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A Origem e o Impacto1 do Pensamento Evolutivo Introdução Na história da ciência, descobertas importantes podem ocorrer simultânea e independentemente por diferentes pesquisado- res que trabalham a partir de perspectivas teóricas semelhan- tes. Charles Darwin (1809-1882) foi um dos cientistas mais importantes da história. Sua obra, A origem das espécies por 1 Biólogo, Mestre em Geociências, Paleontólogo. Coordenador do Curso de Ciên- cias Biológicas ULBRA EAD. Marcos Machado1 Capítulo 1 2 Sistemática e Evolução Biológica meio da seleção natural (1859) teve efeitos profundos sobre a ciência, filosofia, religião, e até mesmo em debates políticos. Depois de completar suas viagens famosas, Darwin passou os 23 anos subsequentes (1836-1859) na Inglaterra refinando suas ideias para publicação. Figura 1.1 Mapa da rota de viagem de Darwin a bordo do HMS Beagle entre 1831 e 1836. URL: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/ discovirtual/aulas/582/imagens/map.gif Em junho de 1858, quando o livro ainda estava longe de ser concluído, Darwin recebeu um manuscrito pelo correio que havia resumido sua própria tese. O manuscrito havia sido es- crito pelo naturalista neozelandês Alfred Russel Wallace (1823- 1913) após viagens em diversas regiões do planeta. Wallace viajou e estudou no vale do Amazonas e no sul do Pacífico como Darwin tinha feito muitos anos antes. O natu- ralista neozelandês ficou impressionado com a diversidade da vida que encontrou lá, e seguiu, de forma totalmente indepen- dente, a mesma linha de raciocínio de Darwin em relação aos Capítulo 1 A Origem e o Impacto do Pensamento Evolutivo 3 dados observados. O resultado foi o manuscrito de Wallace sobre o funcionamento biológico da seleção natural na origem de novas espécies. Assim, Wallace enviou sua descoberta para Darwin para comentar o assunto. Figura 1.2 Charles Robert Darwin (1809-1872) e Alfred Russel Wallace (1823-1913). URL: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/discovirtual/aulas/582/ima- gens/charles_darwin_l.jpg http://wallace-online.org/Wallace-Bio-Sketch_John_van_Wyhe.html Quem deveria ser o primeiro a apresentar essa importante descoberta para o mundo? Importantes naturalistas britânicos da época, entre ele, Charles Lyell, autor da obra Princípios de Geologia que consolidou a ideia de tempo geológico propu- seram a apresentação simultânea em uma reunião da Socie- dade Linneana de Londres, em 1º de julho de 1858. Assim, Wallace e Darwin são reconhecidos como coautores da des- coberta do mecanismo responsável pela evolução, a seleção natural (MAYR, E., 1998). 4 Sistemática e Evolução Biológica Dois mil anos antes, os gregos haviam proposto conceitos para explicar mudanças observadas na natureza. Entretanto, a compreensão grega nada tinha a ver com a concepção evolucio- nista atual de mudanças adaptativas. Assim, pode-se afirmar que a ideia de evolução criada por Darwin-Wallace representa ainda hoje uma das maiores construções intelectuais da humanidade e que, diferentemente de outras ideias como a teoria do átomo, não guarda raízes na filosofia e na ciência gregas (RIDLEY, M. 2006). Em 1859, Darwin completou sua obra A Origem das Espé- cies e logo se tornou o criador reconhecido da teoria moderna da evolução. Wallace, aparentemente satisfeito com isso, não fez nenhuma objeção, e os dois homens continuaram amigos ao longo da vida. Wallace fez muitas outras contribuições im- portantes para a ciência e é reconhecido pelos biólogos como um eminente naturalista. No entanto, é Darwin que é lembra- do por essa grande descoberta biológica. Figura 1.3 Fronstispício da Obra “A Origem das Espécies” publicada em 1859. URL: http://www.portaldosfarmacos.ccs.ufrj.br/imagens/charles_ darwin/foto4.jpg Capítulo 1 A Origem e o Impacto do Pensamento Evolutivo 5 A teoria de Darwin-Wallace da evolução biológica por meio da Seleção Natural Charles R. Darwin (1809-1882) tornou-se o naturalista do navio HMS Beagle na expedição financiada pelo governo In- glês (1831-1836) tendo feito milhares de observações sobre condições climáticas e meteorológicas, formações geológicas, fósseis, plantas e vida animal, recolhido e estudado um grande número de amostras. Darwin observou que, dentro de cada espécie, há muitas variações na estrutura, algumas diminutas e outras grandes. Ele se perguntou por que, se uma espécie surge como um único ato de criação, deve haver tanta variabi- lidade entre seus indivíduos? Essa observação de variabilidade intraespecífica (dentro da espécie) tornou-se um conceito im- portante em seu trabalho posterior sobre a evolução biológica através da seleção natural (FUTUYMA, D. J., 2004). De 1846 a 1858, Alfred Russel Wallace realizou estudos naturalistas sobre a Amazônia e as ilhas malaias. Suas ob- servações e inferências eram muito semelhantes às de Dar- win. Wallace, também, observou a existência de variabilidade intraespecífica formulada de forma independente do conceito de evolução através da seleção natural. É interessante obser- var que os dois naturalistas foram fortemente influenciados pelo trabalho do economista Thomas Malthus (1766-1834), que tinha publicado um artigo sobre o princípio da popula- ção em 1798. Nesse ensaio, Malthus sugeriu que o tamanho da população humana aumenta naturalmente além dos limi- tes de recursos necessários para sustentá-la. Ele argumentou que a condição humana iria gradualmente piorar conforme 6 Sistemática e Evolução Biológica a população cresce e os indivíduos competem mais ardua- mente por recursos cada vez mais escassos. Um rápido cres- cimento da população, de acordo com Malthus, não seria sustentável, sendo limitado por ocorrências naturais, como a fome, as epidemias e as guerras. Como veremos, o con- ceito de Darwin-Wallace de seleção natural é semelhante às especulações de Malthus sobre a relação do tamanho da população humana, os recursos disponíveis e a competição (FREIRE-MAIA, N., 2004). Pode-se resumir a teoria de Darwin-Wallace da evolução biológica por meio da seleção natural como segue: 1) Dentro de cada espécie, o número de indivíduos produzi- dos é muito maior do que pode ser suportado pelos recur- sos limitados da natureza. 2) Existe, assim, um intenso esforço pela sobrevivência. 3) Dentro de cada espécie, há muitas variações casuais. 4) Algumas das variações são mais úteis do que outras na adaptação às condições ambientais. 5) Essas variações adaptativas úteis são suscetíveis de sobre- viver, e podem ser transmitidas para a próxima geração. 6) O lento acúmulo dessas variações diminutas durante perí- odos de tempo muito longos, que resulta na extinção das formas antigas e o surgimento de novas espécies. Assim, conforme Darwin e Wallace, a evolução é um pro- cesso biológico constante que opera muito lentamente atra- vés da seleção natural de variações intraespecíficas resultantes Capítulo 1 A Origem e o Impacto do Pensamento Evolutivo 7 da contínua luta pela existência. Deve-se notar que Darwin e Wallace consideram as variações como decorrentes do acaso, e não, como Lamarck já havia especulado, através do esforço ou de um projeto. Além disso, o modelo não foi uma tentativa de explicar a criação da vida, como tantos críticos parecem pensar. Pelo contrário, é uma tentativa de compreender o de- senvolvimento de novas espécies a partir de formas originais. Precursores da Teoria Darwiniana O impacto da teoria darwiniana sobre a cultura em geral, e na ciência, em particular, tem sido imenso, mas alguns precurso- res tiveram papel fundamental. O desenvolvimento do micros- cópio, no século XVII e o sistema de classificação biológica de Linneu no século XVIII estimulou o acúmulo de dados biológi- cos que apoiou vários conceitos de evolução. Em 1794, o avô de Darwin, Erasmus Darwin, escreveu em seu livro intitulado Zoonomia que todos os animais de sangue quente poderiam ter se desenvolvido a partir de algumas formas comuns anterio- res. Em 1802, o naturalistafrancês Jean Baptiste de Lamarck propôs uma teoria da evolução biológica que, em geral, é se- melhante ao modelo de Darwin-Wallace, mas difere porque o modelo de Lamarck incluiu um elemento intencional. Lamarck acreditava que os indivíduos evoluíam para atender às con- dições de mudança e então repassavam essas características adquiridas através de herança para a próxima geração. 8 Sistemática e Evolução Biológica Figura 1.4 Jean Baptiste de Lamarck (1744-1829) e Erasmus Darwin (1731-1802). URL: Figura. 1.4 http://www.algosobre.com.br/images/ stories/assuntos/biografias/Lamarck.jpg http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/be/Portrait_of_Eras- mus_Darwin_by_Joseph_Wright_of_Derby_(1792).jpg No século XIX, antes da publicação da Origem das Espé- cies, filósofos e pensadores sociais como Hegel, Comte, Marx, e Spencer já tinham proposto ideias sobre evolução aplicando suas análises à história e à sociedade. Como é comum na ciência, muitos pesquisadores trabalham de forma independente e contribuem para a rede de conceitos e fatos que tornam possível o próximo grande desenvolvimento no campo específico do conhecimento. Assim, em 1859, quan- do Darwin publicou seu famoso livro, os cientistas em geral não tiveram dificuldades com os conceitos, porque, a essa altura, eles já estavam familiarizados com ideias evolutivas. O mundo científico estava pronto para as ideias de Darwin. Capítulo 1 A Origem e o Impacto do Pensamento Evolutivo 9 O impacto da Teoria Darwiniana Dadas as condições históricas citadas anteriormente, o mo- delo de Darwin foi altamente reconhecido e teve enorme im- pacto. A aceitação das ideias biológicas atuais requereu uma verdadeira revolução ideológica. Charles Darwin foi respon- sável por drásticas mudanças na visão de mundo das pesso- as comuns nos últimos 150 anos. Os três campos principais de influência são a Biologia Evolutiva, Filosofia da Ciência e também nossa Cosmovisão Moderna. Há quatro contribuições que constituem a Biologia Evolutiva: 1) a não constância da espécie, isto é, a própria concepção moderna de evolução; 2) a diversificação evolutiva que implica descendência comum de todas as espécies viventes na Terra, a partir de uma origem única; 3) evolução gradual, sem quebras importantes ou des- continuidades; 4) a Seleção Natural (SN) é o principal meca- nismo da Evolução Biológica. O Paradigma Darwiniano Antes de 1859, virtualmente todos os cientistas e filósofos eram cristãos, e os teólogos naturais pregavam que Deus havia ins- tituído leis sábias que promoveram a adaptação perfeita de todos os organismos aos seus ambientes. Ao mesmo tempo, os arquitetos da revolução científica tinham construído uma visão baseada no fisicalismo, na teleologia e no determinismo. Os princípios básicos propostos por Darwin estariam em total conflito com essas ideias hegemônicas (ZIMMER, C. 2003). 10 Sistemática e Evolução Biológica A teoria da SN explica a adaptatividade e a diversidade da natureza, recorrendo a causas exclusivamente materiais. Qualquer característica biológica atribuída ao “desígnio ma- ravilhoso” poderia ser explicada pela SN. O Darwinismo refuta a tipologia e o essencialismo, adotan- do o pensamento populacional. Populações não variam por suas essências, mas somente através das diferenças de suas médias estatísticas. Ao rejeitar a constância das populações, Darwin ajudou a introduzir a história no pensamento científico. A teoria da SN torna qualquer apelo à teleologia, ou seja, à ideia de uma finalidade desnecessário. Desde os gregos (Aristóteles), existia uma convicção universal na existência de uma força teleológica no mundo, que conduzia sempre a uma maior perfeição. A aceitação do Scala Naturae é uma expres- são da popularidade da teleologia. O Darwinismo varreu tais considerações. Darwin refuta o determinismo ao aceitar o papel do acaso ao longo do processo de SN. Einstein, em oposição, referiu sua inconformidade com isso, dizendo que “Deus não joga dados”. Hoje, o papel da contingência na natureza é qua- se universalmente reconhecido. As regularidades em biologia não podem ser expressas por leis universais, apenas probabi- lísticas. Darwin desenvolveu uma nova visão da Humanidade e um novo antropocentrismo. Antes dele, filósofos e teólogos, base- ados em Aristóteles, Descartes e Kant, consideravam o Homem uma criatura acima e aparte de outros seres. A teoria da des- cendência comum retirou-nos de nossa posição, antes, única. Capítulo 1 A Origem e o Impacto do Pensamento Evolutivo 11 Todavia, a inteligência humana é incomparável. Somos os úni- cos animais com linguagem, que inclui gramática e sintaxe. Desenvolvemos sistemas éticos genuínos e cultura complexa. Alcançamos um domínio sem precedentes sobre a Terra. Para melhor ou para pior. Darwin proveu uma fundamentação científica para a éti- ca. Hoje sabemos que um grupo social inteiro pode ser alvo da SN. Esse argumento foi apresentado em 1871, na obra A Descendência do Homem. A sobrevivência de um grupo social depende, em grande parte, da cooperação entre os membros do grupo, e esse comportamento deve estar baseado no altru- ísmo, o que beneficia indiretamente os próprios indivíduos. O resultado implica na seleção parental e no cuidado recíproco em um grupo social. Atualmente, nenhuma pessoa educada cientificamente questiona a validade da teoria evolutiva, que pode ser consi- derada um fato científico. Darwin estabeleceu a Filosofia da Biologia, introduzindo o fator tempo, demonstrando a importância do acaso e da contingência, mostrando que as teorias em Biologia estão ba- seadas mais em conceitos do que em leis. Os cientistas já estavam familiarizados com o conceito de evolução biológica. O que eles não tinham era uma massa crítica de dados empíricos convincentes para apoiar a teoria, e uma explicação convincente dos mecanismos pelos quais a evolução opera. O modelo de Darwin-Wallace forneceu uma enorme riqueza de dados biológicos cuidadosamente obtidos e organizados para reforçar suas teorias e a exposição clara 12 Sistemática e Evolução Biológica de um mecanismo (ou seja, a seleção natural), pela qual o processo de evolução pode operar. Dessa forma, cientistas em diversas áreas agora tinham as ferramentas conceituais para avançar em uma grande diversidade de pesquisas sobre evo- lução biológica (MAYR, E., 1998). Deve ser lembrado que, no início do século XIX, quase to- das as pessoas no mundo ocidental, incluindo muitos cien- tistas, acreditavam que o mundo e toda a vida tinham sido criados em seis dias, apenas alguns milhares de anos antes, e que toda a vida ainda existia em sua forma original, ou seja, sem evolução. Em 1859, quando o Origem das Espécies foi publicado, despertou protestos de teólogos, porque foi ime- diatamente vista como um ataque direto contra o relato da criação em Gênesis. Muitos ataques foram feitos em editoriais de jornais, por oradores e clérigos buscando desmerecer, de- sacreditar e destruir as ideias darwinistas. Passados 155 anos da publicação do Origem, algumas denominações religiosas ainda argumentam contra a teoria Darwiniana, buscando res- tabelecer uma versão bíblica da origem da vida. Entretanto, em 1997, a Igreja Católica Romana decretou que não há con- flito essencial entre a versão bíblica de Gênesis e a teoria da evolução. Recapitulando O impacto do pensamento evolutivo na história da ciência é incontestável. Foi e continua sendo uma das maiores revolu- Capítulo 1 A Origem e o Impacto do Pensamento Evolutivo 13 ções intelectuais na história da ciência. Mas, foi além. Mudou nossa própria forma de ver o mundo que nos rodeia. O ter- mo evolução (do Latin evolvere "desenvolver") é a mudança gradual das características hereditárias de uma população de organismos de geração em geração. Essas informações são codificadas na forma de genes que são copiados na reprodu- ção e repassados para a prole. Mutações geram diferentes va- riantes(alelos destes genes), que podem causar características alteradas ou novas. Essas variantes e recombinações levam a diferenças hereditárias (variabilidade genética entre os indiví- duos). A evolução ocorre quando a frequência desses alelos em uma população muda. Isso é feito através da seleção na- tural (sobrevivência diferente e taxa de reprodução devido a essas características) ou deriva genética aleatória. A teoria da evolução pela seleção natural foi primeiramen- te descrita em detalhes por Charles Darwin em seu livro de 1859 A Origem das Espécies. Na década de 1930, a seleção natural de Darwin exposta com regras mendelianas foi asso- ciada à hereditariedade. Isso resultou na Teoria Sintética da Evolução. A teoria sintética da evolução define evolução como a mudança na frequência do alelo relativo (frequência do ale- lo) em uma população. Devido às suas afirmações descritivas e causais, essa teoria tornou-se o princípio organizador central da biologia moderna e fornece uma explicação sólida para a diversidade da vida na Terra.
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