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71 Capítulo 5 CARCINOMAS DIFERENCIADOS DE TIREOIDE Gabriela Resende Vieira de Sousa Tatiana Strava Corrêa Carlos Eduardo Santa Ritta Barreira Marina Azzi Quintanilha INTRODUÇÃO Os carcinomas diferenciados da tireoide (CDT) são tumores derivados de células foliculares desta glândula. Correspondem a 90% das neoplasias malignas tireoidianas. Durante as últimas décadas, um aumento dramático do número de casos foi observado em todo o mundo. Embora as taxas de mortalidade permaneçam relativamente estáveis e baixas, o aumento na incidência atinge a taxa mais alta de crescimento, em comparação com qualquer outra neoplasia maligna. Ainda é motivo de debate se esta é uma consequ- ência da melhoria dos métodos de diagnóstico e rastreio ou se representa uma mudança real na incidência devido a alguns fatores ambientais.1,2 O principal desafio clínico é evitar o diagnóstico exagerado em pacientes com doença de baixo risco ou nódulos benignos e, ao mesmo tempo, não deixar de identificar tumores mais avançados ou de alto risco, que requerem abordagens de tratamento mais agressivas. Os CDT podem ser do tipo papilífero (85%), folicular (10%) ou oncocítico (5%). O carcinoma papilífero de tireoide (CPT) possui 15 variantes histológicas identificadas, sen- do as de melhor prognóstico a clássica e a folicular; e as mais agressivas, a colunar, de célu- las altas, esclerosante difusa, sólida, insular e trabecular. O CPT clássico é o mais comum (70 a 80%), seguido da variante folicular (FVPTC). Vários estudos têm demonstrado que FVPTCs encapsulados e sem invasão vascular (EFVPTCs) raramente exibem metástases, com risco de recorrência de menos de 1%. Portanto, a maioria se comporta como adeno- ma folicular.3 O microcarcinoma papilífero corresponde ao CPT com tamanho inferior a 1 cm. Os carcinomas foliculares da tireoide (CFT) se dividem em três subgrupos (mini- mamente invasivos com invasão capsular, angioinvasivos encapsulados e amplamente in- vasivos) que refletem a relevância prognóstica da invasão vascular. O carcinoma folicular oncocítico é formado por grandes células (de Hurthle) com o acúmulo de mitocôndrias e apresenta maior taxa de metástases, recorrência e mortalidade relacionada ao tumor.4,5 DIRETRIZES ONCOLÓGICAS72 EPIDEMIOLOGIA NO BRASIL O CDT pode ser considerado o mais comum da região da cabeça e pescoço. No Brasil, dos mais de 500000 mil casos novos de câncer estimados pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA) para 2016, 6960 seriam de tireoide. É importante ressaltar que as mulhe- res são as mais afetadas, com uma incidência cinco vezes maior. A doença é o oitavo tipo mais frequente de câncer entre as mulheres brasileiras, e representa 3 % de todos os casos de câncer nesse grupo. A região com maior incidência é o Sudeste.6 ESTADIAMENTO O estadiamento da AJJC é recomendado para todos os casos de CDT devido sua utilidade em predizer o risco de mortalidade.7 Baseia-se na idade do diagnóstico (mais que 55 anos como fator de risco) em conjunto com a classificação TNM (T: tamanho do tumor primário, N: número e localização de linfonodos metastáticos e M: metástases à distância). O T pode ser avaliado por exame anatomopatológico, exames pré-operatórios como ultrassonografia cervical (USG), tomografia computadorizada (TC), ressonância magnética (RM) e laringoscopia, em alguns casos. A avaliação do N é realizada com USG pré-operatória ou punção biópsia aspirativa com agulha fina (PBAAF) guiada por USG (caso haja dúvida), em todos pacientes que serão submetidos à tireoidectomia com suspeita de malignidade.8,9 O risco de mortalidade é de 1,7%, 15,2%, 30% e 60,9% em 10 anos, nos estádios I, II, III e IV, respectivamente. A American Thyroid Association (ATA) define em seus guidelines uma estratificação de risco pós tireoidectomia que prevê o risco de recorrência da doença. Essa estratificação classifica os pacientes em baixo, intermediário ou alto risco: Risco baixo: CDT sem inva- são extratireoidiana, com menos de 6 linfonodos acometidos com micrometástases (< 0,2 cm); Risco intermediário: subtipo histológico desfavorável, invasão extratireoidiana míni- ma, invasão vascular ou mais de 5 linfonodos acometidos (0,2-3 cm); Risco alto: invasão extratireoidiana evidente, ressecção incompleta do tumor, metástases a distância ou lin- fonodos maior que 3 cm.10,11 Além disso, características moleculares, quando disponíveis, podem ser utilizadas para auxiliar na estimativa de recorrência (estado mutacional do BRAF e do TERT11).11,12 Tabela 5.1. Classificação TNM para CDT (oitava edição) TX: tumor primário não pode ser avaliado T0: sem evidência de lesão primária T1a: tumor menor que 1 cm, sem invasão extratireoidiana T1b: tumor entre 1 e 2 cm, sem invasão extratireoidiana T2: tumor entre 2 e 4 cm, sem invasão extratireoidiana T3a: tumor maior que 4 cm limitado à tireoide T4b: invasão de músculos adjacentes T4a: tumor invade estruturas adjacentes, como tecido subcutâneo, traqueia, laringe, esôfago, nervo laríngeo recorrente T4b: tumor invade outras estruturas adjacentes, como fáscia pré-vertebral, artérias carotídeas, vasos mediastinais Capítulo 5 • CARCINOMAS DIFERENCIADOS DE TIREOIDE 73 NX: metástases regionais não podem ser avaliadas N0: sem metástases em linfonodos regionais N0a: uma ou mais histologia confirmando linfonodo benigno N0b: sem evidência radiológica de acometimento linfonodal N1a: metástases em linfonodos do nível VI ou VII (linfonodos do grupo pré-traqueal, paratraqueal, pré-laringeal e mediastino superior) N1b: metástases unilaterais, bilaterais ou contralaterais (linfonodos do nível I, II, III, IV ou V), retrofaringianos M0: sem metástase a distância. M1: com metástase a distância. Tabela 5.2. Estadiamento do CDT Idade ao diagnóstico T N M Estádio Menor de 55 anos Qualquer Qualquer MO I Qualquer Qualquer M1 II Maior de 55 anos T1 NO/NX M0 I T1 N1 M0 II T2 N0/NX M0 I T2 N1 M0 II T3a/T3b Qualquer M0 II T4a Qualquer M0 III T4b Qualquer M0 IVa Qualquer Qualquer M1 IVb TRATAMENTO: Extensão da tireoidectomia: A ressecção cirúrgica é elemento essencial no tratamento dos CDTs, sendo a exten- são do procedimento cirúrgico indicada de acordo com estadiamento da doença. Para microcarcinomas papilares unifocais, com variantes histopatológicas menos agressivas, sem extravasamento capsular e/ou metástases linfonodais, pode ser indicado tireoidectomia parcial, com apenas lobectomia. Os pacientes que foram submetidos pre- viamente a lobectomias e que apresentarem estas características citadas anteriormente, devem ser considerados tratados, e os pacientes que apresentarem, ao anatomopatológi- co, um carcinoma folicular minimamente invasivo menor de 2 cm, também não neces- sitam de totalização de tireoidectomia.13 A variante folicular encapsulada do carcinoma papilar apresenta característica de tumor indolente e de baixa agressividade, e também pode ser tratada apenas com lobectomia.14 Para todas outras situações, a tireoidectomia total é a opção cirúrgica de escolha (Recomendação com nível A de evidência). Capítulo 5 • CARCINOMAS DIFERENCIADOS DE TIREOIDE DIRETRIZES ONCOLÓGICAS74 Tireoidectomia Total (TT): A TT é elemento importante tanto na terapêutica quanto no seguimento do CDT. Depois de confirmado o diagnóstico por material proveniente de PBAAF de nódulo ti- reoidiano ou por exame anatomopatológico de cirurgia de nódulo suspeito, a TT é o tratamento inicial para quase todos os tumores. A TT deve ser realizada em CFT amplamente invasivos. Nos casos minimamente invasivos, sem invasão vascular, não há necessidade de TT caso o tumor tenha sido com- pletamente ressecado no procedimento inicial (lobectomia). A TT será necessária apenas para variantes desfavoráveis. A TT é indicada em todos CPT maiores que 1 cm e/ou os CPT de qualquer ta- manho invasivos ou metastáticos (Recomendação 3iiA). Nos microcarcinomas papilíferos variante clássica, unifocal, sem comprometimento ganglionar e sem invasão extratireoi- diana,em pacientes sem história de irradiação cervical e história familiar de câncer de tireoide, a lobectomia é suficiente, pois a extensão da cirurgia, nesses casos, não afeta a recorrência ou a sobrevida (Recomendação 3iiA).11,12,15 A observação ativa também é uma das opções de manejo para esse tipo de CPT subcentimétrico. Em estudos japoneses recentes, essa estratégia demonstrou ser segura e eficaz: após 10 anos, apenas 8% apre- sentaram crescimento tumoral, e 4% desenvolveram metástases linfonodais. Idade abaixo dos 40 anos ao diagnóstico foi um fator de risco independente para progressão da doença. Em termos de cura, o tratamento cirúrgico tardio desses tumores foi tão eficaz quanto o tratamento imediato.16 Linfadenectomia: O estadiamento pré-operatório é muito importante para definição da abordagem das cadeias linfáticas cervicais. Se o exame físico e os exames de imagens não evidencia- rem metástases linfonodais nas cadeias laterais, o esvaziamento destas cadeias não deve ser considerado. O esvaziamento terapêutico deve ser indicado apenas na evidência de comprometimento neoplásico de linfonodos destes níveis (Recomendação com nível A de evidência).12,15,16 O esvaziamento do compartimento central deve ser considerado sempre que houver metástases suspeitas ou identificadas neste nível (Recomendação com nível A de evidên- cia).17 O compartimento central pode ser bem avaliado pré-operatório por ultrassonogra- fia por médicos experientes no método, mais a abordagem e vistoria do compartimento central no ato cirúrgico deve ser realizado como rotina na intenção de identificar possíveis metástases regionais. O esvaziamento não é indicado como rotina para tumores peque- nos, não invasivos, sem acometimento clínico linfonodal.11 Nos pacientes sem suspeita de metástases na US pré- e avaliação perioperatória pelo cirurgião, a dissecção eletiva de linfonodos do compartimento central pode ser considerada em pacientes com tumores > 4 cm ou invasão extratireoidiana aparente (Recomendação nível C de evidência).17 Radioiodoterapia (RIT) A RIT consiste na administração sistêmica de I-131 (iodo radioativo) para ablação de remanescentes da tireoide, bem como tumor irressecável ou ressecção incompleta. A Capítulo 5 • CARCINOMAS DIFERENCIADOS DE TIREOIDE 75 RIT ablativa adjuvante de remanescentes da tireoide ou tecido tumoral é condição ideal para o seguimento com dosagem de tiroglobulina sérica (Tg), proteína sérica específica das células tireoidianas, usada como marcador de doença no seguimento. A RIT tem benefício estabelecido em pacientes com CDT com alto risco de recor- rência e pode ser considerada em pacientes com CDT de risco intermediário. A RIT não é indicada rotineiramente para os pacientes com CDT com baixo risco de recorrência e para pacientes com microcarcinoma papilífero unifocal, após lobectomia ou TT a menos que haja outros eventos adversos.18,19 Em pacientes com risco baixo e intermediário, a decisão de ablação pode ser baseada em fatores prognósticos individuais e no nível de Tg sérico medido 6 semanas após a cirurgia ou no tratamento com LT4 com um ensaio sen- sível ou após injeções de TSH humano recombinante (rhTSH). Um nível de Tg sérico in- detectável ou baixo, neste momento, apoia a decisão de evitar a administração de RAI.20 A RIT também é utilizada para o tratamento de restos tumorais captantes de iodo, linfonodos acometidos e metástases à distância, com objetivo curativo ou paliativo. No caso da atividade tumoral mostrada por aumento do nível sérico de Tg, sem presença de tumor detectável, usando imagens morfológicas e funcionais, a RIT empírica pode ser considerada, após se pesar os riscos e os benefícios.18 Para assegurar uma elevada absor- ção de I-131 em tecido remanescente, tumor (suspeito) ou metástases, é necessário um nível elevado de hormônio tireoestimulante (TSH) no soro (> 30 mUI / L). Esse nível de TSH pode ser alcançado esperando ao menos de 3 semanas após a TT ou 4-5 semanas sem o uso de levotiroxina (LT4) ou com a administração de TSH recombinante (Reco- mendação 3iA).11 Supressão com levotiroxina Após a TT, torna-se necessária terapia de reposição hormonal do hormônio tireoi- diano com levotiroxina (LT4) ao longo da vida. O TSH é capaz de promover o crescimen- to de células neoplásicas remanescentes, portanto, a dosagem de LT4 deve ser ajustada para conseguir sua supressão. A função tireoidiana deve ser verificada após 6 a 8 semanas. O nível de TSH que deve ser mantido de acordo com as recomendações abaixo, de acor- do com o risco. Para os CDT de alto risco deve-se manter TSH<0,1 mUI/ml. Para casos de risco intermediário, o TSH deve ficar entre 0,1 e 0,5 mUI/ml. Já os casos de baixo risco, que foram submetidos à TT e RIT, com níveis indetectáveis de Tg, o TSH deve ficar no limite inferior da referência (0,5-2,0 um/ml) assim como para aqueles que fizeram apenas TT e possuem níveis de Tg indetectáveis. Para os CDT de baixo risco, que foram submetidos à TT, RIT que possuem níveis de Tg baixos, o TSH deve ficar entre 0,1-0,5 mUI/ml. Para os que foram submetidos à lobectomia, o TSH pode ficar no intervalo normal do valor de referência, entre 0,5-2 mUI/ml.11 SEGUIMENTO O seguimento inicial deve ser a cada seis meses durante os primeiros 5 anos após o diagnóstico. Se não houver alterações nesse período, os exames passam a ser anuais. O acompanhamento é baseado em entrevista médica, exame clínico, USG cervical, dosa- Capítulo 5 • CARCINOMAS DIFERENCIADOS DE TIREOIDE DIRETRIZES ONCOLÓGICAS76 gem de TSH, Tg e anticorpos anti-Tg. É mandatória a realização de pesquisa de corpo inteiro (PCI) 6-12 meses após a RIT inicial. Os critérios para um estágio livre de doença 6-12 meses após a terapia primária com TT e RIT são: ausência de sinais clínicos e de captação patológica na PCI, Tg indetectável (com supressão e após estimulação com TSH) e anticorpos anti-Tg negativos. Nestas condições, os pacientes têm uma probabi- lidade muito baixa de recorrência.21 Caso apresente níveis séricos aumentados de Tg e nenhum tecido tumoral captante com iodo radioativo, deve-se incluir a busca por tecido não captante de iodo usando tomografia de emissão de pósitrons de F-18-fluorodeoxi-gli- cose (FDG-PET) combinada com TC, sob a estimulação de TSH.11 TUMORES METASTÁTICOS: As metástases podem ser descobertas no momento inicial da doença ou identificadas durante o seguimento. A hierarquia preferida de tratamento para doença metastática é a seguinte: 1) excisão cirúrgica das lesões locorregionais, 2) RIT com I-131 para doença responsiva ao iodo, 3) radioterapia externa ou outras modalidades de tratamento direcio- nado, como ablação térmica, 4) terapia supressiva com LT4 para doença sistêmica assin- tomática estável ou lentamente progressiva e 5) terapia com inibidores de tirosina-quinase (ITK) para doença macroscópica refratária significativamente progressiva. A terapia cirúrgica em pacientes incuráveis selecionados é importante para preve- nir complicações em áreas específicas, como SNC e compartimento cervical central. Por outro lado, o tratamento conservador com supressão do TSH é útil para pacientes com doença metastática estável e assintomática. No caso de metástases micronodulares do pulmão, a RIT é realizada como trata- mento com intenção curativa. As metástases pulmonares macronodulares também devem ser tratadas com I-131, mas remissão completa é improvável. Alternativamente (ou em combinação), a ressecabilidade pode ser avaliada. No caso de lesão óssea isolada, a ressec- ção cirúrgica completa leva a um melhor resultado. A terapia intervencionista pode ser útil se as metástases sintomáticas do osso não puderem ser ressecadas. A mesma estratégia é aplicada às metástases cerebrais.22,23 Tratamento Sistêmico: Para o CDT com baixa captação de iodo, a RIT deixa de ser uma opção terapêutica. A resistência à RIT é definida como presença de lesões sem absorção de iodo sob estímulo de TSH, ou progressão de tamanhono ano após RIT ou metástases persistentes após uma dose cumulativa de 22 GBq (600 mCi) de iodo radioativo. Nesses casos, o diagnóstico complementar com FDG-PET / tomografia computadorizada (TC) é essencial. Os inibidores de tirosina-quinase (ITK), como sorafenibe e lenvatinibe, representam opções de tratamento sistêmico dos CDT. Os receptores de tirosina-quinase, estrutura alvo dos ITK, são proteínas trans-membrana que permitem sobrevida e proliferação ce- lular. Os ITK bloqueiam receptores dos fatores de crescimento do endotélio vascular (VEGF), receptores de fatores de crescimento de fibroblastos e fatores de crescimento de- rivado de plaquetas e assim, inibem a angiogênese tumoral e a linfangiogênese, e causam hipóxia no tecido maligno. Capítulo 5 • CARCINOMAS DIFERENCIADOS DE TIREOIDE 77 O sorafenibe, um ITK multiquinase, mostrou ganho de sobrevida livre de progres- são versus placebo (10,8 versus 5,8 meses) para pacientes com câncer de tireoide bem diferenciado, resistente a iodo (HR 0,59; p<0·0001). (Recomendação 1iDiii).24 Droga mais recente, o lenvatinibe, foi testado em estudo fase 3 comparado a placebo para pacientes com carcinoma de tireoide bem diferenciado resistente a iodo. Total de 261 pacientes no grupo de tratamento e 131 no grupo placebo. O objetivo primário do estudo, sobrevida livre de progressão foi atingido, com benefício significativo no braço do ITK (18,3 x 3,6 meses, HR = 0,21; P<0.001). A sobrevida global ainda não foi atingida em nenhum dos grupos.25 Outros ITK multiquinase como pazopanibe ou sunitinibe também mostram benefí- cio de sobrevida livre da doença em pacientes com doença resistente ao iodo ou recorren- te, em estudos menores de fase 2.24,26,27 Para tumores BRAF ou mutantes ALK, inibidores específicos podem ser utilizados. Alguns tipos de tratamentos capazes de restaurar a captação de radioiodo têm despertado grande interesse. O Selumetinib, um inibidor seletivo de MEK e dabrafenib, inibidor sele- tivo de BRAF usado em tumores mutados por BRAF) demonstraram aumentar a captação de radioiodo por tecidos tumorais refratários a RAI e esses resultados animadores estão sob investigação. A imunoterapia também parece ser uma abordagem promissora para o câncer de tireoide, isoladamente ou em associação com outras drogas.28-31 CARCINOMA MEDULAR DE TIREOIDE O carcinoma medular de tireoide (CMT) é uma neoplasia neuroendócrina das células C tireoidianas, que representam 1% do total de células da tireoide. Corresponde a 5% do total de tumores da tireoide e habitualmente tem evolução indolente, embora seu curso clínico seja heterogêneo. Apesar de 70% dos casos ocorrerem de forma es- porádica, cerca de 25% dos CMT são hereditários, associados à neoplasia endócrina múltipla (MEN) do tipo 2A e 2B.32 Mutações germinativas do gene RET estão pre- sentes em mais de 95% dos pacientes com MEN 2A e MEN 2B. São identificadas em 6-10% dos doentes com CMT esporádico. O RET é um proto-oncogene localizado no cromossomo 10q11.2 que codifica uma proteína trans-membrana da família das tirosina-quinases. Os tumores esporádicos ocorrem entre a quarta e a sexta década de vida, enquanto que os tumores relacionados MEN2 ocorrem em idades mais precoces (terceira década de vida).33 Estimativa americana de 0,11 casos/100.000 habitante. No Brasil estima-se 430 casos novos/ano.34 Estadiamento e investigação � Exame físico � Biópsia com comprovação histológica ou citológica de carcinoma medular de tireoide; � Pesquisa de marcadores tumorais (calcitonina e CEA); � Exclusão de condições associadas a MEN2 - hiperparatireoidismo primário e feocromocitoma; � Imagens (tomografias/ultrassonografia/ressonância) cervical; Capítulo 5 • CARCINOMAS DIFERENCIADOS DE TIREOIDE DIRETRIZES ONCOLÓGICAS78 � Tomografias de tórax, abdome e cintilografia óssea (ou ressonância axial) se calcitonina superior a 500 pg/ml ou suspeita de disseminação à distância; � Pesquisa de mutação do gene RET como parte da abordagem inicial de pacien- tes com CMT.4 � A classificação de estadiamento TNM segue como exposto para carcinoma bem diferenciado de tireoide. � O PET-CT (FDG-PET/CT ou F-DOPA-PET/CT) é pouco sensível para de- tecção de metástases. Não é recomendado. Doença Inicial O tratamento cirúrgico é o principal tratamento na doença localizada. Recomen- da-se a tireoidectomia total com esvaziamento cervical central bilateral (nível VI) em pacientes sem evidência de metástases cervicais linfonodais. Em caso de nível alto de calcitonina inicial poderá ser considerada dissecção de níveis II a V, mesmo sem evidência radiológica de metástases (NE I). No caso de metástases linfonodais cervicais em nível II a V ou doença volumosa em nível VI, recomenda-se ainda esvaziamento cervical ipsila- teral ou bilateral total. A radioterapia adjuvante está indicada para doença T4 ou com margens positivas.33,34 Infelizmente, quando o paciente já apresenta metástases linfono- dais locorregionais, na maioria das vezes não é curado com a cirurgia, pois já apresenta doença sistêmica. Mesmo assim, a ressecção é recomendada, tendo em vista o controle de sintomas da doença cervical e redução do risco de recorrência local.33 Para o seguimento destes pacientes, deve ser coletada calcitonina sérica e CEA de 2 a 3 meses após a cirur- gia, depois semestral por dois anos e, a partir de então, anual; considerar ultrassonografia cervical em cada visita. Avaliar reabordagem do pescoço se a primeira intervenção tiver sido incompleta ou se houver detecção de recidiva local ressecável. Rastreamento anual de feocromocitoma e hiperparatireoidismo se evidência de MEN2. Doença localmente avançada irressecável ou metastática Um período de seguimento clínico exclusivo é recomendado inicialmente em boa parte dos pacientes, tendo em vista que CMT é indolente. Quando se detecta progressão clinicamente significativa da doença (maior que 20% ao ano), sintomas clínicos atribuídos às metástases ou grande volume tumoral, a terapia sistêmica será considerada.33 Em pacientes com grande volume de doença local irressecável, pode ser conside- rada a radioterapia estereotáxica para o controle local. Recidivas locais ou a distância de pequeno volume podem ser avaliadas em reunião de discussão multidisciplinar para metastasectomia ou terapias ablativas.33 Para doença metastática sistêmica, indica-se, quando disponível no serviço, a terapia alvo. Na indisponibilidade de terapias alvo, pode-se lançar mão do tratamento sistêmico com quimioterapia. Capítulo 5 • CARCINOMAS DIFERENCIADOS DE TIREOIDE 79 � Terapia-alvo Medicação Dose Estudo Referência Vandetanibe 300 mg/dia Fase III placebo-controlado J Clin Oncol 2012; 30(2):134-41. Cabozantinibe 140 mg/dia Fase III placebo-controlado J Clin Oncol 2013; 31(29):3639-46. Sorafenibe 400 mg 2 vezes ao dia Fase II J Clin Oncol 2010; 28(14), 2323-30. Vandetanibe (inibidor de RET, VEGFR e EGFR) foi avaliado em estudo de fase III, com 331 pacientes, em comparação com placebo. Mostrou aumento significativo da sobrevida livre de progressão (SLP) (mediana 19,3 meses versus não atingida; HR 0,46, IC 95% 0,31-0,69, p<0,001), da taxa de resposta (13% vs. 45%, p<0,001) e da resposta bio- química (3% vs. 69%, p<0,001). Sobrevida global ainda apresenta dados imaturos. Como efeitos colaterais mais frequentes tem a diarreia, hipertensão, astenia e prolongamento QT. (NE IA).35 Outra terapia alvo já avaliada em estudo fase 3, placebo controlado é o cabozantini- be, um inibidor oral de MET, VEGFR2 e RET. Tal medicação ainda não é aprovada no Brasil. No estudo, com 230 pacientes, verificou-se aumento da SLP (mediana 4,0 meses versus 11,2 meses; HR 0,28, IC 95% 0,19-0,40, p<0,0001) e da taxa de resposta (0% versus 28%, p<0,0001). Os efeitos colaterais mais frequentes foram: diarreia, disestesia palmo- -plantar, fadiga, hipertensão. (NE IA).36 Outros inibidores de tirosina-quinase, como sunitinibe, sorafenibe, pazopanibe e len- vatinibe, estão associados ataxa de resposta de até 36% e benefício clínico em até 90% dos pacientes em pequenos estudos de fase II, e podem ser considerados após falha a vendetanibe ou cabozantinibe, ou ainda na indisponibilidade de tais agentes. (NE VC).37,38 � Quimioterapia citotóxica Medicação Dose Estudo Referência Dacarbazina 1.000 mg/m2 D1 A cada 28 dias Cancer 1983;51(5):790-4. DTIC 5FU 250 mg/m2 D1-D5 450 mg/m2 D1-D5 A cada 28 dias Ann Oncol 1994; 5(8):763-5. Doxorrubicina 60 mg/m2 A cada 21 dias Horm Metab Res 2008; 40(3):210-3. Os estudos sobre quimioterapia em CMT são pequenos, com taxas de resposta em torno de 15%39-41. A maioria dos estudos avaliou esquemas com dacarbazina. Devido à toxicidade a à ausência de impacto documentado em estudo randomizado, seu uso tem sido restrito aos pacientes com doença em progressão rápida, àqueles previamente expostos a um inibidor de tirosina-quinase ou aos doentes para quem a terapia-alvo está indisponível (NE VC). Terapia com radioisótopos Ainda é controverso o papel da terapia com radionuclídeos no tratamento de CMT metastático. O 131I-MIBG promove resposta em até 35% dos pacientes e alívio dos sinto- Capítulo 5 • CARCINOMAS DIFERENCIADOS DE TIREOIDE DIRETRIZES ONCOLÓGICAS80 mas em até 60% dos casos (NE VC).42 O lutécio e o ítrio radioativo também mostram ati- vidade em pequenos estudos. A Associação Americana de Tireoide sugere que o emprego de radionuclídeos deve ser limitado ao cenário de estudos clínicos.33 CARCINOMA ANAPLÁSICO DE TIREOIDE O carcinoma anaplásico de tireoide, ou carcinoma indiferenciado de tireoide (CIT), corresponde a forma mais agressiva das neoplasias tireoidianas. É muito raro, e deriva do epitélio folicular tireoidiano, assim como os tumores bem diferenciados. Associa-se a mutações do gene p53. O CIT tem uma prevalência um pouco maior em pacientes do sexo feminino e geralmente incide numa faixa etária mais avançada, com um pico na sexta e sétimas décadas de vida. O quadro clínico de CIT são crescimento rápido de uma massa cervical, rouquidão e dor cervical. Cursa com alto índice de mortalidade e sobre- vida mediana de 6 meses após o diagnóstico. Geralmente apresenta crescimento tumoral rápido. No estadiamento, todos os cânceres de tireoide anaplásico são considerados T4 no momento do diagnóstico. T4a - O tumor ainda se encontra dentro da tireoide. T4b - O tumor cresceu fora da tireoide. Os sítios de metástase à distância mais comuns são os pulmões e pleura.43 Não dispomos ainda de um tratamento que leva à cura definitiva para a maioria dos pacientes. A melhor conduta se constitui de um tratamento cirúrgico agressivo associado com a combinação de agentes quimioterápicos e radioterapia externa. Em um protocolo, foi realizado doxorrubicina (60mg/m2) associada à cisplatina (90mg/m2) a cada 4 semanas, em combinação com a radioterapia em pacientes com menos de 65 anos. Toxicidades maiores de grau 3 foram reportadas em mais de 50% dos pacientes. Foi obtido controle da doença em 10 pacientes que também haviam sido sub- metidos à cirurgia, e 5 deles tiveram uma sobrevida de mais de 20 meses.44 Outra série de pacientes realizou protocolo de combinação de radioterapia hiperfracionada, doxorrubi- cina 20mg por semana, seguidos de cirurgia se factível. Apesar de tóxico, os pacientes do estudo completaram o protocolo. Dezesseis pacientes (48%) estavam sem evidência de re- corrência no follow up, mostrando a importância do tratamento combinado para o CIT.45 O paclitaxel também é uma droga eficiente no controle tumoral, com taxa de res- posta de 53%.46 Recentemente houve um grande avanço na terapia alvo para CIT. Cerca de 20% a 50% dos carcinomas anaplásicos apresentam mutação ativadora de BRAF V600. Isso levou ao estudo fase 2 de uso de dabrafenibe e trametinibe para pacientes portadores de CIT avançado, BRAF V600 mutado. No estudo haviam 100 pacientes com tal mutação, de diversas histologias, 16 com CIT. A taxa de resposta foi maior do que já visto em ou- tros estudos, de 69% (11 de 16), com sobrevida livre de progressão em 1 ano de 79%, e sobrevida global de 80% em 1 ano.47 Capítulo 5 • CARCINOMAS DIFERENCIADOS DE TIREOIDE 81 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Udelsman R, Zhang Y. The epidemic of thyroid cancer in the United States: the role of endocrinologists and ultrasounds. 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