. Este 
canal faz com que os conflitos vivenciados por membros destas comunidades não 
ultrapassem as suas fronteiras. Por outro lado, a incapacidade do sistema estatal de 
impor-se e de dar respostas rápidas e eficientes aos inúmeros conflitos tem 
estimulado a proliferação de organizações para- estatais, que têm imposto sua própria 
“lei”, tornando a vida, em certos centros urbanos, muito próxima da suposição descrita 
por Hobbes, da situação em que se encontrariam os homens antes da presença do 
Estado, de um quadro de barbárie e de guerra selvagem. 
Esses dois extremos descrevem situações polares, “típico-ideais” na 
terminologia weberiana, nas quais as pessoas preferem ou são levadas a buscar a 
resolução de suas controvérsias totalmente fora do sistema de justiça estatal. Há, 
contudo, uma parte considerável da população que recorre ao sistema estatal, sem, 
contudo percorrer todos os passos que compõem um processo judicial. Nesta 
alternativa, têm se destacado as figuras do delegado de polícia e do promotor público, 
que acabam exercendo também as funções de conselheiro e árbitro, solucionando 
muitos dos problemas que chegam até eles. De fato, uma pesquisa feita em Recife, 
relatada por Joaquim Falcão, conclui que uma vara de justiça penal resolve apenas 
13% do número de casos penais que um comissário resolve. Da mesma forma, 
pudemos observar em várias das comarcas visitadas que muitas desavenças são 
 
31 
 
resolvidas “extrajudicialmente”, quer por delegados, quer por promotores, ou mesmo 
por funcionários qualificados de fóruns como, por exemplo, assistentes sociais. Ou 
seja, muito embora alguns milhares de problemas não cheguem até a justiça formal, 
entendendo por isto todo o percurso que termina com a sentença final proferida por 
um integrante do poder judiciário, isto não significa que sejam inteiramente “expulsos” 
do sistema. Pode significar que muitos conflitos encontraram solução através da 
intervenção de agentes do sistema, sem, no entanto, sujeitaram-se a todas as 
formalidades que caracterizam um processo judicial. Assim, o fato de um problema 
não chegar até o juiz não quer dizer, necessariamente, que não foi de alguma forma 
processado pelo sistema de justiça. 
 
 
Fonte: editoraboreal.com.br 
Enfocando-se exclusivamente o total de pessoas que entraram com ação 
judicial, “verifica-se que a utilização da justiça preponderou nos conflitos por pensão 
alimentícia (73.4%), nas questões trabalhistas (66.6%), nas separações conjugais 
(53.7%) e nos conflitos pela posse da terra (51.3%). Entretanto, em relação aos 
conflitos de vizinhança (85.1%), aos problemas criminais (72%) e às cobranças de 
dívida (71.5%) foi alta a proporção de pessoas que não se utilizou da justiça para a 
solução de seus problemas” (FIBGE, Participação Político-Social 1988, volume 1, 
Justiça e Vitimização, pag. XXXI). 
 
32 
 
Como se depreende desses percentuais, a busca por uma solução judicial deu-
se em maior proporção exatamente nos tipos de problemas em que são mais 
concretas, mais rápidas e efetivas as consequências da sentença judicial. Assim, o 
estabelecimento de uma pensão alimentícia redunda compulsoriamente em um 
montante a ser pago a uma das partes, daí a necessidade imperiosa de uma decisão 
judicial. 
Por outro lado, em relação aos problemas criminais, por exemplo, grande parte 
das vítimas sequer recorre à justiça porque sabe das dificuldades em se encontrar o 
criminoso e que, na eventualidade dele vir a ser encontrado, são amplas as 
possibilidades de que não venha a ser punido, especialmente se possuir recursos 
financeiros. Estas dificuldades são sintetizadas nas expressões: “É mais fácil 
encontrar um ladrão de galinha na prisão do que alguém que provocou danos 
maiores”; “a polícia prende e a justiça solta”; “a polícia quando quer, acha o criminoso, 
o problema é querer”. Em outras palavras e resumindo: os dados oficiais revelam que 
o Judiciário é mais procurado exatamente para arbitrar aquelas questões em que 
sabidamente sua resposta é mais eficiente e mesmo imprescindível; e é menos 
procurado precisamente quando se trata de solucionar problemas para os quais sua 
eficiência tem sido muito baixa. 
Esta hipótese é confirmada quando se examina a distribuição das pessoas que 
moveram ação judicial, por ano de estudo. Nas questões em que as respostas da 
justiça têm sido mais eficientes, não apenas há um maior número de ações como a 
distribuição por escolaridade dos que entraram na justiça praticamente reproduz a da 
população como um todo. Ou seja, o ideal de uma justiça eficiente e igual para todos 
está menos distante da realidade quando se trata de questões para as quais o 
judiciário está mais equipado e vem demonstrando maior eficiência. 
Explicando: pode-se sustentar que a distribuição da população por 
escolaridade desenha uma curva semelhante à da distribuição por renda. Quando a 
procura por justiça se dá em torno de médias que reproduzem a da população significa 
que a sua credibilidade é mais alta e perpassa de forma semelhante todos os estratos 
sociais. 
Supondo-se que um determinado problema não é exclusivo de nenhum 
segmento social e que o acesso à justiça é igual para todos, todos deveriam procurá-
la em igual proporção. É exatamente isto o que acontece no que se refere à pensão 
 
33 
 
alimentícia. Observa-se, em relação a este problema, que há, de fato, uma maior 
proporção de pessoas com os níveis mais baixos de escolaridade. Esta distribuição 
reproduz a da população. A única exceção diz respeito àqueles que não têm instrução 
e que são exatamente os que não teriam o que reclamar na justiça, por ausência de 
renda. 
Nas questões em que o Judiciário é mais deficiente, ocorre o inverso: é menor 
o percentual de pessoas que o procuram e, quando o fazem, as causas encaminhadas 
concentram-se em parcelas especificas da população. Por fim, não se pode descartar 
a hipótese segundo a qual para alguns setores da população é exatamente a falta de 
eficiência da justiça que estimula a sua procura. Isto é, como se sabe que a justiça é 
lenta, muitos preferem transferir para o judiciário a solução de suas disputas, uma vez 
que, desta forma, ganham tempo. Questões que envolvem dívidas e trabalhistas 
representam os melhores exemplos para o exame desta hipótese. 
A variável renda coloca outro problema igualmente importante quando se 
examina a procura por justiça. O acesso à justiça é, teoricamente, igual para todos. 
Entretanto, diferenciais de recursos econômicos podem explicar distintas motivações 
para ingressar na justiça. Parece ser exatamente isto o que vem ocorrendo. Segundo 
dados do FIBGE, do total de pessoas que se envolveram em ações judiciais 62% 
pagaram pelo serviço de justiça enquanto 38% o utilizaramgratuitamente. Os conflitos 
de vizinhança e as ações por pensão alimentícia foram as questões em que mais se 
recorreu ao serviço gratuito de justiça. Em todos os outros tipos de conflito 
preponderaram os serviços pagos, especialmente aqueles que envolveram a posse 
de bens, como cobrança de dívida, herança, desocupação de imóvel e posse da terra. 
O reduzido percentual daqueles que se utilizaram gratuitamente da prestação 
jurisdicional contribui para propagar a imagem popular que se tem da justiça – uma 
justiça cara, elitista, feita para os ricos, para os que têm posse. Esta representação de 
uma justiça desigual é ainda agravada pelo fato inquestionável de que é muito 
diferente o empenho dos advogados contratados daquele dos advogados dativos 
(nomeados pelo Estado) ou da defensoria pública na defesa dos interesses de seus 
representados. Daí a crença de que rico não fica na cadeia, que presídios foram 
construídos para os pobres, para aqueles que não têm condições de pagar seus 
próprios advogados. 
 
34 
 
Ora, um dos supostos do Estado democrático é a igualdade de direitos. As 
desigualdades no acesso e na utilização da justiça acentuam as desigualdades 
econômicas e sociais. A democratização no acesso à justiça constitui-se em pauta 
fundamental para a efetivação dos direitos que formam a cidadania. Desta forma, o 
sistema de justiça opera não apenas como garantidor de direitos, mas também como 
um espaço no qual há a possibilidade de redução das iniquidades decorrentes das 
desigualdades de renda e prestígio. 
5.2 O sistema de justiça 
Como afirmado, o sistema de justiça é mais amplo do que o poder judiciário. A 
rigor, o juiz é apenas uma peça de um todo maior. O sistema de justiça envolve 
diferentes agentes: o advogado, pago ou dativo; o delegado de polícia; funcionários 
de cartório; o promotor público e, por fim, o juiz. Uma controvérsia para transformar-
se em uma ação judicial percorre um caminho que tem início ou na delegacia de 
polícia, ou na promotoria, ou por meio de um advogado. Cabe ao juiz examinar esta 
questão quando ela deixou de ser uma disputa entre particulares, ou entre particulares 
e órgãos públicos, ou entre diferentes órgãos públicos e transformou-se em uma ação. 
Daí a expressão: o juiz pronuncia-se sobre os autos e não sobre o que está fora deles. 
Este sistema possui uma organização espacial. O critério territorial define as 
comarcas, que são a menor unidade judicial. As comarcas, por sua vez, classificam-
se pelo volume de feitos que abrigam, variando da menor para a maior. Este critério 
determinará se se trata de uma comarca de primeira entrância ou inicial, de segunda 
ou intermediária, de terceira ou final, e ainda especial. Esta designação varia de 
estado para estado, mas todas as unidades da federação distinguem as entrâncias 
menores das maiores. 
Há ainda um critério processual, que definirá o tipo de vara. Caso as questões 
sejam criminais – vara criminal, caso cíveis – vara cível. 
Teoricamente, uma comarca do interior, de primeira entrância (ou entrância 
inicial, como é designada em alguns estados da federação), abrigando uma ou mais 
cidades de pequeno porte, possui uma demanda judicial relativamente menor. Esta 
comarca tem apenas um juiz que deve julgar todos os tipos de processo – civil ou 
criminal. 
 
35 
 
As comarcas maiores, ou seja, aquelas que possuem um maior número de 
feitos são divididas em pelo menos duas varas: uma cível e outra criminal, a cada uma 
correspondendo um juiz. Nas comarcas de terceira entrância e nas especiais estas 
varas desdobram-se em outras, formando a 1ª, a 2ª, a 3ª vara cível; e o mesmo 
podendo ocorrer no que se refere às questões criminais. Além dessa multiplicação de 
varas cíveis e criminais, nas entrâncias finais têm-se varas especializadas, como a da 
família, da infância etc. 
A organização do judiciário prevê ainda uma instância de recurso, designada 
segunda instância, ou os Tribunais estaduais. 
Esta organização judicial é acompanhada pelas organizações do Ministério 
Público e parcialmente pelas Delegacias de Polícia. 
Esse complexo sistema judicial é bastante desconhecido da população. O 
público, em geral, desconhece não apenas o seu funcionamento como também é 
incapaz de distinguir os papéis e as funções de cada um de seus agentes. Pode-se 
afirmar que o grau de desconhecimento é universal, não havendo correlação positiva 
entre escolaridade e conhecimento. Ou seja, mesmo pessoas com grau universitário 
não possuem conhecimentos mínimos sobre o sistema de justiça e seus diferentes 
operadores. Não é raro que ignorem a existência de dois agentes inteiramente 
distintos como o são o juiz e o promotor. O delegado de polícia sequer é visto como 
pertencente ao sistema de justiça. 
Tal desconhecimento por parte da população é reconhecido, com certo 
desconforto, por juízes, promotores e delegados. Assim, inúmeras vezes, durante a 
pesquisa, ouvimos promotores queixarem-se de que eram constantemente indagados 
sobre quando seriam promovidos, tornando-se um juiz. Ou, mesmo um juiz, entre 
indignado e surpreso, relatando que era cobrado por não ter saído de seu gabinete e 
prendido um criminoso. E, ainda, um delegado referindo-se à expectativa de que 
proferisse uma sentença, determinando a pena de um suposto culpado. 
Em contraste com a ausência de correlação entre grau de escolaridade e 
conhecimento sobre o sistema de justiça, verificou-se, durante a pesquisa, que quanto 
menor o município maior a probabilidade de que seus habitantes conhecessem 
minimamente as diferenças entre os vários integrantes do sistema de justiça. 
Efetivamente, nas cidades pequenas, além de ser comum a distinção entre as figuras 
do juiz, do promotor e do delegado, há noções razoavelmente claras sobre as funções 
 
36 
 
de cada um. Nas comarcas maiores, ao contrário, o mundo da justiça tende a se 
distanciar de tal forma do cotidiano do cidadão, que dificilmente escapa de 
apreciações negativas, nas quais todos os seus agentes e atribuições encontram-se 
misturados. 
Para a maior parte da população a figura do juiz resume todo o sistema de 
justiça. O judiciário é percebido não apenas como o poder que profere sentenças, 
julgando, mas, também, como uma instituição responsável por fornecer respostas às 
mais variadas demandas por justiça. Atribui-se ao juiz amplas funções: iniciar uma 
questão, identificar o culpado, prendê-lo, puni-lo e reparar o mal. E, mais ainda, sua 
sentença deveria obedecer aos cânones de uma justiça rápida, independente das 
provas, sensível à opinião pública. 
 
 
Fonte: 1.bp.blogspot.com 
Enfim, espera-se do judiciário, justiça no sentido mais amplo do termo, como 
se coubesse ao juiz pronunciar-se tanto sobre questões que constam dos autos como 
sobre toda e qualquer iniquidade social. Ignora-se, quase inteiramente, que o juiz é 
um agente passivo, que só opera quando provocado (quer pela promotoria, quer por 
advogados), baseia-se em provas que constem do processo, e que só pode agir 
segundo os ditames da lei. Em questões criminais, o judiciário, além de ser ativado, 
depende de investigações que têm origem em uma delegacia de polícia e de 
 
37 
 
informações colhidas por um cartório. Estes constrangimentos, contudo, são 
normalmente desconsiderados. 
Entre os agentes do sistema de justiça, o mais conhecido da população é o 
delegado de polícia, menos por suas competências formais e mais por encontrar-se 
mais próximo do cotidiano do homem comum. Um respeito recheado de medo 
confere-lhe autoridade. Delegados, com frequência, sobretudo em cidades pequenas, 
extrapolam suas atribuições: agem arbitrando conflitos, sendo procurados até mesmo 
para dissuadir a continuidade de disputas. 
O promotor, em contraste com as figuras do delegado e do juiz, é do ponto de 
vista de suas atribuições, o mais desconhecido, principalmente nas cidades de porte 
médio e

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