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Disciplina: História do cristianismo Aula 5: Cristianismo na Baixa Idade Média Apresentação Nesta aula, apresentaremos um panorama das correntes teológicas e filosóficas que alimentaram o pensamento eclesiástico, a partir do século XI, no Ocidente europeu, relacionando-as ao contexto das transformações políticas, econômicas, sociais e culturais nele ocorridas. Para isso, iniciaremos nossa reflexão analisando a forma como a Igreja desenvolveu mecanismos religiosos, como as ordens militares, que sustentaram a ação cruzadística. Depois, pensaremos em como surgiram no interior da Igreja reflexões teológicas e filosóficas entre o clero intelectualizado e frequentador das escolas catedralícias e das universidades, que se debruçou, de forma mais efetiva, sobre os tratados filosóficos antigos, propiciando a formação de movimentos como o humanismo e o escolasticismo. Por fim, analisaremos como as transformações sociais implicaram a organização das ordens mendicantes, que buscavam desenvolver práticas religiosas e caritativas para aproximar-se das demandas espirituais dos fiéis, como fizeram as Ordens dos Franciscanos e dos Dominicanos. A ideia era evitar que os fiéis fossem presas de movimentos heréticos, como o catarismo, os valdenses e os bogomilos. Objetivos Identificar as correntes teológicas criadas na Igreja ao longo dos séculos XI a XV – importantes para a consolidação do movimento cruzadístico; Analisar as correntes teológicas e filosóficas marcantes das reflexões dogmáticas, bem como as práticas religiosas da Igreja, relativas às transformações pela sociedade medieval entre os séculos XI e XV; Investigar as correntes heréticas e condenadas pela Igreja durante a Baixa Idade Média. Práticas religiosas nas Cruzadas Como aprendemos na aula anterior, o século XI pode ser considerado um marco na história medieval ocidental. Grande parte da importância desse período está relacionada às Cruzadas . Agora, vamos conhecer um pouco mais os mecanismos e as práticas religiosas constituídas pela Igreja para definir sua atuação no movimento cruzadístico. O discurso pacifista presente na vida monástica não se mostrou incompatível com a ascensão de um espírito belicista no seio da Igreja, durante os séculos XI e XII, por meio do apelo militar, lançado a todos os cristãos. A ideia era que lutassem pela expansão da fé cristã em relação ao islamismo ou a movimentos cristãos considerados heréticos. | Na imagem, Pedro, O Eremita guiando cavaleiros por Jerusalém durante a primeira Cruzada. 1 file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula5.html Com óbvias motivações políticas e econômicas, as Cruzadas se tornaram a base de uma visão, segundo a qual caberia a cada cristão devoto uma parcela de empenho em uma guerra santa contra qualquer manifestação de fé contrária ao cristianismo ou a sua unidade, representada pelo clero romano. Na imagem, a obra A Máquina de Guerra dos Cruzados, de Gustave Doré (1832-1883). De acordo com fontes históricas do período, quando uma série de populares reagiu positivamente à pregação das Cruzadas e se deslocou pelas terras ocidentais em direção ao Oriente, foi possível detectar certo espírito messiânico que alimentava sua crença quanto à retomada da Terra Santa. Imagem: Larousse, 1922. Isso promoveria a instalação do reino de Deus na Terra, quando os humildes seriam, enfim, recompensados por todo o sofrimento em vida. Os populares almejavam chegar à tão sonhada Jerusalém, em que “abundaria leite e mel”, conforme rezava a tradição bíblica. É possível, portanto, identificar uma religiosidade popular muito específica no movimento cruzadístico, caracterizada pela devoção ao Cristo, a busca de uma purificação individual e coletiva, alcançada a partir do movimento peregrinatório e de um pensamento marcadamente escatológico. Ordens monástico-militares O belicismo religioso consolidou-se nas instituições eclesiásticas por meio da fundação das ordens monásticas, regidas por códigos militares. Tais ordens eram formadas por monges que faziam voto de pobreza e castidade, tornando-se, na prática, guerreiros militares e espirituais de Cristo. Foram constituídas diversas ordens militares, tais como: Ordem dos Cavaleiros Hospitalários Em suas origens, em Jerusalém, por volta do ano 1099, era apenas uma associação religiosa de caráter caritativo, voltada para o abrigo de cristãos em peregrinação à Terra Santa. Em 1136, converteu-se em uma ordem monástico-militar, recebendo do papa Inocêncio II a função de proteger o Santo Sepulcro. Ordem dos Cavaleiros Templários Estabelecida, inicialmente, nas vizinhanças do templo de Jerusalém – o que originou seu nome –, foi uma ordem monástico-militar, fundada em 1118 com o objetivo de proteger a Terra Santa dos ataques de forças muçulmanas. A partir da década seguinte, os templários desenvolveram grande atividade militar, envolvendo-se em numerosas batalhas nos seguintes períodos: 1129 – ao lado de Balduíno II (rei de Jerusalém), lutaram para conquistar a cidade de Damasco; 1138 – enfrentaram as tropas turcas, na cidade de Tecoa; 1153 – atuaram no cerco à cidade de Ascalão; 1177 – participaram do combate decisivo contra as forças de Saladino na Batalha de Montgisard; 1187 – guerrearam na Batalha de Hattin para manter as forças cristãs na cidade de Jerusalém; 1219 – foram decisivos na conquista da cidade de Damieta, no Egito. Ambas as ordens receberam direta e decisiva influência de São Bernardo de Claraval (1090-1153) , que participou do Concílio de Troyes, em 1128, quando os templários receberam a chancela oficial da Igreja. 2 file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula5.html Nessa ocasião, seu primeiro líder, Hugo de Payens (1070-1136), pediu ao abade que redigisse um sermão para orientação doutrinária da ordem. Claraval aceitou a incumbência e escreveu uma mensagem em que defendia veementemente atos de fé, tais como matar ou morrer por Cristo. As ordens militares foram fundamentais no processo cruzadístico por articularem as forças cristãs no Oriente, ajudando a sustentar as conquistas militares e controlando os recursos econômicos dessas conquistas. Com o tempo, isso gerou animosidades não só com os cavaleiros laicos mas também com a Igreja Romana. Com o fim das Cruzadas, as ordens militares se tornaram obsoletas para a Igreja, mas concentravam um tesouro considerável em termos econômicos e intelectuais, já que dominavam as artes da cartografia e da navegação, apreendidas em seus contatos com a cultura oriental. Bernardo de Claraval (Fonte: https://goo.gl/GNZa4T <https://goo.gl/GNZa4T> ) https://goo.gl/GNZa4T Exemplo Um exemplo da grande pressão que papas e monarcas fizeram sobre as ordens militares foi a conspiração orquestrada pelo rei da França, Felipe IV, e o papa Clemente V, que condenou os templários por heresia. Eles não conseguiram fugir e foram queimados publicamente em 1307. A extinção definitiva da Ordem do Templo ocorreu em 1312. Os membros das ordens militares foram muito bem recebidos pelos monarcas ibéricos, que, às voltas com a reconquista desde o século XI, viam com bons olhos a chegada desses clérigos guerreiros à Península, não só pela força militar oferecida por eles mas também pela ocupação das terras conquistadas, organizando o trabalho servil. Surgiram, então, na Península Ibérica algumas ordens militares, tais como: Ordem de Calatrava Ordem de Santiago Ordem de Alcântara Ordem de Avis Humanistas Há um consenso entre os medievalistas em considerar o século XI um marco na história medieval. Diversas explicações foram levantadas pela historiografia para análise das transformações sociais, econômicas e políticas ocorridas nesse período. Henri Pirréne Alguns estudiosos, como Henri Pirréne (foto), acreditam que elas poderiam ser esclarecidas por fatores externos, como a reabertura das rotas comerciais, proporcionada pelas Cruzadas. Georges Duby Outros, como Georges Duby, sem ignorar tais fatores, entendem que essas transformações decorrem da própria mutaçãodo sistema feudal. A Ordem de Cister foi fundada em 1098, na região da Borgonha, pelo abade de Molesme – Roberto de Champagne (1028-1111) –, que pretendia retornar aos primórdios da regra beneditina, a qual, de acordo com os cistercienses, havia sido corrompida pelo luxo e pelas riquezas comuns nas abadias cluniacenses. Dessa forma, inspirados nos ideais reformistas gregorianos, os cistercienses desejavam retornar à prática da vida apostólica por meio do ascetismo , do rigor litúrgico e, principalmente, do trabalho não somente intelectual – que caracterizou as abadias cluniacenses – mas também manual. 3 4 file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula5.html file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula5.html Os monges cistercienses eram, então, estimulados a trabalhar nas terras de cultivo que circundavam seus monastérios e, nelas, aplicavam as técnicas agrícolas presentes nos tratados antigos, disponíveis em suas bibliotecas. A utilização dessas novas técnicas implicou um franco processo de crescimento demográfico no Ocidente europeu, favorecido, também, pelas condições climáticas propícias à prática agrícola. O excesso populacional nos senhorios, que acarretou a redivisão das terras servis, liberou mão de obra para outras práticas econômicas, como o artesanato e o comércio, em grande parte desenvolvidos nos pequenos núcleos urbanos (burgos). Geralmente, esses locais ficavam em torno das muralhas dos castelos e no entrecruzamento de rotas comerciais, que se tornaram mais ativas não só devido às cruzadas, mas também ao trânsito de produtos produzidos nos campos e nos burgos de uma região. Uma nova mentalidade surgiu no âmbito das cidades, que tanto mantiveram quanto inovaram elementos da ordem feudal. Em pouco tempo, as cidades medievais se tornaram polos atrativos para uma diversidade de pessoas que recorriam a elas à procura de trabalho ou de um tipo de vida não necessariamente atrelada às responsabilidades oriundas dos laços de suserania e vassalagem. Muitos se deslocavam para as cidades em busca do conhecimento fornecido pela Igreja nas escolas catedralícias, que poderiam ser frequentadas por todos aqueles com condições de pagar pelo acesso à educação. Centros de estudos das sete artes liberais das escolas catedralícias: 5 file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula5.html TRIVIUM 1. Lógica 1. Gramática 1. Retórica QUADRIVIUM 1. Aritmética 1. Música 1. Geometria 1. Astronomia Logo, os filhos da pequena nobreza e dos burgueses cercavam os mestres que ministravam as aulas nessas escolas, como Pedro Abelardo (1079-1142), cujo princípio indicava: uma ação humana deveria ser julgada pela análise conforme a intenção e as necessidades individuais de quem a praticou, e não apenas por suas consequências. Essa visão abriu caminho a uma discussão sobre o próprio significado de justiça, em um momento em que essa noção estava intimamente vinculada a uma opção de fé no mundo cristão. Abelardo opunha-se aos atos de fé fundados em mera barganha com Deus por uma suposta salvação da alma. Para ele, esses atos deveriam ser guiados pela consciência – essa sim inspirada pelos bons exemplos e pela fé. O teólogo também propunha uma abordagem filosófica para questões teológicas: considerava que a verdade seria alcançada por meio da pesquisa, cuja origem era a dúvida. Ele pretendia separar as argumentações teológicas falsas daquelas que poderiam ser defendidas com base em um rigoroso critério lógico. Desse modo, a fé poderia utilizar a razão para o esclarecimento das questões postuladas pela teologia. Assim, a busca da verdade deveria seguir um método preciso de análise, capaz de determinar as incoerências no interior de uma argumentação. Conforme esse pensamento, se a fé e a razão eram verdadeiras, não poderia haver oposição entre elas. As reflexões de Abelardo chegaram aos ouvidos de Claraval – defensor ferrenho dos dogmas eclesiásticos –, que o acusou de heresia, em especial quanto ao pelagianismo. Para o abade francês, tal pensamento diminuiria a importância da graça divina no processo de salvação, o que representaria uma grave ameaça à ortodoxia da Igreja. Pedro Abelardo (Fonte: https://goo.gl/QRm7Vm <https://goo.gl/QRm7Vm> .) Abelardo foi, então, condenado em dois julgamentos: o último em 1141 – ano anterior ao de sua morte –, durante o Concílio de Sens. https://goo.gl/QRm7Vm Uma nova mentalidade surgiu no âmbito das cidades, que tanto mantiveram quanto inovaram elementos da ordem feudal. Ele é considerado um dos pensadores mais marcantes da Idade Média por ter lançado as bases do movimento humanista, que buscou, sem romper a lógica explicativa teológica, destacar a responsabilidade do indivíduo no exercício de sua religiosidade e a importância do livre-arbítrio. Contudo, sua obra e sua personalidade exerceram forte influência na consolidação de um movimento intelectual marcante na Baixa Idade Média: o escolasticismo. Vamos entender melhor essa doutrina? Escolasticismo O escolasticismo foi um movimento teológico e filosófico desenvolvido nas universidades medievais, constituídas ao longo do século XIII com o objetivo de ampliar os estudos referentes às sete artes liberais. Os principais centros universitários do momento eram a França e a Itália, mas grande parte do saber neles produzidos advinha do acesso dos monastérios a manuscritos antigos, traduzidos do grego e do árabe. Esse acesso foi adquirido graças à ampliação dos contatos com o Oriente, iniciados com as Cruzadas e a presença de comunidades muçulmanas e judaicas na Península Ibérica, que preservavam, também, uma série de manuscritos e saberes antigos. Comentário Na cidade de Toledo, na Espanha, funcionava um grande centro de tradução de manuscritos do árabe para o latim, fundado por Afonso VI (1043-1109) – rei de Castela e de Leão –, que reunia uma série de sábios muçulmanos convertidos ao cristianismo. Era da Escola de Tradutores de Toledo que partia grande parte dos manuscritos traduzidos para o latim, os quais circulavam pelas abadias ocidentais. O escolasticismo surgiu justamente com base na tradução das obras dos filósofos gregos antigos. Sua proposta era promover uma conciliação entre o pensamento lógico de filósofos da Antiguidade – sobretudo Aristóteles – e os princípios teológicos defendidos pela Igreja. Até o século XI, a autoridade eclesiástica mantinha como norma o pensamento de Santo Agostinho, segundo o qual a fé tem determinado grau de preponderância em relação à razão. Sua criação teve estreita relação com as atividades de ensino desenvolvidas no interior dos mosteiros e das catedrais, e, mais tarde, com o aparecimento das primeiras universidades. Foi Anselmo de Cantuária (1035-1109) que deu o passo inicial do pensamento escolástico quando formulou uma demonstração da existência de Deus, partindo de pressupostos lógicos, e não de afirmações de fé. Ele argumentava o seguinte: Até mesmo aqueles que negam a existência de Deus têm em suas mentes um conceito divino. Tal raciocínio, condutor da questão da existência de Deus ao interior da razão, iniciava um caminho que refletiria na obra de outro personagem do escolasticismo: Alberto Magno (1193-1280). Suas ideias foram marcadas por uma síntese entre: Platonismo 6 file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula5.html Que delimitou o cristianismo dos primeiros tempos, como vimos em nosso estudo da patrística. Aristotelismo Disseminado na época pelos comentários do filósofo árabe Averróis (1126-1198). Isso significa que, em sua obra, Magno aceitou, assim como Platão, a preponderância do mundo das essências ideais sobre o mundo da existência material. Em contrapartida, tal como Aristóteles, ele não deixou de reconhecer a relevância de uma exploração racional dos elementos do mundo natural (da existência). Alberto Magno (Fonte: https://goo.gl/772zxV <https://goo.gl/772zxV> ). O debate que envolve as relações entre razão e fé, sob a comparação entre o pensamento tradicionalda Igreja e a Filosofia grega, ocupa um lugar central na obra de um discípulo de Magno: Tomás de Aquino (1225-1274).7 https://goo.gl/772zxV file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula5.html Tomás de Aquino (Fonte: https://goo.gl/JDoPkd <https://goo.gl/JDoPkd> ). Suas ideias tinham como linha central a convicção de que não pode haver oposição entre razão e fé, pois os princípios lógicos têm origem divina. Assim, se corretamente encaminhado, o pensamento racional conduz à sabedoria divina. Para Aquino, a razão teria, então, a capacidade natural de alcançar a verdade, desde que esta fosse subordinada à fé. Para ele, os princípios naturalmente presentes na razão humana são, sem dúvida, verdadeiros, já que se originam de Deus: criador do homem. Isso significa que a sabedoria divina também contém tais princípios. Logo, o que vai contra a razão opõe-se a esse saber e, portanto, não pode ter origem em Deus. Ainda que tenham subordinado a razão humana à fé cristã, na prática, tais argumentos abriram caminho para uma maior exploração racional do mundo que nos cerca. Isso é válido, sobretudo, se comparamos essas alegações às linhas de defesa que marcaram o cristianismo nos séculos anteriores ao surgimento do escolasticismo, quando as respostas às questões da vida eram procuradas, https://goo.gl/JDoPkd predominantemente, nas passagens das Escrituras Sagradas. Ordens mendicantes As discussões teológicas próprias do humanismo e do escolasticismo, promovidas nas escolas catedralícias e nas universidades medievais, também fomentaram entre a população um interesse maior de desenvolver uma vida religiosa mais plena, profunda e racional. Além disso, criaram entre o clero – em especial aquele que lidava mais diretamente com a população citadina – a necessidade de produzir práticas religiosas mais efetivas para uma sociedade que já sentia as dificuldades oriundas da falta de alimento: motivo do aumento da distância socioeconômica entre os indivíduos. Se o século XII foi marcado pela prosperidade econômica, o século XIII foi o ponto inicial de uma crise que se anunciava. A derrubada de florestas e o aterramento dos pântanos influenciaram as condições climáticas que se tornaram hostis às práticas agrícolas. As chuvas frequentes diminuíram muito a produção de comida, principalmente do cereal – base da alimentação do homem medieval. Isso ampliou bastante a pobreza da população, que se deslocou, em grande parte, rumo aos centros urbanos em busca de recursos para sobreviver. A fome não era exclusiva das cidades, pois também assolava os campos, mas os habitantes urbanos se viam deslocados da rede de solidariedade entre os camponeses, que, de certa forma, recebiam algum tipo de apoio de seus suseranos. Foi no intuito de constituir práticas religiosas mais efetivas para distribuir recursos entre a população urbana que surgiram as ordens mendicantes, cujos princípios doutrinários se pautaram na caridade e no voto de pobreza. Algumas ordens mendicantes medievais foram os: Franciscanos Dominicanos Agostinianos Mercedários Carmelitas Apesar do notável trabalho desenvolvido por todas elas, aqui, trataremos somente dos franciscanos e dos dominicanos. Teologia franciscana Um dos personagens centrais da Baixa Idade Média, São Francisco de Assis (1182-1226) foi, no início de sua juventude, um combatente militar. Em 1205, chegou a lutar ao lado das forças do papa Inocêncio III, mas abandonou essa vida de batalhas, voltando-se para a religião como pregador da fé cristã, que, em sua concepção, deveria dirigir-se, preferencialmente, à caridade. Com tais convicções, decidiu ir a Roma com um grupo de seguidores e conseguiu do papa Inocêncio III permissão formal para fundar uma ordem monástica: a Ordem dos Frades Menores. Em 1210, recebeu dos beneditinos autorização para usar como sede uma capela em Assis, onde iniciou seu trabalho de evangelização. Francisco de Assis (Fonte: https://goo.gl/t5A17y <https://goo.gl/t5A17y> ). Sua visão de cristianismo era centrada na pobreza material voluntária e no serviço ao próximo – dois pilares que representavam suas principais linhas de crítica ao clero romano. Para ele, a Igreja havia se distanciado do ideal de pobreza preconizado por Jesus Cristo, envolvendo-se demais com o poder mundano, além de não se ocupar devidamente do serviço ao próximo no sentido mais abrangente de socorro não apenas espiritual mas também material. Saiba mais https://goo.gl/t5A17y Ainda para o frade católico italiano, cabia ao cristão devoto a assistência às necessidades dos mais pobres e sofredores. De acordo com seu pensamento, a pobreza formava, assim, um duplo eixo: devia ser vivida pelo devoto e socorrida quando atingia os demais. Ordem Dominicana Domingos de Gusmão (1170-1221) nasceu na cidade de Caleruega, em Castela, e tornou-se cônego em Osma, em 1196. Em 1215, por recomendação do bispo de Toulouse, solicitou ao papa Inocêncio III a fundação de uma ordem religiosa. Mas, com a morte deste, tal permissão chegou apenas em 1216, pelas mãos do papa Honório III. Foi criada, então, a Ordem dos Pregadores ou Ordem Dominicana, como ficou conhecida. A indicação de Gusmão pelo bispo de Toulouse deu-se em meio à grande preocupação da Igreja com o avanço, em Toulouse e em todo o sul da França, do movimento cátaro (= “puro”). Os cátaros representavam uma forte ameaça ao clero romano em razão das críticas feitas por seus líderes à suntuosidade da Igreja e à forma como as cerimônias eram conduzidas pelos padres. Domingos de Gusmão (Fonte: https://goo.gl/vpdkbd <https://goo.gl/vpdkbd> ). Saiba mais O papa Inocêncio III, que já havia demonstrado preocupação com a situação e com a aparente ineficácia das pregações dos agentes da Igreja no sul da França, entusiasmou-se com a possibilidade da criação de uma ordem de frades devotados à pregação naquela região, cuja principal característica fosse a pobreza voluntária, à semelhança do modo como as comunidades cátaras viviam. Com a morte de Inocêncio III, coube a Honório III – que convocou o Concílio de Paris e considerou, em 1226, os cátaros hereges – dar a aprovação final para a fundação da ordem de Gusmão. A Ordem Dominicana foi, assim, a primeira ordem de religiosos inteiramente devotados à prática da pregação: uma tarefa, até aquela data, confiada exclusivamente aos bispos da Igreja. Logo, as atividades da ordem se expandiram por toda a Europa, e os dominicanos se tornaram membros influentes da Igreja. https://goo.gl/vpdkbd Na qualidade de mendicantes – assim como o eram os franciscanos no mesmo período –, os frades dominicanos representaram uma tendência da Igreja na Baixa Idade Média, no sentido de uma melhor inserção nas comunidades em que movimentos cristãos dissidentes (ou heréticos) se consolidavam. As ordens mendicantes foram muito populares entre os citadinos e serviram de inspiração para as confrarias de penitentes que se desenvolveram na Itália, no século XIII. Os penitentes primavam pelo pacifismo. Então, recusavam-se a portar armas. Dessa forma, geralmente, as autoridades políticas das cidades italianas os liberavam do serviço militar e delegavam a eles outras funções, como a gestão da tesouraria municipal e o cumprimento de missões diplomáticas. Os membros casados da confraria deveriam manter a castidade durante ocasiões determinadas, como na véspera de festas religiosas e de certos tempos litúrgicos. Normalmente, suas reuniões ocorriam todo mês em igrejas ou em oratórios, onde um clérigo conduzia a pregação. Comentário As confrarias medievais eram formadas por leigos que não obedeciam a uma regra religiosa, e sim a um estatuto. Tanto homens quanto mulheres (casados ou solteiros) podiam participar dessas confrarias e manter a vida profissional normalmente, desde que preservassem o ideal penitencial. Alguns cuidados eram necessários aos participantes, tais como: Suas roupas deviam ser de tecido comum e sem cor para distingui- los dos demais leigos. Eles tinham de praticar o jejum de forma maislonga do que os demais leigos. Eles precisavam se confessar e comungar, pelo menos, três vezes por ano. 8 file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula5.html Outro exemplo de grupo laico que buscou formas de exercício de uma religiosidade própria foi a comunidade beguina ou beguinários . Assim como os penitentes, as beguinas foram, inicialmente, toleradas pela Igreja, mas, depois, sua liberdade de ação foi diminuída, bem como a autonomia de sua gestão. Finalmente, elas foram colocadas sob a autoridade das ordens mendicantes para não serem condenadas como heresias. Movimentos heréticos: bogomilos, cátaros e valdenses A presença das ordens militares e mendicantes, dos pensamentos humanista e escolástico foi uma resposta religiosa e filosófica às mutações propiciadas pelos novos desafios que a sociedade medieval enfrentou ao longo dos séculos XI a XV. Essa resposta surgiu no seio da Igreja ou foi por ela enquadrada à ortodoxia vigente. No entanto, alguns dos possíveis retornos ficaram à margem desse enquadramento, levando a Igreja a defini-los como heréticos. Aqui, escolhemos analisar as heresias que consideramos mais significativas nesse período. São elas: Cátaros O movimento cátaro formou-se no século XII, nos Países Baixos e na Renânia. Os cátaros defendiam a doutrina dualista, que entendia o mundo como palco de uma luta entre o bem e o mal. Nesse caso, a alma humana estava vinculada ao bem e a Deus, enquanto o corpo e a vida material, 9 file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula5.html ao mal e à Lúcifer. Assim, eles buscavam a purificação pela renúncia aos prazeres físicos e à riqueza. Além disso, eram contrários ao batismo de crianças e empregavam uma intitulada consolamentum, por meio da qual um novo membro era admitido, purificado das influências mundanas e, assim, preparado para o retorno ao mundo da alma e de Deus. Como relacionavam este mundo material a um ser demoníaco, rejeitavam todas as instituições que julgavam mundanas – inclusive a Igreja, representada pelo clero. As crenças cátaras se inspiravam no maniqueísmo do século III e no bogomilismo do século X. Ambas as concepções se aproximavam do que pensavam os cátaros, cuja presença já podia ser detectada, no início do século XII, em cidades da Itália e da França. Bogomilos As ideias dualistas próprias da seita criada por Maniqueu, no século III, circularam pela Europa mesmo após a dissolução do culto maniqueísta e foram encontradas, por volta do século X, nos pensamentos de um sacerdote búlgaro, chamado Bogomil. O bogomilismo alastrou-se pelos bálcãs e pelos territórios gregos, chegando à Constantinopla. Os bogomilos repudiavam os sacramentos da Igreja e acreditavam que as almas humanas eram mantidas prisioneiras em seus corpos por uma entidade maléfica, responsável pelo mundo físico. Para alcançar a libertação da alma, cultivavam a castidade, já que consideravam a reprodução uma forma de multiplicação das prisões corporais da alma, uma alimentação baseada em vegetais e outras austeridades. Ainda durante o século X, os bogomilos se dividiram com base em uma discordância a respeito da natureza da divindade, que gerou: Dualismo relativo – Um grupo acreditava que Jesus e Satã eram descendentes de um Deus bom, e que a luta entre o bem e o mal havia se iniciado após a criação do mundo. Dualismo extremo – Outro grupo julgava que o duelo entre o bem e o mal era anterior à criação, e que o criador deste mundo se opunha à salvação da alma, representada pela ação libertadora da mensagem de Jesus Cristo. Entretanto, em 1176, um sacerdote bogomilo, chamado Nicetas, percorreu a Europa disseminando entre os primeiros cátaros a versão mais extrema do dualismo bogomilista, que passou a ser adotada no sul da França – especialmente na cidade de Albi, onde os cátaros ficaram conhecidos como albingenses. A reação da Igreja foi progressivamente mais severa. Em 1209, o papa Inocêncio III estabeleceu, com o apoio do rei da França, a Cruzada contra os cátaros, que culminou com o massacre, em 1326, dos últimos representantes daquele movimento. Valdenses Como vimos, cátaros e bogomilos partiram de concepções de Deus e da criação do mundo divergentes das interpretações das Escrituras, defendidas pela Igreja. Diferentemente, os valdenses se estabeleceram com base em um sentimento de indignação com aspectos bem mais concretos, relacionados: Às práticas da Igreja; Às cerimônias oficiais; Ao comportamento do clero. O movimento valdense iniciou-se com um negociante de Lyon: Pedro Valdo ou, em francês, Pierre Valdes (1140-1220). Em 1173, Valdo decidiu encomendar uma tradução dos Evangelhos para o idioma provençal. Fundamentado em uma profunda imersão nos textos e nas reflexões que colheu dessa leitura, resolveu afastar-se de todas as atividades mundanas e doar seus bens aos necessitados de Lyon. Valdo começou, então, uma jornada de pregação de sua interpretação da religião cristã e logo adquiriu seguidores – mais tarde conhecidos como valdenses. O movimento ganhou amplitude e associou-se a outro: os humilhados da Lombardia . O grupo resultante enfrentou a desconfiança da Igreja, e suas atividades públicas foram proibidas pelo arcebispo de Lyon – Guichard de Pontigny (1106-1181). Em 1179, Valdo foi ao Concílio de Latrão, em que obteve do papa Alexandre III permissão para as atividades de pregação. Mas, em 1184, os valdenses foram excomungados pelo papa Lúcio III durante o Sínodo de Verona. Desse momento em diante, passaram a atuar clandestinamente. Uma das principais linhas da doutrina defendida pelos valdenses era a negação da autoridade da Igreja como intérprete única das Escrituras. Em contrapartida, eles condenavam o uso de imagens nas cerimônias da Igreja e estabeleceram uma cerimônia anual em que reviviam a última ceia, tal como entendiam sua ocorrência. Comentário Como vimos, grande parte dos dogmas heréticos da Baixa Idade Média pode ser considerada reflexo de pensamentos vigentes nas comunidades cristãs primitivas. Afinal, esses dogmas representavam respostas religiosas às mutações experimentadas pela sociedade medieval. Além disso, a luta entre heréticos, papas e senhores laicos não acontecia somente no campo religioso, mas estava estreitamente relacionada às disputas políticas e territoriais do período. 10 file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula5.html Atividade 1. Assista a este vídeo <https://www.youtube.com/watch? v=hWKJmg8XGQ8> e reflita sobre a importância que os templários tiveram no movimento cruzadístico. 2. A imagem a seguir é de um dos intelectuais mais influentes da cultura medieval: Tomás de Aquino (Fonte: https://catholicexchange.com/saint- thomas-aquinas <https://catholicexchange.com/saint- thomas-aquinas> ). Identifique o movimento teológico e filosófico a que pertenceu e as principais ideias por ele defendidas. https://www.youtube.com/watch?v=hWKJmg8XGQ8 https://catholicexchange.com/saint-thomas-aquinas GEOVANIA MARTINS Realce Gabarito comentado Tomás de Aquino pertenceu ao escolasticismo. Ele pretendia promover uma conciliação entre o pensamento lógico de filósofos da Antiguidade – sobretudo Aristóteles – com os princípios teológicos defendidos pela Igreja, que, até o século XI, mantinha como norma o pensamento de Santo Agostinho, segundo o qual a fé tinha determinado grau de preponderância em relação à razão GEOVANIA MARTINS Nota Gabarito sugerido A Ordem dos Cavaleiros Templários – estabelecida, inicialmente, nas vizinhanças do templo de Jerusalém (fato que originou seu nome) – foi fundada em 1118. Como uma ordem monástico-militar, seu objetivo era proteger a Terra Santa dos ataques de forças muçulmanas. Entre seus principais feitos, os templários: Desenvolveram grande atividade militar, participando de numerosas batalhas; Lutaram para conquistar a cidade de Damasco; Enfrentaram as tropas turcas; Guerrearam para manter as forças cristãs na cidade de Jerusalém. GEOVANIA MARTINS Realce 3. Observe a iluminura a seguir: Excomunhão doscátaros pelo papa Inocêncio III (Fonte: http://www.cathar.info/ <http://www.cathar.info/> ). Identifique os princípios dogmáticos defendidos pelos cátaros, que divergiam daqueles pregados pela ortodoxia católica. 4. A corrente de pensamento voltada para a conciliação entre razão e fé, e cujo surgimento teve estreita relação com as atividades de ensino desenvolvidas no interior dos mosteiros e das catedrais durante a Baixa Idade Média, era chamada de: Catarismo Beneditismo Bogomilismo Escolasticismo Franciscanismo 11 file:///W:/2018.2/historia_do_cristianismo__GON948/aula5.html http://www.cathar.info/ GEOVANIA MARTINS Realce GEOVANIA MARTINS Realce GEOVANIA MARTINS Nota Gabarito comentado Os cátaros buscavam a purificação pela renúncia aos prazeres físicos e à riqueza. Eram contrários ao batismo de crianças e empregavam uma intitulada consolamentum, por meio da qual um novo membro era admitido, purificado das influências mundanas e, assim, preparado para o retorno ao mundo da alma e de Deus. Como relacionavam este mundo (material) a um ser demoníaco, rejeitavam todas as instituições que julgavam mundanas – inclusive a Igreja, representada pelo clero. 5. O grupo religioso, dissidente da Igreja Romana, que defendia, enfaticamente, a leitura do texto bíblico em versões traduzidas para os idiomas locais, foi representado pelos: Cátaros Valdenses Bogomilos Templários Dominicanos Notas Cruzadas Movimento ocorrido por razões econômicas, políticas e sociais, mas com forte conotação religiosa, que não pode ser ignorada pelos estudiosos. São Bernardo de Claraval (1090-1153) Importante abade francês e principal teórico por trás da militarização de ordens religiosas envolvidas na luta pela expansão da fé cristã no século XII. Mutação Grande parte dessa mutação ocorreu com a ampliação da produtividade dos senhorios, e os grandes responsáveis por ela foram os monges cistercienses. Ascetismo Doutrina de pensamento ou de fé que considera a ascese, isto é, a disciplina e o autocontrole estritos do corpo e do espírito – caminho imprescindível em direção a Deus, à verdade ou à virtude. 1 2 3 4 GEOVANIA MARTINS Realce Fonte: Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Técnicas agrícolas Cultivo trienal; Uso da charrua; Arroteamento de novas terras com aterro dos pântanos e derrubada de floresta. Alberto Magno Nascido na Suábia, Magno transferiu-se muito cedo para a Itália, a fim de estudar na Universidade de Pádua. Ali, aprofundou-se no pensamento da Filosofia grega, especialmente nos princípios de Aristóteles, que passou a nortear suas formulações vinculadas ao conhecimento dos limites e das possibilidades da razão humana, sempre em relação ao saber emanado das Escrituras cristãs e dos códigos da Igreja. Em 1223, entrou para a Ordem Dominicana e foi logo reconhecido como um eminente erudito. Em 1260, tornou-se bispo de Regensburgo. Tomás de Aquino Membro da Ordem Dominicana, considerado por muitos o maior pensador do escolasticismo, lecionou teologia nas principais universidades da Europa. Confrarias Associação laica que funciona sob princípios religiosos, fundada por pessoas piedosas que se comprometem a realizar, conjuntamente, práticas caritativas, assistenciais etc. Fonte: Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Comunidade beguina ou beguinários Comunidade exclusivamente feminina, originária da região da Bélgica atual, que se espalhou pelos Países Baixos, pela Alemanha e pela França, e investia no ascetismo e na prática da caridade como regras de vida religiosa. Humilhados da Lombardia 5 6 7 8 9 10 Associação religiosa formada por artesãos na Itália. Iluminura Desenho, miniatura, grafismo que ornamenta livros, especialmente manuscritos medievais. (Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa) Referências DAWSON, C. A formação da cristandade: das origens da tradição judaico-cristã à ascensão e queda da unidade medieval. São Paulo: É realizações, 2014. DEMURGER, A. Os cavaleiros de Cristo: ordens militares na Idade Média. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. FALBEL, N. As heresias medievais. São Paulo: Perspectiva, 2004. LE GOFF, J. As raízes medievais da Europa. Petrópolis: Vozes, 2007. ______. Os intelectuais na Idade Média. São Paulo: Brasiliense, 1988. VAUCHEZ, A. A espiritualidade na Idade Média Ocidental: séculos VIII a XIII. Rio de Janeiro: Zahar,1995. Próximos Passos Milenarismo; Ideias reformistas de Lutero e Calvino; Movimento anabatista; Contrarreforma. Explore mais Sugestão de filme FRATELLO sole, sorella luna = IRMÃO sol, irmã lua. Direção: Franco Zeffirelli. Reino Unido; Itália: Paramount Home Entertainment, 1972. 135 min, son., color. 11 Trata-se da biografia de Francisco de Assis, que nos apresenta o contexto do século XIII na Itália e todos os percalços enfrentados pelo frade para pregar sua mensagem.
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