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A IMPORTÂNCIA E DESAFIOS DO ENSINO BILINGÜE NA 
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA 
 
FERREIRA, Franchys Marizethe N. S. 
(francys.santana@terra.com.br) UFMS/CPAQ 
SOUZA, Claudete Cameschi de1 
(cameschi@terra.com.br) UFMS/CPAQ 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 Vinculada ao projeto de pesquisa Educação Escolar Indígena: língua, raça, 
cultura e identidade, esta comunicação tem por objetivo analisar o ensino da língua 
materna e portuguesa na escola da Aldeia Limão Verde, localizada no Município de 
Aquidauana-MS. Os procedimentos metodológicos incluíram levantamento 
bibliográfico, observação direta e análise documental. Posteriormente, realizamos 
uma sondagem in loco das metodologias ao ensinar o idioma materno e sua relação 
com a língua portuguesa. Como fundamentação teórica utilizamos principalmente os 
Brasil (1998-RCNEI). Embora parciais, os resultados apontaram dificuldades no 
processo ensino-aprendizagem tanto por parte dos docentes quanto dos discentes 
indígenas. 
 
A Educação Escolar Indígena 
 
 Segundo Matos e Monte (2006:72), 
 
No Brasil, como no conjunto dos países americanos, a educação 
escolar foi empregada como um recurso, quase sempre 
extremamente eficaz, de aniquilação da diversidade. Inúmeras 
iniciativas de civilização e integração forçada à sociedade nacional 
foram implementadas pela coroa portuguesa, pelo império e pela 
república. Mesmo assim, recorrendo a diversas formas de resistência, 
as sociedades indígenas tentaram “domesticar” a escola ou, quando 
isso não era possível, tornaram-se totalmente refratárias a ela. 
 
 Como se pode inferir do trecho supracitado, a educação escolar surge para os 
indígenas a partir do primeiro contato com o não-índio. No Brasil, o fato se dá desde 
o descobrimento, através dos Jesuítas, passando pelo período da Colônia, Império e 
República. Assim, conforme aponta Grupioni (2006:43), “impondo-se por meio de 
diferentes modelos e formas, cumprindo objetivos e funções diversas, a escola 
esteve presente ao longo de toda a história de relacionamento dos povos indígenas 
 
1 Professoras do Departamento de Educação da Fundação Universidade federal de Mato Grosso do Sul, Campus 
de Aquidauana, MS. 
com representantes do poder colonial e, posteriormente, com representantes do 
Estado-nação”. Considerando as observações desses autores, o que se depreende 
da leitura é que a escola, inicialmente imposta ao indígena, hoje é reivindicada por 
eles como direito assegurado pela Constituição. 
 De 1500 para cá, é possível perceber que as preocupações com a educação 
escolar para os índios ganharam contornos mais específicos a partir da década de 
1970, momento em que grupos sociais, formados por não-índios, iniciam um 
processo de assessoria a algumas comunidades indígenas, em busca de “um 
modelo de escola mais respeitoso à diversidade e aos direitos coletivos assegurados 
mais tarde na Constituição brasileira”.(MATOS; MONTE, 2006, p. 72). Nesse 
sentido, a Constituição Federal, em 1988, reconhece aos índios o direito à diferença, 
delegando ao Estado a proteção às “manifestações das culturas indígenas e 
assegurar o uso de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem” 
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988). 
 Em 1991 foi promulgado o decreto de lei que atribuiu ao Ministério da 
Educação a coordenação de políticas públicas e ações em prol da “educação 
escolar indígena”, em substituição à FUNAI, órgão responsável pelo setor até então 
no Brasil. Inicia-se, assim, um processo de construção de uma nova política pública 
para a educação escolar indígena que passa a figurar nos documentos educacionais 
posteriores, como, por exemplo, na Lei de Diretrizes e Bases para a Educação 
Nacional (LDBEN), em 1996; Plano Nacional de Educação, em 1998 e no 
Referencial Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI), em 1998. 
 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº9394/1996 dedica 
dois artigos no Título das Disposições Gerais, à questão da educação escolar 
indígena. O Artigo 78 determina que o Sistema de Ensino da União desenvolva 
sistemas integrados de ensino e pesquisa para a oferta de educação escolar 
bilíngüe e intercultural aos povos indígenas, respaldando, implicitamente a criação 
de um subsistema de ensino voltado exclusivamente para a educação indígena, que 
poderá estruturar-se de forma completamente diferenciada dos sistemas de ensino 
dirigidos às populações não-índias. 
 Um dos desdobramentos mais imediatos da Lei de Diretrizes e Bases da 
Educação Nacional – LDBEN, é a elaboração do Plano Nacional de Educação – 
proposta do executivo ao Congresso Nacional (MEC/INEP, 1998) que traz em seu 
bojo um capítulo dedicado especificamente à Educação Indígena, estabelecendo as 
metas nesse campo para os próximos 10 anos, a partir de dezembro de 1997. 
 Outro instrumento legal de nível nacional pertinente neste trabalho é o 
“Programa Nacional de Direitos Humano”, instituído pelo Decreto Nº 1904/96. No 
capítulo “Sociedades Indígenas”, afirma-se que se deve “assegurar às sociedades 
indígenas uma educação escolar diferenciada, respeitando o seu universo sócio-
cultural”.(Decreto Nº 1904/96), como uma ação a ser implantada em curto prazo. 
Todos esses documentos servem de suporte às normatizações do estado de 
Mato Grosso do Sul, que seguem as determinações do Ministério da Educação, 
inclusive em relação à formação de professores indígenas e à organização dos 
currículos das escolas indígenas, defendidas e sistematizadas nos Referenciais 
Curriculares Nacionais para as Escolas Indígenas. 
 Em Aquidauana, a legislação municipal é explícita ao privilegiar a educação 
intercultural e bilíngüe. Dois instrumentos legais fazem referência direta e essa 
questão: a Lei Orgânica do Município de Aquidauana, promulgada em 05 de Abril de 
1990 e a Lei Municipal Nº 1.700/99, de 19 de Abril de 1999. 
 A Lei Orgânica do Município de Aquidauana, em consonância com o texto 
constitucional afirma em seu Artigo 212 que “O Poder Público Municipal assegurará 
às comunidades indígenas o ensino fundamental, ministrado em língua portuguesa, 
garantindo-se-lhes a utilização da língua materna e de processos próprios de 
aprendizagem”. Também encontramos nos Artigos 171 e 172, que o mesmo 
instrumento legal já dispunha sobre o ensino bilíngüe na Educação Infantil e sobre a 
inclusão, no currículo, de conteúdos pertinentes à realidade cultural das 
comunidades indígenas. 
 A Lei Municipal Nº 1.700/99, de 19 de Abril de 1999, institui o “Programa de 
Educação Intercultural Bilíngüe” nas Escolas Municipais Indígenas em caráter 
permanente a partir do ano letivo de 1999. Essa Lei estabelece, entre as várias 
ações a serem desenvolvidas no Programa, a alfabetização na língua materna com 
o objetivo de facilitar à criança e ao jovem indígena o acesso pleno à leitura, escrita 
e ao cálculo na língua nacional a partir do conhecimento da estrutura lingüística da 
sua língua materna. Destacam-se, ainda, entre as ações previstas no Programa de 
Educação Intercultural Bilíngüe criado pela Lei em questão, a inclusão do estudo da 
língua materna nas séries iniciais do Ensino Fundamental, bem como a valorização 
da arte e cultura Terena em todas as séries do Ensino Fundamental. 
 Observa-se, portanto, que, por meio das novas Leis a escola indígena ganha 
um novo significado e sentido, como meio de assegurar o acesso a conhecimentos 
gerais da sociedade nacional sem precisar negar as especificidades culturais e a 
identidade própria das nações indígenas. 
 
 
Língua Terena X Língua Portuguesa 
 
 A língua é o mais forte traço cultural que identifica um povo; tudo o que a 
cultura possui se expressa através da língua. Câmara Jr. (1979) diz que a língua é a 
expressão em miniatura de toda a cultura de um povo. 
 O autor ainda esclarece que o conhecimento produzido pelo estudo de uma 
língua indígena contribui decisivamente para asolução de problemas educacionais, 
uma vez que a língua é a chave que nos permite conhecer todo o universo cultural 
de um povo. A estrutura da língua que uma pessoa usa geralmente influencia a 
maneira como ela entende o seu ambiente. 
 Para a Ferreira; Leite e Leite (1999) é essencial a escola como instrumento 
de preservação da língua como identidade cultural, segundo os autores, o programa 
de educação intercultural em operacionalização junto aos índios Terena em 
Aquidauana-MS, teve início na segunda metade dos anos de 1970 com a chegada 
das lingüistas Elizabeth Ekdhal e Nancy Butler à região do Distrito de Taunay. 
 Segundo pesquisa dos autores, as duas lingüistas foram pioneiras no estudo 
da língua materna Terena na região do Município de Aquidauana –MS. Ressaltam 
ainda que após sinais deste movimento o povo Terena começa a valorizar suas 
origens étnicas, pois a formulação escrita da língua materna contribui para despertar 
o sentimento de orgulho, “ao perceberem que sua própria língua podia ser expressa 
de forma escrita e que tinha estrutura gramatical, a exemplo da língua portuguesa”. 
(FERREIRA, LEITE e LEITE, 1999, p.34). 
 Embora as pesquisas2 tenham demonstrado que, a partir de meados de 1999, 
há uma melhoria qualitativa no processo de ensino-aprendizagem nas escolas 
indígenas do município de Aquidauana, com a implantação de um projeto bilíngüe — 
Raízes do Saber —, nas aldeias onde a língua terena não é a língua mais usada no 
cotidiano, os problemas insistem em continuar. 
 Procuradas por uma escola municipal indígena, localizada em uma aldeia 
onde co-existem no uso cotidiano e no processo de ensino-aprendizagem, como 
disciplinas, as duas línguas: materna e portuguesa iniciamos, a pedido da escola, 
uma avaliação diagnóstica com 54 crianças das séries iniciais do ensino 
fundamental, previamente selecionadas pela escola por considerá-las com 
dificuldades de aprendizagem, necessitando, portanto, segundo a escola, de “aulas 
de reforço” para melhorarem os conhecimentos e o domínio da leitura, escrita e 
matemática. 
 Após a aplicação do diagnóstico, pudemos constatar que, em especial, as 
crianças de 3ª e 4ª séries, repetentes de séries anteriores e, algumas da mesma 
série, mais de uma vez, apresentam dificuldades na leitura (soletram, ignoram a 
pontuação...) e na escrita (troca de letras, segmentação, ausência de pontuação, 
não escrevem nada ou não é possível decifrar o que escrevem). Diante disso, 
procuramos entender a estrutura da língua terena, o contexto familiar e social, a 
formação dos professores, o trabalho pedagógico por eles realizado, uma vez que 
muitos problemas detectados apresentam-se como característicos, geralmente, de 
crianças de 1ª e 2ª séries. 
 Com o objetivo de estabelecer o diálogo e convidar o leitor para as 
indagações que têm nos tirado o sono, selecionamos e transcrevemos abaixo a 
descrição interpretativa de um diagnóstico aplicado, em 13/06/2006, em uma aluna 
da 4ª série do ensino fundamental — Carmelita3. Os critérios de escolha desse 
diagnóstico foram: a) legível; b) apresenta problemas constantes nos demais 
diagnósticos da 4ª série; c) a aluna cursou: três anos de 1ª, três de 2ª, dois de 3ª e 
está matriculada na 4ª; d) em casa, os familiares usam a língua terena; e) a aluna 
 
2 A este respeito, ver, em especial FERREIRA, F. M. N. S; LEITE , F.C. T. e LEITE, S. M.F. Projeto “Raizes 
do Saber”: uma experiência de educação rural intercultural com índios Terena em Aquidauana – MS. 1999. 
Monografia (Especialização em Didática — fundamentos teóricos da prática pedagógica). Faculdade de 
Educação São Luiz. Jaboticabal, SP. 
3 Pseudônimo. 
compreende, mas não fala a língua terena; f) o professor é índio, do sexo masculino, 
fala/escreve a língua terena e é formado em Pedagogia pela UFMS. Vejamos! 
 É fato sabido que a criança chega à escola conhecendo e utilizando, 
mesmo que somente na modalidade oral, uma variedade lingüística adquirida no 
contexto familiar, situado numa área geográfica com características culturais e 
socioeconômicas diferenciadas. Falam, portanto, de jeito diferente, embora o 
sistema alfabético do português do Brasil seja o mesmo para todos os habitantes. 
 Se nas escolas não-indígenas esse fato é visível, pela heterogeneidade de 
sua clientela e da própria língua, tal fato não se apresenta de forma diferente na 
comunidade indígena em questão, onde a língua Terena — língua materna — não é 
a mais utilizada pelas crianças. É ensinada em aulas específicas para isso, além do 
fato de algumas crianças conviverem, no ambiente familiar, com o uso da língua 
materna pelos pais, avós e outros, situação que pode estar interferindo na escrita 
dessas crianças. Assim, são comuns determinados desvios na escrita do português, 
conforme veremos na descrição abaixo. 
 Segundo Butler (1999) os próprios professores indígenas, que falam e 
escrevem a língua terena possuem grandes dificuldades de entender as distinções 
fonológicas e gramaticais, que não combinam com a estrutura da língua portuguesa 
que os indígenas também dominam, e que é, na maioria das vezes, o único modelo 
estudado e que serve como ponto de referência. Um desses exemplos são os 
padrões de acentuação, pois várias formas do mesmo verbo se distinguem somente 
pelo acento na forma escrita, tendo como exemplos: pîho “ele vai” nîko “ele come” 
pího “quando ele vai” níko “quando ele come” e 
pihô “ele que vai” niko “ele que come”. 
 A autora ressalta que dificilmente a pessoa que entende a língua oralmente, 
mas que nunca tenha estudado formalmente os padrões acima apresentados, 
conseguirá representar a diferença por escrito, isto porque não pensa em termos 
lingüísticos enquanto fala. Sabe apenas que as palavras têm as mesmas letras e 
que tem algo diferente na pronúncia que distingue o sentido de cada palavra, mas 
não sabem o que significa nem como representá-lo na escrita. Constata-se, 
portanto, que, sem as devidas análises lingüísticas não são capazes de saberem 
que o acento circunflexo associa-se com o alongamento da vogal na sílaba tônica e 
com o tom decrescente, enquanto o acento agudo associa-se com a vogal dita com 
mais rapidez na sílaba tônica e sem o tom decrescente. Vejamos como a 
aprendizagem se desenvolve na Escola Municipal Pólo Indígena Lutuma Dias, a 
partir de reflexões sobre a produção escrita dos alunos. 
 A aluna Carmelita tem 15 anos, está matriculada na 4ª série do Ensino 
Fundamental, é extremamente tímida, cursou três anos de primeira série, três de 
segunda e dois de terceira e apresenta dificuldades ortográficas acentuadas. O 
primeiro item do diagnóstico — ‘Escreva o alfabeto’, em letra de forma maiúscula — 
revela dificuldades em relação à escrita das letras: usa letras de forma e cursiva ao 
mesmo tempo; usa maiúsculas e minúsculas, quando deveria utilizar apenas a 
maiúscula, conforme solicitado. 
Embora reconheça o alfabeto, algumas letras são grafadas com uma vogal 
acompanhando: Qu para Q, letra que não existe na língua Terena. Talvez este 
registro (Qu para Q no alfabeto) esteja diretamente ligado ao fato de que a aluna já 
tenha a informação de que letra “q” só aparece, em português, seguida de “u”, 
mesmo quando esse “u” não tem som, na escrita das palavras. Assim, a regra é por 
ela generalizada e acaba usando a informação também na escrita do alfabeto. 
 Quando solicitada a registrar um pequeno ditado, assim escreveu: Na adedia 
[ ...] padame sadavi netrivio comu mudade, banana, madica, Limão, maga, cirabu, 
feijão, caju, outros Este podutoro comusalia nasidi do monisipio de aquidarana, 
feras etabe nas Residesia. Traduz-se: Na aldeia [ ... ] plantamos alimentos saudáveis e 
nutritivos como: banana, mandioca, limão, manga, quiabo, feijão, caju e outros. Estes 
produtos são comercializados na sede do município de Aquidauana, em feiras e também 
nas residências. 
 
 
Tentativade análise dos resultados 
 
Carmelita apresenta: 
1. Troca uma letra pela outra, como em padame= plantamos T/D t/d; 
2. ignora o encontro consonantal inicial pl; confunde a grafia do morfema 
gramatical da palavra ame=amos; 
3. deixa de escrever palavras intermediárias, como, por exemplo, em: 
“plantamos alimentos saudáveis e nutritivos como banana, mandioca, limão, 
manga, quiabo, feijão, caju e outros” que a aluna escreveu: “padame sodovi 
netrivio comu mudade, banana, madica, Limão, maga, cirabu, feijão, caju, 
outros”. A palavra alimentos não aparece e Carmelita acrescenta uma escrita, 
após a palavra como que sugere o entendimento de comunidade. Na mesma 
seqüência, é possível constatar que, exceto em banana, limão e feijão, 
Carmelita tem dificuldades em representar graficamente a sílaba nasalizada, 
como em: maga/manga; madica/mandioca. Segundo Durigan (2006), 
considerando que “m” e “n” em final de sílaba não são fonemas, mas apenas 
símbolos de nasalidade da vogal que os antecede, formando, segundo alguns 
autores, dígrafos nasais, a criança não os grafa. Outra grafia que chama a 
atenção é a da palavra cirabu/quiabo, pois em português a letra c tem som de 
/k/ apenas quando acompanhada das vogais a, o e u. Como se trata de uma 
aluna Terena, verificou-se a possibilidade de a aluna estar misturando a grafia 
das línguas: materna e língua portuguesa; constatou-se que, no alfabeto terena, 
não se usa a letra c e que o som de qu é representado pelo k; afinal é uma 
“língua fonética”. Estaria o professor, nas explicações, estabelecendo 
comparações orais entre duas línguas estruturalmente diferentes e causando 
confusões cognitivas? 
4. Outro aspecto significativo na escrita de Carmelita refere-se ao acréscimo de 
ra, ri, ro ou, ainda, do r sem vogal em algumas palavras. Isto acontece em 
substituição a alguma letra ou dígrafo, ou, ainda, quando tem dúvida se falta ou 
não alguma letra na escrita da palavra: cirabo/quiabo; esfera/escreva; 
produtoro/produtos; munisipiro/município; aquidarana/Aquidauana; laravo/lavo; 
ropara/roupa; vasira ou vazira/ vasilha; nara/ na; mira/minha; tira/tia, 
Residesira/residência, Izarira/Izaias [...]. Entretanto, Carmelita usa corretamente 
o r em outras palavras como: verdi/verde; netrivio/nutritivo; feras/feiras; 
Residesira/residência; sobre/sobre [...]. 
5.Carmelita está matriculada na 4ª série, é repetente de séries anteriores ( três 
anos na 1ª; três anos na 2ª e dois anos na 3ª série) e, em alguns momentos, 
apresenta dificuldades na segmentação das palavras, como, por exemplo, em 
nasidi/ na sede; etabe/ e também. Em nasidi/na sede, há, conforme Durigan 
(2006), o desaparecimento da diferença entre e e i, em átomos finais, como em 
“sidi”, mas em si de sidi, o que ocorre? Em etabe/ e também, repete a ausência 
dos símbolos de nasalidade da vogal que antecede. 
6.Apesar de a substituição do dígrafo nh por r em mira/ minha, já apontado no 
item 4 desta descrição, sugerir que Carmelita desconhece o uso do nh, ela 
escreve, de memória a palavra galinha corretamente. Como se pode observar, 
há uma certa dificuldade em classificar os desvios de Carmelita, pois, além de 
demonstrar que conhece o uso do nh , a aluna, que usa o r em diferentes 
situações (aceitas ou não como corretas), deixa de grafá-lo em outras: 
podutoro/produtos; pofessor/professor; comesalia/ comercializados [...]; 
7.Em adedia/aldeia, deixa de grafar o l após o a inicial e acrescenta o d entre 
a vogal e a semivogal do ditongo que antecede o hiato final da palavra; em 
sadavi/saudaveis, suprime o u; suprime também a sílaba ti em 
netrivio/nutritivo e em tantas outras palavras. 
 São muitos os desvios de Carmelita e alguns difíceis de buscar o 
entendimento do por quê a aluna escreve assim, mas é possível considerar que as 
palavras desconhecidas apresentam maiores dificuldades, como, por exemplo, 
sadavi/saudáveis; netrivio/nutritivo; comesalia/comercializados [...], mas a 
mesma regra não se aplica para adedia/aldeia; pouco/porco; laravo/lavo [...] que 
são palavras conhecidas e utilizadas nas diferentes escritas de sala de aula. 
 É possível compreender que Carmelita troca, como tantas outras crianças 
brasileiras, o fonema t pelo d, quando transcritos para a modalidade escrita da 
língua, por não conseguir distinguir que um é surdo e outro é sonoro; mas como 
justificar a troca de cre por fe em escreva? Constata-se, também, que, há a 
presença marcante do uso da língua na modalidade oral, fato comum na produção 
de textos das crianças brasileiras, neste nível de ensino, e que os professores, 
índios ou não-índios, têm conseguido resolver, gradativamente, ainda nas séries do 
ensino fundamental; mas será que a aluna diz laravo para lavo? Como estas 
muitas são as dúvidas em relação à escrita de Carmelita. 
 Considerando que o conhecimento e desenvolvimento lingüístico e o 
desenvolvimento cognitivo estão “inter-relacionados” e são fundamentais no 
aprendizado escolar, como agir em relação às crianças indígenas que convivem e 
aprendem, tanto na modalidade oral quanto na escrita, simultaneamente duas 
línguas: materna e portuguesa? 
 Como vencer a timidez e as “barreiras” culturais de uma jovem como 
Carmelita que se sente envergonhada e não se comunica com o acadêmico4, 
apenas com a acadêmica? Observa-se que o professor da sala é índio. 
 Se considerarmos que na língua terena existem apenas quatro padrões 
silábicos — CV; CVV; V e VV — é possível inferir que o aprendizado da língua 
materna influencia diretamente no aprendizado da língua portuguesa e, 
provavelmente, vice e versa, como em padame/plantamos, pois pa representa 
plan, isto é, em terena a sílaba CV (“pa”) representa em português a sílaba CCV 
(“pla”) acrescida do símbolo de nasalidade. Tal formação de sílaba CCV não existe 
na língua materna. A mesma inferência se aplica em podutoro/produtos, mas não 
se aplica na palavra netrivio/nutritivo, na qual a construção silábica CCV, do 
português, é grafa sem problemas pela aluna. Fato que se repete em sobre/sobre e 
em outros/outros, por exemplo. 
 Diante do exposto, algumas questões maiores se impõem: estariam as 
principais causas dessas dificuldades relacionadas à metodologia utilizada em sala 
de aula, à formação dos professores índios, considerando aqui a proposta de 
educação escolar indígena intercultural e bilíngüe? Ou, ainda, essas dificuldades 
podem ser consideradas normais em comunidades que desenvolvem o processo de 
ensino-aprendizagem da leitura e da escrita em duas línguas, inicialmente 
desconhecidas pelas crianças na modalidade escrita, simultaneamente? E no caso 
específico de Carmelita — e de tantas outras Carmelitas — que já cursou oito anos 
nas três primeiras séries do ensino fundamental, quantos anos levará para terminar 
o ensino fundamental, ou pelo menos para aprender a distinguir a escrita de uma e 
de outra língua? Terminará Carmelita as séries iniciais do ensino fundamental? 
 Verificamos que é fundamental um curso de formação de professores 
indígenas que propicie o conhecimento da estrutura ortográfica e gramatical da 
língua indígena para ser possível um processo de ensino-aprendizagem eficaz, que 
atenda as reais necessidades da comunidade, uma vez que, o conhecimento só 
poderá ser possível após o aperfeiçoamento da leitura e escrita pelos educadores 
indígenas, assim como acontece no processo de construção do conhecimento da 
estrutura da língua portuguesa. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 Os trabalhos realizados na comunidade indígena foram propostos da seguinte forma: os estagiários da 3ª e 4ª 
séries do Curso de Pedagogia, em duplas, desenvolveriam atividades teatrais, leitura, escrita e jogos matemáticos 
com cada grupo de 10 crianças, organizadas por série, acompanhados dos professores índios e das professoras 
supervisoras. 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Centro Gráfico doEstado Federal, 1988. 
 
______. Ministério da Educação e Desporto. Lei de Diretrizes e Bases da 
Educação Nacional. Brasília: Congresso Nacional, 1996. 
 
_______. Presidência da República. Programa Nacional de Direitos Humanos. 
Brasília: Ministério da Justiça, 1996. 
 
_______. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Brasília: MEC, 
1998. 
 
Butler, Nancy. Perguntas e respostas relacionadas com a formação de 
professores para salas de alfabetização em Língua Terena. Aquidauana: 
Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esporte, 1999. 
 
CÂMARA JÚNIOR. J. Mattoso. Introdução às línguas indígenas brasileiras. 3. ed. 
Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1979. 
 
DURIGAN, Marlene. Retextualização: alguns apontamentos. Trechos extraídos de 
minicurso desenvolvido com acadêmicos do curso de Pedagogia UFMS/CPAQ, 
2006. (Digitado/xerocado). 
 
________. Atividades de (re) textualização e ensino de português. Inter-ação. 
Paranaíba, v.3, nº 1, p. 21-32, 2004. 
 
FERREIRA, F. M. N. S.; LEITE, F. T. ; LEITE, S. M. F. Projeto “Raízes do Saber”: 
uma experiência de Educação Rural Intercultural com índios Terena em Aquidauana 
– MS. Monografia (Especialização) Faculdade de Educação São Luiz, Jaboticabal, 
São Paulo, 1999. 
 
GRUPIONI, L. D. B. Contextualizando o campo da formação de professores 
indígenas no Brasil. IN. ______. (Org). Formação de professores indígenas: 
repensando trajetórias. Brasília: MEC/SEC/AD, 2006, p.39-68. 
 
MATOS, K.G.; MONTE, N. L. O estado da arte da formação de professores 
indígenas no Brasil. IN. GRUPIONI, L. D. B. (Org). Formação de professores 
indígenas: repensando trajetórias. Brasília: MEC/SEC/AD, 2006, p.69-114. 
 
MELIÁ, Bartolomeu. Educação Indígena e Alfabetização. São Paulo, Loyola, 1979.

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