Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Condensado Bose-Einstein Pedro Henrique Nantes Magnani Monografia para seminário – Física Atômica e Molecular Introdução Na física, possuímos conceitos e leis que regem tanto o mundo macroscópico quanto o microscópico; e, muitas vezes, podemos fazer uma ligação entre as duas coisas. Por exemplo, a explicação das propriedades de um gás como pressão e temperatura, bem como sua interconexão com volume foi o primeiro grande sucesso em termos de conectar o mundo microscópico com o macroscópico. Olhando para o mundo microscópico, mais especificamente na ordem do tamanho de um átomo, a matéria passa a ter um comportamento diferenciado, sendo melhor atribuída a interpretação da matéria como onda, e não como uma infinidade de partículas minúsculas e sólidas; estudando e aperfeiçoando tal interpretação, nasceu a Mecânica Quântica. Quando um gás é resfriado a temperaturas muito baixas, é possível atingir um regime onde seu comportamento deixa de ser clássico e a visão tradicional que temos de um gás como sendo constituído de partículas animadas de um movimento desordenado não mais se sustenta. Se as partículas do gás forem do tipo bosons (há também as chamadas fermions e o que distingue uma da outra é somente seu spin) o estado que atingimos no regime de ultra-baixa temperatura é denominado de Condensado de Bose-Einstein. Como o nome já nos diz, o condensado Bose- Einstein (CBE) foi previsto por Albert Einstein em 1925, ao seguir estudos já realizados por Satyendra Nath Bose (físico indiano especializado em física matemática), como uma consequência da mecânica quântica. Descoberta Em 1938, Pyotr Kapitsa (físico soviético especializado em baixas temperaturas), John Allen (físico canadense) e Don Misener (também canadense) descobriram, juntos, que, quando levado a temperaturas da ordem de 2,17K (conhecido por ponto lambda), o hélio-4 (isótopo não radioativo de tal elemento, sendo o mais abundante de todos) se comporta como um novo tipo de fluido, conhecido a partir de então como super-fluido, possuindo propriedades interessantes como zero viscosidade (ou seja, fluir sem dissipar energia) e a existência de vórtices quantizados. O fato de esse sistema ser um tipo de fluido implica que as interações entre os átomos são relativamente fortes. Alguns anos antes, porém, Einstein e Nath Bose já haviam teorizado o sistema condensado, e, assim, algumas propriedades da superfluidez do hélio-4 foram logo explicadas por uma certa condensação de Bose-Einstein parcial do líquido. Já o primeiro CBE puro foi criado somente em 1995, quando técnicas aprimoradas de resfriamento e aprisionamento já haviam sido aperfeiçoadas. Uma delas é o resfriamento a laser, técnica que faz uso da transferência de momento entre um fóton e um átomo para reduzir sua velocidade (juntamente com campos magnéticos para aprimorar tais efeitos, mas isso já faz parte de outro sistema de resfriamento, conhecido por Zeeman Slower), podendo levar o átomo a temperaturas em torno de 170nK (suficiente para que uma condensação Bose-Einsein possa acontecer). Esse feito fez com que seus desenvolvedores, Seteven Chu, Claude Cohen-Tannoudji e William Phillips, ganhassem o prêmio Nobel da física em 1997. O primeiro condensado foi obtido pela equipe de pesquisadores liderada por Eric Cornell e Carl Wieman, ao conseguirem resfriar um vapor diluído de aproximadamente dois mil átomos de 𝑅𝑏87 . A natureza quântica do condensado Na temperatura ambiente, λ, o comprimento de onda de de Broglie, é cerca de 10.000 vezes menor do que a distância entre os átomos; isso significa que as ondas ‘emitidas’ pelos átomos não estão correlacionadas, permitindo o gás ser descrito pela estatística de Maxwell- Boltzmann: 𝑁𝑖 𝑁 = 𝑔𝑖 𝑒 𝐸𝑖−𝜇 𝑘𝐵𝑇 Sendo 𝑔𝑖 -> degenerescência quântica do estado i 𝐸𝑖-> energia do estado i 𝜇-> potencial químico 𝑘𝐵 -> constante de Boltzmann T -> temperatura 𝑁𝑖 -> número de partículas no estado i 𝑁 -> número total de partículas Porém temos aqui um problema: tal estatística funciona para regimes em que a temperatura é alta e, a densidade, baixa o suficiente para tornar efeitos quânticos negligenciáveis (o que é basicamente o contrário do que queremos neste caso). Acontece que, à medida que o gás é resfriado, a distribuição Maxwell- Boltzmann se alarga, o que significa interpretar mais do que um átomo em um cubo com dimensões de λ. Ou seja, as ondas ‘emitidas’ pelos átomos passam então a se sobrepor, e essa sobreposição tem como consequência a perda de identidade dos átomos (no nosso regime quântico) e o comportamento do gás passa a ser melhor descrito pela estatística de Bose-Einstein. A estatística de Bose-Einstein determina a distribuição estatística de bósons idênticos indistinguíveis sobre os estados de energia em equilíbrio térmico, onde temos: 𝑛𝑖 = 𝑔𝑖 𝑒 𝐸𝑖−𝜇 𝑘𝐵𝑇 − 1 Podemos escrever o número total de partículas para este caso da seguinte forma: 𝑁 = 𝑁0 + ∫ 𝑛𝑖𝜌(𝐸𝑖) ∞ 0 𝑑𝐸 Onde 𝜌(𝐸𝑖) representa a densidade de estados do sistema, a qual se anula para o estado de mais baixa energia; logo, faz-se necessário manter explicitamente a ocupação do estado de mais baixa energia, 𝑁0. Cabe aqui uma recordação interessante: o potencial químico, quando se tratando de bósons, é sempre negativo ou nulo, de modo a assegurar um número de ocupação (dado por 𝑛𝑖) sempre positivo para qualquer estado de energia. Isso signifique que à medida que µ cresce, a temperatura diminui, atingindo então uma temperatura finita no qual µ fica igual a zero. Esta temperatura é conhecida como temperatura crítica, pois para qualquer diminuição extra da temperatura, a população do estado fundamental 𝑁0 começa a crescer a valores macroscópicos. A ocupação macroscópica de um estado significa que esse determinado estado contribui para as propriedades termodinâmicas do sistema de maneira significativa, pois seu peso estatístico é muito maior. É nessa mudança de comportamento que temos a condensação Bose-Einstein. A temperatura crítica pode ser determinada, dependendo somente da densidade de estados do sistema estudado, tomando 𝜇 = 0 e 𝑁0 = 0. Para o caso da partícula na caixa, o resultado é: ( 𝑁 𝑉 ) = 2.612 𝜆3(𝑇) Onde 𝜆(𝑇) = ℎ (2𝜋𝑚𝑘𝐵𝑇) 1 2 é o comprimento de onda térmico de de Broglie. Nesta equação, podemos concluir que o CBE ocorre quando a distância média entre as partículas é da ordem do comprimento de onda térmico de de Broglie: quanto maior a densidade, maior a temperatura onde a condição crítica é atingida. Como atingir um CBE experimentalmente? O primeiro objetivo ao querermos atingir e estudar o estado da condensação Bose-Einstein é resfriar o elemento a ser utilizado. Mas para isso, capturá-los é mais necessário. Uma das principais preocupações em desenvolver um aparato experimento para CBE é o fato de coletar opticamente tais átomos em uma quantidade razoável e, ainda, fazer com que possuam um tempo de vida médio também razoável, quando na armadilha magnética. Essas duas preocupações requerem ordens diferentes de pressão de vapor, e fazer tal mudança num sistema de vácuo não é algo simples, principalmente quando falamos numa escala de tempo da casa dos segundos. Existem duas maneiras de resolver tal problema: um aparato com MOT (Magneto-Optical Trap) duplo e um feixe atômico ou usar um feixe atômico resfriado a laser, após ter passado por um Zeeman slower. No primeiro sistema, os átomos são coletados em um MOT localizado numa região do vácuo que possui uma alta pressão de vapor alcalina, e então transfere os átomos aprisionados para um segundo MOT, numa regiãocom um vácuo ainda mais poderosos (ultra high vacuum UHV), com uma pressão superbaixa, para um resfriamento ainda maior. Essa transferência é feita basicamente empurrando os átomos entre os dois MOTs com um feixe laser. Algumas desvantagens em tal método são: dois MOTs são necessários, o que requer uma potência maior no laser; os componentes e o caminho ópticos para o segundo MOT reduzem consideravelmente o espaço físico para as bobinas da armadilha magnética, de forma que para criar o gradiente de campo magnético, uma alta potência elétrica se faz necessária. Já o segundo sistema se caracteriza como um sistema que utiliza o método do Zeeman Slower: um conjunto de bobinas as quais, através do efeito Zeeman, tiram a degenerescência do átomo e, portanto, mudam a frequência de ressonância desse átomo, compensando o efeito Doppler observado por este ao se deparar com o feixe laser utilizado para freia-lo. Aqui, as mesmas desvantagens em relação ao acesso óptico e o espaço para as bobinas da armadilha magnética também são encontradas. Logo, percebemos que a montagem de um aparato experimento para obtenção de um CBE não é algo tão simples: algumas dificuldades irão persistir independente de qual sistema será montado, porém, como cada caso é um caso, a construção do aparato pode conseguir contornar algum deles, dependendo da criatividade e engenhosidade dos pesquisadores envolvidos. Considerações finais O CBE traz um aspecto novo tanto para a física básica quanto para a experimental: é um novo estado da matéria, que possui características e propriedades distintas, as quais ainda podem ser muito exploradas e teorizadas, assim como a maneira de se construir tal estado. Um grupo no MIT, chefiado por Wolfgang Ketterle, a partir de um condensado de Sódio 23, conseguiu obter uma fonte atômica coerente. Isso se deve ao fato de que os átomos num CBE têm todos a mesma energia, ou seja, estão num estado coerente. Se desligarmos a armadilha, todos os átomos cairão como um feixe monocromático ideal, criando um ‘laser atômico’. E essa é uma das idéias de aplicações possíveis para este novo sistema. Apesar de ser um campo de pesquisa relativamente jovem, se mostra promissor, com um bom desenvolvimento teórico e experimental.
Compartilhar