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A COLEÇÃO E SUAS CONEXÕES: O MUSEU DE FAVELA ENSINA E EMOCIONA. José Augusto de Paula Pinto Palavras-chave: Museus de favela, coleções, memórias, educação, conhecimento. Partindo do principio de que o olhar usual é o da educação unidirecional, ou seja, da escola para os alunos, da biblioteca, dos arquivos e museus para os seus usuários e visitantes, este texto busca registrar algumas observações sobre estas relações entre possibilidades de memória, educação e comunidade. Para tanto se vai discutir sobre a coleção de um “museu de favela” e as possíveis conexões que a mesma possibilita e, às vezes, impõe; como no caso do Museu de Quilombos e Favelas Urbanas – MUQUIFU, inserido no Aglomerado Santa Lúcia, em Belo Horizonte que, constituído de cinco vilas, terá duas destas áreas desapropriadas por um projeto de revitalização da Prefeitura de Belo Horizonte. Este estudo foi construído através do apoio inegociável da bibliografia pertinente referenciada, e da convivência, no citado museu de comunidade/favela/bairro, através de um acordo entre o mesmo e a UFMG para realização de estágios e vivências profissionais. A ocasião nos revela a existência de diversas relações entre a coleção que ali é constituída, a educação e a preservação da memória individual e coletiva da comunidade e seu meio ambiente; conexões essas sempre dialógicas ou multifacetadas. Nesse fazer museal é necessário que se inclua, além dos moradores do Aglomerado, os visitantes não residentes da favela, com suas convergências e distanciamentos, mas sempre com muita transmissão de conhecimento, atrelados a cargas positivas de emoção, conquanto esta seja uma tipologia de museus onde sobressai a antítese da noção usual do museu, como coisa do passado. Esse é um tipo de museu “vivo”, como o local onde o mesmo foi criado, em novembro de 2012. Desde a chegada do Padre Mauro Luiz da Silva, atual Diretor e Curador do Muquifu, no Aglomerado Santa Lúcia, como um dos responsáveis pela Paróquia Nossa Senhora do Morro e pelas “Obras Sociais Nossa Senhora do Morro”, quatorze anos atrás, várias atividades e projetos foram colocados em prática. Entre eles importa fundamentalmente para a história da criação do Muquifu o projeto intitulado “Quilombo do Papagaio e Quilombo da Paz”. O Quilombo da Paz acontece anualmente entre os dias 20 de Novembro (dia da Consciência Negra) e 10 de dezembro (dia dedicado aos Direitos Humanos) tendo como premissa a propagação da paz e da cidadania entre os moradores do Aglomerado Santa Lúcia. A partir das discussões destes eventos surge a ideia (ou necessidade) da criação de um espaço museológico, com a finalidade de ser um instrumento de resistência das memórias e patrimônios dos moradores da favela. Perguntas surgiram, como relata Padre Mauro: “Existe um patrimônio cultural a ser preservado nas favelas? Que patrimônio é este? Como e para quem preservá-lo?”. Sim, hoje o Curador do Muquifu já entende esta como uma instituição que vem para preservar esses patrimônios e essas memórias dos “quilombolas” urbanos e favelados. Sim, existe um patrimônio diversificado e rico a ser mantido e colocado a serviço da melhoria de vida dos moradores, em consonância com as noções atuais de museus a serviço do homem e com grandes e importantes funções sociais. Definido por seu diretor como um museu de território, comunitário e paroquial, neste primeiro ano de existência alcançou uma série de objetivos, como a realização de uma exposição permanente, duas exposições temporárias já desmontadas e, atualmente com quatro exposições temporárias; além de um projeto com o nome de “Gastronomia do Morro”, que incluiu a cooperação entre “chefes” do morro e de restaurantes elegantes da cidade. Com relação a se constituir como um museu de território, várias ações precisam ser implantadas para que esta definição se lhe aplique com eficácia. É claro que todo museu deve ser tomado como um constante processo e, dentro deste conceito, podemos intuir que se vai constituir em museu de território, com o passar do tempo, incluindo circuitos e paisagens diversas aos seus processos museológicos e comunicacionais. Podemos nomear o Muquifu como um museu voltado para a comunidade onde se encontra inserido, e com a preocupação de “descobrir” e preservar memórias e patrimônios, com a finalidade última de, assim agindo, melhorar as condições em que vivem seus moradores, principalmente, a partir da tomada de consciência de que são possuidores de histórias e lembranças que necessitam ser repassadas às gerações atuais e futuras, como garantia de manter-se viva uma identidade que é diversa e culturalmente importante, não só para a comunidade ali residente, mas também para a sociedade em geral. Hugues de Varine, em seu texto “O museu comunitário é herético?” nos auxilia sempre na construção de pensamentos relacionados ao estágio atual dos conceitos e da importância dos museus comunitários. “O novo museu e mais ainda o museu comunitário na sua forma mais inovadora, não segue um procedimento, mas, como já se viu, ele é um processo. Seu objetivo não é a instituição nem uma inauguração; ele é a co- construção, na comunidade e sobre seu território pelos membros da comunidade e as pessoas mais ou menos qualificadas que os ajudam, de um instrumento de desenvolvimento a partir de um patrimônio global identificado por seus detentores.” (VARINE, 2005, p.09) O fazer educacional em museus possui uma importante bibliografia tanto de pensadores estrangeiros quanto de brasileiros e constitui-se em item fundamental dentro das atividades museais, solidificando-se a partir das novas concepções das funções dos museus; voltando-se estes para um olhar direcionado ao publico, às pessoas, à sociedade, em detrimento do antigo modelo de museus cujo cerne é o objeto (BRUNO, 1999; CHAGAS, 2010; DUARTE CANDIDO, 2003, 2013; PRIMO, 1999). Na citação acima Varine nos diz que o museu comunitário é um processo, cria-se e recria-se a curtos espaços de tempo. A reconhecida ligação de permanências com as instituições museais em um museu de favela comunitário é liquefeita, através do serviço de voluntários para a sua manutenção, o mais usual, além de que são as atividades variadas que farão a inserção da comunidade dentro do universo, aparentemente, distante dos museus e das discussões sobre patrimônio e memórias. Aqui não se procura aprofundar, no formato de resumo expandido, nos programas de educação museal, até mesmo pela necessidade de um maior aprofundamento teórico para tal. A educação dentro de um museu reveste-se de diversos ângulos e, na especificidade do conhecimento prático dentro do Museu de Quilombos e Favelas Urbanas – Muquifu, aliado a estudos acadêmicos no contexto da Museologia, onde se percebe a importância da educação do olhar para o beco, a rua, o morro que pode desmoronar (em vários sentidos!), para o individuo como célula de primeira instância na sociedade, para o meio ambiente ao redor (atualmente rasgado por tratores e obras), para a sociedade, enfim, conquanto somatória de meio ambiente físico com o individuo e com a sociedade. A educação no Muquifu é sempre um diálogo constante. Enquanto pseudo-detentores de conhecimento a ser transmitido somos, a todo instante, confrontados com a troca, com as narrativas intensas de vidas curtas de crianças de oito, dez, doze anos e narrativas históricas pessoais e familiares, formidáveis e emocionantes, de adultos e velhos. Obras de revitalização, com construção de edifícios para alguns moradores e pagamento de indenização para outros, farão com que mais de mil famílias tenham suas casas demolidas e se mudem. O trabalho do Muquifu desde sua criaçãotem sido direcionado para a conscientização dessas famílias da importância da preservação de suas memórias, através de suas fotos, objetos e depoimentos. Intenta-se que os moradores do aglomerado reconheçam a importância de suas próprias histórias, que se reconheçam no museu e tenham uma maior estima e orgulho de seu passado e presente e da importância da comunidade para o restante da cidade onde moram. Seguindo os mesmos objetivos, a educação relacionada ao visitante não morador, vai percorrer trilhas semelhantes, na tentativa de reconhecimento do espaço físico e dos moradores dos aglomerados, como participantes de uma realidade única chamada cidade, onde todos convivem independente da localização física de suas moradias. Ao considerarmos os dois “tipos” de visitantes, o morador e o não morador da favela encontramos uma maior quantidade de aproximações do que de distanciamentos. Grande parte do público, em geral, retorna ao museu, o que leva a considerar que alguns dos objetivos acima citados estão se concretizando. Neste contexto nos importa realçar que, independente de análises taxonômicas, o Muquifu é, antes de qualquer outro termo, “um museu” e assim sendo, é uma instituição voltada para a preservação de memórias, de histórias, de objetos materiais, de bens não tangíveis e, principalmente da imaterialidade tão perceptível e nítida nos objetos musealizados, que continuamente, seguem sendo doados ao Museu. Uma simples foto ou cesta de vime doada nos conta e leva a efetivar o mantenimento de muitas histórias, lutas e conquistas. O Muquifu coloca-se para o Aglomerado Santa Lúcia, e para a cidade, como um museu não templo. O não ser templo imprime ao mesmo a sua face mais clara, a de museu integrado à comunidade, onde importa a ressonância que ali se edifica, com os moradores de seu entorno e com a participação desses mesmos moradores, aos poucos, mas de forma continuada, nas decisões e nas ações do Museu. A noção de um espaço comunitário é neste ponto edificada, visto encaminhar-se o Muquifu para assumir variadas ações culturais na comunidade, que em muitos pontos depende de negociações, conversas, dedicação e vontade dos moradores, ou não. Como forma de encerrar estas reflexões faz-se necessário não deixar de citar que a transmissão de conhecimento, o deleite, a fruição tem-se apresentado com intensa transversalidade, onde pontos diversos se tocam, criando conexões que emocionam, seja no contar de uma história ou, no simples ato de doar algo sempre muito precioso, mas que agora se compreende, continuará por tempo não determinado a fazer parte da historia da comunidade. Instituições como o Muquifu já se faziam necessárias e desejadas (mesmo que de forma inconsciente) pelas comunidades e, o caminho escolhido por espaços museais comunitários e territoriais é acertado e se inflam de grandes possibilidades, presentes e futuras; como repositórios dos grupos de favelados e “quilombolas” que, separados das áreas tradicionais do espaço urbano, resistiram na luta cotidiana e agora, que se inserem na vida econômica da cidade, reivindicam a sua inserção nos espaços de memória destas mesmas cidades. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS: BRUNO, Cristina. Generosidade e Acessibilidade: A Contribuição da Metodologia Museológica na Construção da Noção de Pertencimento. ABREMC. Disponível online, acessado em 21 de outubro de 2013: http://www.abremc.com.br/artigos2.asp?id=17 BRUNO, M. C. O. Museologia: teoria e prática. Cadernos de Sociomuseologia n.16. Lisboa: Centro de Estudos de Sociologia. Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias – ULHT. 1999. CHAGAS, Mário. Educação, museu e patrimônio: tensão, devoração e adjetivação. Patrimônio – Revista Eletrônica do IPHAN. Brasília, 2010. Disponível online, acessado em 11 de dezembro de 2013: http://www.labjor.unicamp.br/patrimonio/materia.php?id=145 CHUVA, Márcia. História e patrimônio: entre o risco e o traço, a trama. In Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional nº 34. IPHAN. Brasília. 2012 http://www.abremc.com.br/artigos2.asp?id=17 http://www.labjor.unicamp.br/patrimonio/materia.php?id=145 CURY, Marília Xavier. Museologia, novas tendências. Museu e Museologia: Interfaces e Perspectivas. Museu de Astronomia e Ciências Afins – MAST. Rio de Janeiro: MAST. 2009. DUARTE CÂNDIDO, Manuelina Maria. Ondas Do Pensamento Museológico Brasileiro. Lisboa: ULHT, 2003. (Cadernos de Sociomuseologia, 20). Disponível online, acessado em 10 de dezembro de 2013: http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/issue/view/225. DUARTE CÂNDIDO, Manuelina Maria. Gestão de Museus, um desafio contemporâneo: diagnostico museológico e patrimônio. Porto Alegre: Medianiz, 2013. Educação em Museus / Museums and Galleries Commission; tradução de Maria Luiza Pacheco Fernandes. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Fundação Vitae, 2001. – (Série Museologia, 3) MINAS GERAIS. Caderno de diretrizes museológicas, 1. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais, 2002. PRIMO, Judite Santos. Pensar contemporaneamente a museologia. Lisboa: ULHT, 1999. (Cadernos de Sociomuseologia, 16). Disponível online, acessado em 10 de dezembro de 2013: http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/350 VARINE, Hugues de. O museu comunitário é herético?. ABREMC, 2005. Disponível online, acessado em 11 de dezembro de 2013. http://www.abremc.com.br/artigos1.asp?id=9 http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/issue/view/225 http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/350 http://www.abremc.com.br/artigos1.asp?id=9
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