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Resenha crítica do capítulo I do livro “A integração do negro na sociedade de classes” de FERNANDES; Florestan. A integração do negro na sociedade de classes é uma obra realizada como tese do concurso para magistério em Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), escrito pelo célebre sociólogo e político brasileiro Florestan Fernandes, concluída em 1964. Demostra por meio de dados demográficos, entrevistas e análises sociológicas o processo de adaptação e auto inclusão dos indivíduos negros na nova ordem socioeconômica que surgiu após o fim da escravidão e a crescente do capitalismo moderno, numa cidade que representava a industrialização e o mercantilismo nacional, São Paulo. Tal obra traz ao leitor uma reflexão sobre o atual momento em que vivi o povo brasileiro. Logo, tais concepções serão esplanadas ao decorrer deste trabalho. Primeiramente, é necessário entender o a situação vivida pela população negra antes da abolição da escravatura e os motivos que levaram a ela. A povos vindos de várias regiões da África foram ao Brasil de forma fossada, trazidos pelos colonizadores portugueses para expandirem a exploração da colônia desde o século XVI, sendo fundamental para os ciclos econômicos que sustentaram a nação. Primeiramente, trabalhavam na retirada do pau-brasil, depois na Empresa Açucareira, no minério de ferro e ouro até chegar ao café. Assim, no último quarto do século XIX o contingente de escravos no Brasil estava com um baixo crescimento vegetativo, pois, as leis do Sexagenário e do Ventre Livre somado ao fim do tráfico negreiro diminuíram a oferta da principal mão de obra, elevando o preço e os custos de se adquirir escravos, frente a uma demanda cada vez maior estimulada pelo ápice da lavoura de café. Não obstante, seria mister a contratação de mão de obra livre, mas realizar tal operação sem o fim da escravidão representaria um risco, pois, os escravos se sentiriam extremamente ofendidos e uma revolta seria iminente e inevitável. Segundo o autor esses foram as principais causas que levaram ao apoio de membros das elites ao movimento abolicionista, visto que a população negra não contava com líderes intelectuais e políticos para representar seus interesses e nem seria possível uma vez que opressão era de praxe na sociedade da época. Esse ponto de vista defendido por Florestan trás as gerações contemporâneas o entendimento sobre a atual posição dos descendentes dos escravos libertos e derruba o mito de que a escravidão acabou no Brasil como um ato humanitário, muito pelo contrário, os ganhos econômicos é que estão por trás, sendo um ato político que beneficiou os detentores do poder, pois, não houve indenização para os libertos, nem mesmo foi garantido o mínimo à sobrevivência. Deste modo, o fim da escravidão gerou efeitos distintos nas deferentes localidades do país. Em cidades do Centro Norte do Brasil, como Salvador, Belém e Recife onde a lavoura do café estava em declínio as massas de indivíduos negros encontraram espaço nas antigas propriedades onde viviam, em pequenos cargos no funcionalismo público e no comércio porque não ouve uma imensa vinda de imigrantes europeus. Diferente do Sudeste, mais precisamente na cidade de São Paulo, que é objeto do estudo realizado por FERNANDES, devido o município ser o polo dos investimentos industriais e ter atraído um grande número de imigrantes vindo em busca de melhores oportunidades de emprego e negócios, pessoas essas vindas principalmente do Sul da Itália, deixando sua pátria em virtude do grande desemprego gerado pela mecanização da indústria e do campo. Esses indivíduos vinham com desejo de enriquecer e por isso aceitavam qualquer serviço, mesmo aqueles tidos como indignos pelos libertos, que naquela altura, segundo o autor, estavam com o sentimento de liberdade aflorando e por isso não se sujeitavam aos patrões. Também, o trabalho livre era exercido pelos brasileiros livres, que correspondiam a uma parcela menor da população, realizando, quando ricos, funções de cultivo de lavoura para exportação, comércio internacional, serviços monetários, medicina, política, magistratura e atividades militares. Quando de menor renda, empenhavam-se ao labor de funcionalismo público e outros trabalhos autônomos. Porem, com o término da escravidão, os negros não desempenharam essas funções, mas perderam suas ocupações agrárias para os imigrantes, ficando deslocados da economia e consequentemente impedidos de exercer a recém alcançada cidadania. Em adição, os novos livres brasileiros continham o sentimento de libertação e almejavam o poder de não trabalhar, e se deslocar para fora da fazenda onde eram oprimidos, As deduções e analogias do autor mostram o profundo conhecimento social, ele soube traçar um perfil psicológico tanto do liberto, do imigrante e do “branco nacional” - expressão usada pelo autor -. O primeiro era tido como um indivíduo com pouca ou nenhuma escolaridade, com seus costumes natais violados e principalmente com o sentimento de desamparo, que muitas vezes se via em situação pior a de antes. O segundo, era representado por uma personalidade cheia de ambições econômicas, esse grupo passaria a ser a camada empreendedora com o passar do tempo, visto que segundo os dados do senso do cidade de São Paulo de 1893 a maior parte dos novos setores econômicos era de posse dos estrangeiros, assim como grande parte da mão de obra qualificada. O terceiro, era composto pelos ricos fazendeiros, políticos e magistrados ligados a cultura do café e a exportação do mesmo, além dos trabalhadores livres, tal classe dispunha da necessidade de rápida implantação do capitalismo e por isso se empenhavam em empregar e atrair os imigrantes ao país, não aplicando recursos e tempo para inserir o negro na economia. O negro via o modo de vida do imigrante como indigno. O colono trabalha com muito esforço, se prestava ao trabalho de vender em feiras e ruas, economizando dinheiro na poupança para sair do emprego e montar o próprio negócio o mais breve o possível, privando-se de boa alimentação e conforto, isso era visto com desprezo pelo negro, que não queria está sujeito as eventuais humilhações do trabalho regular. De mesma forma, o imigrante via no negro um indivíduo preguiçoso e sem foco no trabalho. Logo, o empregador preferia a contração dos colonos devido sua vontade de ganhar dinheiro independentemente do quanto fosse difícil, além de considera-lo mais capacitado. Ademais, a tese explica de maneira detalhada vários problemas da sociedade brasileira como um todo. Sendo o vasto número de pessoas negras em situação de vulnerabilidade social, morando em favelas e com pouco acesso aos serviços públicos, um dos mais latentes, isso porque, segundo Florestan, nos grandes centros urbanos os trabalhos destinados aos negros eram ,em sua maioria, os com menor remuneração e pouca estabilidade, representados por serviços como servente de pedreiro, empregadas domésticas e demais diaristas. Logo, esses trabalhadores não conseguiam arcar com o elevado custo de vida e nem mesmo podiam contar com as organizações sindicais, pois, naquela época os sindicatos ou eram proibidos ou eram vinculados aos operários dos setores mais estáveis, e isso tem reflexos negativos hoje, onde a maioria dos cargos de liderança e os mais bem remunerados não são ocupados por negros, mesmo eles e seus descendentes (mulatos) formando a maior parte da população brasileira. Destarte, essa calamidade encadeou outros problemas vistos atualmente, talvez seja a desestruturação familiar e a exploração à mulher os mais injustos e enraizados na cultura nacional. Em a integração do negro na sociedade de classes está exposto que as mulheres assumiram o papel de principal provedora das famílias, porquanto a ocupação de doméstica ser pouco ocupada palas imigrantes, vez que para eles desempenhar atividade doméstica fora do próprio lar era vergonhoso, enquanto os homens negros enfrentavam maior concorrência com o estrangeiro. Contudo, esse fato não integrou apenas a mulher na economia, ele fez com quemuitos homens se sentissem isentos de responsabilidade para com a família, passando a depender de suas esposas, deixando de procurar trabalho e a se dedicar às atividades fúteis como festas com os colegas. Hoje, ainda se vê as consequências desse período: homens não assumindo responsabilidades sobre o cuidado com os filhos e explorando as mulheres, sejam elas filhas, mães ou esposas. Outro drama atual introduzido no texto foi a criminalidade praticada entre as pessoas negras e de pouca renda. Por causa da necessidade de sobrevivência alguns indivíduos praticavam furtos e roubos, mas como o processo de inserção na ordem comercial ocorreu de forma desigual e demorada, foi-se transmitindo o estilo de vida desonesto, também o Estado criminalizava as atitudes corriqueiras dos libertos, como a copeira, a reunião em bares e mesmo ficar desocupado ( essa última devido ao desemprego), o que contribuiu para o rancor e para o ódio que levam a criminalidade. A cultura negra foi umas das principais características oprimidas na nova ordem econômica, os traços deles foram desvalorizados em comparação aos dos imigrantes. As analogias feitas se mostraram certas com o passar dos tempos. Prova disso é o fato da capoeira ser menos popular que o futebol, as religiões de matriz africana serem pouco praticadas, principalmente no Sul e Sudeste e no predomínio das comidas típicas europeias sobre as africanas. Outro traço de predomínio estrangeiro está exposto na origem de um dos maiores clubes de futebol de São Paulo, o Palmeiras ou como era chamado na época Sociedade Esportiva Palestra Itália, que como o nome já diz representava os imigrantes italianos que eram a maioria entre os estrangeiros em São Paulo. No entanto, ao longo da obra o autor narra a maneira como os negros foram se aperfeiçoando e superando as suas dificuldades, conquistando aos poucos lugares na sociedade classista, além de esclarecer seus argumentos, que sem uma boa leitura podem ser considerados racistas. Primeiramente, o povo negro não contava com líderes, mesmo sua participação sendo de suma importância para a sua liberdade, foram os brancos abolicionistas que conduziram o processo de libertação, quando a escravidão acabou, também acabou a responsabilidade sobre os negros, assim a nova massa livre teve que aprender sozinha a se impor na sociedade. Com o tempo sugiram as primeiras lideranças políticas do movimento negro, além disso as novas gerações de indivíduos que nasceram livres desenvolveram a necessidade de inclusão econômica, se capacitando ao mercado, pois os negros libertos em sua maioria só sabiam trabalhar nas lavouras, sem o conhecimento e instrução necessários aos novos setores, passando assim, a conquistar o avanço social, ocupando cada vez mais as classes de trabalhadores e empreendedores. Atualmente, o negro ocupa todas as classes socias do patrão ao sem teto. Por volta dos anos de 1920 os negros se inseriram no mercado de trabalho, ocupando funções ligadas ao comércio de quinquilharias, a carpintaria, a construção civil, a indústria e ao pequeno empreendimento próprio. Nas palavras de Florestan e de parte de seus entrevistados significava que o negro havia aprendido com o imigrante outrora criticado a se impor ao trabalho e que o negro passou a ter “cabeça”. Ficando óbvio que qualquer povo necessita de tempo para se adaptar a uma nova realidade, mas principalmente que os indivíduos negros gozam das mesmas capacidades de quaisquer outros. Outrossim, o trabalho escrito por FERNANDES seve de base para os movimentos sociais de esquerda, uma vez que ele mostra aos militantes os motivos que justificam a luta de classes. Porém, o livro não apresenta um conteúdo ideológico, contando fatos e raciocínios estruturados em estudos e análises sérias, o que faz dele essencial a todo estudante e a todo ser que queira entender a atual conjuntura da sociedade brasileira. Transformando o olhar de muitos quanto a necessidade de reparos estruturais a fim de sanar os efeitos de mais de 300 anos de escravidão e mais de 500 anos de racismo ainda que feito de maneira velada. O próprio autor foi exemplo de empatia à causa negra, era branco, porem fez do estudo da relação do negro com a sociedade seu principal legado acadêmico, escrevendo além desse, outros trabalhos: Relações raciais entre brancos e negros e O negro no mundo dos brancos. Infelizmente, não existe uma democracia entre as raças no Brasil. Por mais que soe estranho, parte dos brancos entrevistados por Florestan achavam o negro ingrato, em um olhar sociológico se percebe que a elite brasileira via o negro como um ser incapaz de evoluir e muitos negros compartilhavam de tal concepção, não raro os “informantes” negros achavam que a abolição da escravatura foi precipitada. No entanto, se a escravidão estivesse acabada antes, talvez o país não seria o Estado que mais mata o povo negro e que banaliza o racismo, o tendo como normal. O texto é muito seguro e verdadeiro. Porquanto, sua teses estarem pautadas sub dados estatísticos retirados dos sensos da cidade de São Paulo, sendo eles referentes aos anos de 1890 e 1893, além das entrevistas com fazendeiros, imigrantes e libertos.Contudo, é importante esclarecer pontos da obra. Frequentemente, o autor narra o negro como “despreparado”, ou “sem cabeça”. Porem, isso está relacionado ao atrofiamento mental imposto pelo longo período de escravidão, não a ideia de inferioridade. Ao longo do texto são apresentados os devidos esclarecimentos: o povo negro “teve a sabedoria de preservar e até de fortalecer suas identificações com a ordem social existente e com os alvos decorrentes de sua ambição de se classificar dentro dela”. E sobre a posição do negro em relação a cidade é possível concluir que o meio urbano não os maltratou de maneira voluntária, mas a população citada é que ainda não estava adaptada a ele. Portanto, infere-se que A integração do negro na sociedade de classes é deveras importante para o conhecimento da atual conjuntura social do Brasil, pois, explica e mostra os fatos relacionados a inserção do povo negro à era classista. Outrossim, o livro é de suma importância para a formação da identidade negra, permitindo ao mesmo conhecer suas origens sociais e a compreender a dívida histórica desse país com os afrodescendentes, porque a economia e o próprio Brasil foi forjado com os braços e sangue negros, porem ele não é tratado como tal, sofrendo a muitos séculos com a escravidão e hoje enfrenta o racismo estrutural e institucionalizado. Também, justifica e desmistifica a necessidade dos movimentos de luta de classes e dos partidos de esquerda, pois, eles representam a causa dos espoliados, nessa obra, o negro. Ademais, a tese do professor Florestan deve ser lida e estudada pelos profissionais e futuros profissionais do Direito, pois, estimula o pensamento crítico, quando demostra que a abolição da escravidão foi mais economia do que bondade; faz compreender as raízes de problemas como a violência, o desemprego e a pobreza e consequentemente indica as soluções; dá-lhes a responsabilidade de lutar pela garantia do direito dos oprimidos. Permitindo ao jurista um exercício do seu trabalho com o devido respeito as diferenças além de ajudar no desenvolvimento de um olhar mais humano em uma profissão conhecida pela frieza e na formação de uma visão dialética do Direito, relacionando-o com o processo histórico-social pelo qual passa as ciências e a própria sociedade. Também, é válido ressaltar que o livro, por, mas que escrito por um político de esquerda, não tem um carácter doutrinário, pelo contrário, é de extrema imparcialidade. Afinal, A integração do negro na sociedade de classes em poucas palavras, conta o processo de inserção socioeconômica do povo negro na sociedade brasileira.
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