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Marcelle Pereira Raul Zibechi Pedro Pereira Leite Museologia insurgente e movimentos sociais Informal Museology Studies nº 20 spring 2018 Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 2 Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 3 Ficha Técnica: Informal Museology Studies Papers on Qualitative Research Issue 1 spring /2018 Directory Pedro Pereira Leite ISSN – 2182-8962 Editor: Pedro Pereira Leite Publisher: Marca d’ Água: Publicações e Projetos Redaction: Casa Muss-amb-ike Ilha de Moçambique, 3098 Moçambique Lisbon: Passeio dos Fenícios, Lt. 4.33.01.B 5º Esq. 1990-302 Lisbon –Portugal Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 4 Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 5 Indice Museologia Insurgente e Movimentos Sociais ............................................... 7 1. Relação entre Dignidade Humana e Meio Ambiente ..... Erro! Marcador não definido. 1.2. A situação dos direitos humanos e outras ligações de reconhecimento às questões ambientais como questão do Desenvolvimento Sustentável . Erro! Marcador não definido. 2. Normas de Direitos Humanos na Salvaguarda e Proteção Ambiental .... Erro! Marcador não definido. 2.1. As obrigações processuais relacionadas com o ambiente ......... Erro! Marcador não definido. 2.2. Obrigações substantivas sobre o ambiente ...... Erro! Marcador não definido. 3. Implementação da Teoria dos Direitos Humanos à Proteção Ambiental Erro! Marcador não definido. 3.1. Questões Constitucionais relacionadas com o Direito ao ambiente saudável ................................................. Erro! Marcador não definido. 3.2. Boas práticas nos procedimentos do direito ambiental substantivo Erro! Marcador não definido. 3.3. Boas Práticas para proteger grupos vulneráveis em situações ambientais .............................................. Erro! Marcador não definido. 4. Teoria Decolonial por Marcelle Pereira ........ Erro! Marcador não definido. 5. As Lutas dos Movimentos Sociais na Iberoamérica segundo Raul Zibechi Erro! Marcador não definido. 6. Estudos de Museologia Insurgente ........................................................ 8 Desafios para os museus em 2018 ........................................................ 8 Museu: De instituições a casas da poesia ............................................. 12 A Lei-Quadro dos Museus Portugueses Limites e Potencialidades ............ 14 Políticas Culturais Públicas para Comunidades Urbanas Sustentáveis ....... 19 Sobre Políticas Culturais Públicas ........................................................ 24 Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 6 Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 7 Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 8 Museologia Insurgente e Movimentos Sociais Neste número dos Informal Museology Studies publicamos um conjunto de textos sobre a relação da Museologia Social com os movimentos sociais na busca do que podermos considerar uma “Museologia Insurgente”. Já num número anterior (nº 5, 2014) havíamos trabalhado questão dos movimentos socias na contemporaneidade. Agora regressamos procurando trabalhar a partir de prespetiva inovadoras. Num primeiro texto com um curso bres sobre a relação entre o ambiente na prespetiva da dignidade humana e dos movimentos sociais. De seguida apresentamos um texto seminal para a constituição duma reflexão sobre a Museologia Insurgente. Trata-se do capítulo da tese de doutoramento de Marcelle Pereira sobre “Museologia Decolonial”. De seguida apresentamos um texto sobre as lutas dos movimentos sociais na américa do sul por Raul Zibechi. É indubitável que as américas estão a produzir conhecimentos e movimentos sociais inovadores. Nos primeiros anos do milénio em vários países do continente sul americanos, concretizaram-se várias experiencias inovadoras. Temos vindo a procurar seguir esses movimentos a partir da sua conexão com os processos museológicos. Analisar os processos museológicos na sua adequação ao mundo contemporâneo. Finalmente regressamos a uma produção mais reflexiva sobre a realidade portuguesas. O texto “Estudos de Museologia Insurgente” procura trabalhar questões de atualidade portuguesa. Corrymeela, janeiro 2018 Pedro Pereira Leite. Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 9 Estudos de Museologia Insurgente Pedro Pereira Leite Conjunto de Textos trabalhados no blog Heranças Globais entre abril e março de 2018. É constituído por 4 textos Desafios para os museus em 2018 Museu: De instituições a casas da poesia A Lei-Quadro dos Museus Portugueses Limites e Potencialidades Políticas Culturais Públicas para Comunidades Urbanas Sustentáveis ___________________________________________ Desafios para os museus em 2018 Quando nos últimos dias do ano escrevi nesta lista uma interrogação sobre o balanço para os museus portugueses em 2017, nada escrevi. Nada melhor que o vazio para, metaforicamente, escrever sobre o que se passa na vida dos museus. Foi um risco assumido. É suposto o arquivo passar rapidamente e olhar para o ano que se segue. Agora, no primeiro dia do ano. Que prespetiva? Que agenda? No ano anterior nada de relevante, não significa, que nada tenha acontecido. Assim de repente lembro-me de várias polémicas. A questão do vandalismo de Foz Côa e das pedras danificadas em Tomar. Várias audiências no parlamento. Várias iniciativas no parlamento, para debater a cultura e o orçamento para a cultura. (foi arduamente negociado, agendas acertadas). Nada de relevante parece vir a ser anunciado. Já não se fala em reversões, porque o tempo para isso já passou. A desconcentração administrativa ainda não está esquecida. Ficou em banho-maria. Irá certamente ser retomada neste ano que entra, As organizações da cultura e dos museus também não construíram uma agenda comum, o que significa que os seus interesses particulares, certamente legítimos, são superiores a um hipotético interesse comum. A diplomacia sabe bem gerir os interesses contrários, e não tem sido difícil, através de pequenas concessões a pequenos grupos ir consolidando realidades. Talvez o Pedro Cardoso Pereira tenha mesmo razão, quando conclui que estas instituições já não têm uma correspondência com a realidade do património. Tendo a dar-lhe razão. Estas instituições já não nos servem. No entanto elas existem. Consomem recursos. Serve grupos de interesses. Temos portanto o imperativo ético de questionar. Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 10 Vejamos algumas questões: 1. A Rede Portuguesa de Museus. A menina dos olhos a museologia lusa. Vamos ver o que faz: dizem-nos: a Credenciação, a formação e a comunicação. Credenciação: Já por várias vezes aqui escrevemos sobre o absurdo da ideia da "credenciação" duma "rede" no panorama museológico português. Em primeiro lugar ou é uma rede ou um sistema. A diferença é saber que dirige. Nesta rede ninguém tem dúvida que é da Ajuda que se procura dirigir. Resultado entre quer controlar e mandar, tanta "autoridade" leva a que o mais importante se escape por entre os dedos. Os seja o panorama museológico português é hoje diferente do que essa rede define. Ela não inclui realidades que ela própria defende. Ninguém parece muito preocupado por se desconhecer o que é um museu. O observatório das atividades culturais poderia suprir essa deficiência, mas é melhor que não se fale dele, paramelhor proteger os pequenos lugares de poder. Vejamos um exemplo: O núcleo museológico da Baixa da Banheira, na Moita, margem esquerda do Tejo, áreas metropolitana de Lisboa. Não consta que seja reconhecido na RPM (na página da DGPC nem existe uma referencia quais são os museus). Trata-se duma organização da comunidade, com um acervo etnológico, relacionada com a comunidade local e suas migrações. Organiza atividades na comunidade. algo que se poderá enquadrar no Inventários do Património Imaterial. Abre quando é necessário a acontecem coisas quando é necessário. Podemos que tem uma gestão sustentável. Os senhores da Ajuda estão-se certamente nas tintas paras estas realidades que estão á porta das pessoas. Não conta que a Baixa da banheira seja um destino turístico emergente. tudo leva a crer que assim permanecerá, a menos que a Diversidade Cultural do Vale da Amoreira venha a ganhar destaque. Desprezível não é? Mas saberão os meus caros amigos que os músicos mais ouvidos do nosso país são daí. São mais ouvidos que o Tony Carreira na Antena 1. Pois se continuamos a seguir os discos mais pedidos na radio do estado, nunca conheceremos esse "outro" real que a mudança do paradigma tecnológico transporta. (Aqui está uma boa oportunidade para os nossos bons amigos do ISCTE que agora apresentam um novo doutoramento em Antropologia: Políticas e Imagens da Cultura e Museologia, enviaram estudantes para se dedicarem recolha etnográfica do património imaterial). Em relação à comunicação? Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 11 O boletim ficou-se por 2011. Sete longos anos sem comunicação na Rede. Ainda haverá comunicação na rede? Pelas notícias que vamos tendo é lenta. Este ano, por despacho do ministro foram irradiados da rede o Museu do Brinquedo em Sinta e o Museu da Cortiça de Silves. Vários anos depois de deixarem de existir. Estamos conversados. Será que há gente a comunicar na rede? E em relação à formação? Continuou a fazer-se neste últimos anos, dando continuidade a uma das "linhas estratégicas" da rede, "que tem por objetivo contribuir para a qualificação do tecido museológico nacional", apresentaram em 2017"mais um programa de formação dirigido a profissionais de museus, dando prioridade a técnicos de museus que integrem a RPM". Pode-se ver que foi um programa que não sofreu interrupções. Ma vejamos, o programa feito por uma instituição pública, que tem como objetivo contribuir para a qualificação de "todos" , acaba por ser fundamentalmente dirigida para quem é da rede. Ora aqui há uma contradição entre os fins públicos a que se obriga com as práticas provadas que aplica. E ainda por cima, trata-se duma formação que é paga pelos formandos. algume sabe como é pensada a oferta. Porque razão ela está muito distante das funções museológica e apenas aborda funções particulares. Num serviço público qualquer atividade desta natureza deveria ser alvo dum prcedimento concursal. Se não não é publico. E não sendo público é privado. Dos membros da rede. Não é que estas coisas sejam feitas fora da lei. Mas já vai sendo tempo de serem transparentes. 2. O problema da transparência dos atos administrativos da cultura será um outro problema. As políticas culturais atuais já não podem ser feitas pelos iluminados nos gabinetes palacianos. O atual paradigma da boa governação exige implicação dos "governados" ou dos interessados, na concepção e execução e avaliação das políticas. Os atuais mecanismos de participação, elitistas, de geração novecentista, mortram-se claramente desadequados aos tempos que vivemos, embora permenencam adequados aos interesses que representam. O desafio é sabermos se eles se irão manter, ou as organizações culturais e associações do património se conseguem reinventar. 3. O problema do Observatório das Atividades Culturais. Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 12 Trata-se duma questão que acabou por saír da agenda. Mas o observatório em sí não é um objetivo (ou pelo menos um lugar do poder, como ele foi quando os sociólogos tomaram conta dele). O objetivo é encontrar mecanismos de reconhecer a realidade. O que está a acontecer, aonde e com que protagonistas. Para quê? Para desenhar propostas políticas para os problemas. E questões de relevância identificados. Não se trata de olhar para um sistema ordenado, mas saber ler um processo em transformação. É fácil de perceber que continuará fora da agenda. Ninguém quer que essa realidade seja escortinada. É o modo de asseguar que não se levantam problemas. Trata-se duma variante da política da avestruz, de contornar os problemas em vez de os enfrentar. 4. As questões dos direitos ao património e à cultura. É quanto a mim a questão emergente nos próximos tempos. Se como o meu bom amigo Pedro Cardoso Pereira afirma, e se tiver com isso razão, o que é hoje património (ou melhor o que é categorizado como património nas instituições), o que sucede ao corpo de direitos de deveres que ele transporta. ? Tentarei ir refletindo isto nos próximos tempos, se o engenho e o tempo assim me permitirem. Para já podemos ir-nos insurgindo com as nomeações. É tempo de democratizar a administração pública para que as políticas públicas para acultura possam ser efetivamente públicas, escrutináveis e avaliadas pela comunidade da cultura. Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 13 Museu: De instituições a casas da poesia Em outubro de 2017, nas jornadas de outono do ICOM Portugal, realizada em Évora discutiu-se a atualidade da Lei Portuguesa de Museus. Dele se deu uma notícia no site do ICOM Portugal. (http://icom- portugal.org/2017/11/24/jornadas-de-outono-2017-resumo/). Em síntese, como já noutros postais referi, a opinião da “comunidade” museológica do ICOM, é de que a aprovação da lei foi um fator positivo, embora as dinâmicas atuais tenham vindo a levantar alguns problemas. A questão, para os profissionais dos museus parece estável. O museu continua a ser a tal "instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público e que adquire, conserva, investiga, difunde e expõe os testemunhos materiais do homem e de seu entorno, para educação e deleite da sociedade". Trata-se duma definição que está vertida no texto da Lei e que coincide com a definição que é adotada pelo próprio ICOM Ora esta definição, como todas as definições sobre as instituições são narrativas socialmente construídas. São usadas pelas sociedade enquanto são úteis. O conceito de museu, ou a definição sobre o que é um museu varia no tempo e no espaço. Assim, por exemplo o Instituto Brasileiro de Museus definio, em 2010, na altura me que foi criado que: “Os museus são casas que guardam e apresentam sonhos, sentimentos, pensamentos e intuições que ganham corpo através de imagens, cores, sons e formas. Os museus são pontes, portas e janelas que ligam e desligam mundos, tempos, culturas e pessoas diferentes. Os museus são conceitos e práticas em metamorfose." Notícia em arquivo no IBRAM: (http://www.brasil.gov.br/cultura/2010/01/instituto-brasileiro-de-museus- apoia-trabalho-das-instituicoes) “Os museus são casas que guardam e apresentam sonhos, sentimentos, pensamentos e intuições que ganham corpo através de imagens, cores, sons e formas. Os museus são pontes, portas e janelas que ligam e desligam mundos, tempos, culturas e pessoas diferentes. Os museus são conceitos e práticas em metamorfose." (http://www.brasil.gov.br/cultura/2010/01/instituto-brasileiro-de-museus- apoia-trabalho-das-instituicoes) Atualmente o mesmo IBRAM suavizou a radicalidade poética com um texto que não deixa de procurar capturar a uma situação que presente na comunidade ibero americana: http://icom-portugal.org/2017/11/24/jornadas-de-outono-2017-resumo/http://icom-portugal.org/2017/11/24/jornadas-de-outono-2017-resumo/ http://www.brasil.gov.br/cultura/2010/01/instituto-brasileiro-de-museus-apoia-trabalho-das-instituicoes http://www.brasil.gov.br/cultura/2010/01/instituto-brasileiro-de-museus-apoia-trabalho-das-instituicoes Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 14 “No universo da cultura, o museu assume funções as mais diversas e envolventes. Uma vontade de memória seduz as pessoas e as conduz à procura de registros antigos e novos, levando-as ao campo dos museus, no qual as portas se abrem sempre mais. A museologia é hoje compartilhada como uma prática a serviço da vida. O museu é o lugar em que sensações, ideias e imagens de pronto irradiadas por objetos e referenciais ali reunidos iluminam valores essenciais para o ser humano. Espaço fascinante onde se descobre e se aprende, nele se amplia o conhecimento e se aprofunda a consciência da identidade, da solidariedade e da partilha. Por meio dos museus, a vida social recupera a dimensão humana que se esvai na pressa da hora. As cidades encontram o espelho que lhes revele a face apagada no turbilhão do cotidiano. E cada pessoa acolhida por um museu acaba por saber mais de si mesma” (http://www.museus.gov.br/os-museus/) Trata-se duma definição poética, argumentarão os mais cépticos. Mas nela está contida o princípio de transformação. As instituições, tal como as pessoas e os pensamentos são processuais. E as leis, como todos sabemos, resultam de compromissos possíveis num dado tempo. Ora se a questão parece continuar estável em Portugal, o mesmo não se passa no “mundo dos museus”, onde o que é um museus está a ser discutido. Veja-se por exemplo o que está a ser discutido no ICOFOM, onde até foi publicada um pequena resenha do debate, que foi apresentado em Paris, em junho do ano passado. (http://network.icom.museum/fileadmin/user_upload/minisites/icofom/images/ LIVRE_FINAL_DEFINITION_Icofom_Definition_couv_cahier.pdf), que foi apresentado em Paris, en junho do ano passado. Em outubro foram feitas discussões em Beijing e Buenos Aires, em Novembro no Rio de Janeiro e finalmente na Escócia, no âmbito do encontro do EULAC. Tratam-se de cinco reuniões que podemos acompanhar. (http://network.icom.museum/icofom/meetings/previous-conferences/defining- the-museum/) Estamos portanto num momento de discussão e continuar a considerar a ideia de museu é estável é perdermos uma importante oportunidade de debate e com isso de correr o risco de aumentar a distância em relação ao que a sociedade necessita para representar as suas memórias e sua diversidade cultural. Deixar a cabeça enterrada não vai resolver a questão, e também já verificamos que o ICOM Portugal não irá mais longe do que já foi. Será a comunidade museológica capaz de se mobilizar? O desafio para debater esta questão está feito! Querem os museus portugueses ser instituições ou casas de poesia? http://network.icom.museum/fileadmin/user_upload/minisites/icofom/images/LIVRE_FINAL_DEFINITION_Icofom_Definition_couv_cahier.pdf http://network.icom.museum/fileadmin/user_upload/minisites/icofom/images/LIVRE_FINAL_DEFINITION_Icofom_Definition_couv_cahier.pdf http://network.icom.museum/icofom/meetings/previous-conferences/defining-the-museum/ http://network.icom.museum/icofom/meetings/previous-conferences/defining-the-museum/ Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 15 A Lei-Quadro dos Museus Portugueses Limites e Potencialidades1 A Lei nº 47/2003 de 27 de outubro, conhecida como “Lei dos Museus” é defendida por um conjunto de vários profissionais ligados aos museus nacionais. Podemos dizer que é o resultado do esforço duma geração, aprovado por unanimidade na Assembleia da Republica. Esforço duma geração que chega ao mundo dos museus com a democracia e com a criação dum forte movimento de vitalização dos museus locais. A unanimidade da suas aprovação significa que em torno dela se gerou um grande consenso. Tratou-se duma lei discutida e consensualizada. Todavia, a questão que se coloca é se ela serve os museus portugueses. Devemos, ao fim de 15 anos fazer um exercício de avaliação da aplicação da lei e entender se em que medida e útil, se está operativa e se é significativa para os vários atores. Temos vindo a defender que apasar dessas virtudes, os seus defeitos são hoje muito evidentes. Ela não é aplicável á maioria dos museus portugueses, que em 2017 totalizava, segundo dados do INE o nº de 430, sendo que deles 18 são nacionais. Nº de Museus em Portugal (2017) Museus de arte 91 Museus de arqueologia 45 Museus de ciências naturais e de história natural 9 Museus de ciências e de técnica 33 Museus de etnografia e de antropologia 61 Museus especializados 55 Museus de história 51 Museus mistos e pluridisciplinares 62 Museus de território 16 Outros museus 7 Total 430 Quadro 1 – nº de Museus em 2017, dados das estatísticas da cultura em 2017 A desadequação das suas normas e das suas disposições é notória. Como tal a política museológica portuguesa carece de uma linha de orientação que efetivamente concretize a função social dos museus e permite seguir as recomendações da UNESCO aprovadas em 2015. Ante disso façamos uma análise apoiado no trabalho de Manuel Bairrão Oleiro2 Contexto da Lei No início do milénio, há um contexto positivo para a aprovação duma Lei de base para os museus portugueses. 1 Estudo exploratório publicado no blog Global Heritage em abril de 2018 2 Notas do Encontro de Outono do ICOM, 2017 Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 16 Em vários debates promovidos nos anos 90, face ao crescimento da visibilidade dos museus locais, vários profissionais da área da museologia defenderam uma proposta sobre a necessidade de regular as atividades dos museus públicos através duma lei-quadro para os museus. É relevante para estes debates as propostas da Associação Portuguesa de Museologia que tinha desenvolvido várias iniciativas, de discussão sobre o setor, bem como as atividades do MINOM Portugal, que no final dos anos oitenta e durante a década de noventa, desenvolvem vários trabalhos em museus locais. Várias iniciativas3 de debate deram nota da necessidade duma lei para os museus portugueses. Apesar da aprovação da Lei do património Cultural em 1985 (Lei 85/1985) e da sua Lei de Bases em 2001 (Lei 107/2001 que “Estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural”) os museus não tinham uma Lei-quadro. A lei de 2001 refere a necessidade de regulamentaram as redes os museus, em conjunto com as bibliotecas e arquivos, bem como a necessidade de regulamentar algumas atividades de conservação nos museus.4 A criação do Instituo Português dos Museus, em 2001, onde pela primeira vez se verifica a separação entre as questões dos museus e do património. O IPM dá corpo a uma reivindicação de valorização dos museus portugueses, que nos anos 80 e 90 haviam aumentando como cogumelos, muitos deles por iniciativas das autarquias locais. Havia no início do milénio a consciência da necessidade de valorizar os museus nacionais e museus locais. A partir dos inícios dos anos 90, as universidades passam a oferecer uma formação qualificada na área da museologia. A extinção dos cursos de conservadores de museus, tinha deixado este setor profissional sem formação, que por tradição em Portugal é uma formação Pós-graduada. A criação do observatório das atividades culturais, em 1999 tinha promovido o 1º Inquérito aos Museus Portugueses, o que deu um primeiro olhar de conjunto sobre o que eram e em que situações se encontravam os museus portugueses. No ano 2000 é criada uma Estrutura de Missão, para o projeto da Rede Portuguesa de Museus. No sei se foi esta estrutura deprojeto que começou na prepara-se a Lei-quadro. Mas nela forma definidos os objetivos para integrar a Lei: Regime jurídico comum aos museus portugueses Normas de rigor e técnicas Direitos e deveras das entidades proprietárias dos museuus Prever a inclusão no quadro da lei, da figura das coleções publica e privadas de objetos patrimoniais visitáveis 3 Referenciar atividade no museus até 2000 4 Ver a questão do direito da cultura Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 17 Definição do papel da Rede Portuguesa de Museus A discussão sobre a Lei quadro envolveu, na altura um processo de participação das associações de profissionais, da associação de municípios, das universidades com especialidade em museologia. Foi então criado um Conselho Consultivo +ara os museus, que foi entretanto substituído pela secção dos museus no Conselho Nacional de Cultura. O projeto foi acarinhado pelo governo da época, que apoio o ante-projeto, aprovou em CM e é reenviado para a Assembleia da Republica, onde é aprovado por larga maioria e consenso. Houve algum cuidado na proeparação da Lei- Quadro e uma preocupação da sua adequação às políticas da UNESCO e do ICOM. A nova Lei para os museus vem substituir a lei de datava dos anos 60, e que se encontrava desadequada. Estrutura da Lei-Quadro A nova Lei-quadro está estabelecida no quadro dos valores do primado da pessoa, da cidadania responsável, dos direitos humanos, na prespetiva do serviço público e participação da comunidade. Para além disso prevês a coordenação das políticas culturais com as várias áreas de governação conexas, como seja a educação a ciência. Tem uma preocupação de definir boas práticas profissionais, de assegurar o acesso à informação e identificação das fontes, apoia a cooperação internacional e defende a descentralização e o acesso aos bens culturais. A Lei-quadro define as boas práticas para os museus ao definir o que deve ser feito e como deve ser feito no museu. Define as tarefas que são feita pelos museus e que tipo de recursos humanos, materiais, financeiros, de instalações. A Lei-quadro estabelece direitos e habilitações para os profissionais de museus. Define as condições da visita e as condições e questões do acesso a bens que estejam em reservas técnicas. A Lei estabelece também a regulação da propriedade dos bens em museus e os direitos e deveres dos seus proprietários. A Lei apresenta nesta questão uma inovação, porque responsabiliza o proprietário pela gestão dos bens patrimoniais. Também estabelece o princípio da fusão de museus e incorporação de coleções. A criação de novos museus é livre, dentro dos princípios da Lei. Não estabelece contudo a necessidade de que um novo museus tenha que ter um programa museológico. A realidade dos museus tem vindo a alterar-se. Por exemplo a ideia que um projeto de arquitetura para um museu deveria ter por base um programa museológico, deveria estar contemplado na Lei. A questão da Rede Portuguesa de Museus Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 18 A rede desenvolve um papel relevante: A credenciação dos museus por parte da administração central. Mas a rede não se tem vindo a ajustar às novas dinâmicas nos museus. Há museus nacionais que passaram por processos de regionalização que não estão avaliados. Há algumas normas que estão previstas na Lei que nunca foram aplicadas. Por exemplo os núcleos de museus, a legislação sobre o enquadramento de coleções, as políticas de descarte de coleções. Há sobretudo, do ponto de vista legislativo falte de regulamentação. A lei não defina as questões financeiras, o que faz com que os museus vivam sem orçamentos próprios, não define uma política de recursos humanos e de crescimento. Não estão previstos indicadores de qualidade para o trabalho nos museus. Não há uma política para os públicos e para as questões educativas, sempre vistas como menores dentro dos museus. Os atuais problemas com a aplicação da lei-quadro deriva da escassez de recursos humanos qualificados, da ausência de renovação dos quadros e da ausência de olhares diferenciados. Para o desenvolvimento da política museológica nacional seria necessário pensar que a extinção do OAC não foi substituída por outro organismo de disgnóstico da realidade museológica. Não há estudos de evolução sobre os públicos nas suas diferentes áreas. Na atualidade, a fusão de duas áreas, a do património e a dos museus, na Direção Geral do Património Cultural, levou a uma predominância das questões do património, e as estruturas dos museus foram desarticuladas. A descentralização poderá levar a novas vias. Finalmente a lie prevê, de forma diminuta, a participação das estruturas das associações de amigos dos museus. Poderá ser um novo caminho a a desenvolver na medida em que a Direção Geral do Património Cultural não consegue reunir recursos humanos qualificados para os museus. Finalmente o fim do programa de requalificação de museus “o Pró-museus” deixou de existir e não há um programa para valorizar os museus. Os museus estão sem runo e torna-se necessário valorizar os museus no âmbito do Ministério da Cultura. Museologia Pública para a cidadania e a Função Social dos Museus Os museus devem ter um compromisso com a sociedade. A sua função social visa disponibilizar o conhecimento museológico para a sociedade, por via da apresentação de narrativas e a inclusão das comunidades que serve. Devem produzir conhecimento com a sociedade e a partir da sociedade. Fazer museologia social implica desenvolver planos de participação das comunidades. Para criar uma política cultural publica, aberta é necessário pensar em diferentes conceitos: • Redes abertas de cultura e ciência • Acesso e participação cidadã Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 19 • Investigação e inovação criada a partir dos problemas da sociedade • Integração das dinâmicas da sociedade nas pesquisas Para criação duma política museológica participada é necessário ter uma visão alicerçada na cidadania, na capacidade de trabalhar em conjunto e na possibilidade de apropriação dos processo pelas comunidades. A produção de valor pelos processos museológicos implica a partilha do seus conhecimento e dessiminação pela sociedade. Nesse sentido a Lei quadro deveria apresenter e trabalhar conceitos que dela estão ausentes. Apenas alguns exemplos: o Envolvimento das comunidades, a questão da função social e da responsabilidade social dos processos museológicos. Os níveis de participação cidadão (passiva, de interpretação, consulta, colaboração, co-gestão). As associações de defesa do património e amigos dos museus são parceiros da criação de estratégias. Para desenvolver uma política museológica participada, com base na função social dos museus e na cidadania, é necessário que a estratégia museológica nacional, e a sua lei, que em vez de Lei quadro, se deveria chamar Lei de Bases da política museológica deveria partir dum mapeamento dos processos, da visibilização das boas práticas e pela disseminação do conhecimentos alcançado, em colaboração com as universidades. É necessário criar uma agenda conduzida pela sociedade. Uma agenda emancipatória e deixar de vez as agendas conduzidas pelos especialistas, pensadas centralmente. É necessário valorizar os processos e conhecimentos produzidos localemente e validar a relevância da sus extensão A função social concretiza-se quando os processos museológicos se tornam processos criativos produtores de inovação social. Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 20 Políticas Culturais Públicas para Comunidades Urbanas Sustentáveis Pedro Pereira Leite5 A questão urbana é um dos maiores desafios societais do século XXI. O crescimentourbano tem sido constante prevê-se que se intensifique. Pela primeira vez, na história da humanidade, mais de metade da população humana viva em cidades e até meados deste século esse número deverá situar- se em cerca de 70% da humanidade a viver em cidades. Portugal e em particular a sua Região Metropolitana de Lisboa e Porto estão envolvidas nesta dinâmica. Entre os vários desafio que as áreas urbanas vão enfrentar neste segundo quarto de milénio, há duas que pela sua complexidade se destacam. A questão energética e a questão das alterações climáticas, serão problemáticas que vão influenciar profundamente a vida urbana. As cidades vão necessitar de mais energia e de criar infraestruturas resilientes. O relevante crescimento urbano nos próximos anos e a necessidade de enfrentar a transição energética e preparar as infra-estururas urbanas para os impactos previstos com as alterações climáticas, significa que esse desafio será sobretudo um desafio urbano. Em Portugal, face ao seu padrão de distribuição demográfico e económico, esta problemática de complexidade será enfrentado sobretudo neste eixo atlântico entre Lisboa e Porto (porventura integrando as regiões galegas a norte). A resolução destes problemas serão fundamentalmente oportunidades que implicam, na sua resolução, a criação de comunidades sustentáveis. Ter como desígnio a criação de comunidades sustentáveis implica o desenvolvimento do paradigma da participação das comunidades e a sua auto-organização na identificação, promoção, concretização e avaliação das ações que são necessárias para a resolução dos seus problemas e induzir as mudanças. As comunidades destas áreas urbanas serão comunidades em mudança. É necessário não só uma nova forma de planeamento, pensada para a mudança, como sobretudo são necessários processos de planeamento urbano que incluam a compreensão da mudança da natureza das relações da comunidade no seu contexto, da sua história, da contínua recomposição do tecido social por via da transformação da sua vida económica, social e ambiental. A criação de comunidades sustentáveis constitui a ferramenta fundamental para aumentar a qualidade de vida das comunidades. Cidadãos capazes de refletir de forma mais profunda sobre as transformações sobre os seus próprios valores e formas de pensamento ficam mais aptos a responder de forma mais eficaz às mudanças em curso nas suas comunidades, a responder com resiliência a eventos e a desenvolverem processos de 5 Contributo para a Estratégia Territorial 2030 de RLVLT, (março 2018) Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 21 comunicação que permitem criar aumentar a coesão das comunidades. Para isso é necessário que os programas e projetos urbanos incluam nas suas ações medidas de mobilização da comunidade dos profissionais da educação patrimonial para mobilizar para promover uma transformação profunda nos modos de apropriação dos patrimónios, natural e cultural, pelas comunidades, para aumentar os seus níveis de participação no desenvolvimento de comunidades sustentáveis e resilientes. Nessa dimensão cultural, a vida urbana constituirá uma oportunidade para o desenvolvimento da inovação e a criatividades social O desafio urbano para criar comunidades sustentáveis poderá ser enfrentado se as cidades se conseguirem tornar laboratórios de conhecimentos. As Cidades como laboratórios de conhecimentos A necessidade de constituir comunidades sustentáveis relaciona-se com a necessidade de que o espaço urbano metropolitano de lisboa se envolva numa transição para áreas urbanas amigáveis, verdes, acessíveis, que promovam a inovação e a criatividade e o conhecimento. As ações culturais nas cidades promovem uma relação com os outros e a criatividade. As ações culturais mostram-se como ferramentas adequadas a desenhar cidades do futuro. As universidades terão um papel fundamental a desempenhar nestas ações. São lugares de aprendizagem, de trocas e de produção de conhecimento e grande criatividade. As cidades sustentáveis são cidades que terão universidades criativas. Algumas das questões que aqui colocamos destinam-se ao futuro da ação em cada comunidade. Como poderemos contribuir para as cidades sustentáveis a partir das universidades como centros produtores de conhecimentos e centros de partilha de responsabilidades urbanas implica responder a um conjunto de questões de relevância: Como poderão as cidades desenvolver o uso misto dos espaços urbanos, incluindo áreas residenciais, de serviços, de lazer e ambientais? Como poderão as comunidades e as universidades ajudar a desenvolver os centros de aprendizagem e de inovação? Como é que o conhecimento relevante gerado nas universidades pode ser usado nas comunidades para criar cidades sustentáveis? Como é que a ligação entre centros de inovação podem incrementar soluções entre lugares distantes, quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista físico? Como é que a colaboração entre centros de inovação e aprendizagem pode contribuir para atingir os objetivos de desenvolvimento sustentável, de inclusão social, prosperidade económica e conservação ambiental? Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 22 Como criar inovação nas cidades A criação de centros de inovação na cidade implica pensar lugares para criar as soluções que o desenvolvimento sustentável necessita. Mas, mais do que isso, importa sobretudo ligar os centros de inovação em rede dentro do espaço urbano alargado. Pensar os centros de inovação com espaços de difusão e disseminação de boas práticas urbanas. As cidades do século XX foram cidades de desigualdade. Ainda hoje é possível identificar, na área metropolitana de Lisboa e na sua região de influência as áreas ricas e as áreas pobres e deprimidas. Neste espaço permanecem múltiplas fronteiras entre ricos e pobres. Há áreas urbanas nessa região que beneficiaram da modernidade e que se envolveram na globalização, ao mesmo tempo outros espaços e comunidade que ficaram submergidos nesta vaga da globalização. Um dos desafios do desenvolvimento sustentável nas cidades é acabar com as bolsas de pobreza. Acabar, não significa arrasar os espaços, mas trabalhar com as comunidades, para as valorizar e com elas reconstruir as ligações no espaço urbano, melhorado a condição urbana através de desenho amigáveis. Os espaços urbanos metropolitanos não podem ficar reféns dos tradicionais desenhos de regeneração ou requalificação, caros e de implementação muito lenta. É necessário trabalhar a partir das realidades atuais para desenvolver outros modelos. Um passo primordial é juntar a comunidade e definir que modelo se querem orientar o seu desenvolvimento para os próximos 20-30 anos. Depois definir os passos que são necessários para lá chegar e identificar quais os recursos necessários para os alcançar. Identificar quem são as pessoas, empresa e aliados que podem contribuir para esse desejo. Entender que forças podem bloquear os desejos. Por exemplo, a questão do transporte é hoje fundamental. É necessário garantir que as pessoas podem ir e chegar a qualquer lado. É necessário pensar que nas novas economias, solidárias e de trocas, os espaços públicos devem ser partilhados e usados por todos. É necessário ter relações de vizinhança. As habitações não devem ser pensadas em termos de luxo, mas em termos de sustentabilidade. As unidades de vizinhança de pequena dimensão estimular as trocas. O rendimento social deve ser orientado para a economia e não para legitimar as riquezas de cada unidade familiar. As cidades do futuro devem evitar segregar e promover a inclusão social, o que constitui um objetivo de desenvolvimento sustentável. Há várias cidades onde esta requalificação do espaço público já está a acontecer. Os mercados ecológicos e de agricultura biológicacomeçam a invadir as cidades. Hortas urbanas, individuais e cooperativas ocupam espaços devolutos e mesmo jardins, reutilizando espaços na cidade. Hoje é possível ter produtos frescos, produzidos localmente em muitas cidades. Isso é um precioso instrumento de autonomia e soberania alimentar nas nossas cidades. Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 23 Os centros das cidades estão a tornar-se laboratórios de cultura, são simultaneamente espaços residências, lugares de produção de arte, de encontro e sociabilidade. São espaços que usam as novas tecnologias de forma intensiva, lugares onde surgem novas iniciativas culturais, novas empresas e empregos criativos. Tudo isso é essencial aos espaços urbanos para ganhar densidade, revitalizar áreas urbanas e dinamizar a economia, com base em padrões de sustentabilidade. Lugares onde as pessoas não se deslocam de automóvel, onde superam as suas necessidades localmente, são lugares que estimulam a saúde pública global e promovem relações autêntica e trocas de experiencias com base na economia solidária. Em suma o desígnio de criar comunidades sustentáveis em cidades criativas serão espaços o modelo da vida com base no automóvel tem que ser ultrapassada para cidades com base no modelo do relacionamento humano. Par isso é necessário um espaço urbano de trocas de pequena e média escala, com serviços de proximidade ao invés de modelos de grande escala dependentes de sistemas de complexidade pouco flexíveis às mudanças. Para que esses modelo se possam efetivar é necessário um modelo de planeamento com base na partilha de recursos, onde os poderes públicos colocam à disposição da comunidade um conjunto de serviços, que que devem ser usados de por todos de acordo com as necessidades. As cidades criativas de inovação são cidades onde os poderes públicos desenvolvem uma economia que privilegia a gestão do bem-comum, que inverta as economias de posse e de propriedade que caracterizou o século XX. É necessário criar alternativas sociais, com base nas em relações pacíficas, com respeito pela dignidade humana, e ações de promoção da solidariedade e da equidade, e do ponto de vista ambiental, duma alternativa urbana que passa por um outro modo de relação com a natureza, com base na compreensão dos seus limites e na sua biodiversidade. A nossa casa e a nossa vida têm que mudar para que possamos sobreviver aos desafios do século XXI. As nossas cidades têm que estar preparadas para essa mudança. A economia partilhada com lugar para as pessoas. Cidade com bairros diversificados e inclusivos. A construção da justiça social e cognitiva implica mudança. Hoje temos que enfrentar essa mudança, constante e inevitável. Por via das novas tecnologias de informação e comunicação, a nossa sociedade vai enfrentar novos desafios. Sistemas inteligentes implicam sociedades mais inteligentes. Os modos de organização social terão que se ajustar. Sobretudo, o poder político terá que acompanhar a evolução da sociedade permitindo a emergência das novas centralidades que serão os lugares de inovação. Para a emergência duma economia criativa e de novas centralidades de inovação é necessário novos modelos de pensar a cidade e de desenhar a cidade. Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 24 Os espaços urbanos do futuro serão comparados pela inovação que conseguem produzir. Cidades de inovação estão a surgir sobretudo nos lugares das velhas economias desenvolvidas. As velhas cidades industriais e de serviços, dos Estados Unidos, da Europa Ocidental, da Ásia Oriental são os lugares onde a inovação está a surgir. A região de Lisboa, com a sua industrialização tardia e imperfeita deverá assumir uma dinâmica que lhe seja própria. Aí terão lugares as novas universidades que estarão próximas de novos negócios criativos onde estudam novos estudantes que procura um acesso a um ensino criativo e produzir contributos para a sociedade, combinando a inclusão social, a produtividade económica e a sustentabilidade ambiental. Mas é necessário ter em atenção que as novas cidades criativas terão que ser cidades inclusivas. Cidades que incorporam novas tecnologias para todos. Os poderes públicos terão que garantir que os benefícios criados pela ciência cheguem a todos. As universidades são lugares onde toda esta incubação pode surgir. Será daí que irradiará para as comunidades, para as comunidades rurais. Será com as universidades e com as empresas que a elas se associem, que criem redes de conhecimento e pareceria para trabalhar sobre os problemas concretos dos diferentes territórios, do mar e da atmosfera, da comunidade local e da comunidade urbana, de grande e pequenos negócios. A cidade sustentável é uma cidade que contribui de forma ativa para a riqueza económica, para o bem-estar e prosperidade social, para a inclusão social num ambiente sustentável, com instituições democráticas e pacíficas. As cidades são o centro deste movimento de transição. A educação patrimonial em espaços urbanos tem vindo a desenvolver algumas ferramentas teóricas para as comunidades sustentáveis e produção de inovação social em espaços criativos. Tem vindo a procurar produzir Aprendizagens Transformadoras com base na Educação global e em Aprendizagens Sociais. Isso permite que as comunidades de aprendizagens desenvolvem uma reflexão crítica sobre as aprendizagens e sobre os processos de transformação cognitiva. Tem vindo a utilizar métodos de trabalho que +odem facilmente ser usada para ações de intervenção urbana, como seja o Co-desenho dos planos dos projetos de atividades e dos seus resultados pelos membros das comunidades com facilitação pelo museólogo, a implementação dos projetos com recurso à participação das comunidades e a trabalhos de disseminação pela comunidade, através da promoção de exposições e outras formas de comunicação participada que deverão ser mobilizadas nos contextos dos novos modelos de planeamento territorial. *** Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 25 Sobre Políticas Culturais Públicas 6 A análise das políticas culturais no tempo da globalização colocam vários desafios que importa clarificar antes de aprofundar a sua análise e partir para a formulação de questões orientadoras. Em relação á origem da história das políticas públicas da cultura é vulgar encontrar na análise várias abordagens. Salientamos três: a questão do “esclarecimento” ou iluminismo, a questão das “identidades nacionais”, e a questão do “mercado” Em relação ao primeiro, marcado pela dualidade elite/popular, que tem raízes no século XVIII, onde os senhores cultivavam a mente com o mesmo esforço com que os camponeses cultivavam o agro. Delimita o saber como ação das elites e o fazer como ação do povo. Tem como tensão essencial a questão da possibilidade da extensão do domínio do saber ao povo, por via da “educação” e do “acesso à cultura”. ´É uma problemática que surge no século XVIII, se mantém durante os dois séculos seguintes, quase sempre como um movimento que é conduzido pelas elites. Ao longo do século XX é questionado por via da educação popular, pela museologia social e pelos processos de participação das autonomias nómadas. O segundo modelo, da formulação das identidades nacionais, a tensão é marcada pela tensão da delimitação dos espaços de fronteira, pela inclusão versus exclusão do outro. Ganha relevância no século XIX e prolonga-se em grande medida pelo século XX, encontrando nas políticas públicas francesas, no ministério de André Malraux o seu exemplo paradigmático. É marcado pela formação identitária das modernas nações europeias, visível pela hegemonia das línguas nacionais, que se consolidam através dos processos de literacia, dando continuidade a áreas de influência religiosa ou de outras heranças e legitimidades territoriais. Opatrimónio é um dos campos de excelência da afirmação das identidades nacionais, com a preocupação da definição de identidades nacionais, estilos ou escolas nacionais, onde progressivamente se vão integrando os regionalismos e as particularidades locais. É um modelo que é fortemente questionado pela tradição anglo- saxónica, que favorece as autonomias das comunidades locais. O terceiro modelo da dualidade público/privado que marca praticamente toda a segunda metade do século XX, com a UNESCO a constituir-se como centro de debate entre os modelos de implementação das políticas culturais públicas. O pós-guerra constitui-se como a época de ouro dos modelos das políticas culturais públicas, mercê da forte influência do modelo de planeamento central, implantado pela tradição francesa, acompanhado pelos 6Texto- proposta para discussão sobre a construção duma agenda de pesquisa para Políticas Culturais Públicas para comunidades Urbanas Sustentáveis Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 26 modelos de planeamento do leste e que se difundem para os novos países independentes em África. O processo de globalização e o colapso das políticas culturais do leste europeu levaram a dois interessantes fenómenos, aparentemente contraditórios, que marcam este nosso tempo: Na Europa e no mundo dito “desenvolvido” assistiu-se a uma clara diminuição da intervenção do estado na formulação de políticas culturais, tornando evidente a contradição entre políticas culturais e gestão da cultura. No primeiro o desígnio de intervenção sob o imperativo constitucional tende a ser substituído, nas práticas das organizações do estado, pela ideia de gestão de equipamentos e pelo fascínio do “empreendorismo cultural”. O papel do estado é exíguo nestas políticas culturais, remetendo-se a concessionar equipamentos e a distribuir apoios financeiros, demitindo-se de intervir no acesso universal através de políticas ativas de democratização da cultura. Por seu turno, na América do Sul e em alguns Estados Africanos assistiu-se a uma emergência de alternativas de práticas culturais emancipatórias, fortemente influenciada pela diversidade cultural, marcadas pelos processos de globalização, pela intensa comunicação e pelas ideias de redes que criaram políticas culturais públicas transversais. Modelo rebeldes que tem permitido olhar para modelos alternativos de políticas culturais públicas, como foi, por exemplo a política cultural brasileira dos “pontos de cultura” desenvolvidos por Celso Turino no Ministério de Gilberto Gil. Estes modelos servem-nos sobretudo para delimitar os problemas. Eles não existem individualmente, numa forma pura, mas vão-se sobrepondo em função dos jogos internos dos atores culturais. Serve-nos de base para procurar formular as bases o que se poderá constituir como uma agenda para as políticas culturais no século XXI, na europa e no sul global: Se as políticas culturais foram no passado importantes instrumentos de afirmação das identidades nacionais a sua atual menorização nas narrativas económicas, que derivam da impossibilidade de mensurabilidade do valor económico dos valores e da ética, tenderão a ganhar visibilidade como ferramentas de gestão do social, porque serão elas a dar sustentabilidade aos novos valores e ética que os desafios da sustentabilidade transportam. A questão da política cultural, embora ausente nas grandes narrativas sobre a europa e sobre o futuro das nações, tendem a ganhar espaço no campo da política internacional, pois é através delas que estão a ser feitas as leituras sobre a diversidade cultural, os direitos humanos, a dignidade humana, os princípios da educação, saúde, igualdade de género, inclusão social. A Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 27 cultura e a política cultural tenderá a ser o instrumento operativo de políticas públicas inclusivas e participadas. A questão das políticas culturais estará sempre presente na análise dos processos e avaliações dos programas de desenvolvimento sustentável, tanto a norte como a sul. Será através dos grupos de cidadania, dos seus processos de organização, de decisão, de formação de redes colaborativas ou hierárquica que as ações poderão se implementadas com eficiência e durabilidade. O modelo cultural terá que se confrontar com o modelo do mercado para atuar como moderador de ações de competitividade. Os resultados dependerão dos modos como serão implementadas as ações e isso depende das condições em que cada agente atua. Finalmente, as políticas culturais estão presentes da formação dos novos média. Estes novos instrumentos de comunicação, interativos mobilizam redes e disseminam ideias. A captura dos normativos e princípios éticos está a ser influenciada pela forma como cada cultura atribui relevância a cada tópico disseminado nas redes. Por uma agenda de pesquisa em Heranças e Património Cultural Valores e Património Cultural - por exemplo: o que conta como Património cultural, como ele é escolhido, como ele muda em sociedades cada vez mais diversas / plurais, como molda identidades, como e quando diferentes tipos de Património são reconhecidos, experimentados, abraçados, representados ou ignorado? Conectando Pessoas com Património - por exemplo: como, por que e com que resultados as pessoas se envolvem com seu Património cultural e por que isso é importante para eles? Quais novas formas e oportunidades de envolvimento com o património estão emergindo (por exemplo, herança sensorial, jogos sobre o património)? Património Cultural Sustentável - por exemplo: os paradigmas de proteção do Património que nos serviram bem no passado são igualmente aptos a responder aos desafios do futuro? Que novos paradigmas estão emergindo para gerenciar / governar / tomar decisões sobre / engajar / salvaguardar / adaptar nosso Património cultural em um mundo em rápida mudança? Heranças futuras, novos usos / reutilização de Patrimónios e exploração do potencial de tecnologias digitais e outras - por exemplo: como podemos usar como recurso para o bem-estar cultural, social e econômico para além do turismo e da conservação? Como podemos apoiar o uso inovador do Património tangível e intangível, habilidades patrimoniais (por exemplo, artesanato) e pesquisa do Património? Heranças intangíveis, emergentes, ocultas e contestadas - por exemplo: como as formas emergentes de herança futura podem ser identificadas de forma mais eficaz? Como as heranças intangíveis podem Informal Museology Studies, 20, spring - 2018 28 ser conservadas e exploradas de forma mais sustentável no futuro? Como a pesquisa de artes e humanidades pode contribuir para processos que descobrem heranças "escondidas", redescobrir heranças "perdidas"? Alterando as economias do Património - por exemplo: como a pesquisa pode enriquecer ainda mais experiências e encontros patrimoniais e reforçar a contribuição do Património para o crescimento da economia da experiência? Como podemos perceber melhor o potencial de pesquisa de Património interdisciplinar e colaborativo para inspirar criatividade e inovação que contribuam para a economia criativa? Heranças globais, desenvolvimento internacional e desafios globais - por exemplo: como as economias internacionais podem contribuir para o desenvolvimento internacional e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e / ou para o desenvolvimento de estratégias humanitárias ou humanitárias ou "diplomacia cultural"? Como a pesquisa pode orientar abordagens para enfrentar os desafios do Património criado pelo desenvolvimento internacional, globalização, urbanização rápida, mudanças climáticas e alta mobilidade? Qual o papel que a herança desempenha no bem- estar das comunidades diaspóricas e deslocadas? InformalMuseology Studies, 20, spring - 2018 29
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