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DSO-CICH Fundamentos de Análise Sociológica – ERE I – 2021 – Professor Silvio Salej Higgins Fichamento de Leitura Nº2 Michelle Abreu Dos Santos HOLANDA, Sérgio Buarque. As Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. O Homem Cordial. Resumo ou abstract Neste capítulo, Sérgio Buarque fala sobre o “Homem Cordial”, porém no sentido etimológico da palavra, assim, cordial seria aquele ser humano que se deixa levar pelas emoções e pelo coração. Ao contrário de outros povos, o brasileiro se deixaria levar pela paixão, em relações mais intimistas que afetam não apenas a família, mas toda a concepção de Estado e de religião. A essência do “homem cordial” é o personalismo – ele prefere construir laços de amizade antes de conseguir um cliente ou um negócio. Sérgio Buarque afirma no primeiro parágrafo que o Estado não é uma ampliação do círculo familiar e menos ainda o agrupamento de vontades particulares de um indivíduo. Há uma descontinuidade e até mesmo uma oposição entre o Estado e a família. Apenas ao transgredir a ordem doméstica familiar que nasce o Estado, onde o indivíduo se faz cidadão, ante as leis da Cidade e não às vontades particulares ou do ciclo familiar. Na obra de Sófocles, Édipo Rei, temos o conflito entre Antígona e Creonte, onde o primeiro age sempre com base nas emoções, contrariando regras do Estado. Já Creonte, seu irmão, encarna as leis da Cidade, sobrepondo as vontades da família. Com esse texto, podemos ter um bom exemplo da oposição entre Estado e família, que tem validade até nos dias de hoje. Esse afastamento das relações familiares também marcaram um novo regime no sistema industrial moderno, tornando mais fácil às empresas a suprimir o ar de intimidade entre empregador e empregado. Dessa forma, o trabalhador virava apenas mais um número, a relação humana desaparecia e além disso, ao capitalista, explorar o trabalho dos seus empregados a troco de salários mínimo se tornava uma prática comum. O motivo disso se dá na citação do texto de Sérgio Buarque: “Compare-se o sistema de produção, tal como existia quando o mestre e seu aprendiz ou empregado trabalhavam na mesma sala e utilizavam os mesmos instrumentos, com o que ocorre na organização habitual da corporação moderna. No primeiro, as relações de empregador e empregado eram pessoais e diretas, não havia autoridades intermediárias. Na última, entre o trabalhador manual e o derradeiro proprietário — o acionista — existe toda uma hierarquia de funcionários e autoridades representados pelo superintendente da usina, o diretor-geral, o presidente da corporação, a junta executiva do conselho de diretoria e o próprio conselho de diretoria. Como é fácil que a responsabilidade por acidentes do trabalho, salários inadequados ou condições anti-higiênicas se perca de um extremo ao outro dessa série.” (HOLANDA, Sérgio Buarque, 1995, p. 142). Porém, ainda hoje persistem algumas dessas famílias “retardatárias”, como chama Sérgio, que estão concentradas em si mesmas e aos velhos ideias que educam os filhos apenas para o círculo doméstico. Mas essas tendem a desaparecer com as novas condições de vida para adaptação à “vida prática”. Fundados em 1827 em São Paulo e Olinda, os estabelecimentos de ensino superior contribuíram para a libertação progressiva de velhos laços familiares. Os jovens que entravam na faculdade eram expostos à novas experiências e conseguiam alcançar um senso de responsabilidade que lhe fora até então vendado, como falava Capistrano de Abreu. No Brasil, a família patriarcal é predominante desde os tempos remotos e isso influenciou não apenas no desenvolvimento das cidades como também nos meios de comunicação, o que afeta também as áreas rurais. Com isso, não era fácil aos detentores de posições públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a distinção entre os domínios públicos e privados, destaca Sérgio Buarque. Por isso no Brasil é comum a prática de “caixa 2”, que ocorre quando quem está na gestão burocrática apenas vê o benefício próprio, ele é o homem cordial, que fará isso por meio de relações afetivas e aproximação pessoal de quem lhe trará ganhos particulares. Aqui, a própria gestão política apresenta-se como um assunto de interesse particular e as funções, empregos e benefícios relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos. A escolha dos homens que exercem funções públicas é feita por afinidade, por confiança pessoal de quem nomeia, relevando a capacidade de quem é colocado no cargo. O homem cordial, releva aspectos como hospitalidade, generosidade e outras virtudes, mas elas não significam “boas maneiras” ou civilidade. Sérgio Buarque fala que antes de tudo, essas são expressões legítimas de um fundo emotivo rico e transbordante. Para os japoneses, a polidez, envolve aspectos ordinários do convívio social como o respeito. Ela é usada como uma máscara pelo indivíduo que mantém sua supremacia ante o social, preservando sua sensibilidade e suas emoções. Já o “homem cordial”, a vida em sociedade é vista como uma libertação do pavor do convívio próximo com o “eu”. Expande-se com os outros, diluindo o indivíduo à parcela social, uma relação mais intimista. Apego que o brasileiro tirou dos portugueses. Na linguística, vemos isso na terminação “inho”, colocada para criar maior familiarização com as pessoas e os objetos e aproximá-los dos sentidos de afetividade. No Brasil e na Argentina, para conquistar um freguês tinha a necessidade de fazer dele um amigo, relata um negociante de Filadélfia para André Siegfried. Essas relações mais intimistas também são refletidas na religião: no catolicismo os santos são tratados com uma intimidade quase desrespeitosa. “Deus é um amigo familiar, doméstico e próximo”, expõe Sérgio em seu texto. Com isso foi criada uma religiosidade de superfície, um culto sem obrigações e sem rigor, intimista e familiar, que poupava o praticante de todo o esforço e cobrança, afrouxando e humanizando o rigorismo do rito. Essa ordem se perdia e se confundia na sua imposição. Isso teve respingos na elaboração política, que apelava para os sentimentos e os sentidos e quase nunca para razão e a vontade. Esse trecho fica mais claro com a linha de Sérgio: “A exaltação dos valores cordiais e das formas concretas e sensíveis da religião, que no catolicismo tridentino parecem representar uma exigência do esforço de reconquista espiritual e da propaganda da fé perante a ofensiva da Reforma, encontraram entre nós um terreno de eleição e acomodaram-se bem a outros aspectos típicos de nosso comportamento social.” (HOLANDA, Sérgio Buarque, 1995, p. 151). O capítulo encerra afirmando que “a vida íntima do brasileiro nem é bastante coesa, nem bastante disciplinada”. Afirmando o espírito livre que envolve e domina a sua personalidade no conjunto social. Sérgio Buarque conclui que o patrimonialismo está tão marcado no brasileiro que ele não consegue mais distinguir o que é família e o que não é, sendo guiado sempre pela emoção antes da razão. Com esse capítulo, pude entender o sentido irônico que Buarque atribui ao termo “cordial”, ligado ao tratamento intimista dado em diversos aspectos do convívio social, como na política, empresas e outras atribuições, e como isso rompe a linha entre o público e o privado. Esses homens cordiais sempre irão agir de forma a se beneficiarem, e isso se reflete de forma muito clara na política brasileira com todos os desvios de obras públicas para cofres pessoais.
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