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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE QUÍMICA QFL1405 - QUÍMICA EXPERIMENTAL AVANÇADA SÍNTESE E CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-QUÍMICA DO SOLVENTE EUTÉTICO PROFUNDO GLICELINA ([Ch]Cl:Gli) Cesar Policarpo Felisbino | 9792421 Douglas Kazuki Ishii | 8530886 Gabriel da Mota | 9379232 Gabriel Nardy | 9896611 Matheus Avelino Nunes | 9848141 São Paulo Junho de 2020 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 3 SOLVENTES EUTÉTICOS PROFUNDOS 3 SÍNTESE DE DESs 5 PARÂMETROS FÍSICO-QUÍMICOS DE DESs 5 Densidade 5 Transições de fase 6 Viscosidade 7 Condutividade 8 Porcentagem de água 10 Polaridade 10 OBJETIVOS 12 RESULTADOS E DISCUSSÃO 13 DETERMINAÇÃO DA DENSIDADE BASEADO NO MÉTODO DO TUBO OSCILANTE 13 ANÁLISE DAS TRANSIÇÕES DE FASE POR DIFFERENTIAL SCANNING CALORIMETRY (DSC). 14 DETERMINAÇÃO DA VISCOSIDADE COM UM REÔMETRO 15 DETERMINAÇÃO DA CONDUTIVIDADE POR ELECTROCHEMICAL IMPEDANCE SPECTROSCOPY 17 DETERMINAÇÃO DE PORCENTAGEM DE ÁGUA POR KARL FISCHER 18 DETERMINAÇÃO DOS PARÂMETROS SOLVATOCRÔMICOS (ETN, 𝜋*, 𝛽, 𝛼) 19 CONCLUSÃO 25 REFERÊNCIAS 26 2 1. INTRODUÇÃO SOLVENTES EUTÉTICOS PROFUNDOS Por definição, o ponto eutético é uma invariante isobárica do sistema, e representa a composição e a temperatura mínima de fusão ao longo da interseção de duas curvas de fusão.[1] O ponto de fusão mínimo é significativamente menor do que os pontos de fusão dos componentes individuais, e refletem as afinidades não covalentes a nível molecular, já que tais interações levam à redução de energia.[2] A Fig. 1[3] é uma representação esquemática do ponto eutético de um diagrama de fases de dois componentes. Fig. 1. Diagrama sólido-líquido de uma mistura eutética.[3] Os solventes eutéticos profundos (DESs) são uma classe de solventes que vem ganhando projeção nos últimos anos. Há um interesse emergente em muitos processos químicos, catalíticos e de separação, incluindo armazenamento de energia eletroquímica.[4][5] O termo Deep Eutectic Solvent foi introduzido originalmente na literatura por A. P. Abbott[6] para descrever soluções líquidas (com uma baixa temperatura de fusão) em que a diminuição da temperatura de fusão na composição eutética resulta de um forte desvio à idealidade da mistura líquida.[3] A maioria dos DESs possuem características semelhantes às dos líquidos iônicos (LIs) “convencionais”.[7] De forma similar, apresentam baixa pressão de vapor, baixa inflamabilidade, além de serem líquidos em um intervalo amplo de temperatura.[5] Além disso, podem ser formados por compostos naturais conferindo-lhes características como biodegradabilidade, fácil síntese e custo acessível.[8] 3 No entanto, os DESs e LIs diferem quanto à natureza das suas soluções iônicas. Estes sistemas são formados a partir de misturas de ácidos e bases de Lewis ou Brønsted que podem conduzir à formação de uma variedade de espécies aniônicas e/ou catiónicas.[3] A variação dos materiais constituintes de um DES permite a adaptação do ambiente polar, possibilitando novos materiais e processos inovadores.[9][10] Estes compostos podem ou não conter um sal metálico em sua composição. Nesse relatório, nos interessa DES “orgânicos” - aqueles sem sais metálicos, que compreendem um aceitador de ligação de sal de haleto ou hidrogênio (HBA) e um doador de ligação de hidrogênio (HBD).[4] Os solventes eutéticos profundos de primeira geração basearam-se em misturas de sais de amônio quaternário com doadores de ligação de hidrogênio tais como aminas e ácidos carboxílicos.[11] Assim, o solvente eutético profundo glicelina ([Ch]Cl:Gli), uma mistura de cloreto de colina e glicerol em uma proporção de 1:2, foi escolhido para ser foco deste estudo. Fig. 2. Representação das fórmulas estruturais do cloreto de colina (esquerda) e glicerol (direita). A glicelina contém como aceptor de ligação de hidrogênio o cloreto de colina. O doador de ligação de hidrogênio que o compõe é o glicerol. Ambas as estruturas estão apresentadas na Fig. 2. O cloreto de colina, também conhecido como vitamina B4, é um sal quaternário de amônio atóxico, biodegradável e produzido em larga escala para ser utilizado como aditivo na alimentação de frangos.[5] No caso do glicerol, sabe-se que constituí um resíduo abundante da produção de biodiesel com inúmeras aplicações. O [Ch]Cl:Gli possui uma viscosidade cerca de 33% inferior a viscosidade do glicerol puro.[12] Isto configura uma vantagem do ponto de vista industrial, uma vez que alta viscosidade é um fator limitante para a transferência de massa e contribui com o aumento de perda de carga do sistema.[5] Além disso, Radošević et al., (2015)[13] apresenta outras vantagens em se utilizar este solvente, mostrando sua baixa toxicidade, importante para o desenvolvimento de tecnologias limpas. 4 SÍNTESE DE DESs Em 2001, Abbott et al.[6] publicou o primeiro trabalho referente a síntese e caracterização de solventes eutéticos. Misturas de sais de amônio quaternário (20 mmol) com cloretos metálicos (40 mmol) foram aquecidos a 150 ºC sob agitação até que um líquido incolor fosse obtido. A partir de então, outros métodos para a síntese dos DESs passaram a ser encontrados na literatura. Entretanto, de forma geral, a preparação destes solventes é relativamente simples, exigindo apenas a mistura de componentes e aquecimento por um curto período de tempo. Assim, os DESs são preparados, não sintetizados, sem produzir subprodutos.[4] PARÂMETROS FÍSICO-QUÍMICOS DE DESs O desenvolvimento de trabalhos acerca dos solventes eutéticos profundos, bem como o de novas aplicações para estes compostos, necessita da caracterização das suas propriedades fundamentais, do conhecimento dos seus diagramas de fases e do estudo das interações estabelecidas entre os seus componentes.[14] Os principais parâmetros físico-químicos a serem avaliados neste relatório serão densidade, transições de fase, viscosidade, condutividade, porcentagem de água e polaridade. Tais propriedades, além de serem essenciais para a caracterização da mistura, são fundamentais para estudos de aplicação da mesma. Densidade A densidade da maioria dos DESs não-metálicos é maior que a da água e, na maioria dos casos, maior que a do HBD puro - neste caso, o glicerol. Isso geralmente é explicado pela teoria dos buracos, que prevê espaços vazios dentro da organização molecular do DES.[15] A medição da densidade pode ser realizada utilizando-se um densímetro digital, que baseia-se no método do tubo oscilante. Um tubo em U de volume preciso, a temperatura controlada, é preenchido com um pequeno volume de amostra. Em seguida, é submetido a um campo eletromagnético de forma que esse tubo passe a oscilar em sua frequência fundamental (baseado no modelo massa-mola do oscilador harmônico).[4][16] A duração da vibração e a medição da frequência do tubo em U preenchido permite a determinação do valor da densidade. Tais relações são expressas pela Equação 1: 5 τ = 2π ρν+𝑚𝐶 Equação 1, onde 𝜏 corresponde ao período de oscilação (inverso da frequência fundamental), 𝜌 é densidade da amostra, m é a massa do oscilador e C é a constante elástica da mola. Assim que a massa e o período são medidos, obtém-se a medida de densidade da amostra inserida.[16] Esse tubo possui paredes duplas, sendo o espaço entre elas preenchido por um gás de alta condutividade térmica. Isso permite que a temperatura do tubo seja precisamente regulada, e a densidade da amostra seja determinada em diferentes temperaturas.[16] Apesar da densidade ser medida com precisão, o sistema móvel que constitui a unidade de medição por meio do tubo U oscilante é influenciada por fatores interferentes - como viscosidade, compressibilidade (velocidade do som), calor específico e condutividade térmica.[17] Além disso, uma outra vantagem deste método é que, além da precisão, a frequência medida pode ser facilidade digitalizada. Transições de fase O método ideal para caracterização e determinação do melting point (mp) de um DES é por meio de uma técnica termoanalítica, differentialscanning calorimetry (DSC) - ou, calorimetria exploratória diferencial.[4][18] DSC é uma técnica na qual a diferença na quantidade de calor necessária para aumentar a temperatura de uma amostra e de um referencial é medida em função da temperatura.[18] Dessa forma, é possível determinar a temperatura e o fluxo de calor associados às transições de material em função do tempo e da temperatura. A metodologia também fornece dados quantitativos e qualitativos sobre processos endotérmicos (absorção de calor) e exotérmicos (evolução de calor) de materiais durante transições físicas causadas por alterações de fase, fusão (Tm), transições de vidro (Tg), cristalização (Tc), oxidação e outras alterações relacionadas ao calor.[19] Portanto: 𝐶 ρ = 𝑞∆𝑇 Equação 2, onde Cp corresponde a capacidade calorífica do material, 𝑞 é o fluxo de calor através do material durante um determinado tempo e 𝛥T refere-se a variação de temperatura neste mesmo intervalo de tempo.[19] 6 Utilizando apenas uma pequena quantidade de amostra (± 5 mg), o DES é colocado em uma panela de alumínio hermeticamente livre de óxido, no qual tem-se uma sistema inerte. Então, a amostra pode ser resfriada à temperatura do nitrogênio líquido e então aquecida, ou, de maneira semelhante, pode ser aquecida até uma temperatura segura em relação a de decomposição do composto e então resfriada. As taxas de variação de temperatura normalmente aplicadas são de 1 a 20 ºC.min-1.[4][20] Um exemplo de termograma DSC é mostrado na Fig. 3.[21] Fig. 3. Transições típicas em um termograma DSC.[21] Viscosidade A reologia descreve como um determinado material responde a uma força aplicada, estudando sua capacidade de deformar ou de escoar e, assim, classificando-o como elástico ou viscoso, respectivamente.[22] Essa propriedade foi definida por Newton como a constante de proporcionalidade entre a força aplicada a um líquido e a velocidade resultante; dessa forma, ao considerar ainda para cada um desses parâmetros a área e a espessura da amostra, respectivamente, obtêm-se parâmetros chamados de shear stress e shear rate. É a partir da razão entre shear stress e shear rate que se obtém o valor para a viscosidade do fluido em Pa.s.[23] De maneira mais prática, a viscosidade é medida no modelo de duas placas em um reômetro. Neste modelo, a amostra fluida é colocada entre uma superfície fixa e uma móvel. Ao aplicar uma força longitudinal sobre a superfície móvel, a amostra é tensionada. A relação entre a força aplicada e a área da superfície móvel constituí o parâmetro shear stress; enquanto a relação entre a velocidade resultante da amostra e a altura da lacuna 7 entre as duas placas, o parâmetro shear rate. Como já explicado, é em termos desses parâmetros reológicos que a viscosidade será obtida.[23] Como resultado da rede de ligação de hidrogênio estendida, as viscosidades da maioria dos DESs são > 0,1 Pa.s à temperatura ambiente.[24] O tipo de HBD utilizado na síntese dos DESs possui grande influência sobre a viscosidade destes solventes devido às ligações de hidrogênio que se formam, pois a estrutura espacial do doador de ligação de hidrogênio possui grande influência sobre a formação e estabilidade da rede estendida presente no DES.[25] Condutividade A condutividade é comumente medida por Electrochemical Impedance Spectroscopy (EIS) - ou espectroscopia de impedância eletroquímica (EIS), no qual uma célula de dois eletrodos são combinados com um potenciostato equipado com um analisador de resposta em frequência.[26] Impedância é um parâmetro de circuito mais geral e é interpretada como um número complexo, de modo que pode ser representada por vetores que assumem componentes reais e imaginários.[27] A parte real (ReZ) corresponde a valores de resistência ôhmica, e a imaginária (ImZ), a valores de reatâncias indutivas e capacitivas. O diagrama de Nyquist - Fig. 4 - representa a impedância, que pode ser colocada como um vetor de comprimento |Z|. O ângulo entre esse vetor e o eixo real (ReZ), geralmente chamado de “ângulo de fase”, é φ (arg Z). Nesta plotagem, o eixo imaginário é negativo e cada ponto é a impedância em uma frequência radial (𝜔 rad.s-1).[27] Fig. 4. Diagrama de Nyquist com vetor de impedância.[27] A impedância de um resistor é uma resistência ôhmica (Z = R), de forma que, no diagrama de Nyquist, aparece somente um ponto sobre o eixo real. Se o sinal sinusoidal do 8 potencial no tempo, E(t), aplicado no eixo X de um gráfico e o sinal de resposta sinusoidal de corrente alternada, I(t), no eixo Y forem traçados, o resultado será um oval. Este oval é conhecido como Lissajous Figure" - Fig. 5.[27] Fig. 5. Origem da Figura de Lissajous.[27] Dessa forma, a EIS foi utilizada neste trabalho com o objetivo de se calcular a condutividade da mistura eutética e, consequentemente, o seu valor de condutividade. Para isso, como a resistência da solução entre o eletrodo de referência e o eletrodo de trabalho geralmente é um fator significativo na impedância de uma célula eletroquímica, utiliza-se a Segunda Lei de Ohm (Equação 3) ao modelar a célula: 𝑅 = ρ 𝑙𝐴 = 1 𝑘 𝑙 𝐴 Equação 3, que estabelece uma relação direta entre a resistência R do corpo e fatores geométricos - como comprimento l e área da seção transversal A. No entanto, a resistência depende também da resistividade ρ, que é característica de cada material e equivale ao inverso da condutividade k.[27] As condutividades iônicas relatadas para o DES não-metálicos são tipicamente de 0,1 a 10 mS.cm-1 a 25 °C, variando com a temperatura e a composição do solvente. Em geral, a condutividade aumenta significativamente com a temperatura. E, ainda, existe uma relação inversa entre a viscosidade do DES e a temperatura, pois a viscosidade diminui com o aumento da temperatura. Esses dados, e sua relação com a temperatura, são importantes ao considerar as aplicações do solvente eutético profundo.[28]-[30] 9 Porcentagem de água A natureza higroscópica dos deep eutectic solvents requer manipulação sob atmosfera inerte, pois mesmo o armazenamento em um frasco sem ar leva a um aumento no teor de água próximo ou superior a 10% em peso molecular. A água é significativamente menos viscosa que a glicelina - por exemplo; portanto, mesmo uma pequena quantidade pode afetar drasticamente as propriedades físicas do DES.[4] Karl Fischer é um método analítico que permite aferir o teor de água em solventes e outros produtos. Na determinação da quantidade de água presente na amostra, a titulação utiliza um reagente preparado à base de iodo, dióxido de enxofre, metanol e uma base.[14][31] A reação está esquematizada a seguir: [31] MeOH + SO2 + R’N → [R’NH]SO3Me (1) [R’NH]SO3Me + H2O + I2 + 2R’N → 2[R’NH]I + [R1NH]SO4Me (2) Nessa reação, o metanol reage com o dióxido de sulfeto na presença de base, formando um sal de sulfito. Esse sal é oxidado pelo iodo, consumindo água na mesma proporção estequiométrica que iodo, pelo que a sua medição pode ser relacionada com o teor de água na amostra analisada. O ponto final da titulação pode ser detectado voltametricamente pelo eletrodo indicador devido o excesso iodeto. A quantidade de água presente é então calculada com base na concentração de iodeto presente no reagente de Karl Fischer e na quantidade que este foi consumido.[14][31] Polaridade A polaridade é outra propriedade importante dos líquidos iônicos, e portanto dos DESs, porque a solubilidade do soluto, sua miscibilidade com outros solventes e até sua capacidade de extração são influenciadas por sua polaridade.[30] Assim, a caracterização através de métodos solvatocrômicos tem sido a maneira mais completa para descrever o comportamento de um solvente.[32] O solvatocromismo é um fenômeno no qual se observa a mudança na posição e, por vezes, na intensidade e formato de uma banda de absorção da radiação UV-Vis por um soluto em diferentes solventes. Essa mudança está atrelada às forças intermoleculares que regem a interaçãoentre as moléculas de soluto e as moléculas do solvente e que irão ditar a polaridade do solvente.[32] Esse fenômeno está representado pela Fig. 6.[33] Um deslocamento batocrômico da banda de absorção UV-Vis com a crescente polaridade do solvente é chamado de 10 "solvatocromismo positivo". Quando o deslocamento hipsocrômico correspondente com a crescente polaridade do solvente, denomina-se "solvatocromismo negativo".[34] Fig. 6. Diagrama esquemático do solvatocromismo.[33] Para os ensaios de determinação da capacidade de solvatação do DESs, alguns parâmetros solvatocrômicos devem ser analisados por meio de sondas ou corantes: I. Parâmetro ET(30) A energia da transição eletrônica, ET, do corante de Reichardt depende das características dipolar e de doação de ligação de hidrogênio do solvente.[35] Assim, é por meio da medida do máximo de absorbância de uma banda de transferência de carga intermolecular do corente de betaína Reichardt (no.30) que determina-se tal parâmetro. Essa banda de absorção sofre pronunciado deslocamento hipsocrômico conforme o aumento de polaridade do solvente.[32] Pode ser calculado através do método Z-scale, diferindo do restante dos parâmetros a seguir, para os quais será utilizado a escala solvatocrômica Kamlet-Taft.[36] II. Parâmetro 𝜋* Refere-se a uma medida das interações não-específicas dependentes da polaridade e polarizabilidade das moléculas do solvente.[36] Constrói-se uma escala de deslocamento da banda de transição 𝜋-𝜋* de uma determinada sonda - por exemplo, 4-nitroanisole, onde o 0 da escala é o deslocamento da banda em ciclohexano e o 1, o deslocamento em DMSO. Assim, o parâmetro 𝜋* é obtido, sendo capaz de mensurar a capacidade de dipolaridade-polarizabilidade do solvente na ausência de interações de ligação de hidrogênio.[32][37] 11 III. Parâmetro 𝛽 O parâmetro 𝛽 de Kamlet-Taft é considerado como uma medida da basicidade do solvente. Utiliza-se duas sondas, uma que fornece um efeito HBA, cuja banda de absorção deve ser sensível a esta característica - como a 4-nitrofenol, e outra que não faz ligação de hidrogênio - como àquela utilizada para o parâmetro 𝜋*, 4-nitroanisole. Então, é feita a comparação do desvio entre os deslocamentos observados, que deve ser mais acentuado quanto maior a capacidade do solvente de aceitar ligação de hidrogênio. Assim, o espectro UV-Vis da sonda, além de depender de 𝜋*, também depende da característica de aceitação de ligação de hidrogênio do solvente.[32][38] IV. Parâmetro 𝛼 De forma análoga, o parâmetro 𝛼 permite medir a capacidade de doação de ligação de hidrogênio do solvente. Assim, uma vez que o parâmetro ET(30) depende de ambas as características dipolar e HBD do solvente, a combinação deste parâmetro com 𝜋* permite obter alfa como uma medida da acidez do solvente.[32][38] A polaridade é um indicador da resistência do solvente e, portanto, uma propriedade importante para aplicações específicas, por exemplo, separações. Espera-se que os DES sejam de natureza dipolar e, portanto, a espectroscopia de UV-vis e as sondas espectroscópicas solvatocrômicas são adequados para estudar sua polaridade. As dipolaridades dependentes da sonda são controladas predominantemente pelo componente HBD do DES.[39] Para classificar as polaridades do DES e, assim, entender seus diferentes ambientes, a escolha da sonda solvatocrômica deve ser consistente.[4] 2. OBJETIVOS Esse experimento teve como principal objetivo a síntese e caracterização do solvente eutético profundo glicelina ([Ch]Cl:Gli), composto por cloreto de colina e glicerol em proporções estequiométricas definidas. Avaliou-se os seguintes parâmetros físico-químicos da amostra sintetizada: densidade, transições de fase, viscosidade, condutividade, porcentagem de água e polaridade; comparando-os com valores da literatura Além disso, pretendia-se entender um pouco melhor dos fundamentos acerca dos DESs, suas propriedades e as técnicas experimentais utilizadas na determinação de cada parâmetro físico-químico. 12 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Preparou-se o solvente eutético profundo utilizando-se cloreto de colina e glicerol na razão molar 1:2. Por meio de simples moagem em um almofariz e aquecimento em uma estufa (aproximadamente 15 minutos a cerca de 80 ºC), até a formação de um líquido homogêneo, obteve-se a glicelina ([Ch]Cl:Gli). Em seguida, considerando os parâmetros físico-químicos já mencionados, a caracterização do DES preparado foi realizada. DETERMINAÇÃO DA DENSIDADE BASEADO NO MÉTODO DO TUBO OSCILANTE Neste experimento as medições de densidade do solvente eutético profundo foram feitas através de um densímetro digital baseado no método do tubo oscilante. Utilizando o aparelho digital da Anton-Paar, as medições foram realizadas a 25 e 40 ºC, com a pressão atmosférica normal e com incerteza associada às medições de ± 10-5 g.cm-3. Após a lavagem da célula com acetona, os resultados foram obtidos e então resumidos abaixo - Tabela 1, juntamente com valores disponíveis na literatura. Temperatura (ºC) 𝜌 Experimental (g.cm-3) 𝜌 Literatura (g.cm-3)1 25 ºC 1,20180 1,19575 40 ºC 1,19331 1,18740 Tabela 1. Valores de densidade, 𝜌, obtidos experimentalmente, por meio de um densímetro digital Anton-Paar a 25 e 40ºC, para a amostra de DES; comparando-os com os respectivos valores teóricos obtidos da literatura[40]. A partir dos dados apresentados na Tabela 1. observa-se que o aumento da temperatura provoca uma diminuição da densidade do DES. Tal efeito era esperado, uma vez que o aumento da temperatura eleva a energia cinética média de agitação das moléculas, interrompendo algumas forças intermoleculares e ocasionando uma expansão térmica; levando a um aumento do volume da célula e, portanto, diminuindo a densidade da amostra. 1 Medição realizada com uma fração formada por cloreto de colina (HBA) e glicerol (HBD) em uma proporção molar 1:2. Pressão atmosférica da análise igual a 0,1 MPa.[40] 13 Os dados presentes na literatura levam em conta amostras de um solvente eutético profundo com pureza da fração molar de 0,98. A baixa porcentagem de água (275 ppm) presente na glicelina preparada por Lapeña et al.[40] (2019) é justificada pela alta pureza da fração molar dos reagentes utilizados e pela secagem do DES, que foi realizada sob vácuo durante 24 horas antes da caracterização. No entanto, nota-se que os valores experimentais são um pouco superiores aos teóricos em ambas as condições de temperatura, indicando uma densidade experimental consideravelmente maior do que a esperada. Uma hipótese que poderia justificar esses valores discrepantes seria a não formação de um líquido completamente homogêneo após a preparação do DES. Assim, obtendo-se um sistema com a presença de resquícios sólidos que podem resultar em interferências na leitura do aparelho, resultando em uma maior densidade. ANÁLISE DAS TRANSIÇÕES DE FASE POR DIFFERENTIAL SCANNING CALORIMETRY (DSC). Utilizando o equipamento da TAInstruments é possível obter informações calorimétricas, por Análise Térmica Diferencial (DSC), através do monitoramento de fluxo de calor em função da temperatura, independentemente da ocorrência ou não de variação de massa.[41] Caso essa técnica termoanalítica tivesse sido realizada, seria possível obter dados quantitativos e qualitativos sobre processos endotérmicos e exotérmicos da [ChCl:Gli] durante transições físicas causadas por alterações de fase, fusão (Tm), transições de vidro (Tg), cristalização (Tc), oxidação, polimerização e outras alterações relacionadas ao calor.[19] Apesar da caracterização não ter sido realizada em laboratório, é possível dissertar sobre o resultado esperado para o melting point da glicelina preparada, uma vez que tal valor pode ser encontrado na literatura. A Fig. 7[42] mostra o digrama de fases de diferentes solventes eutéticos compostos por diferentes frações molares de glicerol, o doador de ligação de hidrogênio. 14 Fig. 7. Diagrama de fasesda eutética em diferentes frações molares de glicerol.[42] Abbott et al.[42] (2007) observou que o DES composto de cloreto de colina teve um ponto de congelamento mínimo na fração molar de aproximadamente 0,7. Esse ponto eutético a ± 230 k (𝓍glicerol ≅ 0,7) possui uma fração molar muito próxima daquela utilizada neste trabalho, 1:2, indicando que o Tm do nosso DES, em condições ideais, deveria apresentar um ponto de fusão um pouco acima de 230 K. O trabalho de Gurkan et al.[4] (2019) trata, dentre outros DESs não-metálicos, da glicelina, apresentando um ponto de fusão de 233,15 K para este composto. De qualquer maneira, esses resultados demonstram que este solvente eutético profundo pode ser utilizado efetivamente à temperatura ambiente. DETERMINAÇÃO DA VISCOSIDADE COM UM REÔMETRO A medição de viscosidade foi feita com um reômetro Anton-Paar. Para calcular tal viscosidade primeiramente foi feito um gráfico de shear stress vs. shear rate (Fig. 8) nas temperaturas de 25 ºC e 40 ºC, com a taxa de cisalhamento variando de 1 a 100 s-1 em ambos os casos. Plotando os valores de viscosidade obtidos para cada par ordenado [shear rate (𝑥), shear stress (𝑦)] em função de shear rate (Fig. 9), observa-se que tanto em 25 e 40 ºC a viscosidade tem um comportamento constante; com exceção de valores de shear rate muito baixos, devido a falta de sensibilidade do equipamento em taxas mais baixas do que 30 s-1. Esse comportamento indica que o DES é um fluído newtoniano. 15 Fig. 8. Gráfico de Shear Stress vs. Shear Rate para a glicelina em 25 ºC (azul) e 40 ºC (vermelho). Fig. 9. Gráfico de viscosidade vs. Shear Rate para a glicelina em 25 ºC (azul) e 40 ºC (vermelho). Sabendo que a inclinação das retas apresentadas na Fig. 8 equivalem à viscosidade da glicelina preparada em laboratório, a Tabela 2 permite comparar estes valores experimentais com dados da literatura[40]. 16 Temperatura (ºC) η Experimental (Pa.s) η Literatura (Pa.s)2 25 ºC 0,207 0,3197 40 ºC 0,096 0,130 Tabela 2. Valores de viscosidade, η, obtidos experimentalmente, por meio de um reômetro Anton-Paar a 25 e 40ºC, para a amostra de DES; comparando-os com os respectivos valores teóricos obtidos da literatura[40]. Levando em consideração que a viscosidade do solvente diminui com a presença de água e que o DES da literatura é quase puro, é provável que a glicelina feita em laboratório tenha maior presença de água em sua composição. Além disso, os valores compilados na Tabela 2 comprovam o fato de que a viscosidade de um fluido de fato diminui com o aumento da temperatura.[23] DETERMINAÇÃO DA CONDUTIVIDADE POR ELECTROCHEMICAL IMPEDANCE SPECTROSCOPY A condutividade do DES foi determinada em temperatura ambiente por espectroscopia de impedância eletroquímica (EIS) no Laboratório de Materiais Eletroativos. Ela pode ser calculada pela Equação 3, obtida a partir da Segunda Lei de Ohm. Entretanto, como a superfície destes eletrodos não é perfeitamente uniforme, há a necessidade de obter a área real destes eletrodos. Esta determinação deve ser feita em uma solução de eletrólito (por exemplo, KCl) com condutividade molar ⋀ e concentração c conhecidas. Para isto, a Equação 4 será utilizada, sendo obtida através de uma transformação da Equação 3. κ = 1𝑅 𝑙 𝐴 → 𝑅 = 1 κ 𝑙 𝐴 → 𝐴 = 1 κ 𝑙 𝑅 → 𝐴 = 1 Λ𝑐 𝑙 𝑅 Equação 4 Com isto em mente, a próxima etapa do experimento foi obter os valores dos eixos real (Z’) e imaginário (Z’’) do diagrama de Nyquist, com a intenção de descobrir a resistência da solução de DES. A partir destes valores foi feito um gráfico de Z’ vs Z’’, apresentado na Fig. 10. 2 Medição realizada com uma fração formada por cloreto de colina (HBA) e glicerol (HBD) em uma proporção molar 1:2. Pressão atmosférica da análise igual a 0,1 MPa.[40] 17 Fig. 10. Gráfico da parte real Z’ pela parte imaginária Z’’ do diagrama de Nyquist. Através do gráfico anterior é fornecida a resistência da solução, que por sua vez é utilizada no cálculo da condutividade do DES. O valor experimental de condutividade da glicelina preparada é 0,15 mS.cm-1 em 25 ºC, enquanto que o resultado fornecido pela literatura[40] é 1,17 mS.cm-1 em 25 ºC. A grande discrepância entre os resultados apresentados foi causada pela presença de água na glicelina utilizada, que diminui significativamente a condutividade da solução. DETERMINAÇÃO DE PORCENTAGEM DE ÁGUA POR KARL FISCHER A quantidade de água presente no DES foi determinada por titulação de Karl Fischer volumétrica no Laboratório Didático de Instrumentação. Neste método, primeiramente é realizado a calibração do equipamento utilizando um volume conhecido de água destilada. Em seguida, o mesmo experimento é realizado, utilizando uma amostra de massa conhecida do DES preparado. É importante que o procedimento de calibração e de titulação da amostra seja feito em duplicata ou triplicata, permitindo-se obter dados mais conclusivos por meio da média dos resultados. Sabendo que a reação de Karl Fischer gasta I2 em proporção 1:1 com água, após obtenção dos volumes de reagente de KF gastos na calibração e na titulação das amostras de DES, pode-se determinar a porcentagem de água em massa. O valor médio calculado foi de 1,42% de água na glicelina. A determinação da quantidade de água pelo método de Karl Fischer mostra que há mais de 1% em massa do DES de água. Isso se deve à natureza higroscópica dos DESs, 18 fazendo com que seja possível medir a água, mesmo se tendo manuseado o DES com precaução. Esta medida é importante ser observada e reportada, uma vez que a presença de água pode afetar drasticamente alguns parâmetros físico-químicos dos solventes eutéticos profundos, como a viscosidade e a densidade. É possível estudar o efeito da água na glicelina por meio de ensaios de absorção de água em condições controladas por vários dias. Para isso, pode-se utilizar uma câmara de vácuo que contém o solvente eutético, um sal em solução aquosa - como o nitrato de magnésio hexahidratado - e um higrómetro para controlar a humidade relativa e a temperatura.[2] Além disso, é importante ressaltar que o DES foi preparado com produtos anidros sendo, teoricamente, livres de água. Porém, é importante, como visto no trabalho de Lapeña et al.[40] (2019), que o solvente eutético sintetizado seja seco numa linha de vácuo, de modo a minimizar a quantidade de água neles existente. DETERMINAÇÃO DOS PARÂMETROS SOLVATOCRÔMICOS (ETN, 𝜋*, 𝛽, 𝛼) Para determinar a capacidade de solvatação da glicelina, foram determinados parâmetros solvatocrômicos através do uso de três sondas solvatocrômicas, que possuem suas estruturas apresentadas na Fig. 11[35]: - 4-nitroanisole; - 4-nitrofenol; e - Corante de Reichardt (no.33): 2,6-dichloro-4-(2,4,6-triphenyl-1-pyridinio)-phenolate. Fig. 11. Estruturas das sondas solvatocrômicas utilizadas (da esquerda para direita): 4-nitroanisole, 4-nitrofenol e 2,6-dichloro-4-(2,4,6-triphenyl-1-pyridinio)-phenolate. (adaptado de Reichardt & Welton[35], 2010). 19 Os parâmetros a serem determinados têm origem na equação de Kamlet-Taft (Equação 5)[32], na qual os parâmetros solvatocrômicos são 𝜋*, 𝛽 e 𝛼. 𝜋* refere-se a medida das interações não-específicas dependentes da polaridade e polarizabilidade das moléculas do solvente. 𝛽 é uma medida da basicidade do solvente - representa a tendência do solvente a receber ligações de hidrogênio. E 𝛼, por sua vez, é uma medida da acidez do solvente - representa a tendência do solvente a doar ligações de hidrogênio.[37][38] ν 𝑚𝑎𝑥 = ν 0 + 𝑠π* + 𝑎α + 𝑏β Equação 5, onde 𝑣max é a frequência de absorção máxima do corante na solução de interesse, 𝑣0 é a frequência de absorção máxima do corante em um solvente de referência (no caso, ciclohexano) e os coeficientes s, a e b são iguais à frequência de máxima absorção dos solventes de referência: DMSO (𝜋* = 1), metanol (𝛼 = 1) e hexametilfosforamida (𝛽 = 1). Além disso, outro parâmetro será introduzido no estudo da polaridadeda glicelina, que é a energia de transição eletrônica de um corante capaz de indicar a polarizabilidade-dipolaridade e a tendência de doar ligações de hidrogênio de um solvente. Este parâmetro é denominada ET.[35] Dessa forma, após dissolver 1 mL de solução estoque de cada uma das sondas em amostras de [Ch]Cl:Gli, são registrados os espectros UV-Vis das soluções. Parâmetro ET(30) e ETN O primeiro parâmetro calculado foi a energia de transição eletrônica. Essa energia em geral é obtida utilizando a betaína (no.30). Entretanto, este espectro de absorção UV-Vis foi obtido usando a sonda equivalente betaína (no.33). O espectro obtido está apresentado a seguir, com o máximo de absorção em 430 nm. É importante mencionar que a transição eletrônica de menor energia da sonda é vista apenas como um ombro na banda intensa em menor comprimento de onda. 20 Fig. 12. Espectro UV-Vis da sonda betaína (no.33) no solvente eutético [Ch]Cl:Gli. O correspondente 𝜆max é igual a 430 nm. Para o cálculo da energia de transição, tem-se a Equação 6: 𝐸 𝑇 = ℎ. 𝑐. 𝑁 𝐴 . ṽ 𝑚𝑎𝑥 Equação 6, onde h é a constante de Planck, c refere-se a velocidade da luz, NA, o número de Avogadro, e �̃�max é o número de onda associado ao comprimento de onda de máxima absorção. Utilizando a relação ET(33) = 28.591/𝜆max e sabendo o comprimento de máxima absorção para a sonda, é possível determinar o valor experimental de ET(30) e ETN pelas seguintes correlações: 𝐸 𝑇 (30) = 0, 9953𝐸 𝑇 (33) − 8, 1132 Equação 7 𝐸 𝑇 𝑁 = 𝐸 𝑇 (30) 𝐷𝐸𝑆 −𝐸 𝑇 (30) 𝑇𝑀𝑆 𝐸 𝑇 (30) á𝑔𝑢𝑎 −𝐸 𝑇 (30) 𝑇𝑀𝑆 Equação 8, 21 onde, ETN representa a escala adimensional, que pode ser obtida ao normalizar o parâmetro pelos valores nos solventes de referência tetrametilsilano (TMS, ET(30) = 30,7 kcal.mol-1) e água (ET(30) = 63,1 kcal.mol-1). Após efetuar os cálculos, obtêm-se os seguintes valores calculados para ET(30) e ETN, respectivamente: 5,8065 x 101 kcal.mol-1 e 8,4450 x 10-1. Parâmetro 𝜋* Em seguida, foi calculado 𝜋* para a sonda 4-nitroanisole pela Equação 9. O valor a ser calculado utiliza como parâmetro os valores máximos do deslocamento da banda de transição 𝜋* em ciclohexano (C6H12) e dimetilsulfóxido (DMSO). Dessa forma, após esta normalização, chega-se a expressão mencionada: 𝜋*(𝐷𝐸𝑆) = ṽ 𝑚𝑎𝑥 (𝐷𝐸𝑆) −ṽ 𝑚𝑎𝑥 (𝐶 6 𝐻 12 ) ṽ 𝑚𝑎𝑥 (𝐷𝑀𝑆𝑂) −ṽ 𝑚𝑎𝑥 (𝐶 6 𝐻 12 ) Equação 9 Os espectros obtidos para a sonda estão apresentados na Fig. 13 a seguir, com o máximo de absorção, respectivamente, em 293 e 315 nm para o ciclohexano e para o DMSO. No caso do espectro de absorção no solvente eutético, o correspondente λmax é 340,3 nm. 22 Fig. 13. Espectros UV-Vis da sonda 4-nitroanisole no solvente eutético [Ch]Cl:Gli e nos solventes de referência (ciclohexano e DMSO). Os correspondentes 𝜆max são iguais a 293 (verde), 315 (vermelho) e 340,3 nm (azul). Portanto, utilizando os valores de 𝜆max do ciclohexano, DMSO e glicelina e convertendo para número de onda, chegamos ao valor do parâmetro 𝜋* igual a 1,9899. Parâmetro 𝛽 Sabendo que o parâmetro 𝜋* foi obtido com a sonda 4-nitroanisole, a sonda 4-nitrofenol irá fornecer o efeito adicional HBA do solvente, chamado de parâmetro 𝛽. Para determinar este valor, será necessário utilizar a relação apresentada na Equação 10: β = 12, 126 − 3460λ 𝑚𝑎𝑥 − 0, 57𝜋 * Equação 10 Logo, escolhendo o pico em 344 nm como sendo o 𝜆max para a sonda 4-nitrofenol (Fig. 14), sem efetuar a correção de fundo, o parâmetro 𝛽 calculado equivale a 9,3370 x 10-1. Fig. 14. Espectros UV-Vis da sonda 4-nitrofenol no solvente eutético [Ch]Cl:Gli. O pico em 344 nm foi considerado como correspondente 𝜆max (não foi realizada correção de fundo). 23 Parâmetro 𝛼 O parâmetro 𝛼 foi calculado pela Equação 11, que é dependente dos parâmetros relaciona os parâmetros 𝜋* e ET(30). O parâmetro, quando calculado, equivale a 0,3057. α = 0, 0649. 𝐸 𝑇 (30) − 0, 72𝜋* − 2, 03 Equação 11 Os valores obtidos experimentalmente e os valores da literatura[43] estão resumidos na Tabela 3. Para determinação dos dois primeiros parâmetros, Florindo et al.[43] (2018) também utilizou corante de Reichardt (no. 33), que apresentou máximo de absorção em 430 nm, idêntico ao experimental; logo, o valor dos parâmetros ET(30) e ETN foram iguais. Diferentemente deste trabalho, que mensurou a energia da transição eletrônica 𝜋 ⟶ 𝜋* da sonda 4-nitroanisole, os cálculos apresentados na literatura utilizam a sonda 4-nitro-N,N-dimetilanilina na determinação do parâmetro solvatocrômico 𝜋*. O valor experimental é cerca de 1,8 vezes maior, o que representa um valor atípico. Os parâmetros 𝛽 e 𝛼 também diferem da literatura, sendo significativamente maiores e menores que os da literatura, o que era previsto, pois as Equações 10 e 11 dependem do parâmetro 𝜋*, que apresentou um valor atípico. Glicelina ([Ch]Cl:Gli) ET(30) / kcal.mol-1 ETN 𝜋* 𝛽 𝛼 Experimental 58,065 0,84 1,99 0,93 0,31 Literatura3 58,064 0,84 1,11 0,52 1,49 Tabela 3. Energia de transição eletrônica para ET(30) e parâmetros solvatocrômicos ETN, 𝜋*, 𝛽 e 𝛼 obtidos experimentalmente para a amostra de DES; comparando-os com os respectivos valores teóricos obtidos da literatura[43]. O monitoramento do comportamento dos parâmetros avaliados com o aumento da fração molar de água no solvente eutético profundo indica que há uma tendência de aumento de ETN e 𝜋*, de diminuição de 𝛽 e um padrão constante de 𝛼.[44] Dessa forma, pela porcentagem de água determinada pelo método Karl Fischer para o DES preparado, esperava-se que tais parâmetros respeitassem tal tendência. Esse padrão de não 3 [Ch]Cl: ≥ 98% pureza da fração molar; glicerol: ≥ 99% pureza da fração molar. Porcentagem de água presente no DES não foi informada. Razão molar do solvente 1:2. 24 conformidade e discrepância entre os valores experimentais e da literatura são indícios de erros experimentais. Além disso, é importante citar que a temperatura influencia esses parâmetros. No caso da glicelina, pelo aumento da temperatura verifica-se uma diminuição de ETN e 𝛼, enquanto 𝜋* e 𝛽 se mantêm constantes. A proporção estequiométrica entre os componentes cloreto de colina e glicerol também podem afetar o estudo solvatocrômico do DES.[12][44] Por último, é importante lembrar que o comprimento de onda de absorção máxima experimental do ET(30) foi idêntico ao comparado com o da literatura, implicando que a energia de transição não é um parâmetro a ser ponderado nesta análise de erro experimental. Entretanto, pode-se considerar que o erro esteja associado aos procedimento espectroscópicos UV-Vis realizados para as sondas 4-nitroanisole e 4-nitrofenol. Para que essa hipótese fosse confirmada, seria interessante repetir o experimento e calcular novamente os parâmetros solvatocrômicos. Outros dados da literatura podem ser usados para comparação. Os dados apresentados por Pandey, A. & Pandey, S.[44] (2014), para os quatro parâmetros, são: 0,85 (ETN), 1,19 (𝜋*), 0,50 (𝛽) e 0,76 (𝛼). 4. CONCLUSÃO O principal objetivo destas aulas práticas foi introduzir aos alunos os conceitos de deep eutectic solvents, nas quais estudou-se a síntese e caracterização da glicelina ([Ch]Cl:Gli). Foram estudadas as propriedades físico-químicas nomeadamente, densidade, transições de fase, viscosidade, condutividade, porcentagem de água e polaridade. Avaliou-se de que forma estes parâmetros são influenciados pela pureza da fração molar e pela variação da temperatura. Foi desenvolvida uma discussão comparativa entre os valores obtidos experimentalmente e aqueles encontrados na literatura, apresentando hipóteses para algumas das discrepâncias encontradas. Como visto, a porcentagem de água presente em um DES pode afetar significativamente alguns parâmetros físico-químicos. O valor médio calculado de água presente na glicelina foi de 1,42%. Sabendo da influência que esta impureza pode representar no estudo do solvente produzido,é recomendado que a titulação volumétrica de Karl Fischer fosse refeita. A caracterização do solvente eutético profundo aponta valores menores do que o esperado para a viscosidade e condutividade, provavelmente devido a presença de água no composto. 25 A polaridade também apresentou discrepâncias significativas em alguns parâmetros solvatocrômicos, devido a possíveis erros nas análises espectroscópicas. Para a densidade, de forma atípica, foi encontrado um valor superior ao disponível na literatura; a homogeneização incompleta na preparação da glicelina comprometeu o resultado experimental. De qualquer maneira, a síntese e caracterização do solvente eutético profundo apresentaram, em sua maioria, resultados coerentes, possíveis de se justificar e corrigir em uma próxima síntese. É recomendado que os testes sejam repetidos, submetendo o DES preparado a uma secagem, em uma linha de vácuo, antes do início da caracterização. 5. REFERÊNCIAS [1] Gamsjäger, H., Lorimer, J. W., Scharlin, P., & Shaw, D. G. (2008). Glossary of terms related to solubility (IUPAC Recommendations 2008). Pure Appl. Chem., 80(2), 233–276. [2] Costa, A. C. F. (2016). Estudo das propriedades termofísicas dos solventes eutéticos e desenvolvimento de novas membranas sustentáveis para a separação de CO2. Dissertação de mestrado, Universidade NOVA de Lisboa, Campolide, Lx., Portugal. [3] Santos, L. M. N. B. F. (2017). 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