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Teoria dos Direitos Fundamentais 1 Aula do Prof. Ingo Wolfgang Sarlet – Material cedido por alunos ao Grupo EMERJ TOTAL Teoria dos Direitos Fundamentais Prof. Ingo Sarlet 22/03/2006 Indicação bibliográfica: Direitos em espécie – parte mais objetiva: - Alexandre de Moraes. - Otávio Piva – comentários ao art. 5.º, CF. Teoria dos Direitos Fundamentais: - Eficácia dos Direitos Fundamentais – Ingo Sarlet. - Teoria de los Derechos Fundamentales – Robert Alexy. - José Joaquim Gomes Canotilho. Distinção entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais: No direito constitucional positivo, há uma discussão sobre o que são direitos humanos e o que são direitos fundamentais. As duas terminologias são utilizadas, tendo-se incorporado o termo “direitos humanos”, porque é um termo politicamente mais forte e mais difundido. Todavia, isso não significa que a expressão “direitos fundamentais” não tenha sido largamente utilizada. Na verdade, todas as constituições contemporâneas utilizam o termo “direitos fundamentais”. Há quem diga que as duas expressões são sinônimas, como, por exemplo, Sérgio Rezende de Barros aqui no Brasil. Todavia, segue-se sustentando a diferenciação. Não é uma diferença somente terminológica, mas conceitual, porque os dois termos não se identificam quanto ao seu conteúdo. O mais importante critério de distinção tem sido o critério do plano ou esfera de positivação. Direitos humanos são direitos reconhecidos e positivados pela ordem jurídica internacional, enquanto direitos fundamentais são direitos positivados no plano ou na ordem jurídica constitucional. A partir desse critério, diz-se que os direitos humanos são assegurados a qualquer pessoa, em qualquer lugar e não especificamente ao cidadão de um determinado Estado. No entanto, não são realmente válidos em todos os lugares, porque os direitos positivados em tratados ou pactos internacionais de direitos humanos aplicam-se apenas aos Estados signatários. Por outro lado, os direitos de declaração da ONU têm um âmbito de aplicação muito maior, são reconhecidos com caráter internacional. Os direitos fundamentais constitucionais valem, em princípio, no âmbito territorial do país em cuja constituição eles foram consignados. Os direitos humanos dos tratados somente serão reconhecidos internamente se forem adotados pela constituição de cada país. Outro motivo que podemos analisar, para justificar a viabilidade da distinção, é que o rol dos direitos humanos internacionais, em regra, não é exatamente igual ao rol de direitos fundamentais da constituição. Isso ocorre porque nem todos os Estados ratificam todos os tratados internacionais que firmaram. Da mesma forma, existem direitos em algumas constituições que não estão em todos os tratados. Trata-se de direitos que o constituinte escolheu para colocar no texto da Constituição e que não foram estabelecidos em nenhum tratado internacional que o país tenha firmado anteriormente. Em rigor, a única possibilidade de que houvesse uma identificação absoluta entre tratado e constituição, no que tange ao elenco dos direitos fundamentais, seria se a constituição não arrolasse direito algum e simplesmente dissesse que os direitos e garantias fundamentais são os mesmos dos tratados já promulgados até o momento. Mesmo assim, haveria problema de se considerar os direitos implícitos, os direitos fora da constituição, etc. O outro motivo da diferenciação diz respeito às garantias dos direitos humanos internacionais e dos direitos fundamentais da constituição. Na constituição de um estado democrático de direito, em regra, as garantias constitucionais são mais efetivas do que as garantias internacionais. É muito mais fácil conseguir por mecanismos internos a efetivação dos direitos da constituição e até mesmo dos tratados que foram incorporados. É muito difícil ao cidadão de um país ter acesso aos tribunais internacionais. Outro aspecto é que os países não estão automaticamente sujeitos aos tribunais internacionais, porque, além de aderir ao tratado, eles também têm que aderir à jurisdição internacional. Deve-se observar que combater violações praticadas por réus (pessoas físicas ou jurídicas) é muito mais fácil do que combater as violações praticadas por países, ainda mais em se tratando de países poderosos. Por exemplo, os EUA descumprem sistematicamente as ordens dos tribunais internacionais, quando eles entendem que a ordem não é adequada. No entanto, se acham legítimos para “instalar” os direitos humanos em outros países. No que tange à possibilidade de efetivação, os direitos internos ficam mais fáceis de serem efetivados. Além disso, podemos afirmar a existência da distinção, uma vez que nossa Constituição consagra exatamente este critério de distinção. No art. 4.º, um dos princípios que rege as relações internacionais é a prevalência dos direitos humanos (âmbito internacional – direitos humanos). No Título II, quando inicia o catálogo dos direitos constitucionais, a epígrafe do título é denominada “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” (âmbito interno – direitos fundamentais). Com a EC n.° 45/2005, a inclusão do §3.º no art. 5.º reforça essa diferença, ao tratar dos tratados internacionais de direitos humanos. O prof. considera que a alteração da redação do art. 109 também veio reafirmar a diferença, quando estabelece a federalização das competências em grave violação de direitos humanos, tratando de responsabilidade internacional. § 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. As Constituições Alemã e Portuguesa também realizam essa distinção. Os direitos humanos internacionais não deixam de ser direitos humanos por terem ingressado na ordem constitucional brasileira. O que ocorrerá é que também valerão no plano interno, tendo garantias constitucionais. Não há nenhuma incoerência nesta situação. O prof. entende que se tivéssemos que escolher apenas uma das terminologias, deveríamos escolher “direitos fundamentais”. No sentido material, de conteúdo, de relevância, os direitos humanos também podem ser considerados fundamentais. Todavia, os direitos humanos não compartilham da eficácia, das garantias constitucionais de que gozam os direitos fundamentais. Conceito de Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira de 1988: Devemos compreender o que é a fundamentalidade. Num primeiro momento, a fundamentalidade está baseada no fato de serem direitos consagrados pela constituição, conforme já vimos. A primeira qualidade da fundamentalidade seria a supremacia normativa desses direitos fundamentais naquela ordem jurídica. Se não houver a supremacia normativa, eles não são fundamentais. O que se tem entendido é que isso não basta, ou seja, não basta que os direitos estejam consagrados nas constituições para que sejam, de fato, fundamentais. Para que os direitos sejam realmente fundamentais, eles devem Teoria dos Direitos Fundamentais 2 Aula do Prof. Ingo Wolfgang Sarlet – Material cedido por alunos ao Grupo EMERJ TOTAL ter algo mais, eles devem ter alguma característica que os diferencie dentro da própria constituição. Se bastasse os direitos fundamentais terem a mesma característica de constitucionais dos outros direitos, não haveria qualquer diferença entre os direitos constitucionais. Se bastasse a supremacia normativa, não haveria diferença entre a norma que estabelecia o teto dos juros e o direito fundamental à vida. Há uma diferença qualitativa entre os direitos fundamentais e o restante das normas constitucionais. A fundamentalidadese estabelece a partir de dois pilares (Robert Alexy): - fundamentalidade em sentido material: está ligada aos valores subjacentes aos direitos, ao conteúdo dos direitos. Está vinculada à importância, à essencialidade, à relevância de proteção desses bens jurídicos para aquela ordem constitucional. É o constituinte que toma a primeira decisão do que é fundamental ou não. - fundamentalidade em sentido formal: é necessária para que se possa dar a esses bens jurídicos considerados relevantes e essenciais à proteção da pessoa realmente uma proteção diferenciada. Modos de se assegurar a esses bens realmente fundamentais uma força jurídica diferenciada, no sentido de uma força jurídica privilegiada em relação às demais normas constitucionais não tidas como fundamentais. Como isso vai acontecer depende de cada constituição. É chamada fundamentalidade formal porque trata de garantias que a própria constituição formal já estabelece. Garantias no direito brasileiro (fundamentalidade formal): - art. 5º, §1º, CF. As normas de direitos fundamentais (e não quaisquer outras) têm aplicabilidade imediata. - art. 60, §4º, CF. Enuncia as cláusulas pétreas. Há discussão se todos os direitos elencados no Título II seriam cláusulas pétreas, uma vez que o inciso IV do §4º do artigo 60 se refere a “direitos e garantias individuais”. Ademais, há outros direitos dispersos na Constituição que também podem ser considerados cláusulas pétreas, mas essencialmente está- se tratando dos direitos fundamentais. - art. 5º, §§2º e 3º, CF. É também uma garantia formal, mas está mais vinculada à fundamentalidade material. Possibilidade de se reconhecer outros direitos fundamentais, além dos positivados. Hoje ainda se discute se todos os direitos da constituição seriam cláusulas pétreas, bem como se todos os direitos seriam fundamentais. O conceito de direitos fundamentais na nossa constituição parte da existência de fundamentalidade formal e material. Direitos fundamentais na constituição brasileira são todos aqueles expressa e implicitamente positivados na Constituição, além daqueles que por força da própria constituição a estes são equiparados por serem dotados todos de fundamentalidade formal e material. Art. 5º, §2º, CF: Consagra a expansividade dos direitos fundamentais, no sentido de que o sistema de direitos fundamentais não é fechado. O elenco de Direitos Fundamentais do Título II da Constituição é não-taxativo, não-exaustivo. A partir da abertura do catálogo de direitos fundamentais, podemos sustentar uma classificação dos direitos fundamentais em dois grandes grupos de direitos. É uma classificação que parte do critério da abertura material e de como o §2º do art. 5º trata dessa abertura material. É uma classificação que não é incompatível com outras classificações: • Direitos expressamente positivados Direitos positivados no Título II da Constituição Direitos positivados na Constituição, mas fora do Título II Direitos positivados nos tratados internacionais • Direitos implicitamente positivados 1. Grupo dos direitos expressamente positivados: Também denominados explícitos. Divide-se em três grupos. Essa distinção foi introduzida pelo prof. no ordenamento brasileiro. Embora todos sejam positivados, apresentam problemas teóricos e práticos distintos em cada um dos grupos. 1.1 Direitos positivados no Título II da Constituição. Existe uma discussão se tudo o que está no Título II é fundamental. Há autores que entendem que os direitos sociais não seriam fundamentais, razão por que também não seriam cláusulas pétreas. A partir dessa discussão, há a questão da efetividade, ou seja, se todos têm a mesma eficácia ou efetividade. O STF não tem uma decisão conclusiva sobre serem ou não os direitos sociais cláusulas pétreas. Existe uma discussão a respeito, mas ainda não uma decisão definitiva. Há duas grandes posições: - 1ª posição: Tudo o que está no Título II é fundamental. Em favor dos direitos expressa e formalmente enunciados como fundamentais pelo poder constituinte originário existe uma presunção de que eles sejam também materialmente fundamentais. Na prática, ainda que não sejam, é como se fossem. A doutrina dominante se posiciona neste sentido, incluindo-se Jorge Miranda. Na verdade, a jurisprudência do STF não tem nada ainda neste sentido, tendo sido mais favorável a uma ampliação do catálogo. - 2ª posição: Apenas parte dos direitos do Título II é realmente fundamental. Baseia-se, preponderantemente, na fundamentalidade material. Há direitos no Título II que não seriam materialmente fundamentais, ou seja, que não protegem a dignidade da pessoa humana ou bens indispensáveis para a garantia da dignidade da pessoa humana. Ainda que o constituinte tenha dito que é fundamental, esses direitos não seriam materialmente fundamentais. O problema é que não podemos deixar ao critério dos juízes, do poder constituinte derivado ou dos legisladores ordinários dizer o que é ou não fundamental. Não se pode transferir aos poderes constituídos os poderes constituintes. Quem pode dar a palavra sobre o que é ou não fundamental é o poder constituinte originário. O poder constituinte originário disse expressamente que são direitos fundamentais. Ainda que eu não goste, eu não tenho direito de revogar essa determinação expressa do poder constituinte originário. Pode-se argumentar que alguns dispositivos não são tão fundamentais assim, mas não temos o direito de contestar aquilo que disciplinou o poder constituinte originário. 1.2 Direitos positivados na Constituição, mas fora do Título II. Como o constituinte não disse o que é ou não fundamental fora do Título II, não sabemos ao certo o que é ou não fundamental. O problema central é exatamente identificar quais são os direitos fundamentais que estão dispersos na Constituição. É um problema de fundamentação. Há necessidade de justificar a fundamentalidade material em cada caso, a fim de que se possa enquadrar como direito fundamental. O tratamento não é o mesmo do Título II, porque está- se ampliando. Existe um mandato e um mandado embutido no §2º. O mandado é que o juiz deve reconhecer a fundamentalidade fora do Título II, como, por exemplo, em relação aos tratados internacionais. O mandato é a autorização para que o juiz Teoria dos Direitos Fundamentais 3 Aula do Prof. Ingo Wolfgang Sarlet – Material cedido por alunos ao Grupo EMERJ TOTAL faça isso. É evidente que o juiz não pode dizer que tudo o que está na Constituição é um direito fundamental, havendo necessidade de se justificar prudentemente. Pragmaticamente, isso é relevante, porque estando diante de um direito fundamental fora do Título II, em princípio também se trata de uma cláusula pétrea, sendo-lhe aplicável as regras de plena eficácia. Estende-se a proteção jurídica reforçada do art. 5º, §1º e das cláusulas pétreas. O STF já reconheceu vários direitos fundamentais fora do Título II. Exemplos: a) A irretroatividade tributária é considerada direito fundamental (art. 150, CF). Os limites constitucionais materiais ao poder de tributar geram um direito subjetivo. b) A igualdade dos filhos dos cônjuges também é reconhecida como direito fundamental (art. 227, CF). Isso é um desdobramento do princípio geral da igualdade, razão por que até poderia ser considerada uma garantia implícita. No entanto, durante muito tempo, se negou a auto-aplicabilidade da igualdade dos filhos. c) O dever de motivação das decisões (art. 93) vem sendo entendido como garantia fundamental do cidadão, até por não haver devido processo legal sem motivação. Assim, é uma garantia que poderia ser implicitamente deduzida do devido processo legal. d) O direito fundamental ao meio-ambiente, ainda que pareça óbvio como direito fundamental, não é assim em todos os lugares. Ainda há países em que o direito ao meio- ambiente não é tido como fundamental.e) O art. 196 trata da saúdem, complementando o art. 6º da Constituição. O STF já se manifestou no sentido de que gera direito subjetivo público. f) O prof. também entende que o direito de greve do servidor público é um direito fundamental, auto-aplicável. Na opinião dele, restam apenas os limites da greve a ser discutidos. Mas isso é bastante polêmico. A jurisprudência infraconstitucional já tem entendido como direito fundamental, com exceção do TST e do STF. Por conseguinte, percebe-se que é possível potencializar os direitos fundamentais dentro da Constituição, ainda que fora do Título II, não havendo necessidade de ingressar na esfera dos tratados internacionais. Os direitos mais importantes estabelecidos em tratados já foram inseridos na Constituição brasileira. ➭Critério para identificar um direito fundamental fora do Título II: Deve-se extrair da própria Constituição o que seja materialmente fundamental. Assim, identificaremos os direitos fundamentais fora do Título II a partir dos princípios fundamentais e dos principais direitos e garantias fundamentais (sobre os quais haja um consenso acerca de sua fundamentalidade). Não basta uma mera pertinência temática para identificar um direito fundamental fora do Título II. O princípio da dignidade da pessoa humana é o vetor mais importante para identificar direitos fundamentais fora do Título II. Se algo estiver diretamente vinculado à dignidade da pessoa humana e for simultaneamente algo essencial para a proteção da dignidade da pessoa humana, estamos diante de um direito fundamental. Dignidade da pessoa humana: Hoje diversas decisões judiciais invocam a dignidade da pessoa humana em sua fundamentação. No entanto, isso vem sendo feito de forma indiscriminada e meramente retórica. Praticamente 60% das decisões que utilizam o fundamento da dignidade da pessoa humana não explicitam o que é dignidade da pessoa humana. Não há fundamentação sobre o tema. Quando se fala em violação da dignidade da pessoa humana, exige-se uma demonstração argumentativa mínima de que, no caso concreto, a dignidade da pessoa humana foi violada. Obs.: O fato de uma emenda modificar um direito fundamental, não significa que o esteja retirando da Constituição. 1.3 Direitos positivados nos tratados internacionais. Em relação aos tratado de direitos humanos e a Constituição Brasileira, como está a situação após a inserção do §3º no art. 5º da CF? § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Existem dois problemas centrais. 1.3.1 Penetração dos tratados na ordem interna. O primeiro problema diz respeito ao modo de penetração dos tratados na ordem jurídica brasileira. Essa penetração, de acordo com o regime adotado, pode-se dar de forma mais facilitada ou mais complicada. A rigor, sempre tivemos, a partir do §2º do art. 5º, três posições de como os tratados de direitos humanos deveriam ser incorporados à ordem jurídica brasileira. - 1ª posição: A primeira posição (mais restritiva) era a vitoriosa no STF. O entendimento é de que, para que o tratado fosse incorporado no direito brasileiro, ele deveria ser ratificado (celebrado pelo Presidente, aprovado pelo Congresso Nacional por decreto legislativo) e depois deveria passar pela chancela presidencial novamente com o decreto executivo. Esse processo é exigido pelo STF para todos os tratados, inclusive os de direitos humanos. - 2ª posição: A segunda posição é a defendida pelo prof., segundo a qual, em se tratando de tratados de direitos humanos (não nos demais casos), basta a ratificação do tratado, ou seja, basta a celebração do tratado pelo Presidente e a aprovação pelo Congresso Nacional por decreto legislativo. Não há necessidade de uma nova chancela presidencial, ou seja, seria dispensado o decreto executivo. A segunda posição é a dominante na doutrina. É a posição, por exemplo, de Flávia Piovezan. - 3ª posição: A terceira posição diz que bastaria a celebração do tratado pelo Presidente, não sendo necessário nem o decreto legislativo. A terceira posição não se sustenta em nosso direito constitucional positivo, porque o art. 84, VIII, dentre as competências do Presidente da República, expõe que os tratados estão sujeitos a referendo do Congresso Nacional. Mas a CF não condiciona expressamente a novo decreto executivo. O §3.º é relevante para a discussão da incorporação e também é relevante para a questão da hierarquia. Segundo o §3.º do art. 5.º, os tratados de direitos humanos que forem aprovados pelo rito das Emendas Constitucionais serão a elas equiparados. Exige-se quórum mais qualificado. Isso nos leva a uma discussão se a aplicação do §3º aos tratados de direitos humanos, após a EC 45/05, é obrigatória ou não. Os tratados devem ou podem ser incorporados pelo rito das emendas? Há posições fortes para os dois lados. A – A favor da facultatividade do rito das emendas, nós temos dois argumentos: O primeiro estaria ligado a uma interpretação literal. “Que forem incorporados” está mais para facultatividade do que para obrigatoriedade. Se o rito for obrigatório, como é um rito mais rigoroso do que o do decreto anterior, estaria dificultando o ingresso dos tratados no ordenamento brasileiro. Alguns chegam ao ponto de dizer que, pelo fato de estar dificultando, seria inconstitucional, porque violaria o §2.º do art. 5.º. Segundo essa posição, o legislador poderia escolher se o tratado entraria como EC ou como lei infraconstitucional. Entendem que, se for obrigatório o rito da EC, se estaria tirando o direito de escolha do Poder Legislativo. B – A tese que entende que o rito das emendas é obrigatório também parte de uma interpretação literal, dizendo que a literalidade não fecha as portas para a Teoria dos Direitos Fundamentais 4 Aula do Prof. Ingo Wolfgang Sarlet – Material cedido por alunos ao Grupo EMERJ TOTAL obrigatoriedade. Depois, diz que o §3º veio para resolver o problema da hierarquia. Assim, uma vez aprovado o tratado pelo rito de EC, não mais se discutiria acerca de sua hierarquia. Ainda que seja mais difícil aprovar pelo rito da emenda, isso seria compensado pela vantagem de se definir a questão da hierarquia. Um argumento adicional seria que a exigência de que seja pelo rito da emenda é exatamente para integrar como direito fundamental. Não há sentido em ingressar um tratado de direitos humanos com hierarquia legal. A exigência do quórum qualificado é uma exigência de uma legitimação democrática maior para esse direito. Como ficam os tratados anteriores em face do §3.º do art. 5.º? Há duas posições: 1- Os tratados anteriores seriam recepcionados como formal e materialmente fundamentais. Estaria sendo adotada a mesma interpretação que se deu para as leis ordinárias anteriores à CF/88 que foram recepcionadas pela nova ordem como leis complementares. Ex.: CTN. 2 – Os tratados anteriores seriam recepcionados como materialmente fundamentais. É a tese do prof., assim como da Flávia Piovezan. A tese 1 faz “mágica”, porque não se pode transformar um tratado aprovado por maioria simples num tratado aprovado como no rito de emendas constitucionais. Em primeiro lugar, tem que se considerar se foi certo o que se fez com as leis complementares. Ainda que se admita que isso foi correto, quem disse que essa comparação é legítima, porque a função da lei complementar é completamente diferente da função da EC. A EC altera o texto da Constituição, coisa que a LC não pode fazer. A EC se agrega ao texto da Constituição, adquirindo a mesma hierarquia. Assim, reforça-se o posicionamento que a maioria da doutrina já tinha antes do §3º. Há quem diga que o §3º seria inconstitucional. Outros dizem que podem ser extraídos aspectos positivosdo §3º. Neste sentido, o que o §3º agrega é que, mesmo os tratados anteriores não sendo formalmente constitucionais, são materialmente fundamentais, não sendo mais suscetíveis de denúncia. Os atuais, que forem incorporados por emenda, tem a vantagem de serem cláusulas pétreas, além da impossibilidade de denúncia. São ou não cláusulas pétreas? Para o prof. os tratados apenas materialmente fundamentais não podem ser cláusulas pétreas, sendo somente insuscetíveis de denúncia. A EC só pode alterar a constituição escrita. Como os direitos materialmente fundamentais não se integram ao texto da constituição, porque foram incorporados por decreto legislativo, é impossível que uma EC altere o texto de um tratado. Isso só poderia ocorrer mediante alteração legislativa. Como a EC não pode fazer isso, seria como o crime impossível. Mas não significa que não tenham uma proteção similar a de cláusulas pétreas. O que impede que a lei modifique o tratado de direitos fundamentais apenas materialmente constitucional é o princípio da proibição de retrocesso. O §3.o veio para complementar o §2.o , porque é incoerente, incompatível que tenhamos direitos fundamentais constitucionais e outros legais. Estaria sendo estabelecido um duplo regime para direitos humanos, o que não pode ser feito. Se for legal, não será fundamental, porque é incompatível com o §2.º. O §2.º não se justifica, se entendermos os direitos humanos apenas como legais. Os direitos fundamentais, por sua relevância, por sua própria definição, não estão ao arbítrio do legislador de estabelecê-los como legais ou constitucionais. A interpretação teleológica e sistemática tem que ser conjunta. Nesse sentido, talvez fosse melhor não ter o §3.o, porque ele veio trazer mais confusão. 29/03/2006 1.3.2 Hierarquia dos tratados de direitos humanos. É pressuposto para qualquer entendimento que tenha havido a internalização. A forma que o tratado foi incorporado acaba refletindo na hierarquia dos tratados. Os tratados anteriores ao §3º foram incorporados por simples Decreto. São quatro posições da hierarquia: 1)O STF continua entendendo que os tratados de direitos humanos possuem hierarquia legal. O STF fundamenta sua tese no art. 102 da Constituição, naquilo que trata do recurso extraordinário. Se é verdade que se pode declarar a inconstitucionalidade do tratado, então o tratado, necessariamente, tem hierarquia infraconstitucional. Porque não caberia a declaração de inconstitucionalidade de norma com hierarquia igual à da Constituição. Essa decisão do STF foi tomada antes da Constituição de 1988, quando não havia o §2º do art. 5º. O STF não poderia manter uma interpretação anterior à Constituição de 1988, porque hoje há o §2º, expressamente dizendo que os tratados de direitos humanos constituem direitos fundamentais. O STF deveria ter feito uma interpretação sistemática. Além disso, não há sentido em se falar em direitos fundamentais meramente legais. III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; Há uma tendência de que o STF modifique sua posição. Já houve um caso isolado de concessão de habeas corpus para um preso por dívida (aplicando, portanto, o Pacto de San José da Costa Rica). Na verdade, houve empate, mas a conseqüência foi de concessão do habeas. 2) A posição dominante na doutrina e aceita por significativa parte da jurisprudência consagra a hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos. No STJ, há turma que aceita a hierarquia constitucional dos tratados. A hierarquia constitucional não decorre da forma da internalização, mas decorre do §2º do art. 5º da Constituição. 3) Há também quem entenda que há hierarquia supraconstitucional dos tratados de direitos humanos. É sustentada por alguns autores no Brasil, mas é minoria. 4) Há também quem diga que os tratados de direitos humanos têm hierarquia supralegal mas infraconstitucional. É a tese adotada na maior parte dos Estados na Europa. Houve uma decisão do STF, com voto do Min. Sepúlveda Pertence, adotando esta tese. Com o §3º da CF, isso muda, porque, se o tratado foi aprovado por 3/5, não haverá dúvidas de que tem hierarquia constitucional. A não ser que se declare a inconstitucionalidade do tratado por violar alguma cláusula pétrea. A doutrina majoritária tem entendido que seria melhor não ter o §3º, porque, sem ele, os tratados seriam considerados materialmente constitucionais e fundamentais (ainda que o STF não decida assim). Agora com o §3º, abriu- se a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade dos tratados. Como se resolve um problema de conflitos entre direitos fundamentais? Vamos partir do pressuposto de que os tratados de direitos humanos estejam na mesma posição da constituição para efeitos de hierarquia de direito interno. Assim, não há possibilidade de declaração de inconstitucionalidade do tratado. Nem o tratado será considerado inconstitucional e nem a Constituição pode ser revogada pelo tratado. Não há inconstitucionalidade de normas constitucionais originárias ou Teoria dos Direitos Fundamentais 5 Aula do Prof. Ingo Wolfgang Sarlet – Material cedido por alunos ao Grupo EMERJ TOTAL equiparadas a estas. Então, a doutrina tem dito que, no caso concreto, será eleita norma (tratado ou constituição) que for mais favorável à pessoa humana. A solução é pela ponderação, pela harmonização dos bens conflitantes no caso concreto. Também quando há um conflito entre direitos da própria constituição, há necessidade de se fazer a mesma ponderação. Ex.: conflito entre liberdade de imprensa e direito à intimidade. Na prisão civil do depositário infiel, é questionável se há um conflito entre a norma constitucional e algum tratado de que o Brasil seja signatário. O Pacto de San José da Costa Rica proíbe a prisão por dívida, com exceção dos alimentos, e também a prisão decorrente de disposição contratual. O Pacto de Direitos Civis e Políticos tem disposição semelhante. No entanto, a prisão do depositário infiel não é igual à prisão por dívida. Em alguns casos, elas têm tratamentos semelhantes, mas não são a mesma coisa. Há depósitos que nada tem a ver com dívida, como, por exemplos, nos contratos de depósito típicos, em que não há qualquer vinculação com uma dívida. Então, há ou não há conflito? Vamos admitir que haja. Em se entendendo que há conflito, teremos que ponderar, no caso concreto, o que é mais favorável à pessoa humana. Deve-se sopesar o direito de liberdade do depositário infiel e o direito daquele que foi lesado pelo depositário infiel. Com certeza, no caso do leasing, prevalece o direito de liberdade. No entanto, digamos que tenhamos, no pólo ativo, uma pessoa em juízo com título executivo, sendo que a única garantia possível para a efetivação da justiça seja aquele bem penhorado. Então, está em caso o princípio do acesso à justiça efetiva como direito fundamental. No caso da dívida alimentar, há possibilidade de prisão civil em qualquer dívida alimentar, não apenas naquelas decorrentes de alimentos do Código Civil. O TJRS já decidiu que a renda dos aluguéis é impenhorável, quando se demonstrar que tem natureza alimentar. Os créditos trabalhista e previdenciário também são vistos como de natureza alimentar. Há a tese daqueles que dizem que não tem que prender civilmente o depositário infiel, mas deve-se criminalizar. Mas aí há ofensa ao princípio da proporcionalidade. É muito pior se submeter a um processo criminal do que a um processo civil. O prof. entende que tem que prender o depositário infiel, sempre que estiver em causa um direito fundamental no outro pólo que possa justificar a prisão. Prende-se civilmente em caráter excepcional. O prof. entende que tem que ser inicialmente em regime aberto, autorizado o trabalhoexterno. Cumprirá em albergue. Tem que haver proporcionalidade. Essa idéia é a que se usa para pautar qualquer discussão entre direitos fundamentais, inclusive entre dois direitos formalmente constitucionais. 2. Grupo dos direitos implicitamente positivados: São os direitos não escritos. É importante a distinção, porque, embora todos sejam fundamentais, há diferença de tratamento. Os direitos implícitos são direitos fundamentais que já estão subentendidos na constituição. Não são novos direitos, mas direitos já existentes que estão implícitos. Os direitos implícitos estão implícitos nos expressos. Ex.: Não há nada na Constituição que expressamente assegure o sigilo bancário e fiscal, mas diz-se que está implícito no direito de intimidade da vida privada ou também na proteção dos dados. Os dados fiscais e bancários integram a nossa esfera da vida privada. Ex.: Liberdade contratual. Não há a liberdade contratual positivada como tal, mas é evidente que a liberdade contratual está implícita no direito geral de liberdade. Ela faz parte do âmbito das nossas liberdades gerais. Ex.: Cláusula geral de tutela da personalidade ou direito geral de personalidade. Também não está expresso na Constituição. Durante muito tempo, houve uma discussão no direito civil, se existiria um direito geral de personalidade ou se somente estariam garantidos aqueles expressos. Hoje se entende que, ainda os direitos que não estão expressos, integram o direito de personalidade. Esta é a doutrina majoritária, ou seja, a que admite que a nossa Constituição traz uma cláusula geral de tutela da personalidade. Ex.: a garantia do duplo grau de jurisdição. Há uma controvérsia sobre ser ou não um direito fundamental. O STF tem negado essa garantia como fundamental. Há hoje quem sustente que não existe a garantia do duplo grau, ainda mais depois que foi inserida a garantia de solução do processo em tempo razoável. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. O STF não aceita o duplo grau, embora esteja previsto no Pacto de San José da Costa Rica. Na opinião do prof., é um direito implícito, assim como também era a razoável solução do processo, que acabou explicitado. Também há quem sustente a redução da pena, tendo em vista a extrema morosidade do processo criminal. Até o prazo de 81 dias é uma construção da razoável solução do processo. Existe também uma tendência de alguns autores de falarem em direitos fundamentais legais. Seriam direitos materialmente fundamentais, embora previstos na legislação infraconstitucional. Esses autores, por exemplo, se referem aos direitos de personalidade previstos no Código Civil. Esses direitos seriam direitos apenas materialmente fundamentais. Assim também seriam os direitos aos alimentos. Na opinião do prof., não seria a posição mais apropriada, porque os direitos de personalidade, o direito aos alimentos são, na verdade, direitos fundamentais constitucionais, porque não há direito fundamental com hierarquia legal. Nem há direitos fundamentais criados por lei. Se os direitos fundamentais são direitos constitucionais, com supremacia normativa sobre as demais leis, é uma contradição se falar em direitos fundamentais legais. Os direitos de personalidade não foram criados pelo CC, mas são direitos fundamentais constitucionais implícitos (alguns já estão na Constituição). O que a lei faz é explicitar e detalhar esses direitos. O direito aos alimentos é direito constitucional, porque o que se está tratando é vida, saúde, educação, dignidade do alimentando. O CC não cria um direito aos alimentos, mas define regras sobre quem irá pagar e quem irá receber. Se a lei fizer isso de forma insuficiente, o juiz poderá complementar isso com base constitucional. Assim, se houvesse necessidade, poderia se declarar a inconstitucionalidade da própria lei de alimentos, com base no próprio direito constitucional aos alimentos. O prof. entende que é ônus do Estado atender às garantias do mínimo existencial. Então, ele deferiria prestação alimentar paga pelo Estado. O salário-família é uma prestação de assistência social, visa a garantir o mínimo existencial. Então, a pessoa teria que se candidatar a ganhar o salário- família e, não ganhando, poderia pedir alimentos ao Estado. É também obrigação do Estado promover o planejamento familiar e, na sua omissão, as pessoas acabam tendo muitos filhos, netos. Então, por que será uma pessoa condenada a pagar alimentos só porque seu filho também teve filhos? O Estado tem uma responsabilidade mínima nisso. Transferiu-se tudo para a esfera privada. No art. 203 da Constituição está assegurada a assistência social, remetendo à lei a criação dos benefícios. Não se enquadrando nos benefícios criados na Lei, poderiam ser pedidos alimentos ao Estado. (Não entendi muito bem o posicionamento dele). Obs.: Na Europa, não se concedem alimentos incidentes sobre 13º salário, férias. Nesses meses, o alimentando não vai comer mais, gastar mais. Aqui no Brasil acabou-se transformando o filho em acionista do pai, porque recebe em percentual por tudo que ele ganha. Acaba sendo Teoria dos Direitos Fundamentais 6 Aula do Prof. Ingo Wolfgang Sarlet – Material cedido por alunos ao Grupo EMERJ TOTAL uma visão pervertida do que é o direito aos alimentos. Isso se trata de direito civil constitucionalizado. O prof., por exemplo, não dá alimentos sobre o 13º salário e férias, a menos que se prove, no caso concreto. Prova, por exemplo, de que tem que pagar 13º salário para a babá ou que tem que pagar a matrícula do colégio. O pai não é obrigado a sustentar o filho como um “mauricinho”. Titularidade dos Direitos Fundamentais: Está prevista no art. 5º, caput. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: Há muito tempo não é mais uma regra que tenha sido seguida de forma literal, porque o próprio STF tem entendido que o princípio que rege a questão da titularidade dos direitos fundamentais (o detentor do direito subjetivo) é o princípio da universalidade. Em princípio, os direitos fundamentais são direitos de todos, inclusive dos estrangeiros não residentes. A Constituição, em diversas situações, estabelece que tais e tais direitos são direitos de todos. Isso leva à ampliação. Além disso, pelo princípio da dignidade da pessoa humana, todos os direitos que são garantidos aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País devem ser estendidos a todos. Com isso, o prof. entende que o direito à assistência judiciária gratuita poderia ser considerado direito de todos. Classificação dos Direitos Fundamentais: - Direitos negativos (defesa ou resistência) Não-impedimento de ações (faculdades de agir) Não-intervenção - Direitos positivos (prestações) Jurídicos (normativos) Fáticos (materiais) A) Direitos negativos: São direitos à não-intervenção do Estado ou de outros particulares na esfera de meus bens pessoais. Direito a que o Estado não viole minha saúde, não viole minha propriedade. Os direitos negativos também podem ser faculdades de agir, são as liberdades. Que o Estado não me impeça de agir, no sentido de que a Constituição me autoriza a agir. Os direitos de defesa não são equivalentes a apenas direitos de liberdade, ou seja, não são apenas faculdades de agir ou que o Estado não me impeça de agir. Mas são também direitos de que o Estado não viole meus bens pessoais. Um exemplo é o direito à intimidade. Não se trata, tipicamente, de uma liberdade. O que está em causa, quando se diz que o Estado não pode violar a esfera íntima, é reprimir uma violação à intimidade. Eu até tenho a liberdade de fazer o que eu quiser em relação aos meus dados pessoais. Mas o objeto do meu direito subjetivoé outro. Eu não tenho nem liberdade plena em relação à minha própria vida. Para os que defendem a eutanásia, o direito à faculdade de agir prevalece sobre o direito à não-intervenção. Aqueles que entendem que a eutanásia é proibida, porque o Estado não pode autorizar a morte, defendem a não- intervenção, porque a pessoa não tem essa faculdade de agir, essa faculdade de decidir morrer. O Estado não pode intervir para acabar com a vida, nem que a pessoa queira. Os direitos sociais são muitas vezes direitos negativos. Assim, os direitos negativos não são apenas os direitos clássicos, também podendo abranger os direitos sociais e até mesmo os transindividuais. Por exemplo, quando o juiz diz que a moradia do fiador é impenhorável, o juiz está reconhecendo o direito à moradia (social) como um direito negativo, de não-intervenção. B) Direitos positivos: Os direitos são positivos quando o objeto do direito subjetivo não for negativo, ou seja, quando exigir uma atuação positiva (não omissiva) do poder público ou do particular. O direito aos alimentos é um direito de prestação típico e, em primeira linha, se aplica contra os particulares, não contra o Estado. Os direitos fundamentais valem e são exigíveis sempre em relação aos particulares. Eficácia horizontal. Exigir direitos fundamentais de um particular contra um particular. O direito a um salário mínimo também é um direito prestação contra um particular. Não são os direitos fundamentais sinônimos de direitos subjetivos públicos. Os direitos fundamentais são também direitos subjetivos públicos, mas não só isso. Sempre que o direito fundamental for oposto contra uma pessoa física ou jurídica, ele não será direito subjetivo público. Os direitos a prestações podem se subdividir em direitos a prestações normativas ou jurídicas ou direitos a prestações fáticas ou materiais. O direito a que o Estado edite um Código de Defesa do Consumidor. Quando afirmo que o Estado tem o dever de proteger o trabalhador contra a despedida arbitrária, tenho o direito a que o Estado edite norma neste sentido. O direito à prestação jurídica é diferente e não pode ter a mesma efetividade de um direito a que o Estado forneça um bem como saúde, educação, moradia. Quando se fala da eficácia dos direitos fundamentais, a solução não pode ser a mesma. Se o Estado tem o dever de legislar e se o Estado tem o dever de fornecer medicamentos, estamos falando de direito a prestações, mas são prestações distintas, sendo normativa no primeiro caso e material no segundo caso. Há autores que dizem que a classificação entre positiva e negativa não existe, porque todos os direitos seriam positivos e negativos simultaneamente. No entanto, não se nega que os direitos fundamentais tenham uma dimensão negativa e positiva que convivem. Por exemplo, a saúde pode ser negativa ou positiva. Quando o objeto for obter do Estado um remédio, a saúde é um direito positivo. Mas, quando o objeto for que o Estado não viole o direito à saúde garantido em outra lei, a saúde estará sendo vista no aspecto negativo. Não há apenas um tipo de direito fundamental. Qualquer direito fundamental, expresso ou implícito, não é um apenas direito fundamental. Qualquer direito fundamental envolve um conjunto mais ou menos complexo de posições jurídicas fundamentais, de direitos subjetivos fundamentais, que podem ou não ser negativos e positivos. Há até direitos políticos positivos. Por exemplo, os partidos políticos têm direito ao uso da propaganda gratuita. É um direito à prestação. É um partido político como titular de um direito à prestação. Eficácia das Normas de Direitos Fundamentais: § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. O art. 5º, §1º, enuncia uma norma princípio. Só existe uma forma de interpretar o §1º, que é de não limitar a dizer que é diretamente aplicável, porque isso está literalmente escrito. Mas o §1º tem que servir para a fundamentalidade. Teoria dos Direitos Fundamentais 7 Aula do Prof. Ingo Wolfgang Sarlet – Material cedido por alunos ao Grupo EMERJ TOTAL As normas de direitos fundamentais recebem uma proteção jurídica maior do que as demais normas constitucionais. Qualquer norma constitucional é diretamente aplicável. Então, não é só isso que o §1º quer dizer. Qualquer norma é diretamente aplicável, porque impede a edição de norma em sentido contrário. Nas normas de eficácia contida, o constituinte fez expressamente a possibilidade de restrição. Até ser restringida, terá eficácia plena. O problema é que “nos termos da lei” pode ser indicador de norma de eficácia limitada ou de eficácia contida. Ex.: quando a Constituição garante o sigilo das comunicações telefônicas, salvo os casos expressos em lei. É norma de eficácia contida, porque a lei pode restringir o direito do sigilo, especificando os casos em que é possível a quebra da sigilo das comunicações telefônicas. No entanto, quando a Constituição fala no consumidor, na forma da lei. Há uma norma de eficácia limitada, porque o objetivo não é de limitar o direito do consumidor. O objetivo é impor um dever de legislar e um direito à legislação. Isso não significa que a norma não tenha um conjunto de efeitos, mesmo enquanto não edita a lei que prevê a constituição. Participação nos lucros – eficácia limitada. Outro pressuposto para que se possa compreender qual eficácia cada norma constitucional terá é reconhecer é que a eficácia e aplicabilidade é da norma constitucional, não do art. da Constituição. O texto legal não se confunde com a norma jurídica. A partir de um texto, pode-se ter mais de uma norma, inclusive mais de uma norma de direito fundamental. Quando a constituição assegura o direito à moradia, está um direito negativo e um direito positivo. A eficácia para obrigar o Estado a construir uma casa para quem não tem é completamente diferente da eficácia para proibir que o Estado penhore a única moradia da pessoa. O texto constitucional já traz alguns limites para a outorga de eficácia às normas. Mas é o aplicador do direito que dará a eficácia para a norma. É uma decisão hermenêutica. O intérprete deve partir dos limites que a Constituição dá. O texto constitucional configura um parâmetro limite. A classificação do JAS torna nebulosa essas distinções. Há normas constitucionais que exigem uma prévia regulamentação legal para certos efeitos. E há normas constitucionais que não exigem uma prévia regulamentação legal para que a norma constitucional produza todos os seus efeitos. Mas, se vai haver posterior restrição ou não, é outra coisa. Além disso, não são só as normas de eficácia contida que podem ser restringidas, porque as normas de eficácia plena também podem ser restringidas. Contida – normas constitucionais de eficácia plena que anunciam uma expressa reserva legal. Toda a classificação vale para as normas de direito fundamental, mas há outros detalhes. No art. 5º, §1º, temos a consagração de um princípio que exige do juiz a interpretação que consagre a máxima eficácia do direito fundamental. Em favor das normas de direitos fundamentais, prevalece uma presunção de eficácia plena. A classificação em normas auto-executáveis e não- auto-executáveis não pode ser aceita hoje, porque norma não-auto-aplicável seria a que não tem qualquer eficácia. Seria uma norma de eficácia diferida. A norma não-auto- aplicável não teria sequer esse efeito mínimo de impedir a edição de normas contrárias. Duas possibilidades: - a maioria da doutrina adota que não temos mais normas não-auto-aplicáveis. - pode-se sustentar ??? O STF adota predominantemente a classificação de JAS. Mas algumas vezes o STF tratou como norma não-auto- aplicável no sentido clássico. Por exemplo, art. 192 antigo. O prof. entendia que era norma de eficácia limitada, aplicando os 12%, seriam os efeitos mínimosjá contidos na norma constitucional. Teto de remuneração – o STF entendeu que a norma era não-auto-aplicável. O fato de o STF utilizar a denominação não-auto- aplicável não significa que a doutrina admita isso. 03/04/2006 Verificar diferença eficácia, aplicabilidade, efetividade. Em favor das normas de direito fundamental vigora uma presunção de eficácia plena. A eficácia plena não significa eficácia igual, ou seja, não significa retirar as mesmas conseqüências da norma em cada caso. Também não significa eficácia igual dentro de cada subgrupo. Por exemplo, o direito à vida não é igual ao direito à intimidade. Está-se falando na formatação dos direitos jurídicos no plano da eficácia. Ex.: Intimidade e privacidade são normas de eficácia plena que asseguram direitos positivados. Não significam a mesma coisa. A intimidade afeta um círculo mais próximo da dignidade da pessoa humana, é mais íntimo. A privacidade é considerada um círculo mais aberto. A intimidade e privacidade não cobrem os mesmos bens. Por exemplo, a orientação sexual de uma pessoa é considerada um dado íntimo, que a pessoa não precisa publicizar. Os dois direitos não estão sujeitos aos mesmos limites. A possibilidade de restringir a privacidade é maior do que a possibilidade de se restringir a intimidade. Os efeitos que podem ser reconhecidos em cada caso não são iguais. O que é igual é que não há nenhum obstáculo para que o juiz aplique diretamente estas normas, sem necessidade de atividade prévia do legislador. Uma hierarquia material entre os direitos fundamentais importa uma análise no caso concreto. A eficácia é aquilo que os juízes fazem dela, ou seja, a eficácia é decidida por aqueles que interpretam a norma. O intérprete é quem constrói a norma, a partir dos textos constitucionais. Eficácia das normas de direitos fundamentais especificamente consideradas: Eficácia das normas constitucionais e dos próprios direitos fundamentais que essas normas reconhecem. A divisão dos direitos fundamentais em direitos de caráter positivo ou negativo. Na verdade, temos sempre um conjunto diversificado de direitos subjetivos que pode ou não estar vinculado a determinadas normas de direitos fundamentais. A norma não se confunde com o texto. Há possibilidade de várias normas serem deduzidas de um texto, assim como vários textos podem reconhecer uma norma. O direito à saúde do art. 196, VI, CF é composto de direitos negativos subjetivos (de não-afetação do bem jurídico saúde), mas também há a norma de direito fundamental do tipo positiva, que é o direito de a pessoa buscar do Estado o direito à saúde. Direito de que o Estado edite normas que vão proteger e regulamentar a saúde. A norma de direito fundamental não se confunde com o direito subjetivo, porque a norma pode ou não atribuir um determinado tipo de direito subjetivo. Há normas do tipo programática, do tipo procedimental, do tipo orgânica, do tipo que impõe deveres (o Estado promoverá a proteção do consumidor). Quando o art. 17 diz que o partido político tem direito a recursos, o partido político é titular de um direito à prestação, material. É um direito positivo. Assim, retira-se a Teoria dos Direitos Fundamentais 8 Aula do Prof. Ingo Wolfgang Sarlet – Material cedido por alunos ao Grupo EMERJ TOTAL idéia de que os direitos sociais são só positivos e os políticos só negativos. A eficácia de um direito positivo não é igual a de um direito negativo. A eficácia dos direitos sociais é plena, mas é evidente que a eficácia do direito de saúde, quando se busca medicamentos na justiça, não é igual a de quando um juiz concede um habeas corpus. Há vários autores que negam que o art. 5º, §1º se aplique aos direitos sociais. Boa parte da doutrina nega que o §1º se aplique a todos os direitos fundamentais. Dizem que os direitos sociais somente são devidos quando já regulamentados em lei. Além disso, há quem negue até direitos já regulamentados em lei, como, por exemplo, os medicamentos. A eficácia está ligada aos efeitos jurídicos que podem ser reconhecidos a uma determinada norma jurídica. A efetividade é a concretização desses efeitos jurídicos no plano dos fatos, ou seja, quando os efeitos jurídicos se transformam em fatos jurídicos. Quando a norma e seus comandos são cumpridos espontaneamente ou de forma cogente pelo Administrador ou pelo Poder Judiciário. Aplicabilidade é a aptidão da norma ser aplicada a situações a qual se destina. A aplicabilidade está vinculada à eficácia das normas jurídicas, segundo JAS. A eficácia e a aplicabilidade estão no plano do dever- ser. A efetividade está no plano do ser. Assim, a efetividade de determinadas normas jurídicas de eficácia plena é muitas vezes uma efetividade mínima. Não há consenso em relação à aplicação do art. 5º, §1º a todas as normas de direitos fundamentais. Há vários autores que negam eficácia plena a vários direitos fundamentais, especialmente em relação aos direitos sociais, no que diz respeito ao seu caráter positivo. A doutrina que nega a eficácia plena a todos os direitos fundamentais é uma doutrina minoritária. Ex.: Manoel Gonçalves Ferreira Filho. A maior parte da doutrina tem reconhecido que o art. 5º, §1º se aplica a todos os direitos fundamentais. O próprio STF tem, em várias hipóteses, reconhecido que normas de direitos fundamentais como direitos positivos geram direito subjetivo que não só pode como deve ser reconhecido pelo juiz no caso concreto. Especialmente, no direito à saúde há essas decisões. A saúde está vinculada ao direito à vida, onde mais se vê uma ponderação no caso concreto prevalecendo o direito vida, saúde. Não temos decisões reconhecendo o direito positivo à moradia, no sentido de que o Estado tenha que construir uma casa para cada pessoa. O §1º se aplica a todos os direitos fundamentais, porque: 1 - a literalidade do parágrafo diz que as normas definidoras de direitos fundamentais têm aplicabilidade imediata. Não está vinculado ao artigo 5º, mas ao título II, que é gênero. É diferente, por exemplo, do artigo 60, em que se diz direitos individuais. 2 - o segundo argumento é de direito comparado. Os argumentos baseados em direito comparado não podem servir de argumentos exclusivos, mas têm sido importantes, uma vez que nossa constituição se baseou no direito comparado na elaboração de seus textos. O direito comparado é um autêntico método de interpretação do direito, segundo Heberle. O argumento de direito comparado é que a Constituição Portuguesa e a Constituição Espanhola, que diretamente influenciaram a brasileira, inclusive no que diz com o art. 5º, §1º, elas, ao contrário da nossa, distinguem expressamente o regime jurídico dos direitos sociais do regime jurídico dos demais direitos fundamentais. Na constituição portuguesa, os chamados direitos econômicos e culturais não têm aplicação direta e também não são cláusulas pétreas. No entanto, a doutrina e a jurisprudência reconhecem aplicabilidade direta e até mesmo a eficácia plena. Por outro lado, nossa constituição não traçou um regime diferenciado. Reconhecer presunção de eficácia plena a todas as normas de direitos fundamentais não significa reconhecer a mesma eficácia. Caso contrário, não estaríamos tratando o §1º como uma norma-princípio. O que dizem que o §1º não se aplica a todos dizem que o §1º não poderia transformar em plenamente eficaz aquilo que não é por natureza. Também utilizam o argumento topográfico. Qualquer direito fundamental do tipo negativo é diretamente aplicável e gera direito subjetivo sem haver necessidade de uma lei. O juiz, quando nega a penhora da moradia do devedor, está reconhecendo o direito à moradia. Obs.: Quando o juiz nega um habeas corpus, não significa que esteja negando o direito de liberdade com eficácia plena. Às vezes, se transformaram direitos negativos em direitos positivos. O direitode greve do servidor público é, por definição, um direito negativo, uma liberdade, a liberdade do trabalhador de protestar, de se organizar contra condições injustas de trabalho. É um direito de reunião, de manifestação, mas no campo das relações de trabalho. É um direito típico a não-impedimento de uma ação. Quando o STF vinha decidindo que o direito de greve do servidor público dependeria de uma regulamentação legal para poder ser exercido, o STF transformou o direito de greve num direito positivo, num direito à legislação. Condicionou o exercício do direito de greve a uma prévia legislação. Art. 37, VII. Tanto neste artigo quando no art. 9º, há expressa remissão à lei. Nunca se questionou o papel de eficácia plena do artigo 9º. A lei só viria para limitar abusos. No entanto, no caso do servidor público, o STF entendeu que a expressão remissão à lei seria uma eficácia limitada, impedindo o direito de greve até prévia regulamentação. Ontologicamente, o direito de greve é igual em um ou outro caso. O prof. defende que aqui deve-se aplicar o §1º do art. 5º. Era um direito negativo que o STF acabou transformando num direito positivo (direito à prestação normativa). Se se permitisse que os direitos fundamentais dependessem indefinidamente de uma regulamentação prévia, eles não seriam direitos fundamentais, porque a lei estaria acima da Constituição. A omissão legislativa estaria impedindo o exercício de um direito fundamental. Há quem entenda que o direito de greve do servidor público não é fundamental. Mas já há jurisprudência até no STJ, reconhecendo que o direito de greve depende de regulamentação, mas relativizando os efeitos da não-regulamentação, por exemplo, não cortando salário em determinados casos. Em suma, a eficácia negativa já está embutida na eficácia mínima das normas constitucionais: impedir atos contrários. Isso não é um privilégio apenas dos direitos fundamentais. Direitos negativos são sempre de eficácia plena. Em termos de direitos positivos, como direitos a prestações não podem ser tratados da mesma forma, o que não significa que não se lhes possa reconhecer eficácia plena. Direito à prestação normativa é um direito positivo. São os direitos em que a Constituição, no campo dos direitos fundamentais, impõe ao Estado um dever específico de legislar. Ex.: A proteção do consumidor é o bem fundamental que deve ser assegurado mediante uma lei. Isso foi feito com o CDC. Quando existe esse tipo de direito à prestação, ou seja, direito a reclamar do Estado uma norma jurídica, temos que reconhecer que estamos diante de uma norma de eficácia limitada, mas somente para esse efeito (obter do poder legislativo aquela prestação específica que é objeto do direito). Estamos tratando do direito à prestação normativa. É limitada, porque não se tem como obrigar o poder legislativo, Teoria dos Direitos Fundamentais 9 Aula do Prof. Ingo Wolfgang Sarlet – Material cedido por alunos ao Grupo EMERJ TOTAL de forma cogente, a legislar. Não há decisão judicial que possa impor esse tipo de direito de forma coativa. O mandado de injunção é uma forma alternativa, que possibilita que o juiz, no caso concreto, assegure o exercício do direito, tendo em vista a ausência de lei. Isso seria a finalidade a que se destinava o mandado de injunção na concepção da Constituição de 1988. A responsabilidade civil do Estado por omissão também é outra alternativa. Direito positivo. Possibilidade real de se obter em juízo uma determinada prestação, não-normativa, a partir de direitos sociais ou outros direitos garantidos na constituição. Aqui temos vários princípios colidentes com esses direitos. A solução da eficácia dos direitos positivos a prestações fáticas depende da ponderação de um conflito no caso concreto. Há limites, princípios que conflitam com os direitos no caso concreto. Direito à saúde, à moradia. Princípio da reserva do possível. Para muitos é um argumento conservador, mas não é nada mais do que a concretização do argumento de que onde nada existe não há o que buscar. Outro princípio que limita o direito fundamental positivo a uma prestação é o princípio democrático e da separação dos poderes. Reserva do Possível: - Limitação fática dos recursos. os recursos do Estado são limitados (assim como os de qualquer pessoa e de qualquer empresa). Qualquer direito subjetivo à prestação fática só poderia ser concedido pelo Poder Judiciário conforme as capacidades reais existentes. - limitação jurídica dos recursos. Trata-se do sentido orçamentário. O Estado até pode ter, no somatório geral dos recursos, direito para duplicar o salário dos professores. No entanto, a norma orçamentária distribui os recursos entre as áreas. Há limitação jurídica dos recursos que deve ser observada. Também é uma limitação jurídica o princípio federativo – limitação/repartição das receitas tributárias e financeiras. - limitação na ótica do cidadão. Trata-se da razoabilidade da prestação. Só se pode exigir do Estado aquilo que é razoável. No caso dos medicamentos, já uma diretriz legal. A legislação que impõe ao Estado o dever de fornecer medicamento diz que não é qualquer medicamento, assim como a pessoa tem que provar a necessidade (não só de precisar do medicamento, mas também provar a necessidade financeira). Há uma lei federal e também uma lei estadual que regulamentam essa questão. Princípio democrático. É o legislador que tem a prerrogativa de destinar os recursos públicos. É a lei orçamentária. É a reserva parlamentar orçamentária. Outro limite são direitos conflitantes, por exemplo, o próprio princípio da igualdade. Se conceder tratamento no exterior para alguém, estará negando direito a outras pessoas. Se a Justiça conceder prestações não previstas em lei, está-se afetando o princípio da igualdade e também outros direitos sociais podem estar sendo violados. Por exemplo, posso estar “mandando” que o Estado invista mais em saúde, tirando dinheiro do setor que trataria da moradia. A solução que tem sido preconizada no Brasil é a solução da ponderação no caso concreto para ver o que vai prevalecer. A ponderação deveria levar em conta alguns critérios. Verificar se já existe previsão legal da matéria, devendo o juiz observar o que a lei já dispõe. Mas temos situações que transcendem a previsão legal. Outro ponto é que a lei orçamentária é lei infraconstitucional, razão por que seus limites não são intransponíveis. O juiz não tem só o poder, mas o dever de controlar a constitucionalidade do orçamento e da execução do orçamento. Há, inclusive, percentuais já fixados para saúde e educação. O particular não tem o ônus de provar, mas o Estado. O cidadão tem que demonstrar sua necessidade real. Aí vem o controle da razoabilidade. O critério da proporcionalidade é outro princípio aplicável. Aplicável em duas dimensões: verificar a proporcionalidade do pedido, bem como até que ponto, no conflito de direitos, ... Quanto maior o comprometimento de um bem fundamental da vida e, portanto, do mínimo existencial, mais forte é o dever do Estado de fornecer a medicação. O STF tem decisão reconhecendo o direito subjetivo à creche para criança até 6 anos. Decisão monocrática do Ministro Celso de Mello. O critério do mínimo existencial tem sido o critério material mais utilizado para definir ou não prestações fáticas positivas, inclusive pelo STF. É ainda meio vago. O que integra o mínimo existencial? Existem critérios básicos para se fixar isso. Por exemplo, na lei ou em organismos internacionais (FAO, OMS, etc.). Existem padrões mínimos estabelecidos. Como se aplica o §1º do art. 5º a todos os direitos fundamentais? Foi respondido? Limites dos Direitos Fundamentais: I a) Expressos na constituição. b) Expressamente autorizados. c) Implicitamente autorizados (colisões). II Limites dos limites: - reserva legal: simples qualificadalei formal e material irretroatividade segurança jurídica clareza e determinação segurança jurídica - proporcionalidade - núcleo essencial I – Limites dos Direitos Fundamentais. Há três tipos de limitações que os direitos fundamentais podem sofrer. a) quando a própria constituição já limita o exercício do direito fundamental. Ex.: art. 5º, IV. Exclui o anonimato do âmbito de proteção da liberdade de manifestação do pensamento. Outro exemplo é o inciso VIII. Outro exemplo: é vedada a pena de morte, salvo nos casos de guerra declarada. b) limitações expressamente autorizadas pela Constituição, mas implementadas pelo legislador. É a hipótese das normas de eficácia contida, segundo a classificação de JAS. Na prática, temos uma expressa reserva legal na matéria de restrição de direitos. O caso típico é o do artigo 5º, VI. Artigo 5º, XII. Artigo 5º, XIII. c) limites implicitamente autorizados. A doutrina tem chamado de limites implícitos. São limites que não estão explicitados no texto constitucional, mas que decorrem do sistema constitucional, especialmente no caso de colisões entre direitos fundamentais. É o que ocorre, por exemplo, no caso do artigo 5º, IX e X. Não há nenhuma limitação expressamente estabelecida no texto constitucional, também não há uma expressa autorização para a lei restringir. Então, os limites possíveis são os que decorrem da colisão de direitos fundamentais no caso concreto, garantindo um dos direitos mais do que o outro. Teoria dos Direitos Fundamentais 10 Aula do Prof. Ingo Wolfgang Sarlet – Material cedido por alunos ao Grupo EMERJ TOTAL II – Limites dos limites. Hoje é unânime que os direitos fundamentais estão sujeitos a limites (dessas três espécies), mas a limitação dos direitos fundamentais também está sujeita a limites. Não se pode limitar um direito fundamental de qualquer jeito. Fala-se em limites dos limites. Quando se limita um direito, deve-se observar certos critérios que servem para limitar a limitação. É claro que os limiters dos limites vão depender de cada sistema constitucional. Cada sistema consitutcional acaba criando os seus critérios, não havenod uma uniformidade disso no direito comparado, embora haja alguma uniformidade. Varia conforme o tipo de limite que estiver sendo aplicado. Quando estivermos diante de limites do tipo A, em princípio não se questiona a constitucionalidade do limite, porque ele está previsto na própria constituição. Foi o próprio constituinte que estabeleceu o limite. O máximo que a legislação infraconstitucional pode fazer é regulamentar, implementar o limite diretamente estabelecido com aquela margem de liberdade que a própria constituição deixa em aberto. Ex.: o legislador pode não regulamentar a hipótese de pena de morte, mas ele tem essa possibilidade declarada na constituição. É evidente que não se poderia declarar a execução sumária de alguém sem o devido processo legal. A possibilidade de controlar as restrições é muito maior, porque a constituição já expressa os limites. A lei ordinária estará restringindo um direito. Quando estivermos diante de limites do tipo C, o próprio juiz fará a restrição no caso concreto. É evidente que a decisão judicial está sujeito a recurso, inclusive naquilo que estiver violando direito fundamental, na restrição feita de modo indevido. Os limites dos limites não se aplicam da mesma forma e especialmente não se aplicam ao tipo A das limitações. Sempre que uma lei infraconstitucional restringir o conteúdo de um direito fundamental, temos que observar três grandes critérios: - garantia da reserva legal. A reserva legal tem a função de assegurar simplesmente que em primeira linha é o legislador que deve restringir o direito e de bloquear a discussão da própria possibilidade de o legislador restringir o direito (não se questiona a possibilidade em si de o legislador restringir o direito). A constituição autoriza expressamente que a legislação possa restringir o direito. Se a constituição não fizer a previsão, pode-se questionar a própria possibilidade de restringir o direito. Por exemplo, no caso da intimidade, da honra, em princípio não cabe restrição por lei. Só será restringível se estiver diante de um conflito de direitos e se a restrição do direito for exigência para a solução do conflito. Com reserva legal, não se questiona o SE (a possibilidade) da restrição, mas o COMO. Sem reserva legal, questiona-se o SE da restrição. Devem-se observar as exigências internas da reserva legal. A reserva legal impõe exigências adicionais à própria lei restritiva. Uma primeira exigência da reserva legal é observar se a reserva legal é simples ou qualificada. A reserva legal simples não significa que não exija quórum qualificado para aprovação da lei. A reserva legal simples é quando a constituição não estabelece nenhum requisito prévio que a lei deve observar, tratando-se de uma pura e simples remissão à lei, sem qualquer requisito adicional. Por exemplo, é assegurada a liberdade de comunicação nos termos da lei. Ex.: art. 5º, XIII, CF. A maior parte dos casos é de reserva legal qualificada, porque a constituição já estabelece requisitos que a própria lei restritiva deve observar. Ex.: sigilo das comunicações telefônicas, porque a constituição diz que a lei deve observar ordem judicial para fins de processo criminal (ver inciso XII). A lei não está autorizada a deferir ao MP ou à Polícia a possibilidade de ordenar a quebra do sigilo das comunicações telefônicas. Outro exemplo: desapropriação é mediante justa e prévia indenização em dinheiro. Deve-se observar se a restrição observa os critérios estabelecidos na reserva legal qualificada. Se ela não observar os critérios, ela já será inconstitucional aqui, não havendo nem necessidade de se seguir adiante no exame. Outro requisito interno da reserva legal é que ela deve obedecer aos critérios da lei formal e material. Ou seja, só lei em sentido formal e material é apta a restringir direitos. Lei em sentido formal é um ato legislativo típico, um ato oriundo do processo legislativo, um ato previsto no artigo 59 da Constituição. Deve obedecer ao devido processo legislativo pertinente. Além disso, a lei deve ser material, ou seja, deve ter caráter normativo, ou seja, os comandos têm que ser dotados de generalidade e abstração. Uma lei de efeitos concretos ou casuística não obedece ao requisito de ser lei em sentido material. Isso também é importante para a possibilidade de controle de constitucionalidade. Obs.: no controle de constitucionalidade, é possível que os atos normativos gerais (que são lei em sentido material, mas não formal) sejam objeto de controle de constitucionalidade. O prof. entende que, em relação ao nepotismo, o CNJ não poderia restringir direitos fundamentais, porque não há lei em sentido formal. De qualquer forma, não há direito fundamental a nomear parente. Então, a resolução do CNJ não teria restringido direitos fundamentais. Mas o STF não deixou isso claro, tendo declarado a possibilidade normativa do CNJ. Outro requisito interno seria a irretroatividade de leis restritivas. Isso em boa parte já está assegurado na garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. É uma garantia adicional, mais ampla para os casos que não entram nestas hipóteses específicos. Outro requisito interno é o da clareza e determinação da lei restritiva. No direito comparado, isso é cogente. Como se trata de uma restrição de direito fundamental, a restrição deve ser clara e determinada no seu alcance e no seu objeto. No que consiste a restrição e qual o seu alcance? Isso deve estar determinado na lei. Relaciona-se com o princípio da proteção da confiança, bem como com o princípio da segurança jurídica. Um exemplo em que se desrespeitou o requisito da clareza e da determinação é o da federalização das competências, nas hipóteses de grave violaçãodos direitos humanos. Não se fixou o que é grave violação nem quais direitos que poderiam ser os violados. - Proporcionalidade. Ainda que todos os aspectos da reserva legal tenham sido observados, isso não significa que ela não possa ser inconstitucional. Porque ela poderá violar o princípio da proporcionalidade. Qualquer restrição legal ou judicial deve observar o princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Declarar a inconstitucionalidade de uma lei por violação do princípio da proporcionalidade significa que o juiz tem o dever de fundamentar, à luz do caso concreto, sob todos os aspectos da proporcionalidade. Um critério de distinção entre razoabilidade e proporcionalidade é de que a primeira decorre do direito norte-americano e a outra decorre do direito alemão. Razoabilidade – implica um juízo de eqüidade no caso concreto. A proporcionalidade como tem sido aplicada pelos tribunais europeus implica justamente essa argumentação progressiva a partir desses três sub-critérios (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). O juízo de razoabilidade não passa por esses três critérios. Não é razoável exigir que os alunos utilizem uma melancia no pescoço para identificação, mas é razoável exigir o uso do crachá. Se se utiliza a proporcionalidade, há um dever de fundamentação de cada etapa. Teoria dos Direitos Fundamentais 11 Aula do Prof. Ingo Wolfgang Sarlet – Material cedido por alunos ao Grupo EMERJ TOTAL Trata-se de uma metódica diferenciada de aplicação dos dois conceitos. A Suprema Corte Norte-americana tem negado a aplicação do princípio da proporcionalidade e assegurado a utilização do princípio da razoabilidade. Dois juízes disseram que há possibilidade de aplicação do princípio da proporcionalidade no direito americano. No direito alemão, o princípio da proporcionalidade decorre do estado de direito, vedação ao arbítrio, leis arbitrárias. O arbítrio possível no uso da razoabilidade é muito maior do que o arbítrio possível na utilização do princípio da razoabilidade. O limite da atuação do juiz é menor na utilização do princípio da razoabilidade. Não significa que a razoabilidade não tenha que ser fundamentada, tenho que dizer por que não é razoável. A maior parte das decisões não fundamenta por que a situação é desarrazoada. Acaba dando margem a que o juiz seja arbitrário. A proporcionalidade em sentido estrito é o que se chama da relação custo-benefício interna. Aqui que se faria a ponderação, segundo Alexy. Se pondera os meios e o resultado de aplicação desses meios. Sempre que uma restrição judicial ou legal, apesar de adequada e necessária, violar o núcleo essencial do direito fundamental ou, de forma inequívoca, o conteúdo mínimo de dignidade da pessoa humana, ela será desproporcional. Ex.: pena de prisão perpétua. É adequado, porque tirar a pessoa de circulação seria excelente para cessar a criminalidade. Pode-se dizer que é necessário (discutível). Mas é proporcional? Não, porque o direito de liberdade foi violado em seu núcleo essencial. Isso fica vedado pelo princípio da proporcionalidade. É por isso que na Alemanha e na Europa em geral se proíbe a prisão perpétua. Nos EUA não se faz esse exame. Prova: objetiva. Talvez peça justificativa por escrito em V ou F.
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