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Thaís de Sá Linguística textual Thaís de Sá Linguística textual ED+ Content Hub Facens Linguística textual. Sorocaba/SP, 2020. 63 f. Ed. 1. Validadora: Ana Paula Campos Cavalcanti Soares. Instituto Cultural Newton Paiva Ferreira Ltda. | ED+ Content Hub, 2020. Assuntos: 1. Linguística 2. Semântica 3. Coerência 4. Coesão 5. Comunicação Formato: digital. Recurso: PDF e HTML. Requisitos do sistema operacional: • Windows 8.1 ou superior; • Mac OSX 10.6 ou superior; • Linux - ChromeOS. Configurações técnicas: • 2GB de memória RAM; • 2.5GHz de processador; • 10GB de espaço em disco. Navegadores: • Google Chrome – Versão mais atualizada; • Mozilla Firefox – Versão mais atualizada. Dispositivos móveis: • iOS 10 ou superior; • Android 5 ou superior. Modo de acesso: área restrita - Ambiente Virtual de Aprendizagem. Todos os direitos desta edição são reservados ao Centro Universitário Facens. Rodovia Senador José Ermírio de Moraes, 1425, km 1,5 – Sorocaba/SP CEP: 18.085-784 | tel.: 55 15 3238 1188 Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.º 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. Todas as imagens, vetores e ilustrações são creditados ao Shutterstock Inc., salvo quando indicada a referência. Conteúdo Conteúdo Unidade 1 O que é a Linguística textual? ........................................................... 6 Unidade 2 Texto, textualidade e textualização ............................................... 22 Unidade 3 Princípios de textualização ............................................................. 35 Unidade 4 Coerência ........................................................................................... 47 Unidade 5 Coesão referencial ............................................................................ 63 Unidade 6 Coesão sequencial ............................................................................ 80 Unidade 7 A situação comunicativa .................................................................. 96 Unidade 8 Perspectivas futuras da Linguística textual ................................ 111 Linguística textual | Unidade 1 - O que é a Linguística textual? 5 PALAVRAS DA AUTORA Olá! O que é linguística textual? Qual é o objeto de estudo da linguística textual? Qual é a sua história? A linguística textual é uma importante área da linguística a ser estudada no curso de Letras. É por meio dela que você irá compreender a estrutura e o funcionamento do texto. Nesta unidade você aprenderá alguns conceitos fundamentais, como o que é linguística textual e como é definido seu objeto de estudo, o texto. Nessa unidade, você irá entender a linguística textual e seus objetivos por meio de sua história. Ao entender os caminhos pelos quais a linguística textual se desen- volveu, será entendida também sua concepção de texto, percebendo a importância de sua estrutura e sua organização. A partir dessa proposta de reflexão, você iniciará seus estudos! Linguística textual | Unidade 1 - O que é a Linguística textual? 6 Unidade 1 O que é a Linguística textual? Para iniciar seus estudos: Fique atento à história da linguística textual, sempre pensando: para aquela época, o que constituiu texto? Objetivos da aprendizagem: • Introduzir a linguística textual como uma área da linguística; • Conhecer a história da linguística textual e seus objetivos. Tópicos de Estudo: • O que é a linguística textual; • A história da linguística textual; • Objetivos da linguística textual. Linguística textual | Unidade 1 - O que é a Linguística textual? 7 1.1 LINGUÍSTICA TEXTUAL COMO ÁREA DA LINGUÍSTICA A linguística é uma ciência que estuda a linguagem. Assim como a linguagem é diversa e complexa, a linguística também é diversa e complexa, apresentando diferentes áreas de estudo. Ao nos comuni- carmos, utilizamos sons que são transformados em palavras. Cada língua tem sons que são particulares e distintivos para a formação de novas palavras. Em português, por exemplo, as palavras MALA BALA só se diferenciam por um único som. Enquanto mala começa com o som /m/, bala começa com o som /b/. Assim como os sons da língua fazem parte da linguagem que ela expressa, a linguística tem interesse nos estudos dos sons da língua por meio de uma área que se chama fonologia. Dessa forma, cada área do estudo da linguística tem o interesse de estudar um fenômeno da língua ou da linguagem humana. Enquanto a fonologia estuda os sons de uma língua, a morfologia estuda as palavras de uma língua. Por exemplo, para a morfologia é importante refletir que as palavras bonito e bonita apre- sentam uma diferença na flexão de gênero, sendo o morfema -a um marcador de gênero feminino. A sintaxe é a área preocupada com o estudo do período, enquanto a semântica se preocupa com o estudo do significado, ou seja, enquanto a sintaxe está preocupada com o fato de que a sentença (1) apresenta um predicado nominal (é bonito) e um sujeito simples (João), a semântica se preocupa com a mensagem que a sentença transmite, de que existe alguém no mundo que se chama João e que a ele atribuímos a qualidade de ser bonito. (1) João é bonito. Mas e a linguística textual, matéria deste curso? O que a linguística textual estuda? A linguística textual é uma área da linguística que se preocupa com o texto. Dessa forma, o texto é o objeto de estudo da linguística textual. Figura 1.1 - A linguística tem interesse nos estudos dos sons da língua por meio da fonologia. ED+ Content Hub © 2019 Linguística textual | Unidade 1 - O que é a Linguística textual? 8 Como foi dito, a linguística textual tem como objeto de estudo o texto. Por isso, é importante definir o que é texto. Na próxima unidade, será feita uma discussão sobre conceitos de texto e suas implicações, todavia já será adiantado que adota-se a concepção de texto da importante professora e educadora Maria da Graça Costa Val: Texto é “...qualquer produção linguística, falada ou escrita, que faça sentido em uma comunicação humana” (COSTA VAL, 2004, p. 113). Fique atento Até meados do século XX, a preocupação da linguística era, principalmente, com a forma da língua. Assim, o estudo das partes, ou seja, dos sons, das palavras e das sentenças, eram priorizados em relação ao texto. Com o que se chamou “virada pragmática”, o uso e o funcionamento da língua ganharam destaque. O texto só começa a ter lugar nos estudos linguísticos quando a função é priorizada, já que no texto a língua se encontra em efetivo uso. Dessa forma, a língua não é vista somente como forma, mas também como função. Para saber mais sobre a linguística do século XX, recomenda-se a leitura do livro “Produção textual, análise de gêneros e compreensão”, de Luiz Antônio Marcuschi, p. 26-45. Saiba mais Ao refletir sobre os exemplos do início do capítulo, MALA e BALA não se diferenciam somente no som, ou seja, na sua forma, mas tais palavras também apresentam diferentes funções. De acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, Mala pode ser definida como “caixa, geralmente revestida de couro, lona etc., usada normalmente para transporte de roupa e outros objetos em viagem” e com tal significado estará normalmente frequente em discursos que envolvam viagens. Já a palavra bala, conforme o mesmo dicionário, apresenta diferente significado e pode ser definida como “guloseima feita de açúcar em ponto coagulado que se vende geralmente em pequenos pedaços embrulhados em papel ou plástico” e estar presente em um discurso sobre as delícias de uma festa. Portanto, mais do que possuírem formas diferentes, as funções das palavras também são essenciais para sua distinção. Pode-se pensar que a função é tão relevante em uma língua que uma mesma forma pode apresentar diferentes funções. Se utilizarmos a palavra mala para descrever alguém, como no exemplo (2), tem-se uma mesma forma no entanto com um sentido bem diferente doapresentado anteriormente. Em (2), mala apresenta um aspecto negativo, de que João é uma pessoa chata. (2) João é um mala. A mesma mudança de função acontece com bala, no exemplo (3), em que a mesma forma não repre- senta mais um doce, mas um projétil feito para ferir ou matar o que atinge. (3) A bala perfurou o pulmão de Ricardo, mas ele passa bem. Linguística textual | Unidade 1 - O que é a Linguística textual? 9 Destarte a importância da função, a linguística textual coloca o texto como seu objeto de estudo para que possamos observar as formas em uso, aliando assim o estudo da forma e da função, sendo que a função, ao longo da evolução da área, foi se tornando a parte mais importante da investigação, como você verá a seguir. 1.2 A LINGUÍSTICA TEXTUAL Segundo Bentes (2012, p. 261), a expressão linguística textual foi utilizada pela primeira vez por Harald Weinrich, que defendia que toda linguística deveria ser linguística de texto. Como você viu, nem sempre o objeto de estudo da linguística é o texto, o que motivou vários autores, como Denise Maldidier, Clau- dine Norman e Régine Robin, que pensavam como Weinrich, a fundar a linguística textual. Marcuschi (2008, p. 73) define a linguística textual como “o estudo das operações linguísticas, discursivas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção, construção e processamento de textos escritos ou orais em contextos naturais de uso”, ou seja, a linguística textual é uma área da linguística que se preocupa com o texto. Dessa forma, o texto é o objeto de estudo da linguística textual. Figura 1.2 - O texto é o objeto de estudo da linguística textual. O texto é observado pela linguística textual em seu contexto autêntico, natural de uso e, como afirma Marcuschi, o linguista da área busca investigar não somente a forma do texto, em que somente a estru- tura gramatical do texto seria analisada, mas as funções em que as operações linguísticas presentes no texto têm. Um exemplo é o uso de conjunções: o linguista que tem como referencial teórico a linguística textual não observaria somente que o “e” utilizado no início da segunda linha deste parágrafo como uma conjunção aditiva, mas como um importante operador que é utilizado para ligar ideias que aqui são defendidas dentro de um mesmo período e entre períodos. Além das operações linguísticas, os Linguística textual | Unidade 1 - O que é a Linguística textual? 10 estudos da linguística textual percorreram um longo caminho, em que operações discursivas e cogni- tivas também se mostraram importantes mecanismos para a constituição do texto. Para considerar a linguística textual como uma área da linguística e entender os objetivos dela, é impor- tante conhecer a história da área. Assim, você irá conhecer um pouco da história segundo a maior linguista da área de linguística textual no Brasil, Ingedore Koch. • Fase inicial (segunda metade de 1960 até a metade de 1970) A linguística textual surge no meio dos anos 60 do século XX. Nessa época, as teorias linguísticas eram impulsionadas, principalmente, pela linguística estrutural. Na teoria estruturalista, o período era o objeto de estudo, não tendo a intenção de analisar fenômenos linguísticos que aconteciam entre períodos. Para entender um pouco mais a limitação da análise linguística estruturalista, observe o texto (4) abaixo: (4) Era uma vez um príncipe que vivia no alto de uma torre. O príncipe era alto, magro e muito fraquinho. Teorias linguísticas estruturalistas preocupavam-se somente com a análise de um período de cada vez, não observando que no primeiro período teria um príncipe, que é retomado como o príncipe no período seguinte. Assim, nessa fase da linguística textual, a preocupação era com o estudo de como as frases de um texto se relacionavam, tentando dar conta de fenômenos que teorias linguísticas da época não descreviam. O estudo transfrástico, que abarcava mais de um período da linguística textual, era limitado a um número restrito de fenômenos. Segundo Koch, eram observados “a correferência, a pronominalização, a seleção do artigo (defi- nido/indefinido), a ordem das palavras (...)”, entre outros. Para entender um pouco mais o que era estudado nessa fase inicial, observe novamente o texto (4) abaixo: (4) Era uma vez um príncipe que vivia no alto de uma torre. O príncipe era alto, magro e muito fraquinho. Ao pensar nas duas frases que compõem o texto, pode-se observar que na primeira a personagem da história, o príncipe, foi introduzido pelo artigo indefinido por meio da expressão “um príncipe”. Com o intuito de ligar as frases, formando um texto, e mantendo a mesma personagem, o autor retoma o prín- cipe, mas dessa vez usando o artigo definido com a expressão “o príncipe”. Com observações como essa sobre a escolha do artigo, começaram os estudos da linguística textual. O texto era tratado como uma “frase complexa” (HARTMANN, 1968), “sequência coerente de enunciados” (ISENBERG, 1971). Como Koch afirma (p. 20), “o estudo das relações correferenciais limitava-se, em geral, aos processos correferenciais (anafóricos e catafóricos)”. Linguística textual | Unidade 1 - O que é a Linguística textual? 11 Anáfora e Catáfora Estes conceitos serão retomados nas unidades sobre coesão, mas já é importante definir que anáfora e catáfora são processos correferenciais, em que se faz uma correferência a um referente introduzido no discurso. Para entender melhor, veja os exemplos (a) e (b) abaixo: (a) João chegou cansado em casa, ele queria só tomar um banho e dormir. (b) Maria só pensava nisso: um belo sanduíche vegano. Anáfora (a) João chegou cansado em casa, ele queria só tomar um banho e dormir. Em (a) há um processo de retomada do referente João, por meio do pronome ele, anafórico. Quando o referente é introduzido e depois retomado, chama-se a retomada de anáfora. Catáfora (b) Maria só pensava nisso: um belo sanduíche vegano. Aqui, o referente “um belo sanduíche vegano” também é retomado, contudo, o processo é inverso. Primeiro se usa a forma catafórica “nisso” para retomar o referente, que é introduzido depois da retomada. Quando a retomada vem antes do referente, o processo é denominado catafórico. Saiba mais Retomando, como Koch afirma, a linguística textual dessa primeira fase pouco observava os outros processos de retomada de um texto e outras propriedades que ligam o texto. Por ser superficial e limitada a um número restrito de fenômenos, várias correntes teóricas, como estru- turalistas, funcionalistas e a linguística gerativa, faziam uso da linguística textual de uma forma instru- mental. Sendo assim, tais estudos são extremamente heterogêneos. • Fase inicial: gramáticas de texto Dentro da perspectiva da teoria gerativa, por exemplo, a linguística textual seria um estudo de gramática de texto. Para os gerativistas, “(...) o texto seria simplesmente a unidade linguística mais alta, superior à sentença (...)” (KOCH, 2017, p. 21). Os pesquisadores tentavam descrever as regras de combinação e as categorias dos textos em uma determinada língua. A gramática de texto também era o estudo realizado pelos estruturalistas, como Weinrich (1964). Linguística textual | Unidade 1 - O que é a Linguística textual? 12 Figura 1.3 - A gramática de texto. A teoria gerativa de Chomsky não analisava o texto, mas a frase, sendo que, para o autor, os falantes nativos de uma língua apresentariam uma competência linguística inata. Tal competência, um conjunto de regras que os falantes nasceriam com elas, seria a responsável pelo nativo ser falante da língua, seria a gramática do falante nativo. Os gerativistas das gramáticas de texto se espelhavam nas ideias de Chomsky, sendo que os falantes teriam uma competência textual, um conjunto de regras que permitiria que o falante nativo de uma língua soubesse distinguir um texto bem formado de um mal formado. Um ponto importante sobre tal fase da linguística textual é que nos estudos das gramáticas de textos leva-se somenteem consideração a sintaxe e a semântica dos elementos presentes no texto. Não eram analisadas informações contextuais, discursivas ou cognitivas. Fique atento Por tal fator, uma virada pragmática aconteceu em tais estudos, dando fim à fase inicial da linguística textual. • A virada pragmática (meados de 1970 até início de 1980) Assim, viu-se que uma perspectiva semântico-sintática não era suficiente para os estudos do texto. A missão de se descrever todas as regras faz com que uma sequência linguística se mostre impossível. Os pesquisadores interessados no texto percebiam que ele faz parte da comunicação humana e para entendê-lo precisam ser levadas em consideração questões comunicativas. ED + Co nt en t H ub © 2 01 9 Linguística textual | Unidade 1 - O que é a Linguística textual? 13 Pragmática, do grego pragma = ação, é o estudo da ação humana. Em linguística, a pragmática estuda a ação verbal por meio da linguagem, questionando o que fazemos quando falamos/escrevemos ou escutamos/ lemos. Segundo Levinson (2007), a pragmática é o estudo da língua em uso, da interação entre o código linguístico, a língua e o mundo. No século XX, a pragmática é iniciada por Morris (1938) com o estudo da semiótica, seguido pelo filósofo Carnap (1956) com o estudo da lógica e Montague (1968) com o estudo da semântica formal. A pragmática se constitui como uma área dos estudos linguísticos com Grice (1978) e Searle (1979). Saiba mais Figura 1.4 - Em linguística, a pragmática estuda a ação verbal por meio da linguagem. Em meados da década de 1970, assim como afirma Koch, a gramática de texto dá lugar aos estudos pragmáticos. A teoria pragmática, como uma área da linguística que se propõe estudar a situação comu- nicativa, acabou sendo incorporada nessa fase da linguística textual. Tal virada faz com que o processo comunicativo seja considerado na análise do texto, indo além da superfície linguística. Como Koch (p. 27) afirma, “passam a interessar os textos em funções”, ou seja, os textos começam a ser vistos como uma forma de comunicação, percebe-se uma observação para o texto em uso e não somente para a forma do texto. Como a autora afirma “já não se trata de pesquisar a língua como sistema autônomo, mas, sim, o seu funcionamento nos processos comunicativos de uma sociedade concreta”. Tal visão sobre o texto faz com que ele não seja mais visto como um produto acabado, mas como “(textos) elementos constitutivos de uma atividade complexa, como instrumentos de realização de intenções comunicativas e sociais do falante”. ED+ Content Hub © 2019 Linguística textual | Unidade 1 - O que é a Linguística textual? 14 Koch (p. 31) sumariza em cinco pressupostos que regeriam a perspectiva pragmática dentro da linguís- tica textual: 1) “Usar uma língua significa realizar ações”. O falante é um ser social que utiliza a língua em uma atividade social com uma finalidade comunicativa. 2) Ao realizar uma ação verbal, sempre se faz para atingir alguém, um interlocutor, o que faz com que sejam seguidas regras sociais. 3) “A ação verbal realiza-se na forma de produção e recepção de textos”. Sempre nos comunicamos por textos. 4) Sempre se produz um texto com uma intenção e seu planejamento é feito de acordo com nossos objetivos. Escolhem-se as palavras, as frases que aparecerão nos textos pensando nesses objetivos. Ao receber um texto, é nossa função reconstruir, a partir das palavras e frases escolhidas pelo autor, a finalidade do texto, no intuito de compreendê-lo. 5) “Os textos deixam de ser examinados como estruturas acabadas (produtos), mas passam a ser considerados no processo de sua constituição, verbalização e tratamento pelos parceiros da comunicação.” É importante ressaltar que as noções pragmáticas foram adicionadas ao interesse da linguística textual, mas questões de análise linguística continuaram sendo presentes e importantes. Além de uma visão mais discursiva, a observação do contexto permitiu que outras relações de correferência, por exemplo, fossem estudadas. As relações dêiticas, por exemplo, dependem do contexto de enunciação para que sejam compreendidas, como em (5), em que só se compreende qual é o referente do termo daqui se o texto se encontrar em situação comunicativa. Assim como o termo hoje, que também é dêitico. (5) Joana? Ela saiu daqui hoje de manhã. • A virada cognitivista (a partir de 1980) Na década de 1980, além da análise linguística semântica-sintática, da análise pragmática, os estudos de linguística textual começaram a levar em conta o processo cognitivo que permeia o texto. Percebe-se que todo texto também é fruto de processos cognitivos. Qualquer ação realizada, como dar um pulo, é fruto de processos cognitivos. Para conseguir pular, é necessário que se tenham modelos mentais da ação de pular e que se ativem tais modelos para que nossas pernas executem a ação. O texto é um processo mental, pois há uma necessidade de se reali- zarem processos cognitivos para que ele seja produzido ou compreendido. Para ler um texto, por exemplo, é preciso ter os modelos gráficos internalizados, em que se consiga corresponder as letras percebidas pela nossa visão aos sons de nossa língua. Também é preciso unir essas letras, formando palavras e é preciso buscar na memória as palavras presentes no texto e ativar informações sobre elas. Com tais informações, é preciso extrair os sentidos pretendidos pelo texto. Todo esse processo é feito cognitivamente por cada leitor de um texto. Linguística textual | Unidade 1 - O que é a Linguística textual? 15 Figura 1.5 - Todo esse processo é feito cognitivamente por cada leitor de um texto. A linguística textual, nesse momento, começa a levar em consideração que o texto é originado por opera- ções de “decisão, seleção e combinação”, como afirma Koch (p. 34). A área objetiva também inclui em seus modelos tais processos cognitivos que permeiam o texto. Dessa forma, é proposto por Heinemann e Viehweger que para o processamento textual é preciso quatro grandes sistemas de conhecimento: o linguístico, o enciclopédico, o interacional e o referente a modelos textuais globais. Linguística textual | Unidade 1 - O que é a Linguística textual? 16 Portanto, tais processos são individuais, focados na cognição do autor/leitor de textos. Mas e os processos coletivos, sociais? • A virada sócio-interacionista (ainda na década de 1980) Até o momento, os estudos da linguística textual não pensavam nos processos sociais e culturais que envolvem o texto. Somente o contexto imediato do texto era levado em consideração, como você viu na virada pragmática. Ainda na década de 1980, com a discussão sobre processos mentais e indivi- duais, percebeu-se que era necessário que, ao se estudar o texto, também fosse importante perceber os processos culturais e sociais que o cercam. A vida cultural e social de uma pessoa influencia na sua produção e recepção de textos. Infográfico 1.1 - Os quatro grandes sistemas de conhecimento. ED+ Content Hub © 2019 Linguística textual | Unidade 1 - O que é a Linguística textual? 17 Figura 1.6 - A vida cultural e social de uma pessoa influencia na sua produção e recepção de textos. Volte à leitura: pense em uma cidade que não tenha luz. Como os habitantes dessa cidade receberiam uma conta de luz? Os indivíduos dessa sociedade passariam pelos mesmos processos mentais que a leitura envolve, discutidos na seção anterior, entretanto, tal processamento não seria tão bem sucedido quanto em uma sociedade que contenham luz. A conta de luz não seria um texto bem aceito pela comunidade sem luz, já que seria um texto que cobraria um serviço que eles desconhecem. A vida social dos habitantes de tal cidade faria com que eles interpretassem o texto de forma completamente diferente de uma cidade em que há um serviço de luz que deve ser pago. Reflita Como a professora Delaine Cafiero Bicalho, em seu verbete Leitura, para o glossário do CEALE afirma: A leitura é tanto umaatividade cognitiva quanto uma atividade social. Como atividade cognitiva, pressupõe que, quando as pessoas leem, estão executando uma série de operações mentais (como perceber, levantar hipóteses, localizar informações, inferir, relacionar, comparar, sintetizar, entre outras) e utilizam estratégias que as ajudam a ler com mais eficiência. Como atividade social, a leitura pressupõe a interação entre um escritor e um leitor que estão distantes, mas que querem se comunicar. Fazem isso dentro de condições muito específicas de comunicação, pois cada um desses sujeitos (o escritor e o leitor) tem seus próprios objetivos, suas expectativas e seus conhe- cimentos de mundo. Linguística textual | Unidade 1 - O que é a Linguística textual? 18 O glossário do CEALE está disponível em: http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/ webroot/glossarioceale/. É um glossário da Faculdade de Educação da UFMG que contém termos de alfabetização, leitura e escrita para educadores. Saiba mais A cultura e a vida social fariam parte dos conhecimentos dos indivíduos e de sua relação com os textos, por isso, a linguística textual começa a incluir em seus modelos tais aspectos que permeiam o texto. Além disso, permanece uma visão de que a interação é essencial para a comunicação humana e também deve ter um lugar de destaque nos estudos da linguística textual. Como Koch afirma (p. 43): As ações verbais são ações conjuntas, já que usar a linguagem é sempre engajar-se em alguma ação em que ela é o próprio lugar onde a ação acontece, necessariamente em coordenação com os outros. Essas ações não são simples realizações autônomas de sujeitos livres e iguais. São ações que se desenrolam em contextos sociais e com papéis distribuídos socialmente. Os rituais, os gêneros e as formas verbais disponíveis não são em nada neutros quanto a esse contexto social e histórico. As questões contextuais são ampliadas para a linguística textual, que influenciam diretamente no estudo do texto. Agora não só o contexto imediato do texto é relevante, como o caráter dialógico do texto também tem uma dimensão social e cultural da qual produtores/receptores de texto fazem parte. Assim, os princípios de textualidade, que você verá a partir do módulo três, são ampliados e determinados também pela perspectiva sociocognitivo-interacionista da área. Figura 1.7 - O caráter dialógico do texto tem uma dimensão social e cultural da qual produtores/receptores de texto fazem parte. Linguística textual | Unidade 1 - O que é a Linguística textual? 19 • Resumindo: a Linguística textual hoje A linguística textual parte do princípio de que a língua funciona por meio de textos e que os textos não se limitam à fonemas, morfemas e períodos soltos. Repetindo a definição de Marcuschi (2008, p. 73), a linguís- tica textual é “o estudo das operações linguísticas, discursivas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção, construção e processamento de textos escritos ou orais em contextos naturais de uso”. O linguista de texto busca perceber como a língua se organiza em uso, na língua em funcionamento, com dados autênticos. Ademais, a linguística de texto não vê o texto como um produto, mas como um processo, visando suas características sociocognitivas e interacionais, ou seja, vendo o texto como um processo linguístico, social, cultural, cognitivo e interacional. A partir de tais características, o pesquisador da área objetiva descrever a língua. Linguística textual | Unidade 1 - O que é a Linguística textual? 20 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade, você aprendeu que a linguística textual, a partir de sua origem e viradas, foi se tornando uma área que tem como objeto de estudo o texto, levando em consideração a sintaxe, a semântica, o contexto, a pragmática, os processos mentais individuais envolvidos em sua produção/compreensão e as questões sociais-culturais que envolvem o texto. Nas próximas unidades, tais objetivos e práticas de análise da linguística textual ficarão mais claras. Antes de entrar em tais práticas, é importante conceituar texto e apresentar os conceitos de textualidade e textualização, o que será feito na próxima unidade. Linguística textual | Unidade 1 - O que é a Linguística textual? 21 REFERÊNCIAS BENTES, A. C. Linguística Textual. Introdução à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2012. COSTA VAL, Maria da Graça et al. Texto, Textualidade e Textualização. São Paulo: UNESP, 2004. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, Sorocaba, SP, 2018. Disponível em: https://www.priberam. pt/dlpo/bala. Acesso em: 18 jun. 2018. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, Sorocaba, SP, 2018. Disponível em: https://www.priberam. pt/dlpo/mala. Acesso em: 18 jun. 2018. KOCH, I. V. Introdução à Linguística Textual. São Paulo: Contexto, 2017. LEVINSON, S. Pragmática. Tradução: Luís Carlos Borges e Aníbal Mari. São Paulo: Martins Fontes, 2007. MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008. Linguística textual | Unidade 2 - Texto, textualidade e textualização 22 Unidade 2 Texto, textualidade e textualização Para iniciar seus estudos: Fique atento aos conceitos da unidade, mais uma vez pensando: o que constitui o texto? Objetivo da aprendizagem: • Conhecer os conceitos de texto, textualidade e textualização. Tópicos de Estudo: • O que é texto? • Conceitos antigos de textos; • Como o texto é visto atualmente; • O texto além do verbal. • Textualidade, textualizar e textualização. Linguística textual | Unidade 2 - Texto, textualidade e textualização 23 2.1 O TEXTO Como você viu na unidade anterior, o objeto da linguística textual é o texto. Tal área objetiva analisar os componentes linguísticos, pragmáticos, cognitivos e socioculturais que permeiam o texto. Mas o que é texto? Antigamente, o texto era definido como “os escritos que empregavam uma linguagem cuidada e se mostravam ‘claros e objetivos’ (...)” (COSTA VAL, 2004). Assim, só eram vistos como textos aqueles que estivessem escritos em língua culta, tendo a sua forma como um dos principais fatores de sua definição. Veja o exemplo abaixo. Considerando essa definição antiga, ele seria um texto? Figura 2.1 - O exemplo não seria considerado um texto antigamente. Fonte: adaptado de http://tiny.cc/f9hqdz Não, o exemplo não seria considerado um texto para tal definição, pois, ao analisar a mensagem da mãe, a linguagem não segue a norma culta, não sendo cuidada, clara ou objetiva. E o exemplo abaixo? ED + Co nt en t H ub © 2 01 9 http://tiny.cc/f9hqdz Linguística textual | Unidade 2 - Texto, textualidade e textualização 24 Figura 2.2 - Outro exemplo que não seria considerado um texto antigamente. Fonte: adaptado de https://noticias.uol.com.br/tecnologia/album/ 2014/03/20/vose-familha-e-inguais-pagina-no-facebook-reune- gafes-de-portugues-dos-usuarios-nas-redes-sociais.htm Não, o exemplo não seria considerado um texto para tal definição, pois o texto de Facebook não apre- senta uma linguagem que segue a norma culta, não sendo cuidada, clara ou objetiva. Assim, pensando nas mensagens enviadas para os amigos nas redes sociais, como o WhatsApp e o Face- book, elas poderiam não ser consideradas texto, pois nem sempre é apresentado o registro culto da língua ou existe clareza e objetividade com o que se quer dizer. Contudo, a comunicação ainda sim é efetiva. Consegue-se entender o que é dito e os recebedores dos textos conseguem compreender. Por exemplo, consegue-se captar a mensagem da mãe. Ela está se justificando, dizendo porque não responde à mensagem pois estava ocupada. Também entende-se a justificativa do usuário do Facebook por se desconectar da rede para ir almoçar. 2.1.1 UMA MELHOR DEFINIÇÃO DE TEXTO Um texto não contém somente semântica e sintaxe, ele contém também pragmática, que é um processo mental e que faz parte de uma situação de interação dentro de um contexto cultural e histórico. Por isso, como defendem Koch e Travaglia: O texto será entendidocomo uma unidade linguística concreta (perceptível pela visão ou audição), que é tomada pelos usuários da língua (falante, escritor/ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa específica, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, independentemente da sua extensão (KOCH; TRAVAGLIA, 2011, p. 10). ED + Co nt en t H ub © 2 01 9 https://noticias.uol.com.br/tecnologia/album/2014/03/20/vose-familha-e-inguais-pagina-no-facebook-reune-gafes-de-portugues-dos-usuarios-nas-redes-sociais.htm https://noticias.uol.com.br/tecnologia/album/2014/03/20/vose-familha-e-inguais-pagina-no-facebook-reune-gafes-de-portugues-dos-usuarios-nas-redes-sociais.htm https://noticias.uol.com.br/tecnologia/album/2014/03/20/vose-familha-e-inguais-pagina-no-facebook-reune-gafes-de-portugues-dos-usuarios-nas-redes-sociais.htm Linguística textual | Unidade 2 - Texto, textualidade e textualização 25 O texto é mais do que escritos claros e objetivos. O texto precisa ter uma finalidade comunicativa, com sentido em uma situação de comunicação. Além disso, o texto pode ser oral ou escrito. Fique atento É importante pensar que os textos podem ter os mais variados tamanhos. Um texto verbal pode se cons- tituir de uma só palavra, como “Socorro!”, ou milhares. Segundo o glossário Ceale afirma: Texto é uma unidade linguística de sentidos que resulta da interação entre quem o produz e o leitor/ouvinte. Um texto pode ter extensões muito variadas, constituindo-se de uma palavra até de milhares delas e traz marcas que indicam seu início e fim. Embora seja composto de palavras, frases, períodos, ou mesmo unidades maiores, o texto não se define pela soma de suas partes. O que faz uma produção escrita ou oral ser considerada um texto é a possibilidade de se estabelecer uma coerência global, ou seja, de se (re) construir sentidos a partir de um conjunto de pistas apre- sentadas. As pistas podem ser linguísticas – os recursos coesivos, construções sintáticas, vocabu- lário etc. – ou podem ser inferidas da situação de produção desse texto – propósitos comunicativos, interlocutores, gênero discursivo, esfera social de circulação, suporte etc (GLOSSÁRIO CEALE). Com essa nova concepção de texto, o exemplo abaixo seria um texto? Figura 2.3 - Com a nova concepção de texto, o exemplo seria um texto. Fonte: adaptado de http://tiny.cc/fuoqdz ED + Co nt en t H ub © 2 01 9 http://tiny.cc/fuoqdz Linguística textual | Unidade 2 - Texto, textualidade e textualização 26 Sim, pois há sentido e é uma mensagem com finalidade comunicativa. Em sua mensagem, a mãe pede para alguém ligar e diz que não respondeu antes porque o celular estava carregando e ela estava muito atarefada com as roupas. Com essa nova concepção de texto, o exemplo abaixo seria um texto? Figura 2.4 - Com a nova concepção de texto, este exemplo também seria um texto. Fonte: adaptado de https://noticias.uol.com.br/tecnologia/ album/2014/03/20/vose-familha-e-inguais-pagina-no-facebook- reune-gafes-de-portugues-dos-usuarios-nas-redes-sociais.htm Sim, pois há sentido e é uma mensagem com finalidade comunicativa. Na mensagem, o usuário de Facebook pede licença aos seus amigos de rede para se desconectar. Ele diz que precisa almoçar e se desconectar um pouco do mundo virtual. • Que tal pensar mais sobre isso? Se pensar em texto como algo além do texto escrito culto e que tenha sentido e uma finalidade comuni- cativa, como você vê os exemplos a seguir? Isto é um texto? ED + Co nt en t H ub © 2 01 9 https://noticias.uol.com.br/tecnologia/album/2014/03/20/vose-familha-e-inguais-pagina-no-facebook-reune-gafes-de-portugues-dos-usuarios-nas-redes-sociais.htm https://noticias.uol.com.br/tecnologia/album/2014/03/20/vose-familha-e-inguais-pagina-no-facebook-reune-gafes-de-portugues-dos-usuarios-nas-redes-sociais.htm https://noticias.uol.com.br/tecnologia/album/2014/03/20/vose-familha-e-inguais-pagina-no-facebook-reune-gafes-de-portugues-dos-usuarios-nas-redes-sociais.htm Linguística textual | Unidade 2 - Texto, textualidade e textualização 27 Figura 2.5 - Imagem de uma mensagem com finalidade comunicativa. Fonte: adaptado de http://tiny.cc/lstqdz Sim, pois há sentido e é uma mensagem com finalidade comunicativa. A placa visa informar que há uma vaga para auxiliar de cozinha com um salário de R$700,00. Isto é um texto? Figura 2.6 - Exemplo de outra mensagem com finalidade comunicativa. Fonte: adaptado de http://tiny.cc/mawqdz ED+ Content Hub © 2019 ED+ Content Hub © 2019 http://tiny.cc/lstqdz http://tiny.cc/mawqdz Linguística textual | Unidade 2 - Texto, textualidade e textualização 28 Sim, pois há sentido e é uma mensagem com finalidade comunicativa. A placa visa informar que as flores que o interlocutor deve ver juntas da placa têm dono e que tal dono não admite o que ele considera um roubo punível com morte: apanhar as flores. Além disso… Em linguística textual, foca-se o estudo de textos verbais, ou seja, que apresentam uma unidade linguís- tica e manifestam-se por meio da língua. Todavia, ainda pode-se considerar textos os que não apresentam unidade linguística, como os textos visuais, que apresentam um sentido e transmitem uma mensagem sem utilizar a língua para isso. Enquanto a linguística busca estudar textos verbais, a semiótica, por exemplo, é uma disciplina que se interessa também por textos não verbais. Veja mais a respeito… Pensando que o texto vai além do texto verbal. Figura 2.7 - Imagem que transmite uma mensagem. Fonte: adaptado de http://tiny.cc/sxwqdz ED + Co nt en t H ub © 2 01 9 http://tiny.cc/sxwqdz Linguística textual | Unidade 2 - Texto, textualidade e textualização 29 2.1.2 TEXTO PARA A LINGUÍSTICA TEXTUAL Apesar da ampla concepção de texto, a linguística textual foca no estudo de textos verbais, ou seja, que apresentam uma unidade linguística e manifestam-se por meio da língua. Mas o que faz com que um texto tenha sentido? O que faz com que um texto seja um texto e não apenas uma sequência de frases ou palavras? Na unidade anterior, você viu que a linguística textual foi incorporando em seu objeto de estudo vários aspectos que constituem o texto. Tais aspectos foram mudando a concepção de texto para área até que chegasse ao texto como uma produção linguística, que faz parte de uma comunicação humana e contém aspectos cognitivos e socioculturais. Dessa forma, pode-se pensar que na fase inicial da linguística textual, de análises interfrásticas, texto era definido simplesmente como “sequências linguísticas coerentes entre si”, como afirma Bentes (2012, p. 269). Além disso, o texto era visto como a unidade máxima de comunicação, ou seja, ele seria algo acabado, pronto, um produto que não sofreria alterações e sempre transmitiria a mesma mensagem. A partir da virada pragmática, a linguística textual começou a ver o texto como uma produção que faz parte da comunicação, como uma atividade verbal. Como foi afirmado na unidade 01, tal visão sobre o texto faz com que ele não seja mais visto como um produto acabado, mas como “elementos constitu- Figura 2.8 - O Abaporu, de Tarsila do Amaral. Fonte: adaptado de https://www.significados.com.br/abaporu/ https://www.significados.com.br/abaporu/ Linguística textual | Unidade 2 - Texto, textualidade e textualização 30 tivos de uma atividade complexa, como instrumentos de realização de intenções comunicativas e sociais do falante” (KOCH, 2017, p.27). Figura 2.9 - A linguística textual começou a ver o texto como uma produção que faz parte da comunicação. Nesse momento, pensa-se no conceito de coerência textual como algo que vai além de fatores sintáticos- -semânticos, mas como “uma série de fatores de ordem pragmática e contextual”, como afirma Koch (p. 32). A partir disso, começa-se a perceber a coerência como um princípio de interpretabilidade do texto e que busca entender quais características faziam com que um texto fosse um texto e não apenas uma sequênciade frases ou palavras. Robert-Alain de Beaugrande e Wolfgang Dressler, em 1981, introdu- ziram nos estudos de linguística textual os termos: textualidade e textualização. Além disso, os autores descreveram outros princípios que seriam capazes de fazer com que as pessoas atribuíssem sentido aos textos, os princípios de textualização. Beaugrande e Dressler apresentam tais conceitos em uma perspectiva cognitivista, individual, mas que acabam se adaptando a uma visão sociocognitivo-interacionista, que é a visão atual da linguística textual. Fique atento Linguística textual | Unidade 2 - Texto, textualidade e textualização 31 2.2 TEXTUALIDADE, TEXTUALIZAR E TEXTUALIZAÇÃO Textualidade seria o conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto e não apenas uma sequência de frases ou palavras. Entretanto, como já foi discutido, o texto não é um produto que traz em si mesmo o seu sentido e todas as características. Desde a virada pragmática, o texto não é visto pela linguística textual como um produto acabado, fechado, pois, como você observou, ele apresenta além de sua forma linguística um contexto imediato, como a hora, o dia e o local que ele acontece; um processo de interlocução, em que sempre se fala ou se escreve para alguém receber os textos; um processo cognitivo, individual, mental; e um aspecto social, em que o contexto cultural e social contribuem para que se constitua como texto. Dessa forma, é impossível para a linguística textual elencar uma série de propriedades que seriam essen- ciais para que um texto se constitua como tal. Textualidade, portanto, seria um princípio impossível de se definir em um número exato de características. Por isso, “(...) textualidade seria um princípio geral que faz parte do conhecimento textual dos falantes e que os leva a aplicar a todas as produções linguísticas que falam, escrevem, ouvem ou leem um conjunto de fatores capazes de textualizar essas produções” (COSTA VAL, 2004, p. 114). A importância do conceito de textualidade, apesar de ser abstrato, é que houve um consenso em áreas da linguística que se preocupam com o uso, de que todos nos comunicamos por meio de textos e que criar e receber textos é algo natural. Antunes (2009) afirma: A chegada do consenso de textualidade implicou, portanto, uma mudança de perspectiva, a qual ampliou sensivelmente o objeto da investigação linguística e a deixou na condição epistemológica de dar conta daquilo que acontece, efetivamente, quando as pessoas falam, ouvem, escrevem e leem nas mais diferentes situações da vida social. Representou, portanto, um grande passo para a compreensão do que é linguagem e do seu modo de funcionar (ANTUNES, 2009, p. 50). Figura 2.10 - Todos se comunicam por meio de textos e criar e receber textos é algo natural. ED+ Content Hub © 2019 Linguística textual | Unidade 2 - Texto, textualidade e textualização 32 Para o ensino de línguas, por exemplo, colocar o texto como o principal objeto de trabalho e saber que todos se comunicam por texto e tem um princípio geral que permite comunicar por textos, termina com uma distorção, infelizmente ainda comum em escolas, de que textos somente são escritos na norma culta. Ao saber que todos usam textos, aproximam-se os alunos às aulas de português, pois isso faz perceber que eles também têm a competência necessária para produzir e receber textos. Como é difícil perceber a textualidade que cada texto apresenta, como cada texto pode apresentar diferentes tipos de interpretações, percebe-se que é difícil falar em textualidade. Por isso, a linguística textual prefere falar na ação, em textualizar: quando compreendem ou produzem textos, as pessoas aplicam fatores ou princípios sempre que percebem palavras que possam formar textos. Essa ação seria a de textualizar. Dessa forma, a textualização, ou a ação de textualizar, seria aplicar princípios, que fariam parte do componente linguístico das pessoas, para compreender e produzir textos. Os princípios de textuali- zação seriam inatos aos falantes e seriam altamente influenciados pelo contexto histórico-cultural a que os falantes pertencem. Beaugrande e Dressler (1981) propuseram sete princípios de textualização, que seriam aplicados na hora de compreender ou produzir um texto: 1. Intencionalidade; 2. Aceitabilidade; 3. Situacionalidade; 4. Informatividade; 5. Intertextualidade; 6. Coerência; 7. Coesão. Você verá mais sobre os princípios nas próximas quatro unidades, mas já é possível ressaltar a importância de tais princípios para os estudos da linguística textual. A intenção de um produtor de texto, a aceitação de quem recebe ou irá receber o texto, a relevância da situação comunicativa em que o texto se constrói, o nível de informações novas que um texto traz, a interação de um texto com outros textos, a interpreta- bilidade de um texto e os elos construídos pelo autor e pelo recebedor de um texto seriam critérios que todos aplicariam quando construíssem ou recebessem textos. Assim, reconhecer e descrever tais critérios nos textos permite entender o funcionamento da língua em contextos reais de uso. Linguística textual | Unidade 2 - Texto, textualidade e textualização 33 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade, foi definido texto como: Uma unidade linguística concreta (perceptível pela visão ou audição), que é tomada pelos usuários da língua (falante, escritor/ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa específica, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reco- nhecida, independentemente da sua extensão (KOCH; TRAVAGLIA, 2011). Ou ainda como Costa Val (2004, p. 113) define, texto é “...qualquer produção linguística, falada ou escrita, que faça sentido em uma comunicação humana”. Também foram estudados os conceitos: textualidade, textualizar e textualização. Na próxima unidade, você aprenderá mais sobre os sete princípios de textualização, focando nos princí- pios pragmáticos relacionados à situação comunicativa do texto: intencionalidade, aceitabilidade, situa- cionalidade, informatividade, intertextualidade. Nas unidades seguintes, o foco será em coerência e coesão. Linguística textual | Unidade 2 - Texto, textualidade e textualização 34 REFERÊNCIAS ANTUNES, I. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. DE BEAUGRANDE, Robert; DRESSLER, Wolfgang U. Einführung in die Textlinguistik. Wallingford: De Gruiter, 1981. COSTA VAL, Maria da Graça et al. Texto, textualidade e textualização. In: Pedagogia Cidadã. São Paulo: UNESP, 2004. COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 1999. GLOSSÁRIO CEALE. Texto. Sorocaba, 2019. Disponível em: http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glos- sarioceale/verbetes/texto KOCH, Ingedore V; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 2011. KOCH, I. V. Introdução à linguística textual. São Paulo: Contexto, 2017. http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/texto http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/texto Linguística textual | Unidade 3 - Princípios de textualização 35 Unidade 3 Princípios de textualização Para iniciar seus estudos: Fique atento aos princípios de textualização, sempre pensando: quando eu leio um texto, eu faço a avaliação desses princípios? Objetivos da aprendizagem: • Introduzir a ideia sobre os princípios pragmáticos de textualização; • Conhecer os princípios de textualização intencionalidade, aceitabilidade, informativi- dade, intertextualidade e situacionalidade. Tópicos de Estudo: • O que são os princípios de textualização? • Princípios pragmáticos de textualização: • Intencionalidade; • Aceitabilidade; • Informatividade; • Intertextualidade; • Situacionalidade. Linguística textual | Unidade 3 - Princípios de textualização 36 3.1 TEXTO E LINGUÍSTICA TEXTUAL Como você viu nas unidades anteriores, o objeto de estudo da linguística textualé o texto. Os textos de interesse de análise da linguística textual são textos verbais, que seriam entendidos, conforme Koch e Travaglia, como: Uma unidade linguística concreta (perceptível pela visão ou audição), que é tomada pelos usuários da língua (falante, escritor/ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa específica, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reco- nhecida, independentemente da sua extensão” (KOCH; TRAVAGLIA, 2011, p. 10). Figura 3.1 - Os textos de interesse de análise da linguística textual são textos verbais. Dessa forma, o texto é atualmente visto pela linguística textual como uma unidade linguística, intrin- secamente interativa, compreendido/produzido por meio de operações linguísticas e influenciado por aspectos culturais, sociais e históricos, que podem ser orais ou escritos. Linguística textual | Unidade 3 - Princípios de textualização 37 3.1.1 TEXTO, TEXTUALIDADE, TEXTUALIZAR E TEXTUALIZAÇÃO É importante perceber que há um conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto (textualidade), mas tais características são difíceis de serem unanimemente definidas em um número exato. Por isso, a ação de textualizar, ou a textualização, seria um construto mais concreto para a linguística textual. Atenção Beaugrande e Dressler (1981), a partir de uma perspectiva inicialmente cognitivista e, mais adiante, sociocognitivo-interacionista, apresentaram sete princípios de textualização, que fariam parte do compo- nente linguístico das pessoas. Os autores propõem tais princípios em um momento em que a linguística textual percebe que precisa ir além da forma, buscando compreender também a função, investigando o uso da língua. No livro “Introdução à Linguística Textual” (1981), os autores Beaugrande e Dressler (1981, p.7) afirmam que o formalismo seria uma representação da língua, mas que não seria suficiente, pois falhava ao representar a língua em sua natureza e função. Os princípios seriam uma forma de se estudar a língua a partir de “regularidades, estratégias, motivações, preferências e padrões” (originalmente, em inglês: “regularities, strategies, motivations, preferences, and defaults rather than rules and laws.”), ou invés de simplesmente se buscar regras ou leis, o que traria mais realidade para o que compõe um texto e, assim, como se comporta a língua. 3.2 OS PRINCÍPIOS DE TEXTUALIZAÇÃO Os princípios propostos por Beaugrande e Dressler (1981) são: • Intencionalidade; • Aceitabilidade; • Situacionalidade; • Informatividade; • Intertextualidade; • Coerência; • Coesão. Linguística textual | Unidade 3 - Princípios de textualização 38 Os princípios podem ser divididos em princípios pragmáticos, ligados à situação comunicativa do texto, e princípios centrados em aspectos linguísticos do texto. Princípios pragmáticos: intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e intertextualidade. Princípios centrados em aspectos linguísticos do texto: coerência e coesão. Koch (2017, p. 45) afirma que Beaugrande e Dressler (1981) teriam feito tal divisão tendo em mente que os princípios centrados em aspectos linguísticos do texto seriam “centrados no texto”, enquanto os princípios pragmáticos seriam “centrados nos usuários” do texto. Tal divisão entre texto e usuários não faria sentido para alguns estudiosos de linguística textual, como para a autora. Ela afirma que tal divisão não seria possível e todos os princípios seriam centrados no texto e em seus usuários ao mesmo tempo. Ao longo desta e das duas próximas unidades, você verá que realmente não é tão fácil o exercício de distinguir o que seria centrado somente no texto e o que seria centrado somente em seus usuários. Dessa forma, você se aprofundará nos princípios levando a distinção proposta por Beaugrande e Dressler (1981) em consideração em seus estudos, mas tenha em mente que tal separação não é um consenso na área e precisa de um exercício de reflexão. Fique atento Além disso, outros autores, como Marcuschi (1983), adicionam outros fatores de textualização aos sete propostos por Beaugrande e Dressler. Assim, pode-se perceber como a investigação dos exercícios reali- zados por produtores/recebedores de texto é de fundamental importância para os estudos da linguística textual. Nesta unidade, serão focados os princípios pragmáticos propostos por Beaugrande e Dressler (1981): • Intencionalidade; • Aceitabilidade; • Situacionalidade; • Informatividade; • Intertextualidade. Linguística textual | Unidade 3 - Princípios de textualização 39 3.2.1 INTENCIONALIDADE Propriedade centrada no locutor: intenções do locutor diante dos ouvintes ou leitores a quem se destina o texto. “Diz respeito a valor ilocutório do discurso, elemento de maior importância no jogo da atuação comunicativa” (COSTA VAL, 1999, p. 11). Fique atento A intencionalidade é a intenção do produtor do texto com o texto. Que tal ver alguns exemplos? Qual é a intencionalidade do autor dos textos abaixo? Figura 3.2 - A intencionalidade é a intenção do produtor do texto com o texto. Fonte: adaptado de http://tiny.cc/5hiwdz Ao textualizar o texto, percebe-se que o autor teve a intenção de alertar os motoristas que bebem e dirigem sobre o risco de morte a que eles se submetem. Pode até haver um tom de humor na mensagem do autor, mas seu objetivo é fazer um alerta sobre os riscos da direção sob efeito do álcool. Ao receber um texto, o processo de perceber qual é a intenção do autor que escreve aquele texto seria natural. É preciso entender o que o texto diz, o que o autor pretende defender para avaliar o texto. O http://tiny.cc/5hiwdz Linguística textual | Unidade 3 - Princípios de textualização 40 mesmo ocorreria ao produzir um texto em que é preciso pensar sobre quais são as intenções e deixá-las claras para os recebedores desses textos, para que eles sejam bem avaliados pelos recebedores. A avaliação do texto é exatamente o próximo princípio de textualização que será explorado. 3.2.2 ACEITABILIDADE Como você avalia os textos abaixo? Figura 3.3 - A intencionalidade é a intenção do produtor do texto com o texto. Fonte: adaptado de http://tiny.cc/5hiwdz Alguns lerão os textos e acharão a abordagem de humor trazida pelo autor criativa, crendo que os outdoors serão efetivos na luta contra a combinação de álcool e direção. Outros, ao receberem os textos, não acharão a perspectiva abordada interessante, sendo muito restrita ao público masculino (ao se perguntar da viúva) e católico (ao mencionar missa de sétimo dia), achando pouco efetiva a abordagem. Ao avaliar um texto, aplica-se o princípio da aceitabilidade. A propriedade da aceitabilidade é centrada no recebedor: um texto é aceito e avaliado pelos interlocutores. “O recebedor do texto avalia se o texto é coerente, coeso, útil, relevante, capaz de levá-lo a adquirir conheci- mentos ou cooperar com os objetivos do produtor” (COSTA VAL, 1999, p. 11). Como foi dito no princípio da intencionalidade, ao produzir um texto o intuito é que ele seja aceito. Dessa forma, ao produzir um texto, é preciso levar em consideração as possíveis avaliações dos recebedores do texto. Ao receber um texto, é importante que, além de o compreender, o avalie. http://tiny.cc/5hiwdz Linguística textual | Unidade 3 - Princípios de textualização 41 Fonte: disponível em: https://www.letras.mus.br/chico-buarque/45121/ 3.2.3 SITUACIONALIDADE Como você viu na unidade 1, não são só os componentes semânticos e sintáticos que permeiam um texto. A situação comunicativa também é essencial para a construção e avaliação de um texto. Pense na música Cálice, composta por Chico Buarque e Gilberto Gil, cantada por Chico Buarque e Milton Nascimento trazida abaixo. Cálice Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta demim esse cálice De vinho tinto de sangue Como beber dessa bebida amarga? Tragar a dor, engolir a labuta? Mesmo calada a boca, resta o peito Silêncio na cidade não se escuta De que me vale ser filho da santa? Melhor seria ser filho da outra Outra realidade menos morta Tanta mentira, tanta força bruta Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue Como é difícil acordar calado Se na calada da noite eu me dano Quero lançar um grito desumano Que é uma maneira de ser escutado Esse silêncio todo me atordoa Atordoado eu permaneço atento Na arquibancada pra a qualquer momento Ver emergir o monstro da lagoa Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue De muito gorda a porca já não anda De muito usada a faca já não corta Como é difícil, pai, abrir a porta Essa palavra presa na garganta Esse pileque homérico no mundo De que adianta ter boa vontade? Mesmo calado o peito, resta a cuca Dos bêbados do centro da cidade Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue Talvez o mundo não seja pequeno Nem seja a vida um fato consumado Quero inventar o meu próprio pecado Quero morrer do meu próprio veneno Quero perder de vez tua cabeça Minha cabeça perder teu juízo Quero cheirar fumaça de óleo diesel Me embriagar até que alguém me esqueça https://www.letras.mus.br/chico-buarque/45121/ Linguística textual | Unidade 3 - Princípios de textualização 42 Para ouvir a música Cálice, de Chico Buarque, acesse: https://www.youtube. com/watch?v=9y2xB90A0CY Saiba mais A situação comunicativa em que a música foi composta (1973, mas lançada somente em 1978) era dife- rente da situação em que vivemos hoje. Na época, vivíamos uma ditadura militar. A canção é cheia de metáforas e figuras de linguagem que relatam a situação da ditadura militar. O próprio nome da música apresenta a sonoridade de cale-se, apesar de ser escrito cálice, uma ordem constante da censura, que não permitia que as pessoas se expressassem livremente. Entender a situação comunicativa da música é relevante para a compreensão da música. A situacionalidade é a propriedade centrada na situação comunicativa: elementos responsáveis pela pertinência e relevância do texto quanto ao contexto em que ocorrem. Percebe-se na música cálice como o contexto é relevante para a textualização do texto. Dessa forma, a situacionalidade “é a adequação do texto à situação sociocomunicativa” (COSTA VAL, 1999, p.12). 3.2.4 INFORMATIVIDADE Qual o nível de novidade que é possível atribuir ao texto abaixo? “Um homem é um ser humano adulto do sexo masculino, animal bípede da ordem dos primatas pertencente à espécie homo sapiens. “Menino” é o termo usado para uma criança humana do sexo masculino, e os termos “rapaz” ou “moço” para um adolescente ou jovem adulto.” Fonte: disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Homem BAIXO, pois não há informações novas, o que deixa o texto enfadonho, decepcionante. E o texto abaixo? Qual é o nível de novidade que é possível lhe atribuir? “A palavra alfabetização é de uso comum e frequente, não só no léxico específico de profissionais do ensino e da Educação, mas também no léxico de todos os indivíduos, alfabetizados ou não, de uma sociedade letrada. Entre estes últimos, há em geral concordância quanto ao conceito que a palavra alfabetização nomeia: pergunte-se a qualquer pessoa o que é alfabetização e a resposta dificilmente será outra que não a de que alfabetização é “o processo de ensinar a ler e a escrever.” Fonte: disponível em: http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/alfabetizacao https://www.youtube.com/watch?v=9y2xB90A0CY https://www.youtube.com/watch?v=9y2xB90A0CY https://pt.wikipedia.org/wiki/Homem http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/alfabetizacao Linguística textual | Unidade 3 - Princípios de textualização 43 O nível de informatividade é maior do que o do texto anterior, o que se faz aceitar melhor o texto, que tem mais conteúdo e suficiência de dados. E ao texto abaixo? “Um modelo linear que apresenta somente fatores de efeitos fixos, além do erro experimental, que é sempre aleatório, é denominado modelo fixo. Esse tipo de modelo já foi amplamente estudado, existindo inúmeros livros abordando seus aspectos teóricos e aplicados em vários níveis de complexidade. Podem ser citados: Searle (1971), que enfatiza dados desbalanceados; Rao (1973), aspectos matemáticos; Graybill (1976), dados balanceados; Neter, Wasserman e Kutner (1985), dentre outros.” Fonte: disponível em: http://www.est.ufpr.br/rt/jom03a.pdf O nível de informações novas, para a maioria dos alunos do curso de letras, é muito alto. Tal fato deixa o texto inteiramente inusitado, muito novo, o que o faz ser rejeitado. A informatividade é centrada no caráter informativo do texto: diz respeito à medida que as ocorrências de um texto são esperadas ou não, conhecidas ou não. Ao comparar os três textos dos exemplos, percebe-se que um texto com alto nível de informatividade ou baixo nível de informatividade não desperta o interesse do receptor, sendo enfadonho ou extrema- mente difícil de se compreender. O ideal é um texto se manter em um nível mediano de informatividade, no qual se alternam ocorrências de partes conhecidas pelo recebedor e partes que trazem novidades. 3.2.5 INTERTEXTUALIDADE Você consegue relacionar o texto abaixo com outros textos? Figura 3.4 - Os Malvados Fonte: adaptado de: http://tiny.cc/btlwdz http://www.est.ufpr.br/rt/jom03a.pdf http://tiny.cc/btlwdz Linguística textual | Unidade 3 - Princípios de textualização 44 Sim, é possível fazer essa relação, pois o texto apresenta uma intertextualidade clara, ou seja, uma relação clara com outro texto: a história da Branca de Neve. Em tal história, uma vovó, que na verdade era uma bruxa, dá uma maçã envenenada para Branca de Neve. A intertextualidade é uma propriedade centrada na relação do texto com outros textos prévios: todo texto contém intertextualidade. “A intertextualidade é fundamental, indispensável, na constituição de qualquer texto. Pode ser que o próprio locutor não se dê conta de ‘com quantos textos se faz o seu texto’; pode ser que o alocu- tário não (re) conheça todos os textos envolvidos na construção dos textos que ele ouve ou lê. Mesmo assim, sem ‘enxergar’ todo o processo, estão lidando com a intertextualidade” (COSTA VAL, 2004, p. 04). Dessa forma, todo texto contém intertextualidade. Às vezes ela é percebida claramente e, às vezes, não se recorda exatamente de qual texto veio aquela intertextualidade, mas aquela informação já faz parte do conhecimento prévio e veio de algum texto. 3.3 OS PRINCÍPIOS SÃO RELACIONADOS Como é possível observar, um princípio afeta o outro diretamente, sendo todos relacionados. Depen- dendo da intenção do autor, por exemplo, pode variar a aceitação do recebedor do texto. Um texto com nível mediano de informações novas, intercala em seu conteúdo textos conhecidos, intertextualidade e ideias novas, o que faz com que a aceitabilidade do texto também aumente, por exemplo. Assim, é importante ter em mente que os princípios não são isolados e estão diretamente relacionados, um afetando o outro. Linguística textual | Unidade 3 - Princípios de textualização 45 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade, você viu os princípios pragmáticos de textualização. Na próxima unidade, você conti- nuará estudando os princípios de textualização, mas o foco será nos princípios centrados em aspectos linguísticos do texto. O início se dará com o princípio da coerência, que permite ter a ideia do signifi- cado do texto, de seu todo. Até a próxima unidade! Linguística textual | Unidade 3 - Princípios de textualização 46 REFERÊNCIAS DE BEAUGRANDE, Robert; DRESSLER, Wolfgang U. Introduction to text linguistics. London: Longman, 1981. COSTA VAL, Maria da Graça. Redaçãoe textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 1999. COSTA VAL, Maria da Graça et al. Texto, textualidade e textualização. In: Pedagogia Cidadã. São Paulo: UNESP, 2004. KOCH, Ingedore V; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 2011. Linguística textual | Unidade 4 - Coerência 47 Unidade 4 Coerência Para iniciar seus estudos: Quando se produz um texto, tenta-se ser coerente. Quando se recebe um texto, espera-se que o texto seja coerente. Mas o que faz um texto ser coerente? Tenha tal pergunta em mente durante sua leitura. Objetivo da aprendizagem: • Conhecer e aprofundar-se no princípio linguístico de textualização: a coerência. Tópicos de Estudo: • O que é coerência textual? • Fatores de coerência; • Tipos de coerência. Linguística textual | Unidade 4 - Coerência 48 4.1 O TEXTO E OS PRINCÍPIOS DE TEXTUALIZAÇÃO As características gerais que definem o texto (textualidade) são vistas como princípios de textualização, que fariam parte do componente linguístico das pessoas. Os princípios propostos por Beaugrande e Dressler (1981) são: intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade, intertextuali- dade, coerência e coesão. Figura 4.1 - O componente linguístico das pessoas. Os princípios podem ser divididos em princípios pragmáticos, que você viu na unidade anterior, e princí- pios centrados em aspectos linguísticos do texto. Intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e intertextualidade seriam princípios pragmáticos. Já coerência e coesão seriam princípios centrados em aspectos linguísticos do texto. Nesta unidade, será focado o princípio da coerência. 4.1.1 COERÊNCIA Coerência é um termo usado o tempo todo, para julgar textos e ideias dos textos. Pense no exemplo (1), pode-se dizer que a frase é coerente? (1) Maria comeu o bolo todo quando Rita chegou, mas ainda tinha bolo. Não se pode dizer que a frase é coerente. Você, como leitor, não produz coerência para a sentença (1), por ter uma ação acabada e não acabada ao mesmo tempo, o que não é compatível com seus conheci- mentos. Se Maria comeu o bolo todo, não há como ter bolo quando Rita chegou. E o exemplo (2), pode-se dizer que a frase é coerente? (2) A pedra estava grávida. Não, pois a frase contraria o conhecimento de mundo geral. Não é possível no mundo “real” que uma pedra esteja grávida. Linguística textual | Unidade 4 - Coerência 49 Quando utiliza-se o termo incoerente, ou se diz que as frases não são coerentes? Quando os elementos de um texto não são compatíveis linguisticamente ou não são compatíveis com o conhecimento de mundo, acredita-se que o texto não seja coerente porque a coerência é a unidade do texto. Se o texto não tem unidade, não se consegue atribuir coerência ao texto. Como Platão e Fiorin (1999) afirmam, atribui-se coerência a um texto que apresenta um conjunto harmônico, “em que as partes se encaixam de maneira complementar de modo que não haja nada destoante, nada ilógico, nada contraditório, nada desconexo”. Fique atento Assim, a coerência é relacionada aos conhecimentos e relações. O ouvinte/leitor, ou seja, recebedor do texto, identifica e inter-relaciona as informações, produzindo coerência para o texto. O conhecimento de mundo é importante, mas o mais importante é que “esse conhecimento seja partilhado pelo produtor e receptor do texto” (KOCH; TRAVAGLIA, 1996, p.16). Koch e Travaglia trazem um bom exemplo sobre isso. Figura 4.2 - O ouvinte/leitor identifica e inter-relaciona as informações, produzindo coerência para o texto. Linguística textual | Unidade 4 - Coerência 50 Como você avalia a sentença (3) abaixo? Ela é coerente? Qual é o significado da sentença? (3) Depois do tango, chegou a vez do fado. Na Arábia. O texto (3) é o título de uma reportagem e, sem saber mais informações, só se consegue perceber que o título contém dois ritmos musicais: o tango, da Argentina; e o fado, de Portugal. Também se sabe que a Arábia é um país. Mas e se lhe disser que tal título era de uma reportagem em uma seção de esportes, ainda se consegue atribuir coerência ao texto? Será sempre buscado um significado, mas para chegar ao significado pretendido pelo autor, é preciso entender a situação comunicativa no momento em que o texto foi escrito. A sentença (3) era uma manchete de uma reportagem na seção de esportes, em um momento em que acontecia um campeo- nato mundial de futebol na Arábia, por isso o “Na Arábia”. O texto fala sobre o Brasil ter enfrentado a seleção de futebol da Argentina, por isso o “Depois do tango”, e enfrentaria a seleção de Portugal, por isso o “chegou a vez do fado”. As informações implícitas são essenciais para atribuir coerência ao texto. Figura 4.3 - As informações implícitas são essenciais para atribuir coerência ao texto. Assim, os níveis de informatividade e a situação comunicativa do texto auxiliam e muito a atribuir coerência a ele, ou seja, a atribuir significado à unidade. Como foi dito na unidade anterior, os princípios de textualização não são unidades discretas e separadas, eles influenciam uns aos outros. Linguística textual | Unidade 4 - Coerência 51 4.1.2 MAS PODE-SE DIZER QUE O TEXTO TEM COERÊNCIA OU NÃO TEM COERÊNCIA? Segundo Costa Val (2004), não se pode dizer que um texto tem ou não tem coerência. Ao receber um texto, liga-se o conhecimento prévio ao do produtor do texto e atribui-se ou não coerência ao texto. Sendo assim, não é o texto em si só que faz a coerência, mas o recebedor do texto também, que atribui coerência ao texto quando o lê/ouve. O correto é dizer, eu, como leitor(a) do texto, atribuo coerência ao texto ou não atribuo coerência ao texto. Pode-se dizer que a coerência é: • Um princípio de interpretabilidade; • A coerência é global, criando uma unidade; • Sua base é a continuidade de sentidos entre os conhecimentos ativados pelas expressões do texto. 4.1.3 A COERÊNCIA E A LINGUÍSTICA TEXTUAL Desde sua fase inicial, a linguística textual falava sobre a relevância da coerência nos textos. No momento em que somente análises interfrásticas eram realizadas, na segunda metade de 1960 até a metade de 1970, o texto era definido como “sequências linguísticas coerentes entre si” (BENTES, 2012, p. 269), ou seja, o princípio da coerência era parte da definição de texto. Para se ter um texto, é necessário que haja interpretabilidade, unidade. A linguística textual, ainda atualmente, vê a coerência como um dos fatores fundamentais de um texto, que tem grande impacto sobre seu sentido. É importante ressaltar que, assim como os estudos da linguística textual hoje levam em consideração a questão sociocognitiva interacionista do texto, a coerência deixou de ser um fator simplesmente intrín- seco ao texto, indo muito além de elementos linguísticos, semânticos e sintáticos, e passando a ser um princípio relacionado aos fatores cognitivos, sociais, culturais, históricos e interacionais que também fazem parte do texto. Linguística textual | Unidade 4 - Coerência 52 Figura 4.4 - A coerência é um princípio relacionado aos fatores cognitivos, sociais, culturais, históricos e interacionais que fazem parte do texto. Mas que fatores do texto ajudam a atribuir coerência a ele? É o que você verá na próxima seção. 4.2 FATORES DE COERÊNCIA Os estudos da linguística textual perceberam que há alguns fatores de coerência no texto. Koch e Trava- glia (1996) apontam como fatores de coerência: elementos linguísticos; conhecimento de mundo; conhe- cimento partilhado; inferências; fatores de contextualização; situacionalidade; informatividade, focali- zação, intertextualidade, intencionalidade e aceitabilidade; e consistência e relevância. • Elementos linguísticos “Não é possível apreender o sentido de um texto apenas nas palavras que o compõem e na sua estrutura sintática”, mas “é indiscutível a importância dos elementos linguísticos do texto para o estabelecimento da coerência” (KOCH; TRAVAGLIA, 1996, p.59). Os elementos linguísticossão pistas para a interpretação do texto. Não é possível dizer que só as pala- vras bastam para capturar o sentido do texto, mas são as palavras de um texto que ativam conheci- mentos na memória, ajudam os recebedores do texto a elaborar inferências propostas pelo autor e a captar a orientação argumentativa dos enunciados. Ao utilizar sinônimos em textos ou palavras de uma mesma família, por exemplo, se constrói coerência a partir de elementos linguísticos. Dessa forma, os elementos linguísticos também são considerados um fator de coerência, por ajudarem a construir a interpretabilidade de um texto. Linguística textual | Unidade 4 - Coerência 53 Figura 4.5 - Os elementos linguísticos são pistas para a interpretação do texto. • Conhecimento de mundo Como já se afirmou nesta unidade, se o texto aborda assuntos que não se conhece é difícil entendê-lo e atribuir coerência a ele. Os autores têm conhecimentos que adquiriram com sua vivência, seu conhe- cimento de mundo e esse estará sempre presente em seus textos. É sempre bom conhecer o autor, pesquisar sobre ele para entender seu ponto de vista e reconhecer os tipos de vivências que ele teve. Figura 4.6 - Se o texto aborda assuntos que não se conhece é difícil entendê-lo e atribuir coerência a ele. Linguística textual | Unidade 4 - Coerência 54 • Conhecimento partilhado Lembre-se que cada indivíduo tem diferentes experiências no mundo, que vão criando diferentes memó- rias e diferentes conhecimentos de mundo. Entretanto, há um conhecimento que é partilhado. Quanto mais conhecimentos partilhados autor e recebedor do texto tiverem, mais ideias podem estar implícitas e mais fácil será atribuir coerência. O autor deve conhecer seu público ao produzir o texto, sempre tendo em mente quais conhecimentos são compartilhados pelo seu público. Figura 4.7 - Cada indivíduo tem diferentes conhecimentos de mundo. • Inferências Como foi afirmado, quanto maior o conhecimento partilhado, menor a necessidade de ser explícito no texto. A inferência é o processo pelo qual se estabelecem relações que não são explícitas. Quase todos os textos exigem que sejam feitas inferências para compreendê-los integralmente. Veja o exemplo (4) de Koch e Travaglia (1996, p. 66) abaixo. (4) - A campainha! - Estou de pijama! - Tudo bem! Não existem informações explícitas no texto sobre quem vai atender a campainha ou sobre quem não pode ir atender. Todavia, consegue-se fazer inferências, chegando na ideia que quem avisou sobre a campainha provavelmente vai atendê-la, pois o outro interlocutor não pode fazê-lo por estar de pijama. Nem sempre os recebedores fazem inferências previstas pelo produtor do texto, por isso o autor precisa conhecer seu público e saber que seu texto pode sim ser compreendido de uma forma que não era Linguística textual | Unidade 4 - Coerência 55 esperada. Em (4), por exemplo, alguns alunos podem ter experiências diferentes e inferir que o “tudo bem” dito por quem avisou que a campainha tocou seja um “ok, mas eu também não vou atender a porta”, ou “espero você trocar de roupa”, ou “vá você mesmo de pijamas, estou mais ocupado”. Figura 4.8 - Nem sempre os recebedores fazem inferências previstas pelo produtor do texto. • Fatores de contextualização Datas, elementos gráficos, local, assinatura, timbre, disposição na página, título, autor, entre outras, todas essas informações podem ser vistas como fatores de contextualização. Imagine a pronúncia da sentença (5): (5) Hoje aqui está 40ºC. Sem data e local, fica difícil entender a mensagem de (5). Um carimbo oficial em um documento, por exemplo, pode ser o responsável por se fazer ter ideia da relevância do documento e de sua mensagem. Linguística textual | Unidade 4 - Coerência 56 Figura 4.9 - O carimbo oficial traz a ideia da relevância do documento e de sua mensagem. • Situacionalidade, informatividade, intertextualidade, intencionalidade e aceitabilidade - os princípios pragmáticos de textualização Os princípios de textualização influenciam uns aos outros. Dessa forma, a relevância para a situação comunicativa do texto, o nível de informações novas, os intertextos, a intenção do autor e a aceitação do recebedor interferem na atribuição de coerência por quem receba o texto (releia a unidade anterior para relembrar os princípios). Figura 4.10 - Os princípios pragmáticos de textualização. Linguística textual | Unidade 4 - Coerência 57 • Focalização Ao produzir um texto, pode-se fazer com que o público foque em uma parte de seu conhecimento, tal processo seria a focalização. Numa tentativa de fazer com que o recebedor foque nas ideias do texto, o autor pode usar de pistas para que o recebedor se restrinja ao que lhe é de interesse. Produzir um texto sobre um tema, com consistência, com unidade temática, pode fazer com que os recebedores focalizem e atribuam coerência ao texto produzido. Figura 4.11 - O público do texto pode focar em uma parte de seu conhecimento. • Consistência e relevância Os enunciados precisam ser consistentes entre si, ou seja, não podem ser contraditórios. Além disso, eles devem ser relevantes em relação ao tema do texto. Imagine a seguinte situação: uma professora leva seus alunos a um borboletário e pede que eles escrevam sobre as borboletas, sobre o que aprenderam com a visita e um dos alunos produz o texto abaixo. “Todas as borboletas voavam dia e noite. Eram muito bonitas as borboletas, todas tinham asas. Uma borboleta não tinha asa e não voava.” O recebedor do texto do aluno teria dificuldade em atribuir coerência ao texto, pois o texto apresenta contradições. Ao utilizar o pronome indefinido TODAS e depois trazer uma exceção, o autor do texto traria enunciados inconsistentes entre si. Imagine que além do texto acima, o autor também tivesse incluído a sentença “pneus fedem”. Além de apre- sentar inconsistências, o texto também apresentaria informações não relevantes ao contexto comunicativo, pois o texto deveria se ater a informações sobre borboletas, sendo mais difícil de atribuir-lhe coerência. Dessa forma, é importante que, para que os recebedores dos textos atribuam coerência a eles, produzam textos que sejam considerados inteiros (começo, meio e fim) e que apresentem uma unidade temática (sem perder o fio da meada). Além disso, os textos precisam ser consistentes, articulados e não contraditórios. Linguística textual | Unidade 4 - Coerência 58 Figura 4.12 - Para que os recebedores dos textos atribuam coerência a eles, devem ser produzidos textos que sejam considerados inteiros. 4.3 TIPOS DE COERÊNCIA A linguística textual ainda demonstra que há diferentes tipos de coerência: a coerência semântica, a coerência sintática, a coerência estilística e a coerência pragmática. Koch e Elias (2015) ainda apontam a coerência temática e a genérica, porém serão focadas as mais importantes. • Coerência semântica O principal princípio que marca a coerência semântica é o princípio da não contradição. Para atribuir coerência semântica a um texto, ele não pode se contradizer, seu conteúdo não pode se contradizer. Observe o par de sentenças em (5), não se atribui coerência semântica à sentença porque ela contém uma contradição. Se João é fraco, ele não é capaz de carregar um carro todos os dias. (5) João é fraco. João carrega um carro todos os dias. • Coerência sintática A coerência sintática está ligada ao uso dos elementos linguísticos. Caso um texto não use um elemento linguístico como se é esperado no mundo, não se atribui coerência sintática ao texto. Um exemplo é o par de sentenças em (6). Pelé é um nome próprio que é atribuído a um referente masculino, não sendo possível utilizar o pronome “ela” (atribuído a referentes femininos) como forma de se fazer referência ao Pelé. Dessa forma, não se atribui coerência sintática ao exemplo (6) por mal uso do elemento linguístico “ela”. (6) Pelé é um famoso jogador de futebol brasileiro. Ela venceu sua primeira Copa do Mundo aos 17 anos.
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