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reforma do judiciário

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SADEK, MT., org. Reforma do judiciário [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas 
Sociais, 2010, 164 p. ISBN: 978-85-7982-033-5. Available from SciELO Books 
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Reforma do judiciário 
 
 
Maria Tereza Sadek (org.) 
BIBLIOTECA VIRTUAL DE CIÊNCIAS HUMANAS
 
 
 
 
REFORMA DO JUDICIÁRIO
 
 
 
Maria Tereza Sadek
(organizadora
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BIBLIOTECA VIRTUAL DE CIÊNCIAS HUMANAS 
UDICIÁRIO 
Maria Tereza Sadek 
organizadora) 
Maria Tereza Sadek 
(organizadora) 
 
 
 
 
 
 
 
Reforma do judiciário
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2010 
 
Reforma do judiciário 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Esta publicação é parte da Biblioteca Virtual de Ciências Humanas do Centro 
Edelstein de Pesquisas Sociais – www.bvce.org 
 
 
 
 
Copyright © 2010, Maria Tereza Sadek 
Copyright © 2010 desta edição on-line: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais 
Ano da última edição: 2005, Programa de Estudos Judaicos 
 
 
 
 
 
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ISBN: 978-85-7982-033-5 
 
 
 
 
 
Centro Edelstein de Pesquisas Sociais 
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Rua Visconde de Pirajá, 330/1205 
Ipanema – Rio de Janeiro – RJ 
CEP: 22410-000. Brasil 
Contato: bvce@centroedelstein.org.br 
I 
SUMÁRIO 
INTRODUÇÃO ................................................................................................1 
Maria Thereza Sadek 
Rogério Bastos Arantes 
CAPÍTULO 1 ................................................................................................13 
Jurisdição Política Constitucional 
Rogério Bastos Arantes 
CAPÍTULO 2 ................................................................................................66 
Controle Externo do Poder Judiciário 
Maria Tereza Sadek 
CAPÍTULO 3 ..............................................................................................134 
Acesso à Justiça 
Alvino Oliveira Sanches Filho 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................163 
 
 
1 
INTRODUÇÃO 
Maria Thereza Sadek 
Rogério Bastos Arantes 
A importância da reforma judiciária 
A proposta de emenda constitucional relativa à reforma do Poder 
Judiciário (PEC 96/1992), aprovada na Câmara dos Deputados em 7 de 
junho de 2000 (em segundo turno), está tramitando no Congresso Nacional 
há quase uma década, a partir do projeto apresentado pelo deputado Hélio 
Bicudo (PT-SP), em março de 1992. O texto encontra-se hoje (fevereiro de 
2001) na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal 
(PEC 29/ 2000), aguardando parecer do relator Bernardo Cabral (PFL-AM). 
Apesar de discutida há três legislaturas, nem por isso é possível afirmar que 
o desfecho da reforma esteja próximo. 
Dois aspectos da reforma judiciária merecem destaque inicial: a 
importância assumida por essa questão no debate público e, ao mesmo 
tempo, a dificuldade de construir acordos suficientes para a implementação 
de mudanças. 
A agenda política brasileira dos anos 90 foi marcada pelas propostas 
de reforma constitucional e infraconstitucional que modificaram o perfil do 
Estado e sua relação com a economia e a sociedade. Nesse contexto, era 
previsível a inclusão da questão judiciária na pauta de discussões, uma vez 
que a prestação de justiça constitui-se importante função estatal. Todavia, a 
reforma judiciária logo ganhou contornos mais complexos, superando os 
limites estreitos do paradigma da eficiência administrativa, que tentara 
equacionar o problema da prestação jurisdicional no que se refere a custos 
de funcionamento e desempenho do sistema judiciário. 
Na verdade, desde que foi incorporado à agenda de reformas, o poder 
Judiciário vem sendo objeto de intenso debate, não só em função dos 
aspectos materiais de seu funcionamento, mas principalmente em função do 
papel político que tem exercido na democracia brasileira, em especial o de 
confrontar decisões dos demais Poderes de Estado. Esse papel político se 
2 
viu realçado pelo confronto de dois princípios: de um lado, o processo de 
modernização econômica, fortemente marcado pelo intervencionismo do 
governo no ordenamento jurídico (notadamente por intermédio das tão 
criticadas medidas provisórias); de outro lado, a vigência de uma nova 
Constituição, repleta de novos direitos substantivos e garantias processuais 
individuais e de ordem coletiva. Nesse contexto, o Judiciário tornou-se 
palco de conflitos de grande intensidade, envolvendo setores sociais ou 
grandes agrupamentos de indivíduos descontentes ou prejudicados pelas 
ações do governo. Junte-se a isso o fato de a Constituição de 1988 ter 
ampliado sensivelmente as formas individuais e coletivas de acesso ao 
Judiciário, entregando-lhe ao mesmo tempo a difícil missão de zelar pelos 
direitos constitucionais do cidadão. 
Perguntas aparentemente ingênuas poderiam ajudar a compreender a 
importância assumida pela questão judiciária no Brasil e as dificuldades de 
implementar a reforma: por que razões, numa agenda constitucional de 
reformas, a modernização do Judiciário dividiria espaço com a privatização 
de estatais, o fim dos monopólios, a reforma tributária ou a reforma 
política? É fato que a lentidão da prestação jurisdicional representa um 
grande problema para a sociedade, mas teria ela o mesmo impacto 
econômico, social ou político que os monopólios estatais do petróleo ou das 
telecomunicações, o sistema presidencialista multipartidário ou as empresas 
públicas deficitárias? Se vista pelo ângulo exclusivo da movimentação 
processual – reconhecidamente deficitária – a reforma do Judiciário impor-
se-ia como algo importante, mas não tanto a ponto de ganhar status 
constitucional e prioridade, nem seria marcada por um grau tão elevado de 
dissenso. Nossa hipótese é que a importância assumida pela reforma 
judiciária decorre da posição institucional do Poder Judiciário no âmbito do 
sistema político pós-1988. Assim, as propostas de mudanças da máquina 
judiciária não se enquadrariam em alterações meramente técnicas e 
passariam a ter fortes consequências sociais e políticas, dividindo opiniões 
dentro e fora do sistema de justiça. Nesse sentido, o status de mudança 
constitucional adquirido pela reforma judiciária, bem como as dificuldades 
de sua implementação, só ganham inteligibilidade à luz do papel político 
que o Judiciário brasileiro assumiu nos últimos anos. 
3 
Histórico da reforma 
Dizer hoje que a PEC 96/92, aprovada na Câmara dos Deputados em 
2000, tem como autor original o então deputado federal Hélio Bicudo (PT-
SP) é mera formalidade. Uma análise da evolução da proposta apresentada 
por Bicudo em 1992 até a que se encontra tramitando hoje no Senado Federal 
demonstra que muito pouco do projeto original remanesceu ao longo das 
sucessivas versões discutidas e votadas na Câmara dos Deputados. A rigor, o 
primeiro ponto de inflexão desse processo pode ser localizado na tentativa de 
revisão constitucional de 1993-94, quando o então deputado e relator Nelson 
Jobim (PMDB-RS) ampliou o debatesobre a crise do Judiciário, introduzindo 
uma série de novas propostas de reforma que não tinham sido anteriormente 
cogitadas. De fato, pode-se dizer que as versões posteriores da PEC 96/ 92 
foram balizadas muito mais pelas linhas gerais adotadas no projeto de Nelson 
Jobim do que pelas da proposta original. 
O processo de revisão da Constituição previsto pelo Ato das 
Disposições Constitucionais Transitórias foi inaugurado em 13 de outubro de 
1993 e encerrou-se em 31 de maio de 1994.1 Reconhecidamente um fracasso 
(diante das amplas possibilidades que encerrava), a revisão logrou no máximo 
aprovar cinco emendas constitucionais, dentre elas a do Fundo Social de 
Emergência e a da redução do mandato presidencial para quatro anos.2 
No que diz respeito ao Judiciário – embora nenhuma proposta 
revisional tenha sido sequer submetida à votação – pode- se afirmar que o 
relatório de Nelson Jobim conseguiu pelo menos estabelecer os parâmetros 
básicos da reforma judiciária, em torno dos quais girariam os relatórios 
subsequentes de comissões especiais da Câmara dos Deputados. Nelson 
Jobim procedeu a um amplo exame da questão e, a partir de um número 
também excepcional de emendas apresentadas por parlamentares, tentou 
construir um projeto global de reforma do Judiciário. No entanto, Jobim 
 
1 Nessa fase especial, o Congresso Nacional, reunido em sessão unicameral, poderia aprovar 
mudanças na Comissão pelo voto da maioria absoluta de seus membros. Um processo 
normal de emendas à Constituição teria de respeitar a regra da votação em dois turnos, nas 
duas casas legislativas, por meio de maioria qualificada de 3/5, nas quatro votações. 
2 O processo de revisão constitucional ficou emparedado entre a CPI do Orçamento (que 
abalou a legitimidade de um Congresso que já se encontrava em fim de mandato, atingindo 
automaticamente sua autoridade para mudar a Constituição) e o início da disputa eleitoral 
para a Presidência da República, em 1994. 
4 
incendiou o debate ao propor, entre outras mudanças polêmicas, a criação 
das súmulas de efeito vinculante dos tribunais superiores, bem como de 
novas formas de controle e responsabilização da atividade dos magistrados. 
A retomada da discussão sobre a reforma judiciária ocorreu em 
agosto de 1995, com a instalação da Comissão Especial da Câmara dos 
Deputados para analisar a PEC 96/92. Para o cargo de relator da comissão 
foi escolhido o deputado Jairo Carneiro (PFL-BA) que, após 10 meses de 
audiências públicas e sessões de discussão, apresentou seu parecer 
sugerindo uma série de mudanças constitucionais, com destaque para 4 
pontos principais: 1)súmulas de efeito vinculante do Supremo Tribunal 
Federal e dos Tribunais Superiores; 2) criação do Conselho Nacional de 
Justiça, órgão que exerceria o controle externo do Judiciário; 3) extinção do 
poder normativo da Justiça do Trabalho bem como dos chamados juízes 
classistas; 4) mudanças relativas ao pagamento dos precatórios judiciais.3 
O projeto de Jairo Carneiro foi duramente criticado. As principais 
críticas apontaram uma tendência de centralização do sistema judicial e de 
redução do acesso à Justiça. Os mais indignados com a proposta chegaram a 
compará-la ao Pacote de Abril de 1977, por meio do qual o governo Geisel 
introduziu a avocatória, mecanismo que concentrava poder no Supremo 
Tribunal Federal, em detrimento das instâncias inferiores do Judiciário. O 
próprio autor da PEC 96/92, Hélio Bicudo (PT-SP), foi um dos que 
estabeleceram essa associação, advertindo que o texto de Carneiro fugia 
completamente do espírito da proposta original por ele apresentada em 1992. 
Outro deputado do PT de São Paulo, José Genoino, numa Declaração 
de Voto em Separado, em outubro de 1997,4 fez duras críticas ao projeto de 
Jairo Carneiro. Genoino apontou vício de inconstitucionalidade formal no 
substitutivo do relator, por ferir cláusula do Regimento Interno da Câmara 
dos Deputados, e criticou as propostas de centralização de poder nos 
tribunais superiores, em detrimento das instâncias inferiores do Judiciário. 
 
3 Durante a fase Jairo Carneiro foram apensadas à proposta original de Hélio Bicudo, outras 
quatro, relativas: 1) ao Controle Externo do Judiciário (PEC n.° 112-A, de 1995, deputado José 
Genoino), 2) à idade para aposentadoria compulsória dos magistrados (PEC n.° 127-A, de 
1995, deputado Ricardo Barros), 3) à competência da Justiça Federal para julgar os crimes 
praticados contra os Direitos Humanos (PEC n.° 368-A, de 1996, do Poder Executivo) e 4) ao 
efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal (PEC n.° 500-A, de 1997, do 
Senado Federal). 
4 GENOÍNO, 1999. 
5 
O deputado petista também fez críticas à proposta de Carneiro sobre o 
Conselho Nacional de Justiça, relacionando-a a estratégia neoliberal de 
reforma do Estado do governo Fernando Henrique Cardoso.5 
A falta de consenso mínimo entre os parlamentares da comissão 
especial, quanto às propostas de Jairo Carneiro, impediu que seu parecer 
fosse submetido à votação pelo plenário da comissão, que acabou 
encerrando seus trabalhos em 1998, sem conseguir dar encaminhamento 
efetivo ao processo de reforma. 
No primeiro semestre de 1999, a comissão especial de reforma do 
Judiciário foi reativada, paradoxalmente, como reação da Câmara dos 
Deputados à iniciativa, do senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), 
de instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar 
irregularidades no Poder Judiciário. 
Desde que passou a ocupar uma cadeira no Senado Federal, Antonio 
Carlos Magalhães fez do Judiciário um de seus principais alvos, desferindo 
duras críticas contra a magistratura e o mau funcionamento da Justiça. No 
início de 1999, num contexto de reforma ministerial e crise da aliança 
governista, ACM ocupou a cena política para dar início a uma campanha 
contra a corrupção que dizia existir na justiça brasileira. Coincidência ou 
não, o alvo principal de seus ataques foi a Justiça trabalhista, cujos juízes e 
tribunais ameaçavam conceder reajustes salariais para corrigir perdas 
inflacionárias, podendo precipitar um movimento de reindexação geral da 
economia, num contexto delicado de mudança da política cambial e de 
desvalorização da moeda. Segundo argumentava o senador, a Justiça 
trabalhista era o pior ramo do Judiciário quanto ao desempenho processual 
e sobre ela recaíam as principais denúncias de nepotismo e malversação dos 
recursos públicos.6 
 
5 Segundo José Genoino, o projeto feria ainda as cláusulas constitucionais pétreas do 
federalismo e da separação de Poderes e, refletindo uma “concepção concentracionista e 
autoritária”, ameaçava as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de 
vencimentos dos juízes, “pressupostos para a existência de uma magistratura independente e 
digna, única capaz de exercer a atividade jurisdicional com eficiência e imparcialidade” 
(GENOÍNO, 1999:59). 
6 ACM chegou a visitar, à época, o prédio em construção do Fórum Trabalhista de São 
Paulo, naquilo que viria a se transformar no maior escândalo de corrupção dos últimos anos 
no Brasil. ACM também se envolveu em troca de insultos com o ministro Almir Pazzianoto, 
do Tribunal Superior do Trabalho, depois de defender a exibição do TST. Pazzianoto rebateu 
6 
Durante o mês de março de 1999, ACM empenhou-se na instalação 
de uma CPI para investigar irregularidades no Judiciário,7 especialmente 
depois de ter sido interpelado judicialmente pela Associação dos 
Magistrados Brasileiros, perante o Supremo Tribunal Federal, por suas 
declarações à imprensa contra o Judiciário. Reagindo à investida do senador 
baiano, o ministro Carlos Velloso, então vice-presidente do STF, acenou 
com a retomada das discussões sobre a reforma judiciária, como maneira de 
evitar a execração da justiça por uma comissão parlamentar de inquérito: 
O PoderJudiciário precisa de reformas, e os juízes são os primeiros a 
fazer essa afirmativa. Reformas que deverão ser feitas a partir da 
análise das necessidades do Judiciário. Pesquisas de opinião têm 
indicado que o problema básico é a lentidão, que pode levar à de 
prestação jurisdicional. Então temos de estabelecer as causas e 
equacionar as soluções. Uma CPI desse tipo, generalizando 
acusações contra juízes, simplesmente expõe o Judiciário à execração 
pública, levando o descrédito às suas decisões. E isso não é bom para 
a nação. As pessoas precisam do Judiciário para resolver os seus 
conflitos. Se o Judiciário ficar desacreditado, podem ocorrer, 
inclusive, casos de desobediência civil. Como bem disse o editorial 
da Folha, a proposta é extemporânea. No fundo ela reflete o desejo 
de um Poder tutelar o outro. Poder Quero fazer um apelo ao senador 
Antonio Carlos Magalhães, presidente do Congresso, para que reflita 
quais são os problemas da justiça brasileira para que caminhemos 
juntos, se for o caso, para darmos solução ao angustiante problema da 
justiça que é a lentidão.8 
Apesar dos apelos da magistratura, a CPI foi aprovada em 25 de 
março, iniciando seus trabalhos em 8 de abril de 1999. A iniciativa de ACM 
foi vista com desconfiança pela oposição parlamentar e foi fortemente 
repudiada pela maior parte da comunidade jurídica. Reginaldo de Castro, 
presidente da OAB e autor de fortes analogias, considerou-a um verdadeiro 
tribunal de exceção: “Março é sempre um mês perigosíssimo para o Brasil. 
 
as críticas de ACM afirmando que o senador não tinha estabilidade emocional para exercer o 
cargo de presidente do Congresso Nacional. 
7 É importante lembrar a “corrida” pela instalação de CPIs que aconteceu nesse período: de 
um lado, ACM empenhava-se pela CPI do Judiciário; de outro, seu adversário político, o 
senador Jader Barbalho (PMDB-PA), liderava a proposta de instalação de CPI dos Bancos. 
A disputa entre os dois senadores, associada a outros conflitos na base governista, chegou a 
ser interpretada à época como início extemporâneo da corrida rumo à sucessão presidencial. 
8 Folha de São Paulo, 23/3/99, p. 1-4. 
7 
Tivemos março de 64 e agora temos março de 99. É algo preocupante. Está 
se criando no Brasil um tribunal de exceção”.9 A Associação dos 
Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação Paulista dos Magistrados 
viram na iniciativa de ACM uma clara tentativa de intimidação do 
Judiciário. Alguns juristas e parlamentares afirmaram até que a CPI seria 
inconstitucional por não ter um fato específico para investigar, e 26 dos 27 
presidentes de Tribunais de Justiça estaduais lançaram um manifesto 
repudiando a instalação da CPI. 
A oposição à iniciativa de ACM teve o efeito de reunir esses diversos 
setores em torno da ideia de retomar a reforma do Judiciário, buscando 
imprimir um sentido positivo ao debate sobre o problema da Justiça e 
neutralizar eventuais ações de intimidação ou perseguição da CPI contra a 
magistratura. Foi assim que ganhou força a proposta de reinstalação da 
comissão especial de reforma do Judiciário na Câmara dos Deputados, que 
contou com o apoio direto do presidente da casa, deputado Michel Temer 
(PMDB-SP), interessado em contrabalançar o movimento liderado pelo 
presidente do Senado. Em 30 de março, dia da instalação da comissão 
destinada a retomar a análise da PEC 96/92, a AMB organizou uma 
caminhada do prédio do STF até a Câmara dos Deputados, como ato político 
contrário à CPI e de apoio à comissão especial de reforma do Judiciário. 
Estiveram presentes à sessão o presidente do STF, o ministro Celso de Mello, 
o procurador geral da República, Geraldo Brindeiro, o presidente nacional da 
Ordem dos Advogados do Brasil, Reginaldo de Castro, os presidentes do STJ 
e TST, os presidentes de Tribunais Regionais e de Subseções da OAB, além 
de representantes dos ministérios públicos estaduais. 
Entretanto, a aglutinação de diversos setores do sistema de justiça a 
favor da retomada da reforma não significaria maior grau de consenso sobre 
as propostas que vinham sendo discutidas desde 1992. Tão logo a comissão 
foi instalada, no dia seguinte, surgiu o primeiro impasse em torno da 
escolha dos deputados para os cargos de presidente e relator. O PFL, 
alegando haver acordo com o PMDB sobre os dois cargos mais importantes 
da mesa, indicou a deputada Nair Xavier Lobo (PMDB-GO) para presidente 
e o deputado Jairo Carneiro (PFL-BA) para relator. O deputado Jutahy 
Júnior (PSDB-BA), mencionando o comportamento do PFL no Senado 
quanto à CPI do Judiciário, manifestou-se contra a indicação de Jairo 
 
9 Folha de São Paulo, 27/3/99, p. 1-5. 
8 
Carneiro e defendeu a escolha de um nome do PSDB para o cargo de 
relator. Diante do impasse, José Genoino (PT-SP) defendeu a necessidade 
de construir um amplo consenso sobre o preenchimento dos cargos de 
direção da comissão, como forma de evitar o isolamento da relatoria, como 
havia ocorrido na comissão anterior. Jairo Carneiro, reconhecendo que seu 
relatório não fora submetido à votação na época em função de divergências 
entre os partidos, passou a admitir a criação de relatores-adjuntos, em 
número de 2 a 4 deputados. Uma semana depois, os partidos chegaram a um 
acordo e escolheram Jairo Carneiro (PFL-BA) para presidir a comissão, e 
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) para o cargo de relator. 
Na sessão em que a escolha foi formalizada, José Genoino saudou o 
consenso produzido pelos partidos em torno dos dois deputados, mas 
reapresentou o problema da relação dos relatores-adjuntos com o relator-
geral. Geddel Vieira Lima, líder do PMDB, explicou que cedera a 
presidência para tornar viável o acordo, mas deixava claro que o PMDB só 
tomara essa decisão porque haveria uma distribuição de poder entre os 
partidos, por meio das sub-relatorias. Com efeito, respeitada a 
proporcionalidade partidária, foram escolhidos os seguintes relatores 
adjuntos bem como os respectivos temas para apreciação: Luiz Antonio 
Fleury Filho (PTB-SP) para a questão das súmulas vinculantes; Nair Xavier 
Lobo (PMDB-GO) para as justiças especializadas; Renato Vianna (PMDB-
SC) para estrutura e competência do Supremo Tribunal Federal e da Justiça 
Federal; Marcelo Déda (PT-SE) para controle e fiscalização; José Roberto 
Batochio (PDT-SP) para acesso à justiça e direito à sentença e, finalmente, 
Ibrahim Abi-Ackel (PPBMG) para direitos, garantias e disciplinas dos 
Magistrados e Tribunais e Juízes Estaduais. 
As divergências a respeito da reforma judiciária apareceram logo nas 
primeiras sessões da comissão especial e a divisão dos temas entre os relatores 
parciais apenas cristalizaria essa falta de consenso. Durante a primeira fase de 
trabalhos da comissão – entre abril e junho de 1999 –, a relação dos sub-
relatores com o relator não ficou claramente estabelecida, apesar de ter sido 
discutida diversas vezes: afinal, o relatório parcial teria de ser necessariamente 
incorporado pelo relator geral? Caso não atendidos, os relatores adjuntos 
poderiam recorrer ao plenário da comissão? Os relatores parciais teriam de se 
restringir a seu tema ou poderiam avançar sobre os demais? Tais questões 
nunca foram totalmente esclarecidas no âmbito da comissão. 
9 
Tabela 1 
Audiências públicas realizadas pela comissão especial de reforma do Judiciário 
(de 15/4/99 a 6/5/99). 
Data Convidado Setor/cargo/função 
15/4/99 
Bolívar Lamounier 
Pesquisadores especialistas 
Armando Castelar Pinheiro 
João Paulo dos Reis Velloso 
João Geraldo Piquet Carneiro 
20/4/99 
 Representantes da: 
Ericson Crivelli Central Única dos Trabalhadores 
Canindé Pegado Confederação Geral dos Trabalhadores 
Enilson Simões de Moura Social Democracia Sindical 
Antonio Carlos Navarro Confederação Nacional da Indústria 
27/4/99 
 Presidentes da: 
Fernando Tourinho Neto Associação Nacionaldos Juízes Federais 
Achiles de Jesus Siquara Filho Confederação Nacional do Ministério Público 
Reginaldo de Castro Conselho Federal da OAB 
Dyrceu Aguiar Cintra Júnior Associação dos Juízes para a Democracia 
Luiz Fernando R. de Carvalho Associação dos Magistrados Brasileiros 
Ela Wiecko Volkmer de Castilho Associação Nacional dos Procuradores da República 
28/4/99 
José Néri da Silveira 
Ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do 
Tribunal Superior Eleitoral 
Antonio de Pádua Ribeiro Presidente do Superior Tribunal de Justiça 
Wagner Antonio Pimenta Presidente do Tribunal Superior do Trabalho 
Carlos de Almeida Baptista Presidente do Superior Tribunal Militar 
José Fernandes Filho 
Desembargador Presidente da Comissão Executiva do 
Colégio de Presidentes dos Tribunais de Justiça 
29/4/99 
Getúlio Correa 
Presidente da Associação dos Magistrados das Justiças 
Militares estaduais 
Beatriz de Lima Pereira 
Presidente da Associação Nacional de Magistrados da Justiça 
do Trabalho 
Mário dos Santos Paulo Juiz Corregedor Regional Eleitoral no Rio de Janeiro 
Ramon Castro Touron Presidente da Associação Nacional dos Juízes Classistas 
4/5/99 
Renan Calheiros Ministro da Justiça 
José Celso de Mello Filho Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal 
5/5/99 
Roberto de Freitas Filho Presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos 
Ulysses Riedel Diretor do DIAP 
Luiz Flávio Gomes Ex-Juiz de Direito 
Ricardo Cunha Chimenti Representante dos Juizados Especiais 
6/5/99 Geraldo Brindeiro Procurador Geral da República 
Entre 15 de abril e 6 de maio, a comissão realizou uma série de 
audiências públicas, com representantes dos mais diversos setores, dentro e 
fora do sistema de justiça. As audiências consistiam em exposições dos 
convidados, seguidas de intensos debates com os parlamentares. A relação 
apresentada na tabela 1 dá uma medida da diversidade de convidados e 
opiniões apresentados à comissão nessas sessões públicas. 
10 
No início de junho, Aloysio Nunes Ferreira apresentou seu polêmico 
relatório sobre a PEC 96/92. Como ele mesmo fez questão de destacar, seu 
projeto estava baseado em três grandes eixos: 
1) A criação de um órgão de controle externo do Judiciário, com funções 
administrativas e correcionais. 
2) A criação da súmula vinculante, do incidente de inconstitucionalidade e 
da arguição de relevância como medidas de concentração de competências e 
de centralização da máquina judiciária. 
3) Mudanças no âmbito das justiças especializadas, com destaque para a 
proposta radical de extinção da Justiça trabalhista. 
Na semana seguinte à apresentação do relatório, começaram os 
acalorados debates em torno da proposta de Aloysio Nunes. Tiveram início, 
nada mais nada menos, pela exposição detalhada dos projetos elaborados 
pelos relatores adjuntos, ou seja, os relatórios parciais que deveriam 
subsidiar o geral foram apresentados à comissão depois deste, marcando e 
reafirmando as divergências entre os deputados na comissão. Mais do que 
isso, alguns relatores adjuntos não ficaram restritos a seus temas, 
aumentando o grau de discordância a respeito de quase todos os pontos 
importantes da reforma. 
O projeto de Aloysio Nunes Ferreira foi criticado por atender 
principalmente aos interesses do Executivo federal quanto à reforma 
judiciária. Por essa razão foi também duramente rejeitado pelos partidos de 
oposição, pela OAB e pela magistratura das instâncias inferiores do 
Judiciário, que se viu ameaçada pelas propostas concentradoras e 
centralizadoras do projeto. O relatório foi bastante discutido durante a 
segunda quinzena de junho, mas não chegou a ser votado na comissão 
porque o deputado Aloysio Nunes seria convidado por Fernando Henrique 
Cardoso para assumir a Secretaria Geral da Presidência da República, em 
meio ao recesso parlamentar do mês de julho daquele ano. 
Com a retomada dos trabalhos em agosto de 1999, a comissão 
escolheu a deputada Zulaiê Cobra Ribeiro (PSDB-SP) para o cargo de 
relatora. Em pouco mais de um mês, em 14/9/99, Zulaiê Cobra apresentou 
seu relatório sobre a PEC 96/92, que divergia francamente do texto anterior 
de Aloysio Nunes, apesar de serem ambos deputados do PSDB paulista. 
Zulaiê resistiu às propostas de reforma do sistema de justiça que atendiam 
11 
aos interesses do governo e fez repercutir em seu projeto a reivindicação 
por mecanismos mais duros de controle e de responsabilização da 
magistratura. Do mesmo modo que Aloysio Nunes, mas provenientes de 
direção oposta, Zulaiê Cobra sofreu diversas críticas e pressões para 
modificar seu relatório. Em 19/10/99, uma nova versão elaborada por ela 
foi votada e aprovada, mas a comissão levaria ainda mais um mês 
apreciando destaques de pontos específicos dessa versão, encerrando seus 
trabalhos apenas em meados de novembro. Enfim, depois de quase oito 
anos de tramitação e de três relatórios terem sido elaborados e 
exaustivamente debatidos, a comissão especial de reforma do Judiciário 
chegava a um texto definitivo, encaminhando-o ao plenário da Câmara dos 
Deputados para votação em dois turnos. 
Em janeiro de 2000, a PEC 96/92 foi votada pela Câmara em 
primeiro turno, não sem antes sofrer mais alterações significativas, 
resultantes da negociação entre os partidos, destinada a viabilizar a votação 
do projeto. O texto modificado foi aprovado em 19 de janeiro de 2000, 
ressalvados os destaques, cuja votação ocupou, com quase exclusividade, a 
agenda da Câmara durante os meses de março a junho, quando o projeto de 
emenda constitucional foi finalmente aprovado em votação em segundo 
turno. Desde esse momento, ele se encontra no Senado Federal para ser 
discutido e votado, também em dois turnos. 
As dimensões da reforma judiciária 
Uma análise dos sucessivos relatórios elaborados sobre a PEC 96/92 
nos permitiu identificar três dimensões principais da reforma judiciária. Há, 
em primeiro lugar, o problema da jurisdição política constitucional, que diz 
respeito ao sistema de controle da constitucionalidade das leis, adotado em 
1988, e tem propiciado um amplo e às vezes contraditório intervencionismo 
judicial no processo político. A Carta de 1988 adotou um sistema híbrido de 
revisão judicial das leis e dos atos normativos, combinando características 
dos modelos difuso e concentrado. Desde essa época, propostas como a 
introdução das súmulas vinculantes ou do incidente de inconstitucionalidade 
têm sido feitas com a intenção de concentrar a competência de controle 
constitucional no Supremo Tribunal Federal, em detrimento das demais 
instâncias do Judiciário. A segunda dimensão da reforma trata da existência 
e efetividade de mecanismos de controle e fiscalização dos órgãos do 
sistema de justiça, especialmente por meio da criação do polêmico 
12 
Conselho Nacional de Justiça. Por fim, a terceira dimensão contempla os 
aspectos organizacionais e estruturais segundo sua capacidade de ampliar 
ou reduzir o acesso à Justiça e a democratização do Judiciário. Os capítulos 
a seguir têm por objetivo elaborar uma reflexão sobre alguns dos problemas 
suscitados por estas três dimensões, oferecendo ainda um rico levantamento 
a respeito das propostas de reforma do Judiciário e também do debate que 
vem se desenvolvendo no interior do Legislativo. 
13 
CAPÍTULO 1 
JURISDIÇÃO POLÍTICA CONSTITUCIONAL 
Rogério Bastos Arantes 
a perspectiva de concentrar o controle de constitucionalidade das leis 
no Supremo Tribunal Federal, o relator da revisão constitucional de 
1993-94, deputado Nelson Jobim, defendeu a inclusão do efeito vinculante 
das decisões do STF, tomadas a partir das ações diretas de 
inconstitucionalidade (ADIN). Na verdade, o parecer do relator pretendia 
completar a reforma iniciada com a criação da Ação Declaratória de 
Constitucionalidade em 1993, para a qual fora previsto o efeito vinculante. 
Tratava-se então, segundo Jobim, de estender essa regra para as ADINs, 
pois não se justificava o tratamento diferenciado entre os dois tipos de ação,“porquanto as ações de constitucionalidade e de inconstitucionalidade se 
prestam, em verdade, a um mesmo objetivo: a investigação da compatibilidade 
da norma infraconstitucional com o texto da Lei Maior”.10 Além dessa 
modificação, o parecer do relator propunha que as súmulas editadas pelo 
STF passassem a ter efeito vinculante sobre as instâncias inferiores do 
Judiciário e sobre os órgãos da administração pública em todos os níveis da 
federação.11 Saindo da esfera constitucional, Nelson Jobim propôs que os 
demais tribunais superiores pudessem também sumular decisões com efeito 
vinculante, no âmbito de suas respectivas jurisdições. Dessa forma, mais do 
que uma concentração do sistema de controle constitucional via súmulas de 
efeito vinculante do STF, teríamos com a proposta do relator uma 
centralização geral da máquina judiciária, abrangendo também os processos 
 
10 Congresso Nacional. Revisão da Constituição Federal. Parecer n.° 27, de 1994- RCF (arts. 
101 a 103). Poder Judiciário: Supremo Tribunal Federal. p. 17. 
11 A Súmula da Jurisprudência Dominante foi criada pelo STF em 1963, por sugestão do então 
ministro da Corte, Victor Nunes Leal. Na origem, as súmulas foram instituídas para dar 
estabilidade à jurisprudência do Supre mo e auxiliar na simplificação dos julgamentos de causas 
idênticas sem, entretanto, caráter impositivo e obrigatório para as instâncias inferiores do 
Judiciário. 
N 
14 
judiciais comuns ou infraconstitucionais.12 Como afirmou o relator, “as 
súmulas dos tribunais superiores, portanto, teriam força de lei”.13 
A instituição da súmula de efeito vinculante (SEV) foi justificada 
como forma de resolver a chamada “crise dos tribunais superiores”, 
caracterizada pela sobrecarga de processos que, segundo os mais 
pessimistas, poderia levar ao colapso desses tribunais. A SEV viria dar 
conta principalmente dos processos repetitivos, na medida em que obrigaria 
as instâncias inferiores do Judiciário, a se orientarem pelas decisões dos 
tribunais superiores, em casos semelhantes. Com isso, boa parte dos 
processos deixaria de galgar a estrutura judiciária, o que aliviaria o trabalho 
de cortes como o STF e o STJ. Além de evitar a repetição desnecessária, a 
SEV poderia ser útil nos casos de ampla repercussão pelo país, decorrentes 
de origem comum, que poderiam receber tratamento uniforme a partir de 
decisões firmadas pelos tribunais superiores. 
De fato, o crescimento do número de processos nos tribunais superiores 
pode ser avaliado pelos gráficos 1 e 2, relativos aos dois principais tipos de 
recursos recebidos pelo STJ e STF. É por intermédio do Recurso 
Extraordinário (REx) que chegam ao Supremo as causas envolvendo 
questões constitucionais decididas em instâncias inferiores do Judiciário. 
Por essa via, o STF atua como grau de recurso da parte difusa do 
sistema de controle de constitucionalidade e nele deságuam processos 
relativos a casos concretos, nos quais a questão constitucional aparece 
incidentalmente. O Recurso Especial (REs) está para o STJ aproximadamente 
como o REx está para o STF, isto é, pela via do REs ascendem ao Superior 
Tribunal de Justiça processos que questionam a interpretação da lei federal, 
dada por instâncias inferiores, e que apelam por uma revisão da sentença à 
corte responsável pela última palavra sobre o direito federal 
infraconstitucional. 
 
12 Nesse texto, a expressão concentração será utilizada quando estiver em discussão 
propostas de mudança no sistema de controle constitucional stricto senso, especialmente no 
que diz respeito às funções do Supremo Tribunal Federal. A expressão centralização será 
utilizada quando estiver em questão propostas de mudança na jurisdição ordinária ou 
comum, notadamente no que diz respeito às funções dos demais tribunais superiores. 
13 Congresso Nacional. Revisão da Constituição Federal. Parecer n.° 26, de 1994-RCF (arts. 
93 a 98). Poder Judiciário: Disposições Gerais, p. 35. 
15 
Os gráficos 1 e 2 mostram a tendência de crescimento, embora 
descontínua, dos REx e REs distribuídos para julgamento nos últimos anos, 
mas demonstram também que as respectivas cortes se esforçaram para reagir 
na mesma proporção desse crescimento. A litigiosidade difusa em torno da 
interpretação da Constituição (REx) quase triplicou entre 1990 e 2000 (taxa de 
2.7), enquanto a litigiosidade em torno da uniformização e aplicação da 
legislação federal (REs) quase duplicou entre 1995 e 1999 (taxa de 1.7). 
Não obstante seu objetivo de reduzir o excesso de processos nas altas 
cortes de justiça, a proposta da súmula de efeito vinculante (SEV) foi 
duramente combatida desde o início do debate sobre a reforma do 
Judiciário, justamente por seu caráter de centralização do sistema de justiça. 
A introdução desse mecanismo no nível superior da pirâmide judiciária 
atingiria não só a jurisdição constitucional, mas também a ordinária, com a 
possibilidade de tribunais comuns ou especializados como o STJ, TST e 
STM sumularem suas decisões, emprestando-lhes força vinculante. Nesse 
caso, a jurisprudência firmada pelos tribunais de cúpula do judiciário seria 
obrigatória para as instâncias inferiores, na totalidade dos ramos do Direito 
e nos mais variados tipos de processos, e não só os que envolvessem 
interpretação constitucional. A extensão do efeito vinculante das súmulas 
aos órgãos públicos chamava a atenção para a cota de responsabilidade da 
administração pública na sobrecarga de processos existentes no topo da 
pirâmide judiciária: boa parte desses processos seria de recursos interpostos 
por órgãos estatais que insistem em levar os processos até as instâncias 
superiores do Judiciário, mesmo sabendo que sairão de lá derrotados. 
No caso do STF, um levantamento da Assessoria Judiciária da corte 
sobre recursos extraordinários e agravos de instrumento no período 1991-1997 
revelou que a União Federal era parte em 26,9% do total desses processos e o 
INSS aparecia em outros 21,3%. Ou seja, somados, União e INSS foram 
responsáveis por quase metade da movimentação processual do STF – 
naquelas duas formas recursais – entre 1991 e 1997. O levantamento mostrou 
ainda que nada menos do que 84% desses processos eram sobre causas 
repetidas, sobre as quais o Supremo já havia se manifestado numerosas vezes. 
A questão é que, a rigor, a inclusão da administração pública na regra da SEV 
seria desnecessária, pois ela é parte no processo e não órgão julgador. Sua 
submissão à súmula não precisaria se dar diretamente, mas sim pela via da 
própria manifestação judicial, e só isso deveria ser suficiente para reparar atos 
lesivos, além de impedir a prática da interposição de recursos em causas 
16 
perdidas. Seja como for, essa regra juridicamente inócua pode ser considerada 
apenas uma forma de pressionar os órgãos estatais a acatar e responder mais 
rapidamente às decisões judiciais. 
Gráfico 1 
Recursos Extraordinários. Supremo Tribunal Federal (1920-2000*). 
 
Gráfico 2 
Recursos Especiais – Superior Tribunal de Justiça (1995-1999). 
 
Fonte: Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário, Supremo Tribunal Federal. 
10780
29196
10680
28804
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
35000
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Distribuídos Julgados
25147
43264
19584
42954
0
10000
20000
30000
40000
50000
1995 1996 1997 1998 1999
Distribuídos Julgados
17 
No fundo, o problema que a SEV se propõe a resolver é que, no 
Brasil, as decisões dos tribunais ditos superiores não são superiores em 
relação às demais instâncias do Judiciário. No que diz respeito à função de 
controle constitucional, o hibridismo do nosso sistema faz com que os 
juízes e tribunais inferiores não sejam obrigados a seguir as decisões do 
Supremo Tribunal Federal que, nesse sentido, está mais longe do modelo das 
Cortes Constitucionais europeias do que a Suprema Corte norte-americana – 
quefunciona como última instância de um sistema exclusivamente difuso-
incidental, mas que produz uma jurisprudência vinculante.14 No que diz 
respeito às causas ordinárias, a descentralização do sistema judiciário 
brasileiro – decorrente da organização federativa do Estado, da existência de 
Justiças especializadas e do juízo monocrático no primeiro grau – tensiona 
sobremaneira a tarefa dos tribunais superiores de uniformizar a interpretação 
do Direito em nível nacional, por meio da produção de uma jurisprudência 
capaz de vincular as demais esferas do Judiciário. 
O fato de serem superiores só no nome reduz o alcance prático das 
decisões dos tribunais sediados em Brasília, agravando a situação dos que 
saem vitoriosos na primeira instância, mas que são arrastados pelos 
derrotados (que muitas vezes é o próprio Estado) até a última instância, para 
receberem uma decisão cujo conteúdo todos já conheciam de antemão. 
Fosse a proposta da SEV encarada com essa obviedade – de que 
tribunais superiores deveriam existir para tomar decisões superiores –, sua 
inclusão no ordenamento constitucional já teria sido realizada há muito 
tempo, para corrigir um desses “erros” institucionais sem cabimento e cuja 
origem ninguém sabe explicar precisamente. Mas o debate em torno da 
 
14 Em trabalho anterior, demonstrei como o Brasil construiu um sistema híbrido de controle 
da constitucionalidade das leis. Embora a primeira constituição republicana (1891) tenha 
copiado o modelo difuso norte-americano, várias mudanças inspiradas no sistema 
concentrado europeu foram feitas pelas constituições posteriores, a ponto de transformar 
nosso sistema de controle constitucional em algo sem similar no mundo. No Brasil, todo e 
qualquer juiz pode apreciar a constitucionalidade das leis e atos normativos no julgamento 
de casos concretos (característica do sistema difuso) e há a possibilidade de ação direta de 
inconstitucionalidade contra a lei em si, perante o Supremo Tribunal Federal, que funciona 
assim como quase corte constitucional (característica do sistema concentrado). O modelo 
adotado em 1988 não é totalmente concentrado porque o STF não detém o monopólio da 
declaração de (in) constitucionalidade, dividindo essa competência com os juízes e tribunais 
de todo o país, nem suas sentenças são capazes de vincular decisões dos órgãos judiciários 
inferiores. Ver Arantes (1997). 
18 
SEV (e de outras medidas de centralização que veremos adiante) acabou 
assumindo contornos de uma disputa entre governo e oposição, que foi 
levada rapidamente a um impasse. 
Para o governo, a reforma do Judiciário ganhou importância como 
linha auxiliar de reforço da governabilidade enquanto para a oposição o 
mais importante tem sido garantir e ampliar o acesso à Justiça. No que diz 
respeito à jurisdição política constitucional, tais objetivos são totalmente 
antagônicos, o que explica em grande medida a dificuldade de 
implementação de uma reforma cujo primeiro projeto foi apresentado há 
oito anos e já está sendo discutido pela terceira legislatura consecutiva. 
A resistência da oposição a propostas como a da SEV decorre das 
vantagens que partidos políticos e setores da sociedade têm tirado do 
hibridismo de nosso sistema de controle constitucional e da 
descentralização judiciária como espaços extremamente favoráveis à luta 
política contra medidas do governo, especialmente na área econômica. 
Derrotados na esfera político-representativa, os partidos de oposição 
encontram na judicialização da política a possibilidade de reverter ou no 
mínimo adiar a implementação de medidas de interesse do governo. Os 
setores da sociedade, contrariados por decisões políticas, também têm fácil 
acesso ao Judiciário e usam desse recurso para escapar de decisões políticas 
majoritárias ou pelo menos para adiar seu impacto imediato. Como 
defendem Vianna [et al.]: 
a judicialização da política, entre nós, longe de enfraquecer o sistema 
de partidos, em especial os da esquerda e da oposição, tende a 
reforçá-lo, na medida em que propicia – é verdade que no campo 
predominantemente do Direito e de seus procedimentos – uma 
conexão entre a democracia representativa e a participativa, para o 
que concorrem as ações públicas, em que a cidadania se encontra 
legitimada para deflagrar o processo judicial contra as instâncias do 
poder (VIANNA et al., 1999:43). 
Embora exista grande distância entre a judicialização da política e o 
ideal de democracia participativa, a oposição esforça- se por manter o 
modelo judiciário e de controle constitucional adotado em 1988, não só pela 
possibilidade de simples particulares poderem levar o governo às barras da 
justiça, em todos os cantos do país, mas também porque o hibridismo do 
nosso sistema impede que o STF exerça alguma dominação sobre as 
19 
instâncias inferiores do Judiciário. A crença dos setores da oposição é a de 
que a suprema corte é suscetível às pressões da maioria política que 
governa, pelo fato de que seus ministros são indicados pelo presidente da 
República, com aprovação do Senado Federal. 
O gráfico 3 mostra como a judicialização da política, iniciada pela 
base da pirâmide judiciária, assumiu enormes proporções nos anos 1990. É 
na Justiça Federal de primeiro grau que esse fenômeno aparece de modo 
mais claro, pois é nela que União e particulares se encontram para resolver 
seus litígios, frequentemente com o governo e seus órgãos administrativos 
no banco dos réus. No gráfico 3 é demonstrado, por exemplo, como houve, 
logo após o primeiro ano do governo Collor, uma explosão de conflitos 
envolvendo a União, certamente em decorrência de suas medidas 
econômicas, tributárias e administrativas. E ao contrário do que se poderia 
imaginar, a relativa estabilidade política e econômica dos anos posteriores à 
instituição do Plano Real (em 1994) não significou um arrefecimento dessa 
luta judicial entre a sociedade e o governo. Ao invés disso, após um leve 
declínio entre 1992 e 1994, o número de ações veio crescendo linearmente 
até ultrapassar a barreira de um milhão de processos distribuídos em 1999. 
Em 1989, tínhamos, na Justiça Federal de primeiro grau, um processo 
distribuído para cada 604 habitantes. Dez anos depois, essa relação mudou 
para um processo a cada 151 habitantes. Em outras palavras, enquanto a 
população brasileira cresceu cerca de 15% entre 1989 e 1999, o número de 
processos movidos contra a União e a administração pública federal cresceu 
360%. Para complicar a situação, a proporção do número de processos 
julgados em relação aos distribuídos vem sendo de aproximadamente 50%, 
desde 1995. Ou seja, é como se estivéssemos diante de uma bola de neve 
que agrega por ano o dobro de gelo que o sol consegue dissolver no mesmo 
período de tempo. 
20 
Gráfico 3 
Movimentação processual na Justiça Federal de 1° grau (1989-1999). 
 
Fonte: Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário, Supremo Tribunal Federal. 
Os opositores da SEV sustentam que essa explosão de litigiosidade 
de particulares contra o governo seria sufocada autoritariamente pela 
centralização da máquina judiciária e pela supressão da independência dos 
juízes de primeiro grau. Embora tenham certa dose de razão nessa crítica, o 
que os defensores do status quo constitucional têm dificuldade de explicar é 
que muitas vezes, se não a descentralização do acesso à justiça, pelo menos 
a falta de efeito vinculante das decisões dos tribunais superiores beneficia 
justamente o governo e suas medidas inconstitucionais ou ilegais. 
Esse modelo contraditório – que frequentemente obriga os particulares 
a percorrer uma longa via crucis pelas instâncias judiciárias, ao mesmo 
tempo em que permite ao governo adiar ao máximo acertos de contas 
desfavoráveis – tornou-se mais evidente com a estabilização econômica 
pós-94. Com o fim da inflação, deixou de ser vantajoso para o governo 
protelar o pagamento de dívidas ou insistir na cobrança de impostos 
indevidos.Nesse sentido, em alguns casos recentes, o próprio governo 
surpreendeu a todos ao mandar seus advogados deixarem de interpor 
recurso em causas já decididas em última instância contra a União e seus 
234301
724129
1079158
129896
552990
0
100000
200000
300000
400000
500000
600000
700000
800000
900000
1000000
1100000
1200000
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Distribuídos Julgados
21 
órgãos, mesmo que isso pudesse significar perdas para o Tesouro Nacional 
e até mesmo o desrespeito ao princípio que obriga a administração pública a 
esgotar todos os esforços para defender o interesse público. Um dos 
exemplos reveladores da irracionalidade do sistema judicial ocorreu em 
agosto de 1995 quando os ministros da Justiça, Nelson Jobim, e da Fazenda, 
Pedro Malan, ordenaram à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional desistir 
da interposição de recursos em alguns casos sobre os quais o STF e o STJ já 
haviam se manifestado reiteradamente no mesmo sentido. O decreto dos 
ministros mencionava concretamente os processos relativos aos 
empréstimos compulsórios do governo Sarney (1986), ao Finsocial no 
período 1988-1990, à Cofins entre 1988 e 1989, ao IPMF de 1993 e ao 
ICMS na importação de mercadorias, além de outros casos. 
O que poderia parecer uma atitude isolada, diante de causas 
estigmatizadas e há muito perdidas pelo governo, transformou-se em regra 
geral por meio da Medida Provisória 1561-06, convertida em lei pelo 
Congresso Nacional em 10 de julho de 1997 (lei 9469) e posteriormente 
regulamentada pelo decreto 2.346 (de 10 de outubro de 1997). Por meio 
desse conjunto de normas, a Advocacia Geral da União, a Procuradoria 
Geral da Fazenda Nacional e o INSS ficaram autorizados a desistir da 
propositura de ações e da interposição de recursos nos casos decididos pelo 
STF de modo “inequívoco e definitivo”. 
Um exemplo mais recente dessa abstenção judicial do governo 
ocorreu em janeiro de 2001, com a decisão do ministro da Previdência 
Social, Waldeck Ornélas, determinando ao INSS que desistisse de interpor 
recurso perante o STF e o STJ, em algumas matérias já pacificadas nessas 
duas cortes. Em carta ao presidente do STJ, Waldeck Ornélas afirmou que 
“O Ministério da Previdência e Assistência Social está empenhado em 
participar do esforço que Vossa Excelência está empreendendo no sentido 
de desafogar e agilizar o andamento dos processos em tramitação no 
Superior Tribunal de Justiça”.15 Segundo dados do próprio tribunal, o INSS 
figurou em 10,6% dos 150.738 processos recebidos pela corte em 2000. 
Esses casos indicam que os custos de funcionamento de uma 
pirâmide judiciária, na qual as decisões tomadas no topo não têm efeito 
vinculante sobre os casos que ainda se encontram na base, podem ser 
 
15 Ver http://www.detalhes_noticias.asp?seq_noticia=3126 
22 
maiores para a sociedade e os indivíduos particulares do que os benefícios 
decorrentes da organização do Judiciário em mônadas. 
Outro exemplo nesse sentido, mais grave do que os anteriores, foi o 
caso recente do FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. 
Trabalhadores de vários estados entraram com ações na Justiça Federal 
pedindo a correção dos saldos do FGTS, em função dos índices 
inflacionários expurgados pelos Planos Bresser (julho de 1987), Verão 
(janeiro de 1989), Collor I (meses de abril e maio de 1990) e Collor II 
(fevereiro de 1991). A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal, pela 
primeira vez, por intermédio do recurso extraordinário interposto em nome 
de dez metalúrgicos do Rio Grande do Sul.16 O STF levou cinco meses para 
julgar o recurso, entre adiamentos, pedidos de vista e férias forenses.17 Ao 
final, o tribunal reconheceu que as contas do FGTS daqueles dez trabalhadores 
gaúchos deveriam ser corrigidas somente em função dos planos Verão e 
Collor I (apenas para o mês de abril de 1990), negando a correção pedida 
em relação aos demais.18 Com esse resultado, o Supremo confirmou em 
parte decisão do STJ, que já havia determinado a utilização dos índices de 
16,65% (relativo ao Plano Verão) e de 44,8% (relativo ao Plano Collor I. 
mês de abril) para a correção dos saldos do Fundo de Garantia. 
Segundo o Banco Central, se todas as contas do FGTS fossem 
automaticamente corrigidas de acordo com a decisão do STF, o valor global 
da correção poderia custar cerca de R$ 38 bilhões, algo próximo do valor de 
toda a exportação brasileira no período de um ano, como fez questão de 
frisar, na época, o presidente Fernando Henrique Cardoso.19 
Por outro lado, a decisão do STF não teria esse impacto global 
imediato, pois seu alcance era restrito às partes constantes no processo. Os 
demais trabalhadores teriam de pleitear na Justiça o mesmo benefício e o 
governo poderia arrastar essas causas por um bom tempo, levando-as todas 
ao STF. Para se ter uma ideia, apenas o Sindicato dos Metalúrgicos do Rio 
 
16 Recurso Extraordinário 226855-RS, Supremo Tribunal Federal. Relator: ministro Moreira Alves. 
17 A primeira sessão de julgamento ocorreu em 12/4/2000 e a última em 31/8/20000. 
18 Segundo o STF A Caixa Econômica Federal havia agido corretamente nos casos dos 
Planos Bresser, Collor I (mês de maio de 1990) e Collor II. 
19 Na primeira sessão do STF que examinou o pedido dos trabalhadores, em abril de 2000, a 
Bolsa de Valores de São Paulo despencou 5,03%, sob o receio de que o pagamento dos 
valores devidos do FGTS levasse a um rombo nas contas públicas e comprometesse a 
estabilidade fiscal (VOTO, 2000). 
23 
Grande do Sul, patrocinador da ação que se sagrou parcialmente vitoriosa 
no Supremo, está movendo outras para beneficiar cerca de 35 mil a 40 mil 
trabalhadores. Estimativas feitas por lideranças sindicais indicaram que o 
total de trabalhadores com direito à correção do FGTS poderia ultrapassar 
os 50 milhões.20 
Diante da resistência do governo, o advogado do sindicato gaúcho 
ameaçou recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA 
para pressionar o governo brasileiro a estender a todos os trabalhadores o 
efeito da decisão do STF. Ou seja, uma vez que o sistema judicial brasileiro 
não o promove mesmo esse efeito, apelar-se-ia para a uma corte 
internacional a fim de obrigar o governo a reconhecer e pagar a dívida. 
Por outro lado, o Executivo havia pedido ao STJ que revisasse os 
percentuais definidos para a correção e seria prudente aguardar o 
julgamento desse recurso. Para se ter um ideia, o governo chegou a pagar 
R$ 120 milhões em decorrência de 15 mil ações julgadas procedentes em 
relação aos outros planos econômicos que o STF depois viria excluir do 
cálculo do reajuste do FGTS devido. Se o governo tivesse desistido da 
causa logo após as primeiras decisões do STJ, a quantia a ser finalmente 
despendida teria sido muito maior do que os 38 bilhões de reais. 
Entretanto, para surpresa de todos, em 21 de setembro de 2000, o 
presidente Fernando Henrique Cardoso anunciou que o governo admitia a 
derrota e pagaria a diferença a todos os trabalhadores, sem que estes 
tivessem de acionar a justiça para isso.21 Ministros do STJ e do STF 
disseram estar aliviados com a decisão do presidente, pois ela livraria a 
Justiça de uma avalanche de processos e do risco de um verdadeiro colapso. 
Desde essa época, o governo e as centrais sindicais CUT, CGT e 
Força Sindical têm debatido fórmulas de correção do FGTS que reparem o 
direito lesado dos trabalhadores, mas que não comprometam o equilíbrio 
fiscal da União – objetivos mostrados até aqui incompatíveis diante do 
montante de dinheiro público em jogo. Até janeiro de 2001 e passados seis 
 
20 O presidente do STJ, ministro Paulo Costa Leite, afirmou que “se não houver acordo, 90% 
dos trabalhadores brasileiros vão entrar na Justiça e nós vamos ter um colapso na Justiça 
Federal”. Folha de São Paulo, 2/9/ 2000, p. B7. 
21 Nessa época, a estimativado Superior Tribunal de Justiça era de que haveria pelo menos 
600 mil processos semelhantes na primeira instância da Justiça Federal. Em outubro de 
2000, havia 30 mil recursos relativos a essa questão no STJ. 
24 
meses da decisão do STF, nenhuma solução tinha sido encontrada para o 
problema, que está sendo considerado o “maior contencioso do mundo”.22 
Caso houvesse o instrumento da SEV, o Supremo poderia após 
julgamentos reiterados a favor da correção, resolver a questão de uma vez 
por todas, editando a súmula que obrigaria as instâncias inferiores do 
Judiciário e a própria administração pública a adotar e cumprir a 
determinação do STF em casos semelhantes. 
O exemplo do FGTS veio se somar a outros anteriores, revelando a 
lógica perversa do funcionamento do sistema de recursos judiciais no 
Brasil, que muitas vezes impede a reparação rápida e generalizada de 
direitos lesados pelo governo. Todavia, nem sob o impacto de casos graves 
como os mencionados acima, os que se opõem a mecanismos de 
concentração como a SEV aceitam sua implementação. Na verdade, embora 
saibam que a sociedade poderia ser beneficiada com a SEV – nos conflitos 
judiciais com o governo –, os opositores da concentração do sistema de 
controle constitucional parecem preferir o status quo institucional pelas 
oportunidades que ele oferece quanto à litigância difusa contra o governo, 
além do receio que manifestam sobre o baixo grau de independência do 
STF em relação ao Poder Executivo federal. Diante dessa encruzilhada, 
muitos saem pela tangente, afirmando que o problema seria resolvido se o 
absenteísmo judicial do governo se tornasse regra nos casos decididos e 
confirmados reiteradamente pelo Supremo contra a administração pública. 
Como disse o jurista Dalmo Dallari, que é contrário à SEV: “se quem 
comete o excesso são as Procuradorias da Fazenda Nacional, que pertencem 
ao Poder Executivo, por que impor a limitação ao Judiciário, tirando a 
independência dos juízes?” E citando instrumentos legais que hoje 
autorizam o governo a desistir de causas consideradas perdidas, Dallari 
afirmou que “bastam que sejam utilizados, e será reduzido substancialmente 
o volume de trabalho de juízes e tribunais, sem tirar a independência dos 
juízes” (DALLARI, 1997). 
Mas houve quem, dentre os opositores das propostas de concentração, 
percebeu a irracionalidade do sistema e buscou alternativas de mudança que 
diminuíssem seus efeitos perversos, sem entregar-se ao objetivo de 
favorecer o governo e reforçar a governabilidade. Essa parece ser a orientação 
 
22 PRESIDENTE, 2000. 
25 
da proposta do Partido dos Trabalhadores que acatou a adoção do efeito 
“automático, geral e subordinante” da declaração de inconstitucionalidade 
pelo STF em decisões definitivas de mérito, em ação direta ou – o que é 
mais radical – incidentalmente.23 Note-se que a proposta não fala em uma 
decisão qualquer do Tribunal, mas apenas das que declaras sem leis a atos 
normativos inconstitucionais. Em outras palavras, se a decisão do STF fosse 
contrária à vontade da maioria política, ela poderia ter efeito vinculante. Se 
não, os juízes e tribunais poderiam continuar decidindo contra o STF, que 
ratificou a vontade da maioria política. Trata-se, portanto, de uma clara 
aposta na instância judicial como lugar de obstrução da maioria política 
pela minoria política, que assim sempre teria uma segunda chance para 
defender seus interesses, independentemente de sua maior ou menor 
representatividade social. 
1.1 As súmulas de efeito vinculante 
O projeto de Jairo Carneiro retomou a proposta de Nelson Jobim, que 
previa também a necessidade de aprovação da SEV por 3/5 dos membros 
do tribunal e a possibilidade de cancelamento ou alteração dela, mediante 
provocação de alguns agentes legitima dos para isso (ver quadro 1). A 
exigência de quórum mínimo para aprovação e a possibilidade de revisão da 
súmula foram introduzidas como formas de controle dessa atividade 
excepcional do tribunal. Jairo Carneiro arriscou-se a definir detalhes nesse 
sentido, mas, a partir do projeto de Aloysio Nunes, as questões de edição, 
cancelamento e modificação das súmulas foram jogadas para lei 
complementar, adiando definições específicas importantes em relação às 
quais era difícil produzir consensos. 
Como resultado das críticas dirigidas à SEV, o projeto de Aloysio 
Nunes veio com exigência de quórum mais elevado para aprovação (2/3 dos 
membros do tribunal), mas também foi menos duro quanto a seu 
descumprimento por parte dos administradores públicos. Na versão de Jairo 
Carneiro, o reiterado descumprimento da SEV configuraria crime de 
responsabilidade para o agente político e acarretaria a perda do cargo para o 
agente da Administração, independente de outras sanções cabíveis. Aloysio 
Nunes não levou a nova regra judicial a esse ponto. 
 
23 Sobre essa parte e outras da proposta global de reforma do Judiciário feita pelo PT, ver 
Genoino (1999). 
26 
Tabela 2. 
Súmulas de efeito vinculante 
Jairo Carneiro 
(PFL-BA) 
 
Do STF e Tribunais Superiores. 
Mediante voto de 3/5 dos membros. 
Com efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Judiciário e da 
administração pública. 
Aprovação, alteração ou cancelamento da súmula poderiam ocorrer de ofício ou 
por proposta de qualquer tribunal competente na matéria; pelo Ministério 
Público da União ou dos Estados; pela União, os Estados ou o Distrito Federal; 
pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e pela entidade 
máxima representativa da magistratura nacional, reconhecida pelo Supremo 
Tribunal Federal. 
Sim 
Aloysio N. 
Ferreira 
(PSDB-SP) 
Do STF e Tribunais Superiores. 
Mediante voto de 2/3 dos membros. 
Com efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Judiciário e da 
administração pública. 
Revisão ou cancelamento das súmulas seriam definidos por lei complementar Sim 
Zulaiê Cobra 
(PSDB-SP) 
Súmula impeditiva de recurso, editada pelo STF e Tribunais Superiores, depois 
das decisões reiteradas sobre matéria constitucional previdenciária, acidentária, 
tributária e econômica, desde que aprovadas por 2/3 dos ministros. 
Não seria admitido recurso interposto contra decisão baseada na súmula, 
ressalvada hipótese de argumentação jurídica razoável ainda não apreciada pelo 
STF e Tribunais Superiores 
Não 
Texto aprovado na Comissão Especial Texto aprovado em 1º e 2º turnos na Câmara 
Sim Sim 
Do STF e Tribunais Superiores. 
Mediante voto de 2/3 dos membros. 
Com efeito vinculante em relação aos demais 
órgãos do Judiciário e da administração 
pública. 
Revisão ou cancelamento das súmulas seriam 
definidos por lei complementar 
Do STF. 
Mediante voto de 2/3 dos membros. 
Com efeito vinculante em relação aos demais 
órgãos do Judiciário e d administração pública. 
Revisão ou cancelamento das súmulas seriam 
definidos por lei complementar 
Em linhas gerais, o que se pode perceber é que o núcleo da proposta 
de centralização do sistema de justiça (tanto na jurisdição constitucional 
quanto na ordinária), lançado primeiramente por Nelson Jobim, em 1994, 
permaneceu nos projetos de Jairo Carneiro e Aloysio Nunes Ferreira, indo 
desaguar no texto aprovado em dois turnos na Câmara dos Deputados 
(salvo pequenas diferenças entre eles). Os demais mecanismos da 
centralização que veremos adiante também fizeram parte desse núcleo e 
seguiram mais ou menos a mesma trajetória. 
27 
Houve um momento de inflexão nesse processo, no qual a proposta 
centralizadora foi rejeitada em nome da manutenção do poder das instâncias 
inferiores do Judiciário: quando o primeiro projeto de Zulaiê Cobra foi 
apresentado à comissão em setembro de 1999. 
Durante a fase de Zulaiê Cobra como relatora da comissão especial, os 
partidos de oposição encontraram espaço para suas propostas e os governistas 
viram suas ideias de centralização do sistema de justiça serem rejeitadas pela 
deputadatucana. Zulaiê opôs-se a quase todas as propostas nesse sentido, 
admitindo em seu relatório apenas a extensão do efeito vinculante às ações 
diretas de inconstitucionalidade, como propôs o Partido dos Trabalhadores. 
Especificamente sobre a SEV, Zulaiê Cobra afirmou em uma das 
reuniões da comissão especial: “sou contra a súmula vinculante, por isso não a 
coloquei no texto. Sei que o governo é a favor. Sou contra, porque vamos ser 
contra o juiz de primeira instância. O juiz de primeira instância, que é o que 
vai julgar, que vai inovar, é a única coisa boa que temos nessa vida.24 
No lugar das súmulas propostas por Jairo Carneiro e Aloysio Nunes, 
Zulaiê sugeriu a chamada súmula impeditiva de recursos (SIR). Na verdade, 
a ideia da SIR foi concebida por magistrados da Associação dos Juízes do 
Rio Grande do Sul em 1995 e levada pelo Partido dos Trabalhadores ao 
Congresso Nacional, no âmbito de sua proposta global de reforma do 
Judiciário. No modelo idealizado pelos juízes gaúchos, não caberia recurso 
contra sentenças judiciais que aplicassem as súmulas editadas pelo STF e 
pelos tribunais superiores, mas apenas contra as que rejeitassem a aplicação 
das decisões sumuladas. Com isso, argumentaram os defensores da proposta, a 
SIR contribuiria para desafogar a cúpula do Judiciário de processos idênticos e 
repetitivos, ao mesmo tempo em que preservaria a independência do juiz 
inferior, permitindo-lhe divergir da orientação da cúpula do Judiciário. 
Zulaiê Cobra adotou essa proposta, contrariando a orientação majoritária de 
seu partido e do governo e, além do princípio geral da SIR, restringiu as 
matérias passíveis de serem sumuladas às áreas previdenciária, acidentária, 
 
24 Reunião ordinária da comissão especial da reforma do poder Judiciário (PEC 96-A/92), 
em 19/10/99. Departamento de taquigrafia, revisão e redação da Câmara dos Deputados, nº 
1050/99. P.7. 
28 
tributária e econômica. Não por coincidência, essas são áreas nas quais o 
governo acumula enorme soma de derrotas nos tribunais superiores.25 
Para justificar sua oposição à proposta da SEV, Zulaiê Cobra invocou 
os argumentos do ex-juiz paulista Luiz Flávio Gomes. Fundados numa 
generosa interpretação dos princípios constitucionais, esses argumentos 
bem demonstram a fertilidade que às vezes caracteriza o pensamento 
jurídico. Diz o relatório de Zulaiê Cobra: 
cabe transcrever as críticas desse magistrado acerca da introdução 
das súmulas vinculantes em nosso ordenamento jurídico: ‘Fazem 
tabula rasa do princípio da tipicidade das leis, assim como do juiz 
natural imparcial (que inexiste nos sistemas de jurisprudência 
superior vinculante). Iludem o princípio do pluralismo político (art. 
10, inciso V), que é a base de várias interpretações válidas do mesmo 
texto normativo. Ofendem o princípio da dignidade da pessoa 
humana (art. 1.0, inciso III), à medida que retiram do juiz o que 
existe de essencial na atividade judicial, que é autodeterminação 
(tratar o juiz como incapaz de se autodeterminar, aniquilando sua 
criatividade, resulta em ofensa à sua dignidade).26 
Se a primeira crítica de Luiz Flávio Gomes estivesse correta, não seria 
possível falar em juiz natural nos Estados Unidos, onde a jurisprudência da 
Suprema Corte tem força vinculante sobre as instâncias inferiores do 
Judiciário. A segunda crítica, por sua vez, confunde pluralismo político 
(garantido pela Constituição, no art. 1º, inciso III) com pluralismo jurídico. A 
terceira, a mais criativa de todas, afirma que a SEV desrespeita o princípio da 
dignidade humana do juiz, como se a função institucional de um órgão 
judiciário pudesse ser reduzida a uma questão de ordem pessoal. 
A proposta da SIR foi apoiada pela Associação dos Magistrados 
Brasileiros e pela Associação Nacional dos Juízes Federais como fórmula 
 
25 É importante registrar o apoio do então ministro da Justiça, o advogado José Carlos Dias, 
ao projeto de Zulaiê Cobra. No dia seguinte à apresentação do relatório de Zulaiê Cobra, 
José Carlos Dias publicou artigo na Folha de São Paulo manifestando sua concordância com o 
“tom geral” do projeto. Sobre a recusa da deputada em adotar a SEV, afirmou o ex-ministro: 
“(...) a súmula vinculante teria por consequência restringir perversamente a criatividade dos 
juízes brasileiros. Mais do que isso, suprimiria o pleno exercício do direito fundamental do 
acesso à Justiça”. Folha de São Paulo, 15/9/99, p. 1-3. 
26 Relatório da deputada Zulaiê Cobra Ribeiro, apresentado à Comissão Especial de Reforma 
do Judiciário em 14/09/99. 
29 
alternativa ao remédio mais duro representado pela SEV. De certo modo, a 
proposta encampada por Zulaiê Cobra significou um recuo dos setores 
resistentes à centralização do sistema de justiça, na medida em que 
reconhece a necessidade de algum mecanismo redutor do excesso de 
recursos que sobrecarrega os tribunais superiores. Por outro lado, a SIR não 
obriga os juízes e tribunais inferiores a seguirem o entendimento dos 
tribunais superiores em causas semelhantes, mas apenas impede que a parte 
possa recorrer quando o juiz, livre e autonomamente, decide seguir a 
súmula editada pelos tribunais de cúpula do Judiciário. 
A aceitação da SIR, pelos opositores da centralização do sistema 
judicial, levou o debate sobre a instituição das súmulas a superar a questão 
mais simples do excesso de processos no topo da pirâmide judiciária. Com 
efeito, tornou-se evidente a partir daí que a questão fundamental recaía sobre a 
própria natureza dos tribunais de cúpula do Judiciário e sua legitimidade ou 
não para dar a última palavra sobre determinados tipos de causas. 
Apesar de contar com o apoio de setores importantes da própria 
magistratura e ter sido encampada por alguns partidos de oposição no 
Congresso, a ideia da SIR não convenceu os governistas, que se articularam 
para derrotar a proposta ainda no âmbito da comissão especial, na votação 
do relatório de Zulaiê Cobra. A SEV acabou voltando ao texto por meio do 
destaque apresentado pelo deputado Luiz Antonio Fleury (PTB-SP), apesar 
da inconsistência de sua argumentação perante o plenário da comissão. 
Fleury afirmou que a proposta de Zulaiê feria o princípio do duplo grau de 
jurisdição, ao permitir a interposição de recursos em alguns casos e impedi-
Ia em outros. Independente da necessidade de haver ou não duplo grau de 
jurisdição em questões constitucionais ou em causas repetidas, sobre as 
quais já exista manifestação clara do tribunal superior, o fato é que a 
proposta de Fleury significaria uma ofensa ainda maior a esse mesmo 
princípio, uma vez que contra a SEV não caberia nenhum tipo de recurso. 
Além disso, Fleury dedicou boa parte de sua argumentação à defesa 
da SEV como forma de produzir segurança jurídica, embora tenha falado 
longamente sobre os mecanismos de revisão e cancelamento das súmulas 
para evitar o enrijecimento excessivo da interpretação judicial das normas 
legais e dos princípios constitucionais. 
No fim, nem Fleury nem ninguém favorável à SEV foi capaz de falar 
francamente sobre as consequências da sua introdução no ordenamento 
30 
constitucional. Uma defesa coerente da SEV não poderia deixar de destacar 
a parte da proposta que estabelecia, como objetivo da súmula, “a validade, a 
interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja 
controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração 
pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de 
processos sobre questão idêntica”. Ou seja, o próprio texto proposto 
reconhecia que a finalidade da SEV não era consolidar posições já 
pacificadas pela jurisprudência, porém “pacificar à força” controvérsias 
judiciais existentes e ameaçadoras da segurança jurídica. 
Zulaiê Cobra manifestou-se contra o destaque de Fleury, 
argumentando que o acúmulo de processos no STF não seria justificativa 
suficiente para introduzira SEV, emendando: 
Todos os argumentos da súmula são contra o juiz de primeira 
instância. São argumentos contra o povo. Porque, de repente, o povo 
não pode mais reclamar nada, porque lá em cima está fechado. O 
povo não vai poder mais se colocar. Essa é a verdade. Não sei como 
podemos nesta Casa defender algo contra o povo, mas estamos 
defendendo. Só se defendem os tribunais, e os superiores.27 
José Roberto Batochio (PDT-SP) também falou contra a SEV, 
relacionando-a ao imperialismo e à luta de classes: 
O Banco Mundial abriu uma linha de crédito para a reforma do Poder 
Judiciário em países da América Latina – Venezuela, Peru e 
Colômbia. Que interesse teria o Banco Mundial ou o Primeiro 
Mundo, que se localiza acima do Equador, em reformular as nossas 
Justiças? Qual é o interesse? Será que eles querem que o nosso 
miserável, o nosso pobre tenha acesso à Justiça? Ou outros interesses 
estão animando as forças do capital? [...] O que se quer é fazer uma 
justiça de primeira classe, a Justiça das causas importantes, a Justiça 
do Governo, a Justiça dos banqueiros, do capital internacional. 
Decide-se nos Tribunais Superiores com força de lei para toda a 
pirâmide judiciária, para toda a administração e para todo o povo 
brasileiro. [...] Estamos castrando sim o poder Judiciário. Essa é uma 
medida profundamente antidemocrática. 28 
 
27 Reunião ordinária da Comissão Especial da Reforma do Poder Judiciário (PEC 96-92/A), 
em 3/11/99. Departamento de taquigrafia, revisão e redação da Câmara dos Deputados, nº 
1154/99. p. 21. 
28 Idem, p.42-43. 
31 
Segundo Batochio, o que resolveria o problema do acúmulo de 
processos no Judiciário e sua consequente lentidão seria a multiplicação do 
número de juízes e não a diminuição do acesso à justiça. No discurso do ex-
presidente da OAB federal e de outros parlamentares de esquerda, a 
descentralização que caracteriza o sistema judiciário atual é uma de suas 
principais virtudes, dado que permite aos cidadãos escaparem do 
cumprimento de normas federais, estaduais e municipais tidas como 
inconstitucionais. Em casos de ampla repercussão, a soma das ações 
individuais pode mesmo comprometer políticas gerais. Nesse sentido, num 
quadro político marcado por uma aliança majoritária quase sempre vitoriosa 
nas disputas parlamentares, não é de espantar que a minoria política 
encontre no judiciário descentralizado e no sistema híbrido de controle 
constitucional, fortes aliados na luta política. Mesmo que conjunturalmente 
isso faça sentido, não deixa de ser surpreendente ver partidos de esquerda 
associarem-se à tradição liberal, responsável pela invenção do controle 
judicial dos poderes políticos, para corrigir os desvios do governo popular, 
especialmente os ataques frequentes ao direito de propriedade privada. 
Os representantes do PSDB, PMDB e PFL encaminharam voto 
favorável ao destaque de Luiz Antonio Fleury, introduzindo novamente a 
SEV no texto da reforma, enquanto PT e PDT recomendaram o voto “não”, 
em defesa da descentralização do Judiciário. Ao final, os partidos 
governistas ganharam a votação no plenário da comissão por 16 a 9. 
No retomo da SEV ao projeto, acrescentou-se a regra de que, “sem 
prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou 
cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem 
propor a ação direta de inconstitucionalidade”. Ou seja, ficaria estabelecido 
desde a emenda constitucional que, pelo menos no caso do STF, os nove 
agentes legitimados a propor ADIN poderiam também provocar o tribunal 
para editar e/ou rever suas súmulas de efeito vinculante. Essa redação foi 
aprovada pela Câmara dos Deputados. 
O efetivo cumprimento das súmulas por parte dos órgãos do Judiciário 
e da administração pública foi outro ponto que preocupou os relatores Jairo 
Carneiro e Aloysio Nunes. Ambos fizeram constar em seus textos que, 
do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula 
aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação para o 
Tribunal que a houver editado, o qual, julgando-a procedente, anulará 
32 
o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada e 
determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da 
súmula, conforme o caso. 
Desse modo, garantir-se-ia a força vinculante das súmulas, contra 
qualquer comportamento rebelde por parte das instâncias inferiores do 
Judiciário e mesmo da administração pública. 
No fundo, a introdução desse mecanismo de enforcement das 
súmulas (que também consta no texto aprovado pela Câmara dos 
Deputados) revela a temeridade dos autores quanto à real capacidade de os 
tribunais superiores conseguirem impor suas decisões sumuladas. Em outras 
palavras, a simples atribuição de efeito vinculante às súmulas deveria ser 
suficiente para torná-las obrigatórias, mas os mentores da SEV indiretamente 
admitiram que órgãos judiciários e administrativos podem eventualmente 
desrespeitar uma ordem judicial superior e, por esse motivo, criaram mais 
um tipo de recurso judicial: a reclamação pela autoridade da súmula de 
efeito vinculante. 
De fato, a hipótese de as instâncias inferiores não se deixarem vincular 
pelas súmulas não é tão descabida, havendo hoje no Brasil um exemplo claro a 
alimentá-la. Em exposição feita à comissão especial da reforma do Judiciário, 
em 4/5/99, o então presidente do STF, ministro Celso de Mello, revelou que o 
julgamento de uma ação declaratória de constitucionalidade (que tem efeito 
vinculante) tinha levado a um expressivo aumento do número de reclamações 
dirigidas ao Tribunal, contra decisões de órgãos inferiores que se negaram a 
seguir o Supremo Tribunal. Mello se referia à Ação Declaratória de 
Constitucionalidade n.º 4, patrocinada pelo presidente da República e pelas 
Mesas do Senado e da Câmara em favor da lei 9.494/97, que disciplina a 
aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública. Segundo o presidente 
do STF, magistrados e tribunais de vários pontos do país discordaram da 
decisão do Supremo (que confirmou a constitucionalidade da lei) e 
concederam tutela antecipada a funcionários públicos que estavam pedindo 
reajuste de salários na justiça. Ou seja, esses juízes decidiram contra a lei e 
contra a decisão do STF. Nos catorze meses anteriores à decisão do Supremo, 
o Tribunal havia recebido 94 reclamações de preservação de competência e/ou 
de autoridade de seus julgados. Após a decisão que teve efeito vinculante 
sobre as instâncias inferiores do Judiciário, o número de reclamações chegou a 
224 nos catorze meses posteriores à decisão. Celso de Mello – que falava na 
33 
ocasião contra a SEV – argumentou então que o efeito vinculante traiu sua 
finalidade de diminuir o número de processos na corte suprema, pois acabou 
criando outros novos. Segundo o ministro, 
vale dizer: o efeito vinculante gerou uma consequência 
diametralmente oposta àquela que se pretendia. Pretendia-se, com 
essa medida, a supressão, ou pelo menos a redução substancial, do 
volume de processos do Supremo Tribunal Federal. Mas nessa primeira 
experiência com o efeito vinculante o que ocorreu foi exatamente uma 
consequência oposta. Houve, na verdade, a triplicação do número de 
reclamações ao Tribunal por alegado desrespeito precisamente à 
autoridade da decisão do Tribunal, que se revestia do efeito 
vinculante, autorizado pela Emenda Constitucional n.° 3.29 
O exemplo discutido por Celso de Mello revela a força do lado difuso 
do sistema de controle constitucional, que resiste em aceitar que decisões 
do STF possam predeterminar o entendimento de juízes de primeiro e 
segundo graus sobre casos semelhantes. A rigor, nenhuma das tantas 
propostas de concentração do controle de constitucionalidade seria 
necessária se simplesmente fosse suspenso o princípio difuso, entregando 
ao STF ou a uma corte constitucional o monopólio dessa tarefa, a exemplo 
do que ocorre nos países que adotam o modelo concentrado. Mas mesmo os 
mais

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