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0 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA POLÍTICA JERÔNIMO RODRIGUES BORGES JUNIOR A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DA IGREJA EVANGÉLICA ASSEMBLEIA DE DEUS NO ESTADO DO MARANHÃO PÓS-1986 TERESINA-PI 2010 0 JERÔNIMO RODRIGUES BORGES JUNIOR A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DA IGREJA EVANGÉLICA ASSEMBLEIA DE DEUS NO ESTADO DO MARANHÃO PÓS-1986 Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Acadêmico em Ciência Política da Universidade Federal do Piauí, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Ciência Política, na área de Estado, movimentos sociais, cidadania e comportamento político. Orientação: Profa. Dra. Guiomar Oliveira Passos. TERESINA-PI 2010 1 FICHA CATALOGRÁFICA Universidade Federal do Piauí Biblioteca Comunitária Jornalista Carlos Castello Branco Serviço de Processamento Técnico B732p Borges Junior, Jerônimo Rodrigues A participação política da Igreja Evangélica Assembleia de Deus no Estado do Maranhão pós-1986 / Jerônimo Rodrigues Borges Junior. – 2010. 118 f.:il. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Universidade Federal do Piauí, 2010. Orientação: Profª. Dra. Guiomar Oliveira Passos 1. Política - Religião. 2. Assembleia de Deus - Política. 3. Política Eleitoral - Maranhão. I. Título. CDD: 322.1 2 JERÔNIMO RODRIGUES BORGES JUNIOR A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DA IGREJA EVANGÉLICA ASSEMBLEIA DE DEUS NO ESTADO DO MARANHÃO PÓS-1986 Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Acadêmico em Ciência Política da Universidade Federal do Piauí, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Ciência Política. Aprovada em 27 de setembro de 2010. BANCA EXAMINADORA _________________________________________________ Profa. Dra. Guiomar Oliveira Passos (Orientadora) Programa de Mestrado em Ciência Política - UFPI _________________________________________________ Prof. Dr. Cleber de Deus Pereira da Silva Programa de Mestrado em Ciência Política - UFPI _________________________________________________ Prof. Dr. Francisco Oliveira Barros Junior Programa de Mestrado em Políticas Públicas - UFPI 3 À minha esposa, Elizangela (Mariza), ao meu filho David Levy e à minha filha Davinny Samily. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço, antes de tudo e de todos, a Deus. Sem a sua permissão e ajuda, este trabalho não seria realizado. Nele, sempre encontrei refúgio nos momentos de adversidades; À Professora Doutora Guiomar Oliveira Passos, orientadora desta dissertação, as críticas e sábios conselhos, sem os quais jamais teria conseguido concluir este trabalho; À Professora Doutora Diana Nogueira de Oliveira Lima (IUPERJ), as orientações e questionamentos, que são as bases de sustentação desta dissertação; Ao meu Pastor Euvaldo Pereira de Sá, presidente da Assembleia de Deus em Timon (MA), e sua família, o apoio no início, durante e no final da pesquisa. Agradeço-lhes a palavra de incentivo e motivação que revigoraram minhas forças no momento mais difícil deste trabalho e, sobretudo, pela amizade; Ao Pastor Pedro Aldi Damasceno, presidente da Convenção Estadual das Assembleias de Deus no Estado do Maranhão (CEADEMA), que foi imprescindível no processo de coleta de informação e desenvolvimento da pesquisa, além do apoio e confiança; Ao Professor Doutor Cléber de Deus Pereira da Silva, o apoio, amizade e as cobranças para cumprimento dos prazos estabelecidos; Ao Professor Doutor Raimundo Batista dos Santos Junior, solícito nas horas de dificuldades, que sempre nos transmitiu segurança e confiança diante dos desafios a serem superados, às vezes desempenhando o papel de um pai; Ao Professor Doutor Francisco Oliveira Barros Junior, compor a banca examinadora desta dissertação e ter me ajudado em minhas dificuldades desde a graduação, inclusive no nascimento desse trabalho de pesquisa; Aos Professores que contribuíram com incentivos, indicações, sugestões e críticas: Professora Doutora Ana Beatriz Saraine, Professor Doutor Ricardo Alaggio, Professor Doutor Valeriano Costa (UNICAMP); À Professora Mestra Maria Ilza da Silva Cardoso, o apoio logístico; 5 À minha querida e amada esposa Elizangela Guimarães Nunes Borges, fonte de alegria e vigor; ao meu filho David Levy Nunes Borges e à minha filha Davinny Samily Nunes Borges. Seus sorrisos e afetos me disseram que devia continuar; Aos meus pais, Jerônimo Borges da Silva e Liozete Rodrigues Borges, exemplos de vida desde minha tenra idade; À Joice e à Dejane, a colaboração na correção ortográfica dos textos; À Capes, o apoio financeiro. 6 RESUMO Esta dissertação tem como objetivo analisar a organização política da Assembleia de Deus no Estado do Maranhão pós-1986, no âmbito da competição político-eleitoral. Para esta pesquisa, analisou-se a relação entre religião e política no Brasil, com ênfase na expansão evangélica, em especial da Assembleia de Deus, que resultou na multiplicação de espaços sociais ocupados por esta igreja na sociedade brasileira. Com base em sua membresia, a Assembleia de Deus procura atualmente transformar suas demandas em matéria política fazendo internamente a mediação entre os fiéis e a política através das vias de identificação religiosa, tendo por base a rede de sociabilidade que estabelece. Com o objetivo de obter maior eficácia na política eleitoral, também assimilou internamente a lógica partidária com o lançamento de candidatos oficiais, formação de Conselhos Políticos, realização de prévias, acompanhamento de mandatos e assistência a seus parlamentares. No plano externo à igreja, a pesquisa constatou que, na competição político-eleitoral, a Assembleia de Deus apresentou certa regularidade no comportamento eleitoral, isto é, reduzido número de candidatos (no máximo dois para cada cargo) em todas as eleições que concorreu. O objetivo era favorecer a concentração de votos em seus candidatos e, desse modo, ter votação suficiente para conquistar cadeiras nos parlamentos estadual e federal. Enfim, constatou-se que, nos meandros da relação entre religião e política, a Assembleia de Deus tem se comportado como agente calculador, estrategicamente analisando e executando seu projeto de participação política ao assumir a lógica partidária no contexto da competição político-eleitoral. Palavras-chave: Organização política. Assembleia de Deus. Partidos políticos. Identificação religiosa. Política eleitoral. 7 ABSTRACT This dissertation aims at analyzing the political organization of Assembly of God in the state of Maranhão post 1986 under the political and electoral competition. For this research it was analyzed the relationship between religion and politics in Brazil with emphasis on evangelical expansion in particular of Assembly of God, which resulted in the multiplication of social spaces occupied by this church in Brazilian society. Based on its membership, Assembly of God currently seeks to transform their demands in political theme doing internally the mediation between the faithful and politics through the process of religious identification based on the sociability network that provides. With the aim of achieving greater efficiency in electoral politics, also assimilatedinternally the party logic with the release of official candidates, training of Political Councils, achievement of previous, monitoring of mandates and assistance to their parliamentary. Externally the church, the research found that in political and electoral competition, Assembly of God showed certain regularity in electoral behavior, that is, low number of candidates (at most two for each office) every election that it applied for. The aim was to foment the concentration of votes for their candidates and, thereby, to have enough votes to win seats in state or federal parliaments. Finally, it was found that in the meanders of the relationship between religion and politics Assembly of God has behaved as a calculator agent, strategically analyzing and executing its project of political participation when it takes on the party logical in the context of political and electoral competition. Keywords: Political organization. Assembly of God. Political party. Religious identification. Electoral politics. 8 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Evangélicos no Brasil, de 1980 a 2010....................................................... 30 Gráfico 2 - As maiores denominações evangélicas do Brasil....................................... 39 Gráfico 3 - As maiores denominações evangélicas do Maranhão................................ 78 9 LISTA DE FIGURAS Figura 1- Maiores denominações evangélicas, por região.................................................. 40 Figura 2- Percentuais da Assembleia de Deus entre os evangélicos, por região brasileira 41 Figura 3- Modelo de organização das Assembleias de Deus: igrejas-mãe e filiadas......... 65 Figura 4- Votos válidos de Anthony Garotinho na eleição presidencial de 2002.............. 91 10 LISTA DE QUADROS Quadro 1- Denominações evangélicas, segundo ano de fundação no Brasil, classificação doutrinária e local de origem.................................................. 27 Quadro 2- Convenções e Ministérios assembleianos afiliados à Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil................................................... 61 Quadro 3- Deputados Federais da Assembleia de Deus eleitos para a Assembleia Nacional Constituinte em 1986.................................................................... 67 Quadro 4- Modelo político adotado pelas principais religiões brasileiras.................. 73 Quadro 5- Deputados Federais eleitos em 1998 no Maranhão..................................... 85 Quadro 6- Deputados Estaduais eleitos em 1998 no Maranhão................................... 86 Quadro 7- Deputados Federais eleitos em 2002 no Maranhão..................................... 93 Quadro 8- Deputados Estaduais eleitos em 2002 no Maranhão................................... 94 Quadro 9- Deputados Federais eleitos em 2006 no Maranhão..................................... 99 Quadro 10- Deputados estaduais eleitos em 2006 no Maranhão ................................. 101 11 LISTA DE TABELAS Tabela 1- Percentual da população católica em relação à população total do Brasil, de 1940 a 2007............................................................................................... 25 Tabela 2- Percentual da população evangélica em relação à população total do Brasil, de 1890 a 2010.................................................................................... 29 Tabela 3- Distribuição do número de deputados evangélicos na Câmara dos Deputados, de 1983 a 2011............................................................................ 48 Tabela 4- Atitude das principais religiões brasileiras em relação aos partidos políticos, em percentuais................................................................................. 51 Tabela 5- Percentual das principais religiões no Estado do Maranhão, entre 1991 e 2000 ........................................................................................................... 77 Tabela 6- Percentual das principais denominações evangélicas em relação à população do Maranhão, em 2000................................................................ 78 Tabela 7- Candidato assembleiano no contexto da competição eleitoral para a Câmara Federal em 1998................................................................................. 84 Tabela 8- Candidatos assembleianos no contexto da competição eleitoral para a Assembleia Legislativa em 1998..................................................................... 86 Tabela 9- Desempenho eleitoral dos primeiros quatro presidenciáveis, no primeiro turno das eleições de 2002.............................................................................. 89 Tabela 10- Candidato assembleiano no contexto da competição eleitoral para a Câmara Federal em 2002............................................................................... 92 Tabela 11- Candidatos assembleianos no contexto da competição eleitoral para a Assembleia Legislativa em 2002................................................................... 94 Tabela 12- Candidatos assembleianos no contexto da competição eleitoral para a Câmara Federal em 2006........................................................................... 99 Tabela 13- Candidatos assembleianos no contexto da competição eleitoral para a Assembleia Legislativa em 2006.................................................................. 100 12 LISTA DE SIGLAS AD - Assembleia de Deus ANC - Assembleia Nacional Constituinte ARENA - Aliança Renovadora Nacional CADEESO - Convenção das Assembleias de Deus no Estado do Espírito Santo e Outros CADESGO - Convenção das Assembleias de Deus no Estado de Goiás CBB - Convenção Batista Brasileira CBN - Convenção Batista Nacional CCHN - Comitê Cristão de Homens de Negócio CEADAM – Convenção Estadual da Assembleia de Deus no Amazonas CEADEB - Convenção Estadual das Assembleias de Deus na Bahia CEADEMA - Convenção Estadual das Assembleias de Deus no Estado do Maranhão CEADEP - Convenção das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus do Piauí CEADERJ - Convenção Estadual das Assembleias de Deus do Brasil no Estado do Rio de Janeiro CEADER - Convenção Evangélica das Assembleias de Deus no Estado do Rio de Janeiro CEADDIF - Convenção Evangélica das Assembleias de Deus no Distrito Federal CEDADER - Convenção Estadual das Assembleias de Deus no Estado de Roraima CEIMADAC - Convenção Estadual de Igrejas e Ministros das assembléias de Deus no Acre CEMADERON - Convenção Estadual dos Ministros das Assembleias de Deus no Estado de Rondônia CEMADERN - Convenção das Assembleias de Deus no Rio Grande do Norte CEMADES - Convenção Evangélica dos Ministros das Assembleias de Deus no Estado do Espírito Santo CEMEADAP - Convenção Estadual dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Estado do Amapá CGADB - Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil 13 CIADESCP - Convenção da Igreja Evangélica Assembleia de Deus de Santa Catarina e Sudoeste do Paraná CIADSETA-PA/MT - Convenção Interestadual dos Ministros das Igrejas Assembleias de Deus do SETA nos Estados do Pará e Mato Grosso CIADSETA-TO - Convenção Interestadual das Assembleias de Deus do SETA no Estado do Tocantins e Igrejas Filiadas CIEADEP- Convenção das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Estado do Paraná CIEADESPEL - Convenção das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Estado de São Paulo e Estados Limítrofes CIEPADERGS - Convenção dos Pastores das Igrejas Evangélicas das Assembleias de Deus no Estado do Rio Grande do Sul CIMADEC-CE - Convenção de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus Ministério no Estado do Ceará COMADAL - Convenção das Assembleias de Deus no Estado de Alagoas COMADALPE - Convenção Estadual de Ministros da Assembleia de Deus com sede em Abreu e Lima - Pernambuco COMADEBG - Convenção dos Ministros das assembléias de Deus de Brasília e Goiás COMADEMAT - Convenção dos Ministros das Assembleias de Deus no Estado do Mato Grosso COMADEMG - Convenção Estadual dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Brasil COMADEP - Convenção de Ministros das Assembleias de Deus no Estado da Paraíba COMADEPLAN - Convenção dos Ministros Evangélicos das Assembleias de Deus do Planalto Central COMADERJ - Convenção dos Ministros das Assembleias de Deus no Estado do Rio de Janeiro COMADESMA - Convenção dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus do SETA no Sul do Maranhão COMADESP - Convenção dos Ministros das Assembleias de Deus no Estado do São Paulo COMADETRIM - Convenção dos Ministros das Assembleias de Deus no Triângulo Mineiro COMADVARDO - Convenção dos Ministros das Assembleias de Deus do Vale do Rio Doce COMEAD-CGPB - Convenção de Ministros da Igreja Evangélica Assembleia de Deus em Campina Grande e no Estado da Paraíba 14 COMEADEC - Convenção Estadual dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Ceará COMIEADEPA - Convenção Estadual das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus no Estado do Pará COMOESPO - Convenção dos Ministros Ortodoxos das Assembleias de Deus do Estado de São Paulo CONADEP - Convenção da Assembleia de Deus de Pernambuco CONAMAD - Convenção Nacional das Assembleias de Deus CONEADESE - Convenção Estadual das Assembleias de Deus no Estado de Sergipe CONFRADECE - Convenção Fraternal de Ministros das Assembleias de Deus do Estado do Ceará CONFRADERJ - Convenção Fraternal das Assembleias de Deus no Estado do Rio de Janeiro CONFRADESP - Convenção Fraternal e Interestadual das Assembleias de Deus no Ministério do Belém - SP CONFRATERES - Convenção Fraternal dos Ministros das Assembleias de Deus no Estado do Espírito Santo ELAD - Encontro de Líderes da Assembleia de Deus IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil IELB - Igreja Evangélica Luterana do Brasil IPB - Igreja Presbiteriana do Brasil IURD - Igreja Universal do Reino de Deus ITEJ - Igreja Tabernáculo Evangélico de Jesus PAN - Partido dos Aposentados da Nação PC do B - Partido Comunista do Brasil PDT - Partido Democrático Trabalhista PFL/DEM - Partido da Frente Liberal/ Democratas PDS/PPB/PP - Partido Democrático Social/ Partido Progressista Brasileiro/ Partido Progressista PHS - Partido Humanista da Solidariedade PL/PR - Partido Liberal/ Partido da República PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro 15 PMN - Partido da Mobilização Nacional PMR/PRB - Partido Municipalista Renovador/ Partido Republicano Brasileiro PPS - Partido Popular Socialista PRB - Partido Republicano Brasileiro PRN - Partido Republicano Nacional PRP - Partido da Representação Nacional PRTB - Partido Renovador Trabalhista Brasileiro PSB - Partido Socialista Brasileiro PSC - Partido Social Cristão PSD - Partido Social Democrático PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro PSDC - Partido Social Democrata Cristão PSL - Partido Social Liberal PST - Partido Social Trabalhista PT - Partido dos Trabalhadores PT do B - Partido Trabalhista do Brasil PTB - Partido Trabalhista Brasileiro PTN - Partido Trabalhista Nacional PTR - Partido Trabalhista Renovador PV - Partido Verde TSE - Tribunal Superior Eleitoral UIECB - União das Igrejas Evangélicas Congregacionais no Brasil 16 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 18 2 RELIGIÃO E POLÍTICA NO BRASIL: EXPANSÃO EVANGÉLICA E SEU REFLEXO NA POLÍTICA ................................................................................ 21 2.1 PREDOMÍNIO POLÍTICO E SOCIAL DO CATOLICISMO ................................... 22 2.2 A CHEGADA E O CRESCIMENTO DO MOVIMENTO EVANGÉLICO NO BRASIL ....................................................................................................................... 26 2.3 O PENTECOSTALISMO ............................................................................................ 31 2.3.1 Fase genética – características institucionais da AD ............................................ 33 2.3.1.1 A influência nórdica ............................................................................................... 34 2.3.1.2 A influência nordestina ........................................................................................... 36 2.3.2 As dimensões da AD no Brasil ................................................................................ 38 2.3.3 A expansão social e política da AD.......................................................................... 42 3 DENOMINAÇÃO E PARTIDO: A LÓGICA DA IGREJA NO CONTEXTO PARTIDÁRIO E A LÓGICA PARTIDÁRIA NO CONTEXTO DA IGREJA ...... 46 3.1 OS EVANGÉLICOS NO CONTEXTO DA POLÍTICA MULTIPARTIDÁRIA ....... 47 3.1.1 A presença dos evangélicos na Câmara dos Deputados ....................................... 47 3.1.2 Partido e denominação: identificação religiosa no contexto político partidário. 49 3.1.3 Os evangélicos no contexto do sistema eleitoral .................................................... 55 3.2 A LÓGICA PARTIDÁRIA NA ESTRUTURA ORGANIZACIONAL ECLESIÁSTICA DA AD ............................................................................................. 60 3.2.1 A Convenção Geral – CGADB ................................................................................ 60 3.2.2 A CEADEMA ........................................................................................................... 64 3.3 NOVA POSTURA DA AD ANTE A POLÍTICA ....................................................... 65 3.3.1 Projeto cidadania AD Brasil ................................................................................... 68 3.3.1.1 Conselho Político Nacional ..................................................................................... 69 3.3.2 Revés na escalada política ....................................................................................... 70 3.3.3 Conselho Político Estadual ...................................................................................... 71 17 4 O DESEMPENHO POLÍTICO-ELEITORAL DA AD NO ESTADO DO MARANHÃO ............................................................................................................... 75 4.1 A AD, EM NÚMEROS, NO ESTADO DO MARANHÃO ...................................... 76 4.2 O DESEMPENHO POLÍTICO-ELEITORAL DA AD MARANHENSE ............... 79 4.2.1 Eleições 1998 ............................................................................................................ 82 4.2.2 Eleições 2002 ............................................................................................................ 88 4.2.2.1 O Maranhão nas eleições para presidente da República ........................................ 88 4.2.2.2 Eleições proporcionais ........................................................................................... 92 4.2.3 Eleições 2006 ............................................................................................................96 4.2.4 Corrida eleitoral 2010 ............................................................................................. 103 4.2.4.1 A AD na corrida presidencial ................................................................................ 103 4.2.4.2 Evangélicos na corrida eleitoral 2010 no Maranhão .............................................. 105 5 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 108 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 112 18 1 INTRODUÇÃO A segunda metade da década de 1980 é marcada pelo ascenso dos evangélicos na política partidária no Brasil. A Ciência Política vem, desde essa época, estudando as razões que têm levado esses atores coletivos a participarem ativamente do processo eleitoral nacional, analisando estruturas, processos e mecanismos de persuasão político-eleitoral dos mesmos. Entre as correntes teóricas que analisam tal fenômeno, pode-se destacar o novo institucionalismo sociológico (HALL; TAYLOR, 2003), segundo o qual as instituições são essenciais na formação de práticas políticas e no posicionamento de atores. Nessa perspectiva, o processo de decisão do eleitor é compreendido como reflexo da estrutura social, estando relacionado diretamente a decisões de caráter coletivo, mais do que a processos de escolhas individuais. Seria essa a razão pela qual os grupos sociais, com diferentes interesses, tendem a se fazer representar por candidato ou partido que melhor represente o desejo coletivo. O processo de abertura política ocorrido no Brasil a partir de 1979, principalmente com a Constituição de 1988, ampliou a entrada de diferentes atores e organizações na competição eleitoral, inclusive religiosos. Os evangélicos que, segundo Freston (1994, p. 117), iniciaram sua participação na política, em 1962, com a Igreja Pentecostal O Brasil para Cristo, elegendo dois deputados federais, voltaram a participar lançando e elegendo parlamentares nas eleições de 1986. A Assembleia de Deus (AD), sozinha, elegeu 14 deputados (PIERUCCI, 1989), inclusive a AD do Maranhão, que elegeu o seu primeiro deputado (federal). O que se investiga nesta pesquisa é essa participação política da AD, analisando sua atividade política no contexto partidário. Questiona-se: o que levou uma instituição que esteve exclusivamente voltada para as atividades religiosas durante 75 anos a incluir a política em suas ações ou, dito de outro modo, a incluir assuntos mundanos nos extramundanos? As igrejas evangélicas, principalmente as pentecostais Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e a AD, têm se sobressaído neste novo “mister.” A primeira, além de sua expressão numérica, sobressai-se através de estratégias inovadoras (utilização da mídia e de 19 programas assistencialistas) adotadas tanto no campo religioso como no político, tornando-se uma das principais representantes do neopentecostalismo.1 A segunda, além das estratégias (que, em muitos casos, imitam as da IURD), destaca-se pelo expressivo número de fiéis em todo o território nacional e se apresenta como uma representante do pentecostalismo clássico. A temática religiosa no campo do comportamento eleitoral tem sido objeto de análise de vários estudiosos como Freston (1993) e Pierucci (1989), que abordam a relação entre religião e política, especificamente as experiências de denominações como o de Oro (2003), sobre a IURD, e o de Silva (2009), sobre a atuação da AD em Feira de Santana, na Bahia. Este estudo procura compreender a participação política da AD no Estado do Maranhão. A AD maranhense é ligada à Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB)2; é a principal denominação3 do protestantismo no Estado, atuando há 24 anos, na política, de forma organizada, com participação nas alianças políticas e presente na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa do Estado. A partir do exposto, fazem-se os seguintes questionamentos: que estratégias a AD tem adotado no contexto partidário? A participação da AD na competição político-eleitoral faz com que a mesma assuma, no plano interno da denominação, características de um partido político e, no plano externo, adota a lógica dos pequenos partidos do sistema partidário brasileiro? Seu papel na política eleitoral é fazer a mediação entre eleitores e eleitos? Em síntese, procura-se saber como a AD maranhense se organiza para participar da política eleitoral. A esse propósito, analisou-se a estratégia da AD no contexto partidário e sua estrutura eclesiástica e, depois, seu desempenho eleitoral nas eleições proporcionais de 1998, 2002 e 2006, identificando a lógica de sua participação política eleitoral. A investigação se valeu de fontes bibliográficas, documentais e informantes. As bibliografias enfocam o fenômeno religioso, de forma geral e, em particular, a análise da religião majoritária do Brasil, a Igreja Católica. As fontes documentais foram do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da AD. Na pesquisa com informantes, utilizaram-se entrevistas, visando a analisar como a AD se 1 Movimento religioso formado por várias denominações evangélicas que incorporam a lógica de “mercado religioso” e uma racionalidade pragmática, de tipo empresarial. Prega a valorização da felicidade “aqui e agora”, a partir da prosperidade financeira, da boa saúde e do sucesso profissional (CONRADO, 2006, p. 31). 2 A CGADB é o órgão encarregado de tratar dos assuntos próprios da igreja e está organizada nos níveis local, estadual e nacional. 3 Neste trabalho, não se utilizou a tipologia clássica de Max Weber (2005, 1982), igreja/seita, para classificar as organizações religiosas evangélicas, por se acreditar que estas organizações apresentam um quadro de maior complexidade, variando entre uma igreja em sua organização, burocracia e tamanho e uma seita, por apresentar característica de protesto e concentração, na comunidade de fiéis. Nesse sentido, os termos denominação ou igreja são utilizados neste trabalho para classificar as organizações evangélicas. 20 organiza internamente para o processo eleitoral. Os documentos do IBGE informaram sobre a expansão geográfica e demográfica da AD no Brasil, em particular no Estado do Maranhão. Os dados do TSE foram relativos às eleições de 1998, 2002 e 2006, no Maranhão. Dos produzidos pela própria AD, destaca-se o seu principal periódico, o jornal Mensageiro da Paz, que trouxe dados sobre orientações e ações dessa igreja voltadas para estratégias eleitorais. Também foram analisados os materiais de campanha dos candidatos assembleianos que forneceram dados sobre o discurso religioso, no âmbito da política. A pesquisa com informantes ocorreu com entrevistas estruturadas. Essas entrevistas foram realizadas com quatro candidatos da igreja e o pastor presidente da Convenção Estadual das Assembleias de Deus no Estado do Maranhão (CEADEMA). O resultado é expresso, neste texto, em cinco capítulos. Após o capítulo introdutório, o segundo capítulo, intitulado Religião e política no Brasil: a expansão evangélica e seu reflexo na política, expõe o avanço demográfico e geográfico dos evangélicos e suas consequências para a política. O terceiro capítulo, Denominação e partido: a lógica da igreja no contexto partidário e a lógica partidária no contexto da igreja, analisa a relação entre denominação evangélica e o sistema partidário proporcional e majoritário, com destaque para a identificação religiosa. Também enfoca a organização política interna com bases em sua estrutura eclesiástica. O desempenho político-eleitoral da AD noEstado do Maranhão, quarto capítulo, trata especificamente da atuação político-eleitoral efetiva da AD no Estado do Maranhão. Primeiramente, será examinado o contingente efetivo de fiéis da AD e sua relevância para o crescimento evangélico no Estado. Num segundo momento, trata-se da análise pormenorizada do desempenho eleitoral dos candidatos assembleianos no contexto da competição político partidária nas eleições de 1998, 2002 e 2006. Finalmente, serão abordadas considerações sobre o apelo dos candidatos evangélicos com base no discurso estritamente religioso e a lógica adotada pela AD no cenário da política eleitoral. Em seguida, analisa-se como se caracteriza esta participação política, destacando as estratégias de que se aproveita a AD para eleger seus candidatos. Longe de esgotar a questão em discussão, espera-se contribuir para melhorar a compreensão das fronteiras entre religião e política no Estado do Maranhão. 21 2 RELIGIÃO E POLÍTICA NO BRASIL: EXPANSÃO EVANGÉLICA E SEU REFLEXO NA POLÍTICA Os evangélicos se estabeleceram no Brasil a partir do século XIX, após inúmeras tentativas fracassadas. Isso não se deu sem restrições e nem tampouco de forma definitiva. As restrições legais foram aos poucos sendo superadas, possibilitando a concorrência em âmbito religioso. Nesse contexto, os evangélicos foram chegando, paulatinamente, com a vinda de denominações provenientes da Europa e Estados Unidos e, depois, já no século XX, a vertente pentecostal. Dentre as denominações pentecostais, para efeito deste estudo, destacou-se a AD, com suas características institucionais e sua expansão, que tem repercutido no campo religioso.4 Essa expansão permitiu que a AD se inserisse no campo religioso brasileiro, a partir do suporte numérico que deu bases para a ampliação de sua participação social. Sua expansão numérica e demográfica aproximou a denominação de uma postura mais participativa ante os problemas de natureza social, inclusive aqueles relacionados à política. Os efeitos dessa aproximação podem ser percebidos na diferença entre os antigos modelos comportamentais e as novas atitudes frente à política. Assim, torna-se importante o entendimento da formação do ethos assembleiano para a análise de sua postura frente à política partidária, nos últimos anos. Embora a AD tenha uma grande membresia, só recentemente essa denominação se lançou para influir mais diretamente nos assuntos de interesse político. Para entender o longo período da história assembleiana que a caracterizou 4 Toma-se como exemplo a concepção de campo religioso de Pierre Bourdieu (1992, p. XXV). Segundo esta metáfora, o campo religioso no mundo moderno se traduz em termos de um campo de forças onde se enfrentam o corpo de agentes altamente especializados (os sacerdotes), os leigos (os grupos sociais cujas demandas por bens de salvação os agentes religiosos procuram atender) e o “profeta”, enquanto encarnação típica do agente inovador e revolucionário que expressa, mediante um novo discurso e por uma nova prática, os interesses e reivindicações de determinados grupos sociais. As posições que esses grupos ocupam configuram um campo de batalha ideológica, expressão da luta de classes e do processo prevalecente de dominação. O alvo explicativo consiste em abranger as configurações particulares que o campo religioso assume em diversas formações sociais, tendo sempre como quadro de referência o campo de forças propriamente religiosas no interior do qual se defrontam os representantes religiosos dos grupos dominantes e dominados, e cuja dinâmica depende das transformações por que passa a estrutura social, seja pelo surgimento de novos grupos com interesses determinados, seja pela ruptura ou crise do sistema de dominação, seja pelas novas alianças entre grupos e/ou frações que detêm o papel hegemônico. 22 como instituição antipolítica, será importante resgatar alguns pontos importantes de sua história. Por fim, a inserção das igrejas evangélicas no campo religioso também repercutiu no campo da política partidária. Esse avanço ocorre num contexto de transformação que permitiu às igrejas evangélicas concorrerem, com mais facilidade, com as demais confissões religiosas, tirando proveito das mudanças religiosas e políticas. 2.1 PREDOMÍNIO POLÍTICO E SOCIAL DO CATOLICISMO A relação entre Igreja Católica e Coroa portuguesa foi essencial para a construção do tipo de sociedade que aqui se estabeleceu. O entrelaçamento entre ação política do Estado e atuação religiosa da Igreja Católica estava regulado pelo Padroado Régio, uma gama de privilégios concedidos pelos papas aos reis portugueses. Em troca, a Igreja seria a religião oficial do Estado, exercendo o monopólio religioso com a exclusão de qualquer outra fé religiosa, estendendo, assim, seu manto salvacionista a todos os domínios da Coroa portuguesa. A colonização das terras brasileiras coincidiu com as querelas políticas e religiosas que tiveram lugar na Europa no século XVI, o que deu impulso ao avivamento missionário encabeçado pela Contra-Reforma e fez com que a união entre Estado e Igreja tivesse a tarefa de construção da consciência nacional. Na execução desse papel, por muitas vezes, fez com que os brasileiros superassem suas diferenças em favor da unidade religiosa, que se confundia com a unidade nacional. Daí, é necessário observar que a cultura brasileira e a própria identidade nacional, desde o início de sua gestação, estiveram resguardadas pelo manto de um “catolicismo afetivo”5, que não admitiria expressões do protestantismo em terras portuguesas. 5 O termo catolicismo afetivo designa as relações afetivas que caracterizaram um tipo de catolicismo doce, doméstico, de relações quase de família entre os santos e os homens, ou seja, predominaram, com relação aos santos, as relações afetivas, a busca de aproximações e maior familiaridade. Conforme Gilberto Freyre (2006, p. 438) foi este tipo de religião que presidiu o desenvolvimento social brasileiro, o que dificilmente teria ocorrido se outro tipo de cristianismo aqui tivesse predominado. Da mesma forma, Sérgio Buarque de Holanda (2005, p. 61) concorda com Gilberto Freyre quando afirma que o peculiar da vida brasileira parece ter sido uma acentuação singularmente enérgica do afetivo, do irracional, do passional [...] Uma suavidade dengosa e açucarada invade, desde cedo, todas as esferas da vida colonial. 23 Assim, conforme Gilberto Freyre (2006, p. 92), não foi a diferença de raças o elemento distintivo trazido pelos portugueses, como ocorreu com outros povos, mas o diferencial religioso, pois, [...] temia-se no adventício acatólico o inimigo político capaz de quebrar ou de enfraquecer aquela solidariedade que em Portugal se desenvolvera junto com a religião católica. Essa solidariedade manteve-se entre nós esplendidamente através de toda a nossa formação colonial, reunindo-nos contra os calvinistas franceses, contra os reformados holandeses, contra os protestantes ingleses. Daí ser tão difícil, na verdade, separar o brasileiro do católico: o catolicismo foi realmente o cimento de nossa unidade. Somente a partir do século XIX, o protestantismo marcou presença sistemática e continuada no Brasil. Contudo, neste século, o protestantismo não chegaria a representar um segmento religioso significativo, comparado à religião dominante. Mas, com a chegada das denominações protestantes vindas da Europa e Estados Unidos, junto à modernização do Estado brasileiro, tem início o processo de estabelecimento, crescimento e consolidação das igrejas cristãs reformadas. A presença protestante se consolidou efetivamente a partir da abertura paulatina de espaços sociais, iniciada no Império, quando aConstituição de 1824, embora tenha mantido o Padroado Régio, declarando a religião Católica como oficial, deu permissão para que as demais religiões, inclusive as protestantes, fossem professadas no espaço doméstico, no entanto, vedando o direito de suas casas possuírem a forma ou aparência de templo. De todo modo, o pertencimento a outra profissão religiosa não seria mais empecilho para a aquisição da cidadania brasileira, contudo, limitava em muito os direitos políticos, como participar dos comícios, mas não de votar, pois “os ocupantes de cargos políticos deviam fazer o juramento sobre o mantimento da Igreja Católica” (SILVA, 2006, p. 102). As dificuldades políticas eram apenas um dos obstáculos enfrentados pelos não católicos, pois, além das listas paroquiais, no momento do voto, dos batismos, dos casamentos e dos óbitos, havia o problema dos cemitérios eclesiásticos, que permitiam o enterro somente de católicos. Por isso, os evangélicos construíram seus próprios cemitérios. De outra forma, eram enterrados em qualquer lugar. A laicização, a partir daí, passou a caminhar a passos largos. Segundo Beozzo (2006, p.40), após 1870 as elites dirigentes brasileiras foram se laicizando rapidamente. Não tardou a estalar o conflito entre a Igreja e o Estado a propósito da eleição de membros franco-maçons para a direção das irmandades religiosas, que gozavam de 24 estatuto civil e religioso. Eclesiasticamente, os maçons eleitos não foram aceitos pelo jovem bispo de Pernambuco, o capuchinho frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira (1844-1878) e pelo bispo do Pará, Dom Antônio Macedo Costa (1830- 1891), mas civilmente ganharam nos tribunais, por ter sido regular a sua eleição. Em 1888, protestantes já lutavam por espaços sociais e religiosos, causando tensões com a cúpula da religião oficial. Como destaca Silva (2006, p. 17), a hierarquia católica sempre reagiu à concorrência, porém nenhum outro fato agravou tanto as tensas relações entre católicos e protestantes no Brasil quanto a aprovação, pelo Senado imperial, da liberdade de cultos. Quando da tramitação do projeto em 1888, o arcebispo - primaz do Brasil protestou com veemência contra aquilo que, em sua opinião, “dissolveria entre os brasileiros a unidade de doutrina em matéria de fé”. A proclamação da República celebrou o divórcio entre Igreja Católica e Estado Republicano,6 possibilitando a secularização política dos órgãos estatais. No entanto, esta separação deve ser relativizada, pois a Igreja Católica continuou tendo a primazia como religião majoritária, pois a relação entre Igreja e Estado seguiu uma nova orientação que se baseava na tradicional atuação da Igreja junto à população brasileira, num ambiente de clara fragilidade das instituições democráticas. Com efeito, a Igreja Católica se adaptou ao novo modelo político, vindo a reconfigurar seu lugar e papel político, principalmente através dos vínculos estabelecidos com o Estado, no período Vargas (1930-1945). De acordo com o que afirma Tiago Borges (2007, p. 58), “um vínculo formal entre Igreja Católica e Estado foi restabelecido com o atendimento a muitas exigências católicas: o ensino religioso se tornou obrigatório, o divórcio proibido e o financiamento público às instituições católicas permitido”. Essa relação acontecia principalmente por meio da colaboração entre poder público e instituições religiosas, no âmbito da assistência social. Segundo Beozzo (2006, p. 42), “após o golpe de 1937, os Círculos Católicos Operários assumiram um papel de destaque no repasse de programas assistenciais do governo destinados para o segmento dos trabalhadores”. Essa relação ficou conturbada com o surgimento da ditadura militar, principalmente no período de maior repressão do regime. Embora a maioria católica tenha apoiado o golpe, 6 A autoridade concedida ao Estado brasileiro como único e legítimo mediador das relações entre religiões ou grupos religiosos no país se consolidou com o Decreto número 119A, de 7 de janeiro de 1890, sancionado pelo Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, de autoria de Rui Barbosa, proibindo autoridades e órgãos públicos de expedir leis, regulamentos ou atos administrativos que estabelecessem a religião ou a vedassem e instituiu plena liberdade de culto e religião para os indivíduos de todas as confissões, igrejas e agremiações religiosas (GRUMAN, 2005). 25 em 1964, pelo temor do comunismo, não demorou muito para que os atritos e conflitos entre o Estado e importantes segmentos da Igreja se manifestassem. A repressão de movimentos católicos colocou Igreja e Estado em campos de atuação política diferentes, caracterizando a oposição da Igreja ao regime autoritário na década de 70. Esses atritos levaram a Igreja a certo distanciamento da órbita estatal, sofrendo o processo de esquerdização em seus vários setores de atuação política, inclusive a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Tais atritos entre Estado e Igreja Católica levaram esta a repensar seu papel social e político na sociedade brasileira, assumindo-o muito mais como o de uma das instituições da sociedade civil brasileira, parceira de suas lutas e projetos como o da defesa do estado de direito, dos direitos humanos políticos, mas também econômicos, sociais, culturais, parceira na luta contra a pobreza, pela anistia e redemocratização (BEOZZO, 2006, p.43). Nesse período, que vai do regime militar à redemocratização, os dados do IBGE apontam para uma maior diversificação das confissões religiosas no país. Indo na mesma direção, a pesquisa Datafolha7 (maio de 2007) confirma o andamento desse processo, no ano de 2007. Tabela 1- Percentual da população católica em relação à população total do Brasil, de 1940 a 2007 Ano 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2007 Percentual da população 95,2 93,7 93,1 91,8 89,0 83,3 73,8 64,0 Fonte: Campos (2008) Nota: IBGE, censos demográficos de 1940-2000. A Tabela 1 demonstra o percentual dos que se declaram católicos, de 1940 a 2007. De 1940 a 1980, num período de 40 anos, a redução foi de apenas 6,2%. Tal processo de redução se acentuou nas duas últimas décadas do século passado, isto é, de 1980 a 2007, a população que se declarou católica caiu 25%. 7 A expectativa para o próximo censo é grande. No entanto, para suprir essa carência de dados, utilizou-se, neste trabalho, a pesquisa Datafolha do ano de 2007. A Datafolha, empresa pertencente à Folha de São Paulo, preparou uma pesquisa para aguardar a visita do Papa Bento XVI, em 2007. 26 Embora os números apontem para a redução do percentual de católicos no país, este continua com um número muito elevado de fiéis, em comparação às demais religiões. Ainda assim, não tem mais lugar a afirmação de que o Brasil é um país radicalmente católico. Apesar destas limitações, a instituição da liberdade religiosa e de culto permitiu, no curso do século XX, uma nova configuração de forças no campo religioso brasileiro, abrindo espaços para a livre concorrência religiosa. 2.2 A CHEGADA E O CRESCIMENTO DO MOVIMENTO EVANGÉLICO NO BRASIL Já se aproxima os duzentos anos da chegada dos primeiros evangélicos no Brasil. Os primeiros que vieram foram os anglicanos, por intermédio das relações comerciais entre Inglaterra e Portugal, resguardados pelo Tratado de Navegação e Comércio que declarava, no seu artigo 12, [...] “que os vassalos de S.M. Britânica residentes nos territórios e domínios portugueses não seriam perturbados, inquietados, perseguidos ou molestados por causa de sua religião, e teriam perfeita liberdade de consciência, bem como licença para assistirem e celebrarem o serviço em honra do Todo-Poderoso Deus,quer dentro de suas casas particulares, quer nas suas particulares igrejas e capelas” [...] (SILVA, 2006, p. 15). Logo após a independência, os luteranos, em 1824, vêm para o Brasil a fim de substituir a mão-de-obra escrava. Diferentemente do protestantismo missionário, esses se caracterizaram como protestantismo de imigração,8 por formarem igrejas étnicas, a fim de preservarem sua origem cultural. Depois, viriam, definitivamente, com o projeto de conquistar o “Brasil para Cristo” os protestantes de missão norte-americanos, representados por diferentes denominações evangélicas: congregacionais, aportados em 1855; presbiterianos, em 1859; metodistas, em 1867; cristãos evangélicos, em 1879; batistas, em 1882, e 8 O protestantismo de imigração ocorreu a partir da política imigratória adotada durante o período imperial, quando se buscava resolver o problema da mão-de-obra, composta em grande parte por escravos, sendo os imigrantes europeus uma alternativa viável. Grande parte desses imigrantes era formada de luteranos vindos da Alemanha (SILVA, 2006, p. 15). 27 adventistas do sétimo dia, no ano de 1894. Destas, cinco vieram dos Estados Unidos,9 onde predominou o interdenominacionalismo entre as várias manifestações religiosas. Os pentecostais chegaram em 1910, vindos dos Estados Unidos. Com efeito, a implantação do pentecostalismo no país tem início no mesmo ano, com a fundação da Congregação Cristã no Brasil e, em 1911, com a fundação da AD. Esses congregados inovaram ao se aproximarem da cultura popular, à proporção que foram se diversificando e se expandindo sobre o país, ao longo do século XX. Dentre outras, uma das características que irá moldar a face do protestantismo, seja histórico10 ou pentecostal, será o antagonismo ao catolicismo e aos cultos de origem afro, observando como marco diferenciador a alteridade religiosa. Apesar disso, a religião protestante já não pode mais ser pensada como religião importada ou estrangeira. O quadro abaixo mostra a diversificação do protestantismo no Brasil. Período Ano Denominação Classificação Local de origem Séc. XIX 1808 1824 1855 1859 1867 1879 1882 1890 1894 Anglicana Luterana (IECLB) Congregacional (UIECB) Presbiteriana (IPB) Metodista Cristã Evangélica Batista (CBB) Luterana (IELB) Adventista Histórica Histórica Histórica Histórica Histórica Histórica Histórica Histórica Histórica Reino Unido Alemanha Estados Unidos Estados Unidos Estados Unidos Reino Unido Estados Unidos Estados Unidos Estados Unidos Séc. XX 1900-1940 1903 1910 1911 1922 1925 1932 Presbiteriana Independente Congregação Cristã Assembleia de Deus Exército da Salvação Adventista da Reforma Adventista da Promessa Histórica Pentecostal Pentecostal Histórica Pentecostal Pentecostal São Paulo Estados Unidos Pará Reino Unido Rio de Janeiro Pernambuco 9 Nessa época, era corrente nos Estados Unidos a concepção do “Destino Manifesto”. Tal concepção, de fundo religioso acreditava na predestinação dos Estados Unidos para levar a democracia, a liberdade e o protestantismo a outros povos. 10 Igrejas fundadas durante a Reforma Protestante do século XVI e pouco depois, que são: Luterana, Presbiteriana, Anglicana, Metodista, Batista, Congregacional, entre outras. 28 1934 Metodista Ortodoxa Pentecostal Rio de Janeiro Séc. XX 1950-1969 1950 1953 1956 1958 1960 1961 1962 1964 1964 1965 1965 1967 1967 1968 Igreja Escandinava Evangelho Quadrangular O Brasil para Cristo Nazareno Nova Vida Restauração Deus é Amor Igreja em (sic) Casa da Benção (ITEJ) Batista (CBN) Congregacional Independente Metodista Wesleyana Cristã Evangélica Renovada Batista Bíblica Histórica Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Histórica Suécia Estados Unidos São Paulo Estados Unidos Rio de Janeiro Rio de Janeiro São Paulo Rio de Janeiro Minas Gerais Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Séc. XX 1970-1979 1970 1970 1970 1972 1973 1975 1975 1976 1977 1978 1979 Sinais e Prodígios Cristã Chinesa Igreja Cristã Maranata Maranata (Amém) Socorrista Presbiteriana Renovada Salão da Fé Evangélica da Renovação Universal Presbiteriana Unida Evangélica Maranata Pentecostal Histórica Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Histórica Pentecostal Rio de Janeiro China Espírito Santo Rio de janeiro Rio de Janeiro Paraná Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Espírito Santo Rio de Janeiro Séc. XX 1980-1991 1980 1983 1983 1986 1987 Igreja da Graça Jesus é a Verdade Pentecostal Presbiteriana Cristo Vive Cristã Antioquia Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Pentecostal Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro Rio de Janeiro 1989 1989 1989 1989 1990 1991 Assemb. de Deus (CONAMAD) Cristo Rei Assembleia de Cristo Projeto Vida Nova Batista Independente Templo da Benção Quadro 1- Denominações evangélicas, segundo ano de fundação no Brasil, classificação doutrinária e local de origem Fonte: Freston (1994). Nota: Quanto ao ano de fundação, algumas denominações consideram a chegada de missionários como a data inicial dos trabalhos brasileiros. Outras preferem considerar a organização de igrejas locais. Adotou-se a data mais corrente no meio evangélico ou a data oficial da denominação. O Quadro 1 mostra, ao longo do século XIX e século XX, o estabelecimento e a diversificação do protestantismo no Brasil, enfocando o ano de fundação, a classificação e o local de origem das denominações evangélicas. 29 Todas as denominações que vieram ao Brasil no século XIX eram históricas e de origem europeia ou norte-americanas. Logo no início do século XX, tem início o processo de diversificação protestante, principalmente com as denominações de classificação pentecostal. Distribuído em centenas de denominações, históricas e pentecostais, o protestantismo encontrará pontos de convergência com o processo de modernização do país no decorrer do século XX. A mobilidade dessas igrejas, organizadas na forma de comunidades-igrejas, facilitou sua organização nos grandes centros urbanos, principalmente nas regiões periféricas. Assim, os evangélicos se adaptam, com mais facilidade, a novos ambientes. Nesse contexto, as denominações pentecostais incorporaram as necessidades e valores da grande cidade. Tais denominações trazem consigo o modelo interdenominacional de concorrência religiosa, a exemplo do norte-americano, primeiro modelo de pluralismo religioso (BERGER, 1985). Conforme Passos (2005, p. 65), “através do modelo de comunidades-igrejas as camadas menos favorecidas recriam seus laços familiares perdidos e as pessoas têm suas identidades reconhecidas dentro do anonimato da grande cidade”. A diversificação do campo religioso, com fundação de várias denominações evangélicas pelo país, ao lado da adaptação ao ambiente brasileiro, expressa-se no crescente número de fiéis. Os dados do IBGE confirmam o avanço numérico desse segmento da população brasileira. Tabela 2- Percentual da população evangélica em relação à população total do Brasil, de 1890 a 2010 Ano 1890 1900 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010 Percentual da população 0,99 1,072,6 3,35 4,03 5,16 6,62 9,1 15,57 26,8 Fonte: Lopes Junior (1997) de 1890-1991; IBGE, censo demográfico de 2000. Nota: Os números referentes a 2010 são projeção do censo demográfico do IBGE 1991-2000 (ZILNER, 2009). Segundo o IBGE, a taxa de crescimento médio anual do conjunto dos evangélicos entre 1991 e 2000 foi de 7,9%. A expectativa, conforme Eunice Zilner (2009), é que, no ano corrente, 26,8% da população seja evangélica. Caso isso se confirme, serão mais de 53 milhões de pessoas fazendo do Brasil o segundo país do mundo em número de evangélicos, 30 ficando atrás apenas dos Estados Unidos (FIGUEIRA, 2007). O Gráfico abaixo expressa este vertiginoso crescimento. Gráfico 1- Evangélicos no Brasil, de 1980 a 2010 Fonte: Zilner (2009). Nota: Informação: 2002-2010 (projeções). Esses números revelam a presença constante dos evangélicos no dia-a-dia: seus numerosos templos abertos cotidianamente, que reúnem milhares de fiéis, seus programas de rádio e TV, propagando a mensagem das várias denominações, a conversão de artistas e atletas famosos e sua associação sectária para eleger candidatos de seu ciclo religioso na política nacional. Tal visibilidade social é possível, principalmente devido às estratégias e inovações utilizadas pelas denominações do pentecostalismo brasileiro. 0 10 20 30 40 50 60 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 T ot al d e ev an gé lic os ( m ilh õe s) 1980-2000; 2002-2010 (projeções) 31 2.3 O PENTECOSTALISMO O pentecostalismo desembarca em terras brasileiras no início do século XX, representado pelas igrejas pioneiras Congregação Cristã no Brasil e Assembleia de Deus, ambas relacionadas ao movimento pentecostal que eclodiu nos Estados Unidos em 1906. Esse movimento religioso teve como centro irradiador da mensagem pentecostal para o mundo a Rua Azusa, em Los Angeles, no Estado da Califórnia (EUA), de onde se espalhou rapidamente (MARIANO, 1999). O Batismo no Espírito Santo e a atualidade dos dons espirituais se tornariam as características diferenciadoras do movimento pentecostal em relação às outras denominações do protestantismo, isto é, seria a dotação da capacidade sobrenatural do crente para levar o evangelho acompanhado de milagres para conversão de almas. Esse impulso missionário era fortemente revigorado pela expectativa da iminente volta de Cristo ao mundo e alimentado pelas rápidas transformações que a sociedade passava naquele período (PASSOS, 2005). A tipologia utilizada por Paul Freston, já considerada como clássica, tenta captar o processo de formação do pentecostalismo no Brasil. Esse autor divide sua chegada em três fases diferentes que impulsionaram o crescimento do pentecostalismo no país. As três fases são compreendidas como períodos históricos de implantação de igrejas e são denominadas ondas pela força irradiadora que tiveram para formação de expressivas denominações do pentecostalismo brasileiro. Assim, o pentecostalismo tem início com a AD e a Congregação Cristã no Brasil, que chegam quase que simultaneamente ao país, sendo que a primeira foi fundada em 1911 e a segunda, em 1910. Elas foram hegemônicas nos primeiros quarenta anos do pentecostalismo no Brasil. Por conseguinte, essa fase inicial de implantação de igrejas também recebe o nome de pentecostalismo clássico (FRESTON, 1994). A segunda fase se inicia na década de 50, indo até o começo dos anos 60. Ela tem começo com a instalação, em solo brasileiro, da Igreja do Evangelho Quadrangular, vinda dos Estados Unidos. Ainda nesse período, têm início as atividades da Igreja O Brasil para Cristo, que teve como fundador o brasileiro Manoel de Mello. Além dessas duas igrejas, outra grande igreja fundada nesse período foi à Igreja Pentecostal Deus é Amor, tida como a mais rigorosa em questões comportamentais. Este momento do pentecostalismo trouxe muitas inovações ao 32 ascetismo11 pentecostal, como maior ênfase na cura divina, menor exigência nas questões comportamentais (Igreja do Evangelho Quadrangular e Igreja o Brasil para Cristo), grandes eventos realizados nos estádios do país, construção de megatemplos, incursões pela política partidária, utilização da mídia para fins evangelísticos, entre outros. Devido a essas inovações, essa segunda onda é entendida como uma fase de transição de um pentecostalismo mais ascético e sectário para o pentecostalismo mais acomodado ao mundo que virá em seguida, sendo denominado de terceira onda. A terceira onda surge a partir da segunda metade dos anos 70 e início dos anos 80, com a fundação de sua principal representante, a IURD, em 1977, seguindo, logo após, com a fundação da Igreja Internacional da Graça de Deus, Renascer em Cristo e Sara Nossa Terra (FRESTON, 1994). Se, na primeira e segunda fase, as igrejas inovaram em muitas questões, na terceira fase, trará no bojo de sua atuação práticas consideradas paradoxais,12 tanto para evangélicos como para não evangélicos. As igrejas dessa fase tomaram a dianteira das inovações no televangelismo, na mudança dos costumes de santidade e na política. As ondas de implantação do pentecostalismo brasileiro não somente se baseiam no recorte histórico-institucional, mas também na relevância de cada fase, marcada pela inovação estratégica na evangelização, seguindo a um processo de acomodação e adaptação às condições socioculturais do país. Todavia, vale ressaltar que o campo protestante segue a dinâmica de igrejas autônomas, dando sequência ao “sacerdócio universal dos crentes,” inaugurado com a Reforma Protestante do século XVI. Tal fato que permite a multiplicação das várias denominações protestantes através de dissidências, conflitos doutrinários, invasão de campo etc. Contudo, a dinâmica do pentecostalismo implantado em suas diversas fases permite o nascimento, mesmo nos dias hodiernos, de novas denominações tanto relacionadas às igrejas da terceira, segunda, como da primeira onda. É o caso da AD que, mesmo chegando 11 Para Max Weber (2005; 1982), o ascetismo está relacionado às religiões de salvação que procuram direcionar a conduta de seus fiéis negando os prazeres e estilo de vida mundanos. Por este meio, o indivíduo vive em constante tensão com o mundo, na medida em que supervisiona seu estado de graça por intermédio de seu comportamento cotidiano, a fim de obter a certeza da salvação. Esse ascetismo ético é vivido em meio ao mundo e suas instituições, pois é no mundo e diante de suas provações que o cristão adquire os sinais de sua salvação. 12 Conforme Ricardo Mariano (1999, p. 226), “a promessa de salvação paradisíaca no pentecostalismo sempre foi acompanhada de forte rejeição e desvalorização do mundo. O neopentecostalismo transformou as tradicionais concepções pentecostais acerca da conduta e do modo de ser do cristão no mundo. Ser cristão tornou-se o meio primordial para permanecer liberto do Diabo e obter prosperidade financeira, saúde e triunfo nos empreendimentos terrenos”. 33 próxima dos cem anos de existência, continua na lista das denominações que mais crescem no país, tendo várias igrejas dissidentes.13 De fato, o paradigma pentecostal segue vigoroso e dinâmico que nem mesmo as denominações do protestantismo histórico ficaram fora de sua influência. Enquanto na primeira fase do pentecostalismo as igrejas do protestantismo histórico se integravam às denominações pentecostais, na segunda e terceira ondas, muitas aderiram à doutrina pentecostal sem, contudo, abandonarem suas peculiaridades na organização institucional. Essas igrejas foram denominadas de protestantes históricas “renovadas”.14 Em cada momento histórico de implantação do pentecostalismo, pode-se encontrar o diferenciador institucionalde suas principais denominações. Entre estas destacamos a AD e suas características institucionais permeadas pelos seus fundadores e pela influência de seus primeiros líderes nacionais. 2.3.1 Fase genética – características institucionais da AD Da efervescência religiosa pentecostal nos Estados Unidos, em 1906, saíram, rumo ao Brasil, os missionários fundadores da AD, os suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren. Eles chegaram ao Brasil em 19 de novembro de 1910, na cidade de Belém, no Estado do Pará. Logo na chegada, entraram em contato com o pastor metodista Justos Nelson, que os apresentou ao responsável pela Igreja Batista, Adriano Nobre, quando passaram a congregar- se e morar nas dependências da igreja. Até aquele momento, os missionários pertenciam à Igreja Batista americana (CONDE, 2006). A mensagem pentecostal se espalhou na pequena comunidade batista em Belém, provocando o cisma de dezenove pessoas que aderiram à nova mensagem. Posteriormente, no dia 18 de junho de 1911 (data oficial da fundação da AD), após sete meses da chegada dos missionários ao Brasil, ocorreu a fundação da nova denominação, que inicialmente recebeu o 13 O outro grande ramo da AD é a CONAMAD (Convenção Nacional das Assembleias de Deus) – Ministério de Madureira, desde 1989. Há ainda vários ministérios e um grande número de igrejas independentes que usam a nomenclatura da AD, em diversas regiões do país, que atuam sem vinculação com a CGADB e CONAMAD, entre outras convenções. 14 São denominações dissidentes do protestantismo histórico que se pentecostalizaram ao adotar a teologia pentecostal, além de várias inovações teológicas identificadas com o neopentecostalismo. 34 nome dos primeiros grupos pentecostais dos Estados Unidos, isto é, Missão da Fé Apostólica, passando a ser chamada de Assembleia de Deus, em janeiro de 1918 (SILVA, 2001). Não demorou muito para que a nova igreja recebesse reforços com a vinda de mais missionários vindos da Suécia. Nessa época, o número de obreiros era insignificante. As notícias da abertura e do progresso de novos campos de atuação chegaram às igrejas da Suécia e da América do Norte. Contudo, é na década de vinte que se intensificou a vinda de missionários para atender as necessidades da igreja (OLIVEIRA, 1997; CONDE, 2006). 2.3.1.1 A influência nórdica Esses primeiros anos de atividades da AD em solo brasileiro são essenciais para entendermos o núcleo organizacional que se formou sob influência dos missionários suecos. Panebianco (2005, p. 92) destaca que para compreender as características peculiares de uma determinada instituição, entre outros fatores, será muito importante empreender uma análise histórica de como a organização nasceu e se consolidou, pois “toda organização traz consigo a marca das suas modalidades de formação e das principais decisões político-administrativas de seus fundadores, as decisões que modelaram a organização”. Nesse mesmo sentido, Freston (1994, p. 76) destaca duas características essenciais para que se compreenda a identidade da AD. É o que ele vai denominar de “ethos sueco- nordestino”,15 que nasce com os missionários fundadores, passando, em seguida, a receber influência dos nordestinos. A primeira contribuição está relacionada à força que o influxo sueco exerceu sobre a formação da AD nos seus primeiros quarenta anos de existência,16 através dos vínculos com as igrejas suecas. Esses vínculos se estabeleceram em razão da nacionalidade de seus fundadores. A Igreja Pentecostal Escandinava e, em particular, a Igreja de Estocolmo, deram suporte aos missionários fundadores, além de se responsabilizarem pelo envio de outros missionários, a fim de suprir a carência do trabalho que se espalhava rapidamente pelo Brasil. 15 A própria literatura histórica da denominação destaca a importância do “entrosamento e da comunhão entre os obreiros nacionais e os missionários [que] resultou [n]o grande progresso da igreja. As principais lideranças da Assembleia de Deus enfatizam ainda hoje que não se deve perder de vista o modelo deixado pelos missionários” (OLIVEIRA, 1997, p. 184). 16 Conforme Freston (1994, p. 82), “o auge da presença sueca foi nos anos trinta, com cerca de trinta famílias missionárias, depois de 1950 o fluxo praticamente cessou”. 35 Esse primeiro momento da denominação muito contribuiu para a consolidação de algumas características assembleianas, provenientes dos missionários nórdicos encarregados não apenas da fundação, como também da manutenção de novas igrejas ligadas à AD. Como dirigentes da denominação, os fundadores suecos repassaram seu modelo de religião adotado em seu país de origem. Os missionários traziam consigo as marcas da vivência num país pobre da virada do século XIX para o século XX,17 acompanhada da marginalização econômica e religiosa. Diferentemente da tradição protestante sueca da igreja majoritária luterana, os missionários adotaram uma postura contrária à erudição teológica e secular da Suécia. Nesse sentido, transmitiram para a AD o ethos sueco de marginalidade social, caracterizado pela simplicidade teológica e anti-intelectualista18 do clero, além de uma atitude contracultural e antipolítica (FRESTON, 1994). Este modelo de religião fez com que os fundadores formassem os primeiros fiéis dentro de uma visão ascética e de sofrimento, sem pretensões de amplas conquistas neste mundo, principalmente aquelas que levassem os fiéis a ascender socialmente. Estas características, por certo, também foram reforçadas pela visão dual do mundo. Para Mendonça (2008, p. 213), o protestantismo se apresenta, ainda, como uma visão maniqueísta do mundo, o mundo presente é mau, e o homem nele luta e sofre como um peregrino até chegar a uma terra feliz, e este final venturoso depende da forma de vida que ele escolher. A idéia de peregrinação foi sempre, sem dúvida, um patrimônio comum das denominações protestantes no Brasil, pelo menos das de origem missionária. Por essa doutrina o indivíduo é levado a conformar-se com sua situação penosa atual, uma vez que sua permanência nela é efêmera em comparação com a feliz eternidade futura.19 Tal visão fazia com que as pequenas comunidades assembleianas se fechassem em torno de si mesmas, preocupando-se, quase que exclusivamente, com a evangelização para a salvação de almas. Nesse sentido, importava converter pessoas a Cristo antes de sua volta ao mundo. Com esse estilo de vida, não almejavam amplas conquistas, influência ou 17 Daniel Berg e Gunnar Vingren fazem parte dos milhares de migrantes que se mudaram da Europa para os Estados Unidos, na virada do Século XIX para o século XX, à procura de melhores condições de vida. Chegando a esse país, assumiram ocupações modestas. O primeiro, logo que chegou aos Estados Unidos, com a ajuda de amigos, conseguiu emprego em uma fazenda. O segundo foi, respectivamente, foguista, porteiro de uma loja e jardineiro, antes de se tornar pastor da Igreja Batista (OLIVEIRA, 1997). 18 A partir da segunda metade dos anos 30, a AD brasileira passou a ter maior colaboração das ADs dos Estados Unidos através dos missionários enviados ao país, os quais se envolveram de forma mais direta no trabalho de estruturação teológica da denominação. 19 O livro O Peregrino, do puritano John Bunyan, do século XVII, retrata bem essa atitude protestante diante do mundo. 36 respeitabilidade social, contentando-se com o sofrimento pela sua condição de marginalização, tendo por consolo a expectativa da segunda vinda de Cristo, único meio de redenção e salvação das intempéries desse mundo mau. 2.3.1.2 A influência nordestina Esse período de formação institucional da AD contou com a influêncianordestina como foco de sua constituição, atuando como segundo elemento da “fase genética” da organização, como destaca Panebianco (2005, p. XVII), ao afirmar que a organização sofrerá, certamente, modificações e adaptações profundas, interagindo, durante todo o seu ciclo de vida, com as contínuas modificações do ambiente. Porém, os resultados das primeiras “partidas”, metáforas à parte, as escolhas políticas cruciais realizadas pelos fundadores, as modalidades dos primeiros conflitos visando ao controle organizativo e o modo como a organização se consolidam deixarão uma marca indelével. Poucos aspectos da fisionomia atual e das tensões que se desenvolvem diante dos nossos olhos em tantas organizações parecem compreensíveis se não se retroceder à sua fase constitutiva. Assim, a segunda força de formação do ethos assembleiano tem relações com a extensão inicial da AD sobre as regiões Norte e Nordeste. Até 1920, a AD havia se estendido sobre nove Estados destas regiões.20 Somente em 1922, a AD se estende para fora do eixo Norte-Nordeste, restringindo suas atividades evangelísticas apenas a estas duas regiões, durante seus primeiros 11 anos de fundação. Nesse primeiro momento de expansão, a AD contou com a atividade missionária exercida pelos leigos para disseminação da denominação nos vários Estados dessas regiões.21 De fato, os leigos antecederam os missionários e pastores criando pontos de pregação que, 20 Região Norte: Pará (1911), Amapá (1917) e Amazônia (1918); Região Nordeste: Ceará (1914), Alagoas (1915), Pernambuco (1916), Rio Grande do Norte (1918), Paraíba (1918) [e Maranhão (1918?]). Com relação à última data, há um desencontro nas informações relacionadas à separação do pastor Clímaco Buena Asa e da data da chegada da AD no Estado do Maranhão. De acordo com o Livro História das Assembléias de Deus no Brasil, de autoria de Emílio Conde (2006), a AD chega ao Maranhão em 1921 e o pastor Clímaco Bueno Asa, fundador da AD nesse Estado, é separado a pastor no dia 10 de março de 1918. Já no livro As Assembléias de Deus no Brasil: sumário histórico ilustrado, de Joanyr de Oliveira (1997), 10 de março de 1918 é a data de fundação da AD no Estado do Maranhão e sua separação para o pastorado ocorre no ano de 1917. Pela proximidade geográfica, adotou-se a primeira data, deixando espaços abertos para correção e contestação. 21 Antes da chegada de missionários ou pastores, estados como Ceará, Amazonas, Rondônia, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio grande do Norte, Bahia, Sergipe, Piauí, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Santa Catarina receberam a mensagem pentecostal apregoada por leigos. A mensagem era pregada, principalmente, para conversão de parentes e amigos. Tão vigoroso era o dinamismo evangelístico dos crentes que chegaram a pentecostalizar várias igrejas do protestantismo histórico, transformando-as em ADs (CONDE, 2006). 37 posteriormente, viriam a ser congregações. Cada crente era um potencial propagador de sua denominação em plena execução da liberdade de atuação garantida pelo “sacerdócio universal dos crentes” (CONDE, 2006). Esses evangélicos se mobilizaram seguindo as vias da migração em busca de melhores condições de vida, sentindo-se encarregados de levar a mensagem pentecostal. O jornal da AD, o Mensageiro da Paz, retrata esse período da expansão assembleiana: [...] a Amazônia havia se tornado alvo de pesados investimentos de multinacionais, sobretudo da borracha. Os trabalhadores rurais, em sua maioria nordestinos, se convertiam e espalhavam a doutrina pentecostal por todos os lugares onde iam trabalhar, exatamente aqueles onde as mega corporações faziam seus investimentos. Por isso, o movimento pentecostal na Amazônia deve aos nordestinos a maior parte do trabalho de divulgação (TANTOS..., 2001, p.3). A fundação da AD ocorre no período econômico chamado de ciclo da borracha (1879 a 1912), cuja principal cidade era Belém, capital do Pará. O crescimento da AD, segundo Passos (2005, p. 90), está ligada às rotas migratórias do início do século XX, que teria relações com a rápida expansão da produção de borracha, que atraiu grande quantidade de trabalhadores para a região que, ao final do ciclo, retornaram ao Estado de origem, levando a mensagem da denominação. A difusão dos leigos pelo território nacional abriu pontos de pregação que, depois, seriam organizados pelos missionários e pastores. É o caso da transferência do missionário Gunnar Vingren para o Rio de Janeiro, em abril de 1924, a pedido de vários crentes que haviam se mudado do Estado do Pará para a então capital federal, em busca de trabalho (CONDE, 2006). Os missionários estrangeiros encontravam dificuldades de penetração entre as camadas populares pelo estranhamento aos costumes e hábitos do povo. Por outro lado, os obreiros nativos tinham consigo a identificação popular através de práticas religiosas do meio em que viviam. Se os fiéis encontravam dificuldades para organizar a nova denominação, burocrática e doutrinariamente, os missionários supriam essas necessidades, com sua experiência e formação teológica. Dessa maneira, a organização da igreja, em seus primórdios, contou com esses dois pilares fundamentais para sua consolidação em terras brasileiras. A inserção da AD na sociedade nortista e nordestina, segundo Freston (1994), contribuiu para a consolidação de uma organização marcada pelo autoritarismo pastoral, no contexto de adaptação à cultura de dominação da região. 38 No ano de 1930, a organização da AD sofreu significativas alterações por ocasião da primeira Convenção Geral da denominação, na cidade de Natal. Neste ano, a igreja brasileira adquiriu autonomia interna em relação à missão sueca. Dessa forma, naquela Convenção, os rumos da igreja foram entregues às lideranças nacionais, passando a ser administrada pelos pastores nativos. A partir daí, os missionários estrangeiros se deslocaram para o Sul e Sudeste, onde o trabalho começava a se expandir (SILVA, 2001). Nesse período, as características da igreja já eram marcantemente nordestinas. Tais características parecem estar sedimentadas até hoje em seus fundamentos institucionais. As últimas eleições para a presidência da Convenção Geral das ADs, realizadas em abril de 2009, podem ser um bom exemplo disso, pois os dois concorrentes para a presidência do órgão máximo da denominação eram o nortista pastor Samuel Câmara e o nordestino José Wellington, que está à frente da Convenção Geral desde maio de 1988 (PASTOR..., 2009).22 Em suma, Freston (1994, p. 84) define as duas fontes de formação do ethos assembleiano da seguinte forma: “a mentalidade da AD carrega as marcas dessa dupla origem: da expectativa sueca das primeiras décadas do século; e da sociedade patriarcal e pré- industrial do Norte/Nordeste dos anos 30 e 60”. 2.3.2 As dimensões da AD no Brasil A partir desse núcleo organizacional, a AD se expandiu na população brasileira, durante o século XX, tendo, conforme o censo de 2000, 8.418.154 fiéis, apresentando 5.255.454 a mais que a segunda colocada, a Igreja Batista, que contou com 3.162.700 fiéis. 22 As eleições foram realizadas “no dia 23 de abril de 2009, por ocasião da 39ª Assembleia Geral Ordinária (AGO) realizada nos dias 20 a 24 no estado do Espírito Santo” (PASTOR..., 2009, p. 3). 39 Gráfico 2- As maiores denominações evangélicas do Brasil Fonte: IBGE, censo demográfico de 2000. Em terceiro lugar em número de adeptos vem a Congregação Cristã do Brasil, com 2.489.079 fiéis e, em quarto, a IURD, com 2.101.884 fiéis. Conforme os dados acima, entre as cinco maiores denominações evangélicas, quatro são da vertente pentecostal. A AD possui quase a metade (47%) dos pentecostais (JACOB et al., 2003) e, conforme demonstrado
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