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79 TRABALHO E SOCIABILIDADE Unidade II Anteriormente, fizemos uma importante passagem por aspectos políticos, econômicos e sociais que resultaram na construção do Estado moderno como o conhecemos hoje, organizado a partir de leis que são definidas por representantes da sociedade e executadas pelos três poderes da república: Executivo, Legislativo e Judiciário. Foi uma longa caminhada para que parte da humanidade, incluído o país em que vivemos, identificasse nessa forma de organização social, econômica e política a mais efetiva para a garantia do bem comum, do interesse social, embora seja importante reconhecermos que essa forma de organização também tem defeitos e aspectos que necessitam de aprimoramento. Agora, vamos estudar as diferentes formas de organização do trabalho nas atividades empresariais ao longo da trajetória histórica da humanidade, para podermos angariar subsídios para refletir e analisar as formas como o trabalho se desenvolve na sociedade contemporânea. Também vamos trabalhar com aportes teóricos que nos auxiliem a compreender as características da sociedade em que estamos vivendo na atualidade, marcada essencialmente pelo uso intensivo de tecnologias e inovações, algumas das quais talvez não possam ser comparadas com outros momentos já vivenciados pela humanidade. Nesse momento, temos muito mais dúvidas do que certezas em relação ao futuro do trabalho e da sociabilidade que ele constrói, porém, com o auxílio dos estudos que vamos fazer, será possível identificar o papel essencial dos assistentes sociais na construção de alternativas para a proteção dos trabalhadores e para a garantia da proteção da dignidade humana. 5 DEFINIÇÃO DE TRABALHO: FORMAS DE ORGANIZAÇÃO EMPRESARIAL DO TRABALHO Nosso objetivo é compreender trabalho e sociabilidade no contexto histórico e na sociedade contemporânea e a partir dessa compreensão, refletir sobre a atuação do profissional de serviço social. Vamos começar refletindo sobre o que podemos entender por trabalho. Três definições merecem ser analisadas. A primeira, de Sandroni: Trabalho – um dos fatores de produção, é toda atividade humana voltada para a transformação da natureza, com o objetivo de satisfazer uma necessidade. O trabalho é uma condição específica do homem e, desde suas formas mais elementares, está associado a um certo nível de desenvolvimento dos instrumentos de trabalho (grau de aperfeiçoamento das forças produtivas) e da divisão da atividade produtiva entre os diversos membros de um agrupamento social. Assim, o trabalho assumiu formas 80 Unidade II particulares nos diversos modos de produção que surgiram ao longo da história da humanidade. Na comunidade primitiva, teve caráter solidário, coletivo, ao passo que, nas sociedades de classes (escravista, feudal e capitalista), se tornou “alienado” como afirmam os teóricos marxistas. O trabalho assalariado é típico do modo de produção capitalista, no qual o trabalhador, para sobreviver, vende ao empresário sua força de trabalho em troca de um salário. Essa forma de trabalho foi analisada por Marx e Engels, partindo do conceito de “valor-trabalho” elaborado por David Ricardo e Adam Smith. Segundo esse conceito, o trabalho incorporado ao produto é o elemento comum a toda espécie de mercadoria, fenômeno que determina as relações de troca. Na análise marxista, a capacidade de trabalho recebe a denominação de trabalho abstrato, e sua realização prática na produção é o trabalho concreto. A medida para avaliar o trabalho concreto, incorporado, é dada pelo tempo social necessariamente gasto na produção da mercadoria. E isso, ainda segundo Marx, é dado não apenas pelo trabalho individual, mas sobretudo pelo trabalho social, em determinado nível de desenvolvimento das forças produtivas. Elemento essencial na medida do valor das mercadorias, o trabalho necessariamente social é o eixo em que se estrutura a teoria da mais-valia de Marx (SANDRONI, 1999, p. 609). Repare que a definição de Sandroni utiliza conceitos importantes da teoria marxista que estudamos anteriormente. Giddens define: Podemos definir o trabalho, remunerado ou não, como a realização de tarefas que envolvem o dispêndio de esforço mental e físico, com o objetivo de produzir bens e serviços para satisfazer necessidades humanas. Uma ocupação ou emprego é um trabalho efectuado em troca de um pagamento ou salário regular. O Trabalho é, em todas as culturas, a base da economia. O sistema económico consiste em instituições que tratam da produção e distribuição de bens e serviços (GIDDENS, 2013, p. 1006). Lembrete A obra de Giddens utilizada para a transcrição é publicada pela editora da Fundação Calouste Gulbenkian, de Lisboa, Portugal, e o texto foi mantido no original, ou seja, com o uso da língua portuguesa como utilizada naquele país. Outra definição que podemos considerar para nossas reflexões é de Plácido e Silva, que oferece uma visão em sentido jurídico, dado o fato de se tratar de um autor da área de conhecimento do direito. Ele define: 81 TRABALHO E SOCIABILIDADE Trabalho [...] todo esforço físico, ou mesmo intelectual, na intenção de realizar ou fazer coisa. No sentido econômico e jurídico, porém, trabalho não é simplesmente tomado nesta acepção física: é toda ação, ou esforço, ou todo desenvolvimento ordenado de energias do homem, sejam psíquicas, ou sejam corporais, dirigidas com um fim econômico, isto é, para produzir uma riqueza, ou uma utilidade, suscetível de uma avaliação, ou apreciação monetária. Assim, qualquer que seja a sua natureza, e qualquer que seja o esforço que o produz, o trabalho se reputa sempre um bem de ordem econômica, juridicamente protegido (DE PLÁCIDO E SILVA, 1978, p. 1573). A noção jurídica de trabalho é importante porque sabemos que as relações de trabalho são mediadas por leis que no Brasil estão organizadas na Constituição Federal e na CLT, à qual nos referimos anteriormente. Alguns aspectos relevantes da legislação trabalhista brasileira precisam ser conhecidos. O direito do trabalho é dividido, para efeitos didáticos, em direito individual e direito coletivo. O primeiro regula as relações entre o empregador individualmente considerado e seu empregador; e, o segundo, trata da organização sindical, das negociações coletivas, das situações que autorizam a prática de greve e da representação das diferentes categorias de trabalhadores. O artigo 3º da CLT define empregado como toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Dependência deve ser entendida como subordinação, ou seja, o empregado é toda a pessoa que está sob as orientações profissionais de seu empregador. Empregador é definido no artigo 2º da CLT como a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige prestação pessoal de serviço. Para o direito, o que caracteriza uma relação de trabalho são a comprovada existência dos seguintes elementos: • Pessoalidade: o contrato de trabalho exige uma relação entre empregador e empregado que deve ser pessoa física como determina a CLT. O trabalho deve ser desempenhado pela própria pessoa física contratada, ou seja, não pode ser substituída por outra. • Não eventualidade ou habitualidade: esse elemento se refere à continuidade da prestação de trabalho pela pessoa física a seu empregador, ou seja, há exigência de que a relação entre as partes se prolongue no tempo. Em 2017, a Reforma Trabalhista ocorrida no Brasil regulou a existência de trabalho eventual, conforme veremos mais à frente. • Subordinação: o empregado recebe orientações e diretrizes profissionais do empregador e deve cumpri-las na execução do trabalho. Nenhum empregado estará obrigado a cumprir ordens que o coloquem em risco ou que ofendam sua integridade física, psicológica ou moral. 82 Unidade II • Onerosidade: o empregado deve receber salário pelos serviços prestados ao empregador.É um direito do trabalhador e um dever do empregador. • Alteridade: quem assume os riscos do êxito ou fracasso da atividade econômica é o empregador conforme estipulado no artigo 2º da CLT. O empregado não pode correr riscos decorrentes da atividade econômica, ou seja, sua remuneração não pode estar condicionada ao sucesso da atividade empresarial do empregador ainda que, em alguns casos, parte da remuneração possa ser paga com repartição dos resultados positivos como acontece no pagamento de comissões pela venda de produtos ou serviços. Mas isso não pode ocorrer de forma integral porque, se for assim, não estará caracterizada a relação de emprego. Esses são apontados pelos estudiosos como os principais elementos que caracterizam a relação de emprego. Sempre que estiverem presentes, a relação de emprego estará caracterizada, ainda que o contrato de trabalho não tenha sido formalizado entre as partes. Não é incomum que as pessoas físicas sejam contratadas sem representação do contrato na Carteira de Trabalho e, posteriormente, tenham que ingressar na justiça do trabalho para demonstrar a existência do vínculo. A prova da existência do vínculo é o mesmo que a prova da existência dos elementos que analisamos anteriormente. A lei permite a contratação de empregados de formas diferentes como, por exemplo, aprendiz, empregado em domicílio, em regime de teletrabalho, empregado doméstico, empregado rural, trabalhador temporário, trabalhador avulso, trabalhador eventual, estagiário e trabalhador autônomo. As novidades implementadas no direito brasileiro pela Reforma Trabalhista de 2017 são: • Empregado em regime de teletrabalho: o teletrabalho não se resume ao trabalho realizado pelo empregado em seu domicílio porque pode ser prestado em outros lugares como, por exemplo, em coworking ou espaços de compartilhamento que são criados para que as pessoas possam compartilhar os equipamentos necessários para seu trabalho (computadores, impressoras, água, luz, sala de reuniões, bancadas de escritório etc.). São muito utilizados na atualidade nos grandes centros urbanos, em especial por profissionais que atuam em regime de teletrabalho. O artigo 75-B da CLT define teletrabalho como a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. Estabelece a CLT que a prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará, ainda, as atividades que serão realizadas pelo empregado. O gestor empresarial deve definir claramente em que condições o trabalho será executado e ficar atento para garantir que a lei seja cumprida. É obrigação do empregador instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva segundo o artigo 75-E da CLT, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho. O empregado em regime de teletrabalho assinará termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador. • Trabalhador por tempo parcial: esse regime de trabalho foi modificado pela entrada em vigor da Reforma Trabalhista de 2017. O artigo 58-A da CLT, alterado pela reforma, define trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a 30 horas semanais sem a possibilidade de horas 83 TRABALHO E SOCIABILIDADE suplementares semanais, ou, ainda, aquele cuja duração não exceda a 26 horas semanais, com a possibilidade de acréscimo de até seis horas suplementares semanais. As férias dos empregados em regime parcial serão concedidas em períodos que vão de 12 a 30 dias, a depender do número de faltas do empregado durante o período aquisitivo. Os empregados contratados em tempo parcial também poderão converter 1/3 do período de férias em abono pecuniário. No tocante às horas extras, os trabalhadores em regime de até 30 horas semanais não poderão realizá-las e os em jornada de 26 horas poderão realizar no máximo 6 horas extras por semana. De acordo com a lei, o salário a ser pago aos empregados sob o regime de tempo parcial será proporcional à sua jornada em relação aos empregados que cumpre, nas mesmas funções, tempo integral. O objetivo da lei é garantir a proporcionalidade dos salários entre trabalhadores em regime de tempo integral com aqueles em regime de tempo parcial. • Trabalhador por tempo parcial: é outra modalidade introduzida pela Reforma Trabalhista de 2017 e está regulado pelo artigo 443, parágrafo 3º da CLT, que define como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços com subordinação não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário-mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não. E as obrigações trabalhistas – férias, descanso semanal remunerado, 13º salário – deverão ser calculadas proporcionalmente aos dias trabalhados. • Trabalhador por tempo parcial: não se caracteriza como empregado nos termos do artigo 3º da CLT, porque não estão presentes os elementos caracterizadores do vínculo empregatício. O autônomo organiza seu tempo da forma como julgar conveniente e não há subordinação caracterizada em relação àqueles para os quais presta serviços. O artigo 442-B da CLT, modificado pela Reforma Trabalhista de 2017, estabeleceu que a contratação do autônomo cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação. O reconhecimento da qualidade de empregado depende da existência de subordinação, e se não estiver presente esse elemento, não se caracterizará o vínculo e, consequentemente, a relação continuará sendo com um autônomo. A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) é o documento que deve ser apresentado ao empregador mediante contra recibo de entrega, para que sejam realizadas as anotações exigidas por lei, tais como data da admissão, remuneração e condições especiais de trabalho. O empregador tem prazo fixado por lei para proceder às anotações obrigatórias em qualquer atividade profissional. O encerramento do contrato de trabalho pode decorrer de vontade do empregador ou do empregado e, em ambas as hipóteses, deverá ser aplicado o disposto no artigo 477 da CLT, no sentido de que o empregador deverá proceder à anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, comunicar a dispensa aos órgãos competentes e realizar o pagamento das verbas rescisórias no prazo de 10 (dez) dias contados do término do contrato. Tendo ocorrido o período 84 Unidade II de aviso-prévio, contados da data final deste. As verbas rescisórias deverão ser pagas em dinheiro, depósito bancário ou cheque visado, em conformidade com o que as partes acordarem. Sendo o empregado analfabeto, o pagamento somente poderá ser feito em dinheiro ou depósito bancário. O descumprimento do prazo pelo empregador ensejará a aplicação de multa. Também será de 10 (dez) dias o prazo para pagamento e entrega de documentos para o recebimento dos depósitos fundiários e seguro-desemprego, a contar do término do contrato ou da data final do aviso-prévio, caso este tenha sido cumprido. A Reforma Trabalhista de 2017 introduzida pela Lei n. 13.467, de 2017, determinou que as despensas coletivas de empregados não precisam de anuência prévia do sindicato e nem de celebração de convenção ou acordo coletivo de trabalho. Nos casos em que a empresa tenha criado Plano de Demissão Voluntária (PDV)ou Incentivada (PDI), o pagamento dos valores pactuados pelas partes ensejará o valor jurídico de quitação plena e irrevogável de direitos decorrentes da relação de trabalho. No direito trabalhista brasileiro, a rescisão do contrato de trabalho por decisão do empregador ocorre por justa causa ou sem justa causa. Justa causa é a dispensa que decorre de ato incorreto do empregador, tipificado pela lei e que gera a possibilidade de imediata ruptura do contrato de trabalho, mesmo que não seja essa a vontade do empregado. Existe um rol taxativo para as hipóteses de aplicação de justa causa, no artigo 482 da CLT. A situação concreta ensejadora da demissão por justa causa deverá ser provada pelo empregador por meio de documentos, testemunhas ou perícia. A jurisprudência brasileira tem sido firme no entendimento de que não basta o empregador formalizar um boletim de ocorrência para que a situação que deu ensejo a aplicação de justa causa seja comprovada. É preciso que existam elementos complementares de prova como documentos, testemunhas e prova pericial. A demissão por justa causa só ocorrerá nos termos do artigo 482 da CLT quando estiver provado ato de improbidade do empregado (desonestidade, por exemplo); incontinência de conduta ou mau procedimento; negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregados e, quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; condenação criminal do empregado passada em julgado e para a qual não tenha ocorrido a suspensão da execução da pena; desídia no desempenho das funções; embriaguez habitual ou em serviço; violação de segredo da empresa; ato de indisciplina ou de insubordinação; abandono de emprego; ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; prática constante de jogos de azar; perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado; prática de atos atentatórios à segurança nacional. Demissão sem justa causa ocorre quando não há mais interesse do empregador em manter o vínculo com o empregado, sem nenhuma causa especial ou aparente para isso. A demissão por justa causa do empregado obriga o empregador ao pagamento de saldo de salário e férias vencidas caso haja; e a demissão sem justa causa obriga o pagamento de saldo de salário, férias 85 TRABALHO E SOCIABILIDADE vencidas e/ou proporcionais, 13º salário, aviso prévio, depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço mais a multa de 40%, juros e correção monetária. A rescisão do contrato de trabalho pode ocorrer, ainda, por acordo entre empregado e empregador; quando o empregado pedir demissão; ou, ainda, quando ocorrer a rescisão indireta, nos casos em que o empregado puder comprovar a falta grave do empregador em relação aos deveres que havia assumido. A área denominada direito coletivo do trabalho é aquela que regula os acordos ou convenções coletivas de uma determinada categoria de trabalhadores, direito de greve para as diferentes categorias de trabalhadores, negociação coletiva de salários, organização sindical e direito de greve, entre outras possibilidades. Os sindicatos são associações de pessoas físicas ou jurídicas com o objetivo de proteger interesses coletivos e individuais de seus membros. A Constituição Federal brasileira determina em seu artigo 8º que é livre a associação profissional ou sindical, mas ninguém será obrigado a se filiar ou a se manter filiado. Na atualidade, também a contribuição sindical é ato de vontade do empregado, nos termos do artigo 545 da CLT. Essa contribuição chamada de imposto sindical era obrigatória, mas passou a ser facultativa por força da chamada Reforma Trabalhista. A Constituição Federal proíbe que seja criado mais de um sindicato representando a mesma categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial. A base territorial, por sua vez, não poderá ser inferior à área de um município. A atuação dos sindicatos e demais formas de representação profissional dos empregados é fundamental na elaboração de convenções ou acordos coletivos de trabalho, pois em conformidade com o artigo 611 da CLT, as convenções e acordos coletivos podem prevalecer sobre a lei quando dispuserem sobre alguns temas muito importantes previstos na própria lei, tais como pacto quanto à jornada de trabalho; banco de horas anual; intervalo interjornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; regulamento empresarial; representante dos trabalhadores no local de trabalho; teletrabalho, regime de sobreaviso e trabalho intermitente; remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado e remuneração por desempenho individual; modalidade de registro de jornada de trabalho; troca do dia de feriado; enquadramento em grau de insalubridade; prorrogação da jornada de trabalho em ambientes insalubres sem prévia licença das autoridades do Ministério do Trabalho; participação nos lucros da empresa, entre outras estabelecidas na lei. As negociações ou acordos coletivos geram normas coletivas para atender as necessidades específicas de cada categoria profissional. Assim, empregadores e empregados devem participar das negociações coletivas com propósito de buscar bons resultados construídos em conjunto. 86 Unidade II A Constituição Federal assegura o direito de greve cabendo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devem defender por meio da greve. Essa determinação do artigo 9º da Lei Maior do país destaca a responsabilidade pelo uso desse poderoso instrumento que é a greve. Determina a Constituição Federal que a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade durante o período de greve da categoria profissional. Determina a Constituição Federal que os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas previstas na lei. De seu lado, os empregadores deverão ser igualmente responsáveis nas práticas de lockout, palavra em inglês que significa bloqueio e que expressa nos termos da CLT a suspensão dos trabalhos por determinação dos empregadores nos termos do que dispõe o artigo 722 daquela norma. A prática de lockout está sujeita à prévia autorização do tribunal competente e se for efetivada sem ela, sujeitará o empregador a sanções. Também incorrerão em sanções os empregadores que se recusarem a cumprir as decisões do dissídio coletivo. A Constituição Federal e a CLT são aplicadas no território nacional por todas as empresas, nacionais ou de capital internacional. Além disso, o Brasil possui justiça especializada em área do direito do trabalho, composta de magistrados singulares e tribunais regionais, com decisão colegiada de desembargadores. Há, ainda, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), com sede em Brasília, que julga em última instância os processos judiciais. Essa organização atende a determinação da Constituição Federal de garantir acesso à justiça como direito fundamental de todos. Ao longo da história, as empresas utilizaram diferentes as formas de organização do trabalho e isso, com certeza, repercutiu diretamente nas relações de trabalho. Vamos conhecer as formas de organização da produção econômica mais estudadas para podermos analisar suas características, o impacto para os trabalhadores e para podermos comparar com aquelas que são utilizadas na atualidade. 5.1 Formas de organização empresarial A Revolução Industrial não foi um evento único. Ao contrário, teve diferentes fases e, na atualidade, os pesquisadores do tema convergem para a existência de pelo menosquatro fases. A Primeira Revolução Industrial teria ocorrido entre 1760 e 1830, sempre de forma aproximada porque não há delimitação peremptória para fenômenos sociais e econômicos como a mudança na produção. A Primeira Revolução Industrial teve início com a invenção da máquina mecânica a vapor e sua utilização na indústria têxtil. O carvão era a principal matriz energética, era empregado no setor de transporte, de mercadorias e de pessoas, tem início a utilização das estradas de ferro, que resultaram em ganho de tempo e ampliação da distribuição dos produtos. 87 TRABALHO E SOCIABILIDADE A Segunda Revolução Industrial ocorreu no período entre 1830/1850 a 1950 e foi marcada por métodos de produção que utilizavam metalurgia, siderurgia e química, o que foi uma mudança significativa em relação às tecnologias utilizadas até então. As máquinas passaram a utilizar matriz energética do petróleo e elétrica, o que viabilizava a formação de industriais de grande porte que ocupavam muito espaço e produziam em série, viabilizando a produção de grande quantidade de produtos. A Terceira Revolução Industrial ocorreu na segunda metade do século XX e se estendeu até o final do mesmo século. Foi marcada pela utilização dos conhecimentos de informática e robótica na produção industrial e pela utilização dos recursos da rede mundial de computadores, mais conhecida como internet. A produção também adquire novas características com a produção por demanda, na medida exata da necessidade do mercado, de forma a não incorrer nos efeitos negativos da sobra de produção. Finalmente, a Quarta Revolução Industrial ou a Indústria 4.0 é o momento em que estamos vivendo. Um marco histórico importante desse novo período foi a Feira de Hannover, considerada a principal feira industrial do mundo, que em 2011 apresentou novos modelos de produção, automatizados e inteligentes, para os quais a presença física dos empregados seria necessária apenas para gerenciar a ação das máquinas, e não para operá-las, pois, para isso, elas teriam autonomia. Além disso, a Quarta Revolução Industrial se caracteriza pelo uso intensivo e essencial da internet, de tecnologias como a inteligência artificial e máquinas que conseguem aprender a partir da análise de quantidades gigantescas de dados armazenados e disponibilizados para utilização delas. A Indústria 4.0 é totalmente automatizada na linha de produção, no atendimento de consumidores, com sistemas totalmente informatizados e que demandam a utilização de menor número de pessoas. Figura 19 88 Unidade II Quais impactos a Revolução 4.0 tem causado para os trabalhadores? Como está sendo organizado o mundo do trabalho a partir da implantação maciça da tecnologia, inclusive substituindo humanos por braços robóticos? A) B) Figura 20 Antes de construirmos essa análise, vamos conhecer algumas diferentes formas de organização empresarial utilizadas ao longa da história e apreender como elas impactaram nos trabalhadores. Em seguida, vamos começar a analisar o mundo do trabalho na atualidade e seu impacto na vida dos trabalhadores e nas relações sociais. A primeira forma de organização empresarial ou industrial mais conhecida e estudada foi chamada de modelo fordista ou, simplesmente, fordismo. Foi criada por Henry Ford, fundador da Ford Motor Company, empresa norte-americana criada em 1914. Esse sistema foi utilizado por grande parte das indústrias no século XX, especialmente entre os anos 1920 e 1970, tornando-se bastante conhecido e estudado. 89 TRABALHO E SOCIABILIDADE As principais características do método fordista de produção industrial são: • produção em massa, produzir cada vez mais com menor custo e aumento de lucro; • trabalho em linhas de montagem automatizadas, modelo de esteiras rolantes, com processos de produção padronizados que permitiam a aceleração da produção e o barateamento dos custos; • trabalhadores especializados em uma única atividade e que não conhecem o processo integral de produção e, em consequência, aceleração da produção e alienação do trabalhador; • produção acelerada viabiliza menor tempo para o produto chegar ao mercado de consumo. Henry Ford, para criar seu método de organização de produção industrial, utilizou conceitos e princípios de Frederick Taylor, norte-americano, engenheiro, que escreveu importante obra denominada Os princípios da administração científica, publicada em 1911. Taylor viveu no período entre 1856 e 1915 e influenciou de tal forma os modelos de produção do século XIX que é reconhecido como o pai da administração científica. Suas reflexões são construídas em um momento histórico em que a indústria norte-americana teve forte aceleração de crescimento e, em consequência, surgiu a necessidade de organizar adequadamente a produção para que ela tivesse eficiência, o que significa menores custos, maior celeridade e rápida distribuição para o mercado de consumo. Taylor tinha uma grande vantagem para construir suas análises e estudos: ele havia começado sua vida profissional como operador de máquinas e cursou engenharia no período noturno. Pode, portanto, aliar a experiência prática com o conhecimento científico, o que viabilizou as propostas do que, mais tarde, seriam conhecidas como sistema taylorista ou, simplesmente, taylorismo. As principais características do taylorismo são: • utilizar sempre métodos científicos testados no processo de produção e abandonar os métodos empíricos e improvisados; • selecionar os trabalhadores a partir de suas melhores aptidões e treiná-los para desempenhar sua tarefa; • exercer rigoroso controle sobre o trabalho executado para verificar se estão sendo atendidas as regras determinadas; • criar uma disciplina para a execução do trabalho, ou seja, etapas que deverão ser rigorosamente cumpridas; • singularizar as funções dos trabalhadores, de forma que cada um execute apenas uma tarefa do processo de produção industrial. 90 Unidade II Ao longo do tempo e com o desenvolvimento de estudos sobre administração, outros princípios foram incorporados e criados, porém esses anteriormente mencionados são considerados os fundamentais. Ao analisar os principais aspectos do taylorismo, Andressa de Freitas Ribeiro diz: Alguns autores da economia clássica já vinham pensando sobre estratégias de organização e controle do trabalho, mas foi Frederick Winslow Taylor quem, nas últimas décadas do século XIX, desenvolveu a ideia de gerência científica. Nessas décadas já se verificava um enorme aumento do tamanho das empresas, o início da organização monopolista da indústria e a intencional e sistemática aplicação da ciência a produção. Taylor e com ele o taylorismo surge na cadeia de desenvolvimento desses métodos e organização do trabalho. O que Taylor propõe é uma gerência científica do trabalho, isso significa um “empenho no sentido de aplicar os métodos científicos aos problemas complexos e crescentes do controle do trabalho nas empresas capitalistas em rápida expansão” (Braverman, 1987: 82). Taylor propôs a ideia de uma gerência que criasse, através de métodos de experimentação do trabalho, regras e maneiras padrões de executar o trabalho. Essas regras padrões seriam obtidas pela melhor equação possível entre tempo e movimento. Para Taylor a garantia da eficiência era papel fundamental da gerência. Assim, criavam-se métodos padronizados de execução que deveriam otimizar a relação entre tempo e movimento. O que Braverman (1987) afirma é que sempre existiram métodos experimentais aplicados ao trabalho, inclusive, os próprios trabalhadores nas oficinas buscavam, através da experimentação, a melhor maneira de realizar o seu trabalho, o elemento inovador é que o estudo do trabalho, na perspectiva de Taylor, deveria ser feito por aqueles que administram e em favor deles. A formação de uma gerência capaz de pré-planejar e pré-calcular todos os elementos do processo de trabalho estava, então, intimamente ligada a uma proposta de intensocontrole do trabalho. Taylor elevou o conceito de controle a um plano inteiramente novo quando “asseverou como uma necessidade absoluta para a gerência a imposição ao trabalhador da maneira rigorosa pela qual o trabalho deve ser executado” (Braverman, 1987, p. 86). Aqui se localiza uma característica fundamental da gerência científica proposta por Taylor, a expropriação do saber do trabalhador, a divisão entre execução e concepção (RIBEIRO, 2015, p. 65-79). A necessidade de controle era justificada em razão da necessidade de aumento do volume de produção. Se cada trabalhador realizasse sua atividade na quantidade e no tempo planejados, os resultados seriam positivos para toda a produção e, consequentemente, o mercado teria mais produtos para consumir e gerar lucro para os industriais. Para os trabalhadores, a tarefa se torna 91 TRABALHO E SOCIABILIDADE repetitiva, pouco criativa e opressiva, porque existem metas a cumprir para que a produção alcance os resultados planejados. A principal diferença entre o fordismo e o taylorismo está na utilização de tecnologia que foi implantada por Ford em seu processo industrial, principalmente com o sistema de esteiras rolantes. Essa tecnologia passou a ditar o ritmo da produção e exigir que os trabalhadores acompanhassem rigorosamente a velocidade das máquinas. Saiba mais O inglês Charles Chaplin criou um famoso personagem, Carlitos, que é protagonista do filme Tempos modernos, de 1936. O filme é sobre um operário, Carlitos, que trabalha em uma fábrica em que sua função é apertar parafusos durante todo o período de trabalho. É uma crítica às novas tecnologias e aos padrões de trabalho daquele momento histórico. Vale a pena assistir e pode ser encontrado em plataformas na internet. Assista: TEMPOS modernos. Direção: Charles Chaplin. EUA: Charles Chaplin Productions, 1936. 87 minutos. O sistema fordista inspirado no taylorismo é considerado um marco de grande importância da Segunda Revolução Industrial. Além da indústria automobilística, foi implantado com êxito na indústria têxtil e em vários outros setores de produção econômica, contribuindo de forma significativa para o aumento da produção e para o consumo de massa. Por outro lado, é criticado por ter submetido os trabalhadores a um processo automatizado de trabalho, que favoreceu a alienação e a pouca qualificação profissional. Thomaz Wood Júnior: Neste novo sistema, o operário não tinha perspectivas de carreira e tendia a uma desabilitação total. Além disso, com o tempo, a tendência de superespecialização e perda das habilidades genéricas passou a atingir também os demais níveis hierárquicos. A Ford procurou verticalizar-se totalmente, produzindo todos os componentes dentro da própria empresa. Isto se deu pela necessidade de peças com tolerâncias mais estreitas e prazos de entrega mais rígidos, que os fornecedores, ainda num estágio pré-produção em massa, não conseguiam atender. A consequência direta foi a introdução em larga escala de um sistema de controle altamente burocratizado, com seus problemas próprios e sem soluções óbvias. 92 Unidade II [...] A crise do petróleo dos anos 70 encontrou as indústrias europeias e americana num patamar de estagnação. A ascensão de novos concorrentes, vindos do Japão, colocou definitivamente em cheque o modelo de produção em massa (WOOD JÚNIOR, 1992). O próximo modelo de produção industrial que vamos estudar é chamado de toyotismo e foi criado no Japão a partir da Segunda Guerra Mundial, mais especificamente a partir de 1948. O Japão havia participado do conflito mundial ao lado de Alemanha e Itália e, consequentemente, estava em situação econômica e política bastante ruim, com dificuldade de importar matéria-prima, produzir em grande escala e exportar sua produção. Nunca é fácil ficar ao lado dos perdedores, e essa era a situação do Japão naquele momento histórico. Três profissionais da área da indústria automobilística japonesa estudaram o sistema de produção fordista e concluíram que era possível modificá-lo para aumentar a produção e diminuir significativamente os custos, grande objetivo que norteava os estudos que eles estavam fazendo. Taiichi Ohno (1912-1990), Shingeo Shingo (1909-1990) e Eiji Toyoda (1913-2013) apresentaram seus estudos para a fábrica automotiva Toyota que decidiu implementar o sistema. E quais são os principais aspectos do sistema toyotista de produção industrial? Eles propuseram um sistema em que a fábrica só produziria se fossem feitos pedidos pelo mercado, ou seja, a produção começaria a ser feita apenas quando as concessionárias de veículos apresentassem pedidos em razão de vendas já realizadas para consumidores finais. Com isso a fábrica economizaria em aluguel de espaços para estocagem de peças e componentes, diminuiria o desperdício e poderia aumentar a produção na medida em que as vendas igualmente aumentassem. Parecem ideias simples, mas, acreditem, isso fez da Toyota uma das maiores fabricantes de veículos do mundo com exportações significativas para vários países, especialmente para os Estados Unidos da América do Norte, onde os veículos Toyota se tornaram campeões de venda no setor. O Toyotismo tem por objetivo a sincronia entre o fornecimento de matéria-prima, a produção dos veículos e a distribuição para o mercado consumidor. Seus pontos fundamentais são, portanto, rapidez, flexibilidade e pontualidade. Criaram um sistema que ficou conhecido como just-in-time, ou seja, “no tempo certo”. Os fornecedores de matéria-prima deveriam concordar em produzir dessa forma, sem venda antecipada de grande quantidade de componentes, mas com fornecimento apenas no momento da fabricação do veículo Assim, podemos resumir o sistema de produção toyotista a partir das seguintes características: • produção a partir da existência de demanda; • redução dos estoques ou estoques flexíveis; • diversificação de produtos distribuídos para o mercado; 93 TRABALHO E SOCIABILIDADE • uso intensivo de tecnologia principalmente na automação das etapas de produção; • uso de mão de obra multifuncional e qualificada. Dois aspectos foram determinantes para que o modelo toyotista se tornasse bem-sucedido: a utilização de tecnologia de ponta e mão de obra qualificada liderada por profissionais igualmente muito qualificados. O trabalho na linha de produção é realizado por equipes e todos são responsáveis por monitorar a qualidade do trabalho realizado, do início ao fim do processo de produção. O sistema impõe o aprimoramento constante de todas as fases da operação, o que ficou conhecido no mundo da administração de empresas do kaizen, palavra que em japonês significa “melhoria contínua”. Essa prática kaizen no modelo toyotista não deve ser aplicada somente ao ambiente de trabalho, mas também na vida pessoal dos profissionais que devem buscar constantemente melhorar em tudo o que fazem. Esse modelo de concretização de melhoria contínua se adaptou muito bem à situação econômica, social e política que o Japão vivia no pós-guerra, um país devastado pela destruição e pelos problemas econômicos e que precisava muito de alta produção com baixo custo. Por isso, o estímulo para que toda a população atuasse de forma a melhorar continuamente tudo o que fazia, em especial na produção de bens para o mercado de consumo internacional. Na atualidade, o método kaizen é aplicado na administração empresarial em várias partes do mundo e por empresas de diferentes portes. Mas o toyotismo também aplicou um outro princípio que se mostrou bastante relevante: genchi genbustu, que pode ser traduzido como “vá e veja”. Esse princípio parte do pressuposto que para corrigir um problema ou melhorar um sistema de produção, é preciso recorrer à fonte, ou seja, ir ao local, verificar como ocorre, analisar, propor melhorias, aplicá-las e monitorar os resultados. E esse processo deverá ser realizado de modo contínuo, constante, para que nunca se perca a oportunidade de conhecer os processose suas possibilidades de melhoria. É uma forma de solução de problemas que leva em conta a experiência concretamente vivida, ou seja, que obriga que a pessoa esteja no local em que a situação concreta acontece, que no caso da produção industrial, é o chamado “chão de fábrica”, onde estão os operários e as máquinas. Para os trabalhadores o toyotismo resultou em redução de postos de trabalho em razão do uso intensivo de tecnologia, embora, para os empregados que mantiveram seus empregos, o trabalho tenha se tornado menos repetitivo, porque há valorização do trabalho em equipe e do esforço de melhoria contínua na produção, que leva à possibilidade de prêmios por metas de produção. Na prática, um estímulo para que os trabalhadores trabalhem sempre cada vez mais horas e com menor número de postos de trabalho. A busca de melhoria constante tornou o toyotismo um dos fatores responsáveis pela implementação de certificações de qualidade como o ISO, emitido pela Associação Internacional de Padronização ou, em inglês, Internacional Organization for Standartizacion, e que são muito utilizados por empresas em todo o mundo, inclusive no Brasil. 94 Unidade II Erika Batista, ao comentar o trabalho do precursor do toyotismo, Taishii Ohno e os desdobramentos do método, afirma: Ohno cristalizou o envolvimento individualizado do trabalhador e o compromisso do trabalho em equipe. A apropriação do saber tácito do trabalhador também foi sistematizada para padronizar as operações, e o princípio de combinar trabalho em equipe e habilidade individual proporcionou o desenvolvimento das aptidões individuais até a mais plena capacidade. Para isso foi necessário o foco na iniciativa e comprometimento dos trabalhadores, juntamente com o envolvimento da gerência na operacionalização das tarefas. A nova lógica impôs aos operários um sistema de gestão total que incorporava ao trabalho repetitivo o trabalho multifuncional, intensificando a atividade do trabalho e penetrando na “alma” do trabalhador. O dispositivo de regulação desta gestão total se deu pela padronização das tarefas, que foram otimizadas através do método de kanban. Este viabilizou a sincronização do just-in-time e autonomização das operações, conferindo maior flexibilidade às operações. A flexibilidade também foi transferida para a força de trabalho, já que a operacionalização do kanban deve contar com a iniciativa e multifuncionalidade do operário para ser corretamente ajustado e seguido a tempo de evitar o desperdício. Entretanto, a “autonomia” humana deveria ser “capturada” e controlada sempre no limite de sua possibilidade de transferência para as máquinas. “A mente industrial extrai conhecimento do pessoal da fabricação, dá o conhecimento às máquinas que funcionam como extensões das mãos e pés dos operários, e desenvolve o plano de produção para toda a fábrica” (OHNO, 1997, p. 65). Junto à gestão participativa se pode conceber também a ideia dos CCQs, cuja função era combinar o sistema JIT ao método kanban e por meio da apropriação do saber tácito da força de trabalho. Para isso, o rodízio das tarefas foi utilizado como técnica bem como a “auto supervisão”. É importante destacar que mesmo com as novas técnicas de gestão sistematizadas na Toyota, os trabalhos parcelados e repetitivos continuaram coexistindo com os de caráter multifuncional e pluriespecializado. A novidade se deu em aplicar a todos os tipos as formas de controle do processo de trabalho, o que ratifica a suposição inicial de que existe uma continuidade nos três métodos de organização do trabalho, continuidade com sofisticação, e não superação, daí estas formas serem sociais, e não restritas ao espaço de trabalho (BATISTA, [s.d.], p. 10). 95 TRABALHO E SOCIABILIDADE Como podemos observar nos sistemas de produção estudados que são considerados os mais relevantes e, em outros adotados ao longo desse mesmo período histórico estudado aqui, é que a prioridade sempre está na produção para o mercado com resultado de lucro para os investidores; e, em contrapartida, o valor do trabalho e do salário é tratado como custo que, necessariamente, precisa ser administrado para estar sob controle e não interferir demasiadamente no preço final ao consumidor. Lembrete O volvismo é uma forma de organização empresarial bastante mencionada nos estudos sobre o tema. O processo de globalização ocorrido com o fim da Guerra Fria, final dos anos 1980 e início da década de 1990, aprofundou o que podemos chamar de mercantilização da vida, com a criação de cada vez maiores necessidades de consumo, impossibilidade de produção individual ou familiar porque os custos se tornariam muito incompatíveis com os das grandes indústrias e, portanto, sem nenhuma chance de concorrência. Para os países economicamente mais fortes e que ocuparam o centro da produção mundial a partir da globalização, a produção é abundante, tecnológica porque existem recursos para investimento – acesso ao crédito, por exemplo –, e dimensionada para redução de custos, o que inclui, muitas vezes, utilizar mão de obra mais barata em outros países que estão à margem na escala da economia mundial, não ocupam o centro de poder econômico e por isso mesmo são chamados de periféricos. Na atualidade e já há algumas décadas, não é incomum que empresas de capital norte-americano se instalem em países periféricos para que a produção seja mais barata, especialmente em razão do valor pago para a mão de obra. Isso obriga o trabalhador a se dedicar mais horas ao trabalho para poder ganhar um pouco melhor; ou, em determinadas categorias, como saúde, segurança privada, limpeza e educação, a trabalhar em vários empregos para poder somar rendimentos que viabilizem uma vida digna. Há verdadeira patrimonialização da força de trabalho, o que modifica profundamente as relações sociais. Para poder ganhar o suficiente, o trabalhador aumenta o número de horas de trabalho, mora mais longe do trabalho para pagar mais barato pela moradia, gasta bom número de horas em deslocamento especialmente nos grandes centros urbanos e, mesmo assim, não consegue garantir empregabilidade, consumo de todos os itens necessários e nem tão pouco qualidade de vida. Isso repercute na saúde e na segurança do trabalhador ao mesmo tempo que enfraquece o poder de negociação dos sindicatos, em vista do temor de redução do número de postos de trabalho. Além disso, o sistema globalizado coloca os países periféricos à mercê do movimento do capital que ocorre nos países do centro do poder econômico. Por isso, quando um país de economia forte como Estados Unidos ou Alemanha, por exemplo, vivenciam uma crise econômica, os países da periferia sofrem muito mais porque aumentam as taxas de juros, falta capital para o crédito e consequentemente para os investimentos, há redução dos postos de trabalho e aumentam os índices de desemprego. 96 Unidade II As crises no modelo capitalista são cíclicas e a cada nova crise ocorrem episódios de retração da empregabilidade, achatamento salarial e novas exigências para a obtenção de vagas de trabalho – experiência, estudo, capacitação técnica –, que nem sempre são acessíveis a todos. Nas últimas décadas, as relações sociais, econômicas e políticas têm sido fortemente modificadas pelo uso das tecnologias de informação e comunicação e pela intensificação das tecnologias digitais. Vamos conhecer um pouco mais sobre a chamada sociedade de informação ou sociedade tecnológica, que é o período histórico em que vivemos, e refletir sobre as mudanças que ela tem trazido para as relações sociais e de trabalho. Observação Indústria 4.0 é o nome utilizado para caracterizar a produção econômica no mundo contemporâneo, em que há intensa utilização de novas tecnologias, disrupção em relação a processos produtivos anteriormente utilizados. 6 TECNOLOGIA, SOCIEDADE E PRODUÇÃO ECONÔMICA Com toda certeza, você já deve ter ouvido ou lido que vivemos na atualidade em uma sociedade de informação.Essa afirmação é repetida na imprensa, nas redes sociais, no ambiente escolar e profissional com frequência, mas, acredite, nem sempre quem afirma que vive em uma sociedade de informação sabe exatamente o que isso significa, ou, pelo menos, tem uma noção precisa das múltiplas possibilidades contidas nessa afirmação. Também é certeza que você já ouviu por inúmeras vezes as palavras que se tornaram parte do nosso vocabulário de alguns anos para cá: informação, big data, inteligência artificial, machine learning, sociedade em rede e, mais recentemente, nosso vocabulário ficou repleto de expressões como fintechs, insurtechs, sandbox, bitcoins, criptomoedas, entre tantas outras. Figura 21 97 TRABALHO E SOCIABILIDADE São esses elementos que nos fazem ter certeza que estamos, realmente, em um mundo que se modifica com rapidez em razão do barateamento e, consequentemente, da utilização em maior escala das chamadas novas tecnologias. Essas mudanças estão presentes na nossa forma de falar – com a inserção dessas novas expressões como aquelas que utilizamos anteriormente –, em nossa forma de nos relacionarmos uns com os outros, na escolha de nossas atividades de lazer e, principalmente, no trabalho, área da vida social que passa por significativas mudanças. De fato, se antes o trabalho era direcionado para a produção de bens para serem consumidos, na atualidade, a economia está focada na rentabilidade da utilização de dados de todas as formas, inclusive dados pessoais que possam ser utilizados para identificar gostos e vontades dos consumidores e fazer chegar a eles de imediato, aquilo que querem consumir. Dados ou informação se tornaram fonte de riqueza na economia mundial contemporânea. Há quem associe os dados com o petróleo e atribua a eles o mesmo valor ou até superior. Possuir dados, organizá-los de forma objetiva e com vistas ao desenvolvimento de atividades econômicas já se tornou objeto de estudo das ciências. É a chamada ciência de dados, que hoje já é curso superior em muitas universidades que formam profissionais capacitados para gerenciar, analisar e tratar dados que serão utilizados por diferentes áreas, especialmente no fornecimento de serviços para os consumidores. Todas as atividades econômicas, na atualidade, utilizam dados e as perspectivas é que utilizarão em cada vez maior quantidade. A importância dos dados na produção econômica não está restrita às atividades de maior porte porque também as atividades mais simples utilizam cada vez mais dados e informações. Ao abastecer o veículo no posto de gasolina, cortar cabelo na barbearia, utilizar a academia para exercitar-se, fazer compras no supermercado, levar os filhos na aula de natação, tirar uns minutinhos durante o dia para tomar um café com amigos na padaria ou cafeteria preferida, em todos os lugares, geramos dados a nosso respeito e recebemos informação dessas atividades. Os cartões de débito e de crédito, os cartões de afinidade das lojas e supermercados, nossas consultas e compras na rede mundial de computadores, os perfis que criamos em redes sociais, todas essas atividades, que muitas vezes executamos sem nos atentar para elas, geram dados e informações que podem ser utilizadas pelo setor econômico para nos oferecer produtos e serviços. Dados e informações são, portanto, um valor para a sociedade em que vivemos e para as organizações empresariais que nela se formam. São sistematicamente coletados, organizados e muitas vezes, compartilhados. Esse compartilhamento se tornou comum na sociedade contemporânea, que é também conhecida como sociedade em rede, como a definiu Manuel Castells: Rede é um conjunto de nós conectados. Nó é ponto no qual uma curva se entrecorta. Concretamente, o que é um nó depende do tipo de redes concretas de que falamos. São mercados de bolsas de valores e suas centrais de serviços auxiliares avançados na rede dos fluxos financeiros 98 Unidade II globais. São conselhos nacionais de ministros e comissários europeus da rede política que governa a União Europeia. [...] A topologia definida por redes determina que a distância (ou intensidade e frequência de interação) entre dois pontos (ou posições sociais) é menor (ou mais frequente, ou mais intensa), se ambos os pontos forem nós de uma rede do que se não pertencerem à mesma rede. Por sua vez, dentro de determinada rede os fluxos não têm nenhuma distância, ou a mesma distância, entre dois nós. Portanto a distância (física, social, econômica, política, cultural) para um determinado ponto ou posição varia entre zero (para qualquer nó da rede) e infinito (para qualquer ponto externo à rede). A inclusão/exclusão em redes e a arquitetura das relações entre redes, possibilitadas por tecnologias da informação que operam à velocidade da luz, configuram os processos e funções predominantes em nossas sociedades (CASTELLS, 2016, p. 554). Observe que Castells se refere às redes como processos e funções predominantes em nossas sociedades, e sinaliza que as redes estão presentes em todas as formas de organização social contemporânea, tanto na área econômica e política que ele menciona no início do texto, como em todas as demais que compõem a vida humana, como a social, cultural e física. Mas Castells afirma ainda mais: Uma vez que as redes são múltiplas, os códigos interoperacionais e as conexões entre redes tornam-se as fontes fundamentais da formação, orientação e desorientação das sociedades. A convergência da evolução social e das tecnologias de informação criou uma nova base material para o desempenho de atividades em toda a estrutura social. Essa base material construída em redes define os processos sociais dominantes, consequentemente dando forma à própria estrutura social. [...] Em razão da convergência da evolução histórica e da transformação tecnológica, entramos em um modelo genuinamente cultural de interação e organização social. Por isso é que a informação representa o principal ingrediente de nossa organização social, e os fluxos de mensagens e imagens entre as redes constituem o encadeamento básico de nossa estrutura social (CASTELLS, 2016, p. 554 e 560). Se a informação representa o principal ingrediente de nossa organização social contemporânea, como afirma Manuel Castells, então podemos avaliar a importância dela para a sociedade em que vivemos, considerando o fato de que as informações não param de circular entre as redes de relações sociais, econômicas, culturais e políticas, porque esse é o modo de viver do nosso tempo atual. 99 TRABALHO E SOCIABILIDADE Os estudiosos têm utilizado a denominação “sociedade de informação” ou “sociedade digital” para caracterizar esse período em que vivemos, e isso tem uma explicação histórica. Figura 22 Luiz Akutsu e José Antonio Gomes de Pinho nos remetem à história da construção da expressão “sociedade de informação”. Afirmam os autores: A informação, não só como conceito, mas também como ideologia, está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento do computador durante e após a II Guerra Mundial (Kumar, 1997). Dois pontos focais aparecem como determinantes para a formação da sociedade da informação: a computação e a comunicação, que, por sua vez, são diretamente ligadas a “dois objetos tecnológicos”: o microcomputador e a rede Internet (Bell, citado por Kumar, 1997). A teoria da sociedade da informação procura não somente analisar as transformações provocadas pelas novas TIs, mas também prever mudanças que poderão ocorrer em um futuro próximo. Um dos pressupostos da teoria da sociedade da informação é que o advento de novas TIs, ao possibilitar o acesso a informações a um maior número de pessoas, com maior rapidez e menor custo, não somente aumentaria a oferta de bens disponíveis para a humanidade por meio da melhoria do gerenciamento dos bens de produção, como também diminuiria os conflitos sociais, ao permitir aos cidadãos melhor acesso às informações acerca da gestão dos administradores públicos,permitindo-lhes acompanhar as administrações, avaliar e escolher melhor seus governantes. Kumar (1997:212) registra que “a ideia de uma sociedade de informação foi elaborada sistematicamente, pela primeira vez, por estudiosos japoneses em fins da década de 1960”. Citando como exemplo obras de Masuda e Kishida, o autor afirma ainda que “os pensadores japoneses figuraram entre os mais ativos proponentes da ideia” (Kumar, 1997:212). O mesmo autor avalia, entretanto, que o expositor mais eminente do modelo teórico da sociedade da informação foi Daniel Bell, cuja teoria 100 Unidade II coloca o computador como o “símbolo principal” e “motor principal” das mudanças advindas. Na sua obra O advento da sociedade pós-industrial, Bell formulou inicialmente a ideia de uma sociedade pós-industrial: “A tese apresentada neste livro afirma que no decorrer dos próximos trinta ou cinquenta anos presenciaremos o aparecimento do que designei como ‘sociedade pós-industrial’, [...] [que] constituirá uma característica primordial do século XXI, nas estruturas sociais dos Estados Unidos, Japão, União Soviética e Europa Ocidental” (Bell, 1977:10). Já nessa obra, Bell (1977:516) deixava implícita a denominação de sociedade da informação: “a sociedade pós-industrial é uma sociedade de informação, assim como a sociedade industrial é uma sociedade de produção de bens”. Em outro trecho da mesma obra, reforça essa denominação: “a sociedade pós-industrial representa o aparecimento de novas estruturas e princípios axiais: uma sociedade produtora de bens transformada em sociedade de informação, ou erudita” (Bell, 1977:538) (AKUTSU; PINHO, 2002). Repare que os aportes teóricos utilizados por Akutsu e Pinho referem-se, principalmente, a aspectos da produção econômica e tecnológica para construírem um conceito de sociedade de informação. De fato, a caracterização da sociedade de informação como pós-industrial está relacionada diretamente ao modo de produção e os novos elementos que ele requer para se desenvolver. Assim, as sociedades pós-industriais ou de informação possuem quase sempre e respeitadas as diferenças econômicas, sociais e culturais que lhe são particulares, as seguintes características: • Crescimento do setor econômico de serviços: bancos, seguradoras, financeiras e mais recentemente, aplicativos que podem ser utilizados nos mais diversos equipamentos eletrônicos como celulares, tablets, notebooks ou computadores pessoais. O setor de serviços se torna tão relevante economicamente quando o setor industrial. • Crescimento rápido das tecnologias de informação (TICs): seja em quantidade como em possibilidades de acesso. O mundo contemporâneo tem diferentes possibilidades de acesso à informação, seja para captação, armazenamento ou tratamento dos dados, seja para utilização na vida pessoal ou profissional. Até os bens, ou coisas, já possuem acesso à internet, como televisões, carros, relógios e até alguns modelos de geladeira. Também sistemas de alarme, de iluminação que podem ser acessados à distância ou monitorados por seus proprietários. O mesmo acontece na área de produção econômica em que muitos dispositivos estão conectados à internet e podem ser monitorados e acessados à distância por seus usuários. • Importância do conhecimento e das práticas criativas: são fundamentais na sociedade de informação porque o crescimento das possibilidades de utilização dos recursos tecnológicos está diretamente relacionado com a criatividade de quem trabalha com eles. A maior prova disso são os incontáveis aplicativos que surgiram nos últimos anos para finalidades as mais diversificadas, inclusive para serviços de intermediação de transporte e hospedagem. 101 TRABALHO E SOCIABILIDADE Desse modo, a sociedade pós-industrial ou sociedade de informação ou, ainda, sociedade digital, vai aos poucos substituindo a ideia de produção industrial que a humanidade conheceu após os três primeiros períodos da Revolução Industrial. Por essa razão, está sendo chamada de sociedade 4.0. Ana Elizabeth Lapa Wanderley Cavalcanti afirma A ciência, as novas descobertas e as novas tecnologias fazem parte da sociedade moderna de tal forma que não conseguimos mais pensar em nossas vidas sem o uso de equipamentos eletrônicos, mecanismos digitais etc. A vida hoje gira ao redor das tecnologias de informação e conhecimento (TICs), muitas das nossas atividades são totalmente mecanizadas. Esta é uma realidade, a nosso ver, sem volta. Daqui para frente teremos cada dia mais uma novidade tecnológica que iremos acrescentar ao nosso dia a dia, seja no trabalho, na nossa residência, na relação com os amigos, com nossos médicos, com o governo etc. Essa nova realidade nos traz muita coisa positiva, o desenvolvimento, o progresso, a possibilidade de intercâmbio maior entre os povos, maior compartilhamento de informações e descobertas, mas também nos traz muita coisa negativa, como por exemplo, mudança de comportamento social com o afastamento físico entre as pessoas (as cidades estão cada dia mais “virtuais”, fazemos praticamente tudo pela internet, por exemplo), circulação maior de informações sem confirmação do conteúdo com velocidade recorde, produzindo cada vez mais as chamadas fake news (contribuindo até mesmo para um movimento de desinformação em massa, já que muitos buscam apenas informações em redes sociais na internet), e, até mesmo a violação de direitos personalíssimos como é o caso da privacidade com a manipulação de dados pessoais sem a segurança e o sigilo adequados. [...] vemos que essa “revolução tecnológica” que estamos presenciando na Sociedade de Informação impacta não somente nossas vidas, mas também a estrutura governamental, de poder e, logicamente, o sistema jurídico (CAVALCANTI, 2020, p.15). As abordagens podem ser construídas por diferentes áreas do conhecimento – administração, economia, direito –, porém o tema continua sendo da mais alta relevância para todas: como compreender as características da sociedade de informação e como avaliar os impactos que ela produz nas relações de trabalho e na sociabilidade. Mais recentemente, a sociedade de informação introduziu em seu vocabulário diário um conceito importante que tem sido muito difundido: o big data, ou, em tradução literal, “grande volume de dados”. Big data é a forma como estamos nos referindo ao volume gigantesco de dados que são produzidos pelas pessoas em seus movimentos diários, seja na atividade profissional ou na atividade 102 Unidade II particular. Mesmo quando não temos nenhuma intenção de produzir dados a nosso respeito ou a respeito das atividades que exercemos, vamos deixando nossas “pegadas digitais” espalhadas por aí e esses dados podem significar algumas vantagens ou grande quantidade de problemas. Walter Sosa Escudero, economista pela Universidade de Buenos Aires, especialista em estatística e econometria teórica e aplicada a questões sociais, professor da Universidade de San Andrés e da Universidade Nacional de La Plata, ambas na Argentina, afirma O mais óbvio é dizer que big data são “dados maciços”. Porém na realidade se refere a um volume e tipo de dados provenientes da interação com dispositivos interconectados, como telefones celulares, cartões de crédito, caixas automáticos, relógios inteligentes, computadores pessoais, dispositivos de GPS e qualquer objeto capaz de produzir informação e enviá-la eletronicamente a outra parte (ESCUDERO, 2019, p. 31). E o professor argentino provoca nossa reflexão quando afirma: Pensem no que fizeram nas últimas duas horas. Se caminharam com o celular, muito provavelmente tenham gerado dados de endereços geográficos, isso sem falar no uso do GPS para viajar em um carro. Ou mesmo se saíram para correr com seu relógio inteligente que lhes informa o ritmo cardíaco e o número de passos. Ou se usaram o cartão de crédito, viajaram no metrô, se assistiram Netflix, ou deram um “curtir” em uma foto de sua tia no Facebook, semandaram ou receberam um e-mail ou se buscaram um par de sapatos na Amazon. Tudo gerou dados. [...] A diferença entre uma pesquisa sistemática, como uma pesquisa política ou essas que são feitas pelo telefone fixo, os dados de big data são anárquicos e espontâneos. Toda vez que abrimos o celular para que um aplicativo de GPS nos guia até algum lugar, geramos dados, não com o propósito de contribuir para nenhuma pesquisa nem estudo científico, mas para evitar o trânsito ou se perder. Quer dizer, os dados não são gerados com o propósito de criá-los, como as respostas de uma pesquisa tradicional, mas como resultado de uma outra ação: ir a uma reunião, pagar um cartão de crédito, entrar em um site da web, etc. Então, os dados do big data não são mais dos mesmos velhos dados (de pesquisas, registros administrativos, etc.), mas sim um animal completamente distinto. (tradução da autora) (ESCUDERO, 2019, p. 31). O professor Escudero parece estar completamente correto. Os dados que produzimos na sociedade de informação são diferentes daqueles que produzíamos há 10 anos atrás, quando ainda tínhamos 103 TRABALHO E SOCIABILIDADE algum controle de nossos dados, sabíamos onde estavam e podíamos gerenciá-lo. Eram tempos razoavelmente recentes, de dez ou vinte anos atrás, mas que tinham uma dinâmica de produção e utilização de dados bastante diferente. Quem tinha nossos dados pessoais – nome, endereço, número do documento, estado civil, gênero masculino ou feminino, profissão –, era a nossa escola, o trabalho, o plano de saúde, o clube, o banco e o cartão de crédito. Na atualidade, nossos dados estão em milhares de arquivos que desconhecemos, aos quais não temos acesso e não podemos sequer gerenciar a forma como esses dados são acessados por aqueles que têm interesse neles. Quando fazemos uma pesquisa na rede mundial de computadores sobre um produto ou um serviço para o qual temos interesse, por exemplo, uma viagem para a Europa para conhecer Portugal, é muito comum que no momento seguinte que acessamos a rede social de nossa preferência, o Facebook ou Instagram, comecem a ser veiculadas publicidades sobre passagens aéreas, hotéis e pousadas, pacotes de viagem e outras ofertas relacionadas com a pesquisa anterior que havíamos feito. Não geramos dados porque desejamos, mas porque na sociedade de informação eles se tornaram importantes para quase todas as atividades da vida cotidiana e, principalmente, para a produção econômica. O que acontece não é um fenômeno, mas o trabalho da inteligência artificial ou dos algoritmos programados para organizar dados a partir de uma determinada finalidade. Segundo explica Lee (2019), os dados produzidos permitem aos programas de computadores reconhecer padrões porque fornecem muitos exemplos e como os computadores são máquinas mais rápidas e com maior capacidade de armazenamento, o círculo produtivo não tem fim. Quando mais dados forem disponibilizados, maior capacidade dos programas para treinar os computadores para reconhecimento de símbolos, sinais, imagens, sons e outros. Assim, a inteligência artificial se beneficia dos dados espalhados nas redes de computadores e se tornou possível em razão da criação dos algoritmos que são na expressão de Paulo Victor Alfeo Reis (2020), verdadeiro procedimento lógico-matemático, finito de passos discretos, e eficaz na solução de um problema ou questão pontual. Como sequência lógica, finita e definida de instruções que devem ser seguidas para a solução de um problema ou execução de uma tarefa, o algoritmo se torna um passo a passo, uma receita ou trilha a ser seguida para que o resultado pretendido seja viabilizado. Algoritmo é um processo, um fluxograma que viabiliza um resultado que será sempre a decisão para um problema colocado. Em razão da grande quantidade de dados e da criação dos algoritmos que viabilizam a realização de tarefas, a inteligência artificial tornou-se realidade na vida cotidiana e está presente em quase todos os momentos, ainda que muitas vezes sequer tenhamos percepção ou consciência disso. Ela seleciona imagens para vermos, filmes para assistirmos, músicas para ouvirmos, viagens e ofertas de produtos e serviços que nos são indicados nas redes sociais; além disso, indica caminhos, pilota automóveis, trens e vagões de transporte de pessoas e coisas e, em alguns lugares do nosso mundo, já entrega pizzas e produtos adquiridos em lojas on-line. 104 Unidade II A inteligência artificial auxilia no monitoramento da casa e do trabalho executando ordens e colocando tudo para funcionar no modo e no tempo certo. E, por vezes, nos oferece sugestões tão perfeitamente adequadas que parece nos conhecer melhor que nós mesmos. Cria uma forma de dependência, passamos a desejar que a inteligência artificial organize as informações e os dados e nos responda o que precisamos ou queremos saber. Peixoto e Silva definem inteligência artificial como: [...] é uma subárea da ciência da computação que faz modelagens computacionais do comportamento humano. Tal construção se dá por iniciativas de modelagem de inteligência, identificando formatos comportamentais em determinadas situações e buscando, no computador, comportamentos da mesma maneira. A diferença será, destacadamente, sob o aspecto técnico, a velocidade e a acurácia (PEIXOTO; SILVA, 2019, p. 71). E Caitlin Mulholand afirma: Por Inteligência Artificial (IA), entende-se todo sistema computacional que simula a capacidade humana de raciocinar e resolver problemas, por meio de tomadas de decisão baseadas em análises probabilísticas. A IA não substitui o gênio e a criatividade humanos, mas permite o rápido processamento de uma vasta gama de informações – dados – que, uma vez analisados, levam à possibilidade de tomada de decisão, tanto por humanos, quanto pelas próprias “máquinas”. O objetivo do desenvolvimento da IA é a aceleração de processos de aprendizado e a otimização de seus resultados, visando uma maior eficiência e reduzindo o tempo de análise de dados necessários para a tomada de decisão (MULHOLAND, 2019, p. 5). E tudo pode ser apenas o começo de um novo tempo! É real a possibilidade de algoritmos efetuarem aprendizagem automática e viabilizarem sistemas que aprendem por si mesmos ou, como são usualmente chamados, machine learning. E a sequência serão as redes neurais artificiais profundas também chamadas de deep learning, ou seja, “aprendizado profundo”. Todas essas inovações tecnológicas são bem-vindas, trazem muitas facilidades para o nosso cotidiano, mas, sem dúvida, também trazem concreta sensação de insegurança e preocupação. Em relação ao nosso objeto de estudo, trabalho e sociabilidade, a preocupação é bastante acentuada porque tudo indica que quanto mais tecnologia for utilizada na produção de bens e serviços, menor será a quantidade de postos de trabalho que estarão disponíveis. Além disso, os postos de trabalho disponíveis vão exigir capacitação técnica e intelectual dos trabalhadores, o que sabemos que nem sempre é possível para todos ou que nem todos os trabalhadores têm acesso à educação que os capacite para o trabalho nesse mundo digital e tecnológico. 105 TRABALHO E SOCIABILIDADE O professor norte-americano Michael J. Sandel, filósofo e professor na Universidade de Harvard, nos fornece dados importantes sobre esse tema. Afirma Sandel ao analisar a realidade na sociedade norte-americana: Do fim da Segunda Guerra Mundial até os anos 1970, era possível para quem não tinha diploma universitário encontrar um bom emprego, sustentar a família e levar uma vida de classe média confortável. Isso é muito mais difícil hoje em dia. Ao longo das últimas quatro décadas, a diferença de renda entre quem tem diploma de ensino médio e diploma universitário [...] dobrou. Em 1979, pessoas com formação educacional superior recebiam aproximadamente 40% a mais do que quem tinha ensino médio; em 2000, recebiam 80% a mais. Apesar de os anos de globalização terem resultadoem recompensas valiosas aos que possuem mais titulações, nada fez para os trabalhadores mais comuns. De 1979 a 2016, a quantidade de emprego na indústria dos Estados Unidos caiu de 19,5 milhões para 12 milhões. A produtividade aumentou, mas os trabalhadores ficavam com uma parte cada vez menor daquilo que produziam, enquanto executivos e acionistas capturavam uma parte maior. No fim da década de 1970, CEOs de grandes empresas estadunidenses lucraram trinta vezes mais do que o trabalhador padrão, em 2014, eles receberam trezentas vezes mais (SANDEL, 2020, p. 283). A diminuição do número de postos de trabalho em um país de industrialização avançada e economia central como os Estados Unidos sinaliza para riscos que poderão atingir o mercado de trabalho nos países de economia periférica e pouco industrializados, como são quase todos os países da América Latina. Para além da redução de postos de trabalho em função da utilização em larga escala da tecnologia, existem sinais de que está ocorrendo uma mudança significativa na produção, seja em relação aos objetos de produção, seja em relação aos insumos necessários para que ela aconteça. Vamos compreender melhor essa mudança no próximo tópico deste estudo. Observação Insumo: cada um dos elementos (matéria-prima, equipamentos, capital, horas de trabalho etc.) necessários para produzir mercadorias ou serviços (HOUAISS, 2001, p. 1629). 106 Unidade II 7 NOVAS FORMAS DE PRODUÇÃO E TRABALHO: PLATAFORMAS DIGITAIS, EMPREENDEDORISMO DIGITAL E NECESSIDADE DE PROTEÇÃO JURÍDICA E SOCIAL DO TRABALHADOR Que expressão pode traduzir melhor o mundo em que vivemos na atualidade? Podemos chamar a sociedade contemporânea de: • Sociedade de informação? • Sociedade do conhecimento? • Sociedade de tecnologia? • Sociedade de dados? • Sociedade em rede? Figura 23 Existem muitas denominações possíveis para serem utilizadas com o objetivo de caracterizar a sociedade em que vivemos, as mudanças significativas que a tecnologia tem causado em todos os quadrantes da vida em sociedade. Giddens, importante sociólogo britânico, professor na Universidade de Cambridge, identifica que estamos vivendo a economia do conhecimento, e afirma: Alguns observadores sugerem que assistimos hoje à transição para um novo tipo de sociedade que já não se alicerça na indústria. Alegam que estamos a entrar numa fase de desenvolvimento que vai além da era industrial. Tem sido utilizada uma variedade de termos para caracterizar esta nova ordem social, como os de sociedade pós-industrial, era da informação e 107 TRABALHO E SOCIABILIDADE nova economia. Todavia, a designação mais utilizada tem sido economia do conhecimento. É difícil formular uma definição precisa para economia do conhecimento; porém, entende-se geralmente por esta expressão uma economia na qual as ideias, a informação e as formas de conhecimento sustentam a inovação e o crescimento econômico. Uma economia do conhecimento é aquela em que grande parte da força de trabalho está envolvida não na produção material ou na distribuição de bens materiais, mas em concepção, desenvolvimento, tecnologia, marketing, venda e serviços. Podem designar-se esses empregados como trabalhadores do conhecimento. A economia do conhecimento é dominada pelo fluxo constante de informação e de opiniões, bem como pelo poderoso potencial da ciência e da tecnologia. Como observou Charles Leadbeater: Muitos de nós (trabalhadores do conhecimento) fazemos dinheiro no ar: não produzimos nada que possa ser pesado, tocado ou facilmente medido. A nossa produção não é armazenada em portos, armazéns ou colocada em carruagens de comboio. Muitos de nós ganhamos a vida fornecendo serviços, avaliações, informações e análises, seja num centro de atendimento, no escritório de um advogado, num departamento governamental ou num laboratório científico. Todos estamos no negócio do ar rarefeito (1999, vii). Até que ponto a economia do conhecimento se encontra difundida no início do século XXI? Um estudo de 1999 realizado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) tentou avaliar a extensão da economia do conhecimento entre as nações mais desenvolvidas, através da medição da percentagem da produção total dos negócios de cada país que podem ser atribuídos a indústrias baseadas no conhecimento. Por indústrias baseadas no conhecimento entende-se em sentido lato a alta tecnologia, a educação e a formação, a pesquisa e o desenvolvimento, bem como o sector financeiro e de investimentos. As indústrias baseadas no conhecimento detinham mais da metade da produção dos negócios em meados dos anos 90 no total dos países-membros da OCDE. A Alemanha detinha a percentagem elevada de 58,6%, tendo os Estados Unidos, o Japão, a Grã-Bretanha, a Suécia e a França contribuído com valores acima de 50%. Em 2006, The Work Fundantion produziu um relatório para a União Europeia com dados respeitantes a 2005. Os autores observaram que mais de 40% dos trabalhadores na União Europeia encontravam-se em indústrias baseadas no conhecimento, registrando-se as percentagens mais elevadas na Suécia, na Dinamarca, no Reino Unido e na Finlândia. A educação e os serviços de saúde constituíam o maior grupo, a que se 108 Unidade II seguiam os serviços recreativos e culturais. No seu conjunto, estes sectores empregavam quase 20% dos trabalhadores na União Europeia. Os serviços privados, incluindo os serviços financeiros, empresariais e de comunicação, representavam 15%. Os investimentos na economia do conhecimento – sob a forma de educação pública, gastos em desenvolvimento de software e em investigação e desenvolvimento – representam actualmente uma parte significativa dos orçamentos de muitos países. Reconhece-se que a economia do conhecimento permanece um fenómeno difícil de analisar, tanto no plano quantitativo como no qualitativo. É mais fácil medir o valor das coisas físicas do que ideias, pesquisa e conhecimento » sem peso». É, no entanto, inegável o facto de a criação e a aplicação do conhecimento assumirem crescentemente um papel central na vida económica moderna (GIDDENS, 2013, p. 1042). O texto anterior foi reproduzido no original em português da forma como se escreve em Portugal porque a edição da obra é de uma editora de Lisboa. Veja que Giddens introduz uma nova possibilidade para caracterizarmos a sociedade contemporânea: a economia do conhecimento, embora ressalte que se trata de fenômeno difícil de mensurar. Sally Burch, jornalista britânica que atua de forma independente e é diretora-executiva da Agência Latino-americana de Informação, trabalha com a definição de sociedade de informação e sociedade do conhecimento. Ela afirma: Estamos vivendo numa época de mudanças ou numa mudança de época? Como caracterizar as profundas transformações que acompanham a acelerada introdução na sociedade da inteligência artificial e as novas tecnologias da informação e da comunicação (TIC)? Trata-se de uma nova etapa da sociedade industrial ou estamos entrando numa nova era? “Aldeia global”, “era tecnotrônica”, “sociedade pós-industrial”, “era – ou sociedade – da informação” e “sociedade do conhecimento” são alguns dos termos cunhados com a intenção de identificar e entender o alcance destas mudanças. Mas, enquanto o debate continua no âmbito teórico, a realidade se adianta e os meios de comunicação escolhem os nomes que temos de usar. Fundamentalmente, qualquer termo que usemos é um atalho que nos permite fazer referência a um fenômeno – atual ou futuro – sem ter de descrevê-lo todas as vezes; mas o termo escolhido não define, por si só, um conteúdo. O conteúdo surge dos usos em um dado contexto social que, por sua vez, influem nas percepções e expectativas, uma vez que 109 TRABALHO E SOCIABILIDADE cada termo carrega consigo um passado e um sentido (ou sentidos), com sua respectiva bagagem ideológica. Era de se esperar, então, que qualquer termo que se queira
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