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Arlete Geneve - Série Penword-Velasco 02 - O Feitiço Sedutor

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O Feitiço Sedutor
Arlette Geneve
Família Penword 2
 
O Feitiço Sedutor
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
©Arlette Geneve
Primeira Edição: Noviembre 2009
Todos os direitos reservados. Qualquer forma de reprodução, distribuição,
comunicação pública ou transformação deste trabalho só pode ser feito com a
autorização por escrito dos detentores de direitos autorais.
ISBN-13: 978-1530467075
 
 
Dedicatória
Com carinho para minha filha Arlet e nossa prima em comum Lorena, porque as duas foram fiéis
defensoras do personagem do Jamie. Aqui têm por fim a seu herói, com as qualidades que tanto lhes
emocionaram e que admiram.
—Arlette Geneve
 
PRÓLOGO
Convento dos Terceiros Franciscanos
A agônica dor lhe mordia o coração deixando uma marca intensa, lhe ferindo. A moça
passou o dorso de sua mão fria pelas pálpebras em uma tentativa de varrer as lágrimas que a
afogavam e que lhe impediam de mostrar uma serenidade necessária em um dos momentos mais
cruciais de sua existência, a perda de um ser amado. Inspirou de forma compassada tentando
normalizar os batimentos de seu coração que golpeavam as têmporas lhe provocando uma dor
surda.
Fizera uma promessa!
Voltou seus olhos ao corpo que jazia na cama imóvel, alheio ao sentimento de aflição que lhe
rasgava os sentidos, deixando-a inerte de iniciativas, e cheia da mais absoluta incerteza.
Contemplou de forma impotente as lesões que cobriam os membros exteriores do corpo amado. O
belo rosto foi envolvido com ataduras quase em sua totalidade. As feridas eram tão graves que os
médicos haviam perdido toda esperança de salvá-la ou de poder mitigar a angustiante dor do
despejo. A moça voltou a explodir em violentos soluços que sacudiam seus ombros, a pena a fazia
dobrar-se em dois e se sentia incapaz de controlar a raiva que a embargava, de mitigar os
remorsos que a acossavam a cada instante, voltando-a louca de ira pelo que estava a ponto de
perder.
A madre superiora lhe passou um braço pelas costas em uma tentativa de lhe oferecer um
consolo que ela rechaçava, abatida no mais profundo de seu ser feminino pelo abandono de que
foi objeto durante sua vida. Seu pai, sua mãe e, agora, ela.
—Deve ser forte, pequena —a moça foi incapaz de responder. Sua mente seguia ofuscada
pela iminente perda, e pela promessa que pronunciara apenas uns minutos antes.
—Vai dar a extrema-unção, desejas esperar fora? — negou com a cabeça ao mesmo tempo
que via como o sacerdote se inclinava para o corpo imóvel e o fazia o sinal da cruz três vezes na
frente e em cada uma das mãos que se mantinham quietas aos flancos. Enquanto seus lábios
recitavam a oração final.
—Quando acontecer, nos ocuparemos do enterro —a madre superiora falava com voz
cálida, pausada, mas ela não a ouvia, seguia contemplando o corpo flácido e pálido ante a
iminência da morte.
—Vêem, acompanharei-te até a saída —sem prévio aviso, a religiosa foi tirando do quarto
onde jazia o corpo amado.
—Quero estar aqui quando acontecer —a madre superiora negou com a cabeça, mas sem
abandonar a doçura em seus olhos castanhos.
—Já não pode fazer nada por ela, salvo cumprir a promessa outorgada.
Maldita promessa! Malditas palavras! Assentiu contendo de novo os soluços.
—É necessário que parta —tentou resistir, mas a madre superiora se manteve tenaz em sua
determinação de tirá-la para as dependências exteriores do convento. Juntas atravessaram as
diversas galerias até chegar à escada principal que dava aos jardins exteriores a religiosa parou
no último degrau de pedra, apoiou ambas as mãos na tremente cabeça da moça para depositar
um beijo em seus cabelos.
—Vai com Deus, minha filha.
Isso ia resultar impossível... porque Deus a abandonou.
CAPÍTULO 1
Sevilha, 1830
A formosa cidade de Sevilha se vestiu de púrpura e ouro essa manhã de maio. As sinuosas
ruas empedradas luziam primorosas engalanadas de flor-de-laranjeira e alecrim. Os vistosos
balcões exibiam seus representativos suportes de vasos de terracota com gerânios que iam da cor
amarelada ao carmesim enquanto que, na maioria das moradias, os brancos jasmins subiam da
divisão pela branca medianeira para as galerias com arcadas dos pátios interiores andaluzes,
vestindo os de cor e beleza. O ar morno da manhã trazia aromas de campo, de tortas de anis e
rosquinhas de vinho e canela.
Os bosques ao longo das ruas estavam em flor, e os grandes casulos de cor parda
avermelhada se balançavam em compassado vaivém ao passo dos comerciantes que, a essa hora
da manhã, começavam a transportar pela cidade em parte adormecida.
Sevilha resplandecia de vida, salvo em um lugar à beira do rio Guadalquivir.
A moça seguiu percorrendo com sua mão tremente a madeira chamuscada e negra, o pó da
fuligem lhe tinha sujado as pontas dos dedos. Tentou inutilmente limpá-los com uma passada rápida
por sua saia celeste sem lhe importar o rastro cinza que ia deixando na pulcra malha, enquanto
que as lágrimas foram deixando um sulco ao redor de suas faces que se tornaram translúcidas
pelo horror. O aroma nauseabundo dos animais carbonizados impregnava seu nariz e fazia que
seu corpo se estremecesse com repulsa. Tudo a seus pés estava morto, a casa que sempre amou
assim como as plantas e a vida que a habitavam.
Seus olhos avançaram por volta do teto da moradia agora destruído e que, desde sua
infância, foi seu refúgio. Tudo ficou reduzido a cinzas, retorcido em uma massa sem forma. Seus
sonhos se evaporaram como o resto do equipamento que contemplava com olhos cheios de pena. A
perda tinha sido substancial, irrecuperável.
Olhou o interior das habitações arrasadas pelas chamas, o formoso mobiliário ardera como
isca ressecada pelo sol e, agora, ficavam convertidos em cinza negra sob seus pés. Elevou uma
prece ao céu pelo criado que perecera no incêndio tentando salvar a casa, o maravilhoso refúgio
que a manteve durante toda uma vida e que foi ereta em uma formosa extensão de terreno à
beira do Guadalquivir. Olhou pela última vez a terra que amava e que foi sua herança desde que
nasceu. A última de suas esperanças foi destruída assim como seu futuro. Chorou
desconsoladamente ante a perda que sofria, pois como se de um sopro de ar se tratasse, acabava
de ficar na completa ruína, na mais absoluta pobreza, na rua, e sozinha.
Caiu ao chão em um lastimoso gemido de angústia. Um grito de sua garganta rasgou a
calma que se apoderara dela. Deus lhe arrebatara tudo o que mais queria. Perdera tudo!
Imediatamente se admoestou de forma severa, ainda tinha a Dorian e jurou por enésima vez
que o futuro dele não dependeria de umas posses queimadas.
—Preciso romper minha promessa, madre, preciso buscá-lo —os ombros da moça
começaram a agitar-se pelos soluços que mal podia conter—. Como pôde acontecer esta
desgraça? —a pergunta ficou suspensa no ar, sem resposta.
O incêndio começara na planta baixa junto à cozinha e foi impossível deter o faminto
avanço das chamas em uma voragem por consumir tudo. O soluço áspero quebrou o silêncio da
tarde.
—É hora de ir-se, pequena —a voz da madre superiora conseguiu tirá-la de seu transe
mortuário e voltou a fixar a vista no horizonte cinza.
A fumaça, espessa e negra, ascendia indolentemente para o céu, a altura que alcançava
ainda seria visível a vários quilômetros de distância. Voltou seus dourados olhos e os posou com
profundo pesar na religiosa que lhe sorria com um olhar de afeto e compreensão.
Suas mãos suaves tentavam lhe transmitir uma paz que estava muito longe de sentir. Se não
estivesse de viagem agora também estaria morta, como ela.
—Tenho medo! Não sei que caminho escolher!
A religiosa a olhou com doçura em seus olhos e lhe devolveu o gesto com carinho, o hábito
lhe conferia à madre um ar etéreo que transmitia paz e ela estava ávida de quietude.
—O caminho o fazemos nós com o mudo de um lugar a outro de nossos pés. Recorda,
pequena, só a morte pode nos dobrar, não umas posses materiais que são fáceis de substituir.
Nada trazemos para este mundo e nada nós levaremos dele —a voz suave conseguiu acalmar
seusmedos.
—Fiz uma promessa —olhou com resignação o rosto sereno da única pessoa que lhe
oferecia consolo, a madre superiora do convento—. Uma promessa que não posso cumprir.
—Tem direito em sabê-lo, minha filha —a moça negou com a cabeça repetidas vezes.
—Por que não me encontrava aqui? Era minha obrigação velar por ela!
—Não havia chegado sua hora, pequena —enxugou os olhos com o branco lenço que lhe
ofereceu a religiosa.
—Obrigada, madre, por tudo —a mulher assentiu com a cabeça de forma solene e a
ajudou a erguesse do chão.
—Eu também fiz uma promessa a lady Isabelle —a moça inspirou várias vezes para
tranquilizar seu espírito. Agarrou com doçura a mão que lhe oferecia a religiosa e se apoiou em
seu ombro quase sem forças.
Perdera em umas horas o mais importante de sua vida.
—Dói-me deixar Sevilha. Amo tanto este lugar que me desassossega não voltar a
contemplá- lo de novo —não havia melancolia nas palavras a não ser uma calma aceitação.
—Sevilha sempre estará em seu coração, pequena, é você a que pode mantê-la viva dentro
de ti.
A moça assentiu de forma leve com sua cabeça ao mesmo tempo que entrecerrava os olhos
com determinação.
—Mas antes devo enfrentar a um ajuste de contas. —A madre superiora a olhou com
suspeita, a moça tinha o queixo apertado e os olhos com um feroz olhar determinado—. Alguém
vai pagar por isso. Juro-o!
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Palácio dos Silêncios, Parque dos Príncipes
Seguia esperando em um dos bancos situados no centro do jardim, o palácio dos Silêncios
pertencia há gerações à família Lara, uma das mais importantes famílias aristocráticas de Sevilha.
O título o ostentava o único filho varão de Sebastián da Lara, casado com a Ana de Guzman,
Alonso, apelidado por ela o Terrível por sua atitude depreciativa e arrogância extrema.
O palácio, chamado dos Silêncios pelo claustro que tinha encostado em sua parte esquerda,
era um dos mais antigos da cidade andaluza. O claustro se compunha de uma planta quadrada,
cada um dos quatro lados recebia o nome de panda. No centro, onde estava situado o poço e o
jardim tinha encostados vários bancos para a leitura e a meditação; ela se encontrava sentada no
que fazia o número três.
No espaço restante, o jardim se abria em quatro caminhos. Elevou seus olhos à galeria ou
corredor coberto limitado por arcadas. Dirigiu seus olhos a panda este onde se achava situada
uma pequena sala que servia como escritório ou biblioteca, independentemente da grande
biblioteca que tinham alguns palácios importantes. A seguir se achava a Sala Capitular, peça que
se considerava de grande importância e que geralmente se construía com rica ornamentação
arquitetônica.
Na Sala Capitular se encontrava Alonso da Lara e Guzman decidindo se a recebia ou não.
Seguiu movendo seus pés pelas frias lajes de pedra, tentando que os nervos não lhe
jogassem uma má passada; ela não ia deixar Sevilha sem antes lhe dizer tudo o que pensava
dele.
—O Duque não pode recebê-la —a moça se voltou com atitude irada para o mordomo que
lhe dera a notícia sem alterar-se, mantinha um austero controle que a encheu de ira.
—Diga ao duque de Fortaleza que não partirei até que acesse em me receber e, importam-
me bem pouco as tarefas que tenha que pospor para isso. Se não atender a minha solicitude,
armarei tanto escândalo que vão cair os muros deste claustro. —O mordomo fez de novo uma
inclinação de cabeça e fechou a porta detrás de si.
Parecia que esteve horas esperando, a porta finalmente se abriu outra vez e o elegante e
enxuto mordomo a guiou pelos amplos corredores até a Sala Capitular.
—A senhorita Denise, Sua Excelência —o homem que estava de costas à porta se voltou com
um olhar gélido em seus olhos felinos. Ela deu um passo para trás de forma involuntária. Odiava-o
com uma intensidade que lhe esmagava.
—Da Lara —ela fez uma ligeira inclinação com a cabeça que foi mais um gesto
depreciativo que de saudação.
—Senhora —as palavras se deslizaram pela comissura da boca dele em um chiado, mal
havia aberto os lábios. O mordomo fechou a grossa porta em silêncio.
— Vem a me devolver o que me roubou? —negou com a cabeça—. Então? —lhe perguntou
com certo cinismo inato.
—Por que, Alonso? —ele elevou as sobrancelhas em atitude interrogante—. Mencionei-te
muitas vezes que eu não tenho a ata e, de tê-la, não a esconderia em minha casa, deveria tê-lo
suposto —seguiu um silêncio incômodo que ela não aproveitou—. Minha gente não tinha a culpa de
sua lascívia, de que seja um bastardo recalcitrante —ele demorou um segundo em chegar até
onde estava ela, Isabel retrocedeu completamente assustada, mas lhe sustentou o olhar com
coragem. Alonso ergueu sua mão até o pescoço dela e começou a perceber seus ofegos com um
sorriso que lhe pareceu diabólico. Isabel lhe temia e tentava que essa debilidade não aparecesse
em seus olhos.
—Usaste-me, me roubou e tem a ousadia de vir a meu lar com acusações? —ela tentou
abafar um soluço, o aroma de queimado ainda lhe ardia na garganta.
—Perdi tudo! —Alonso entrecerrou os olhos suspeitando.
—A que te refere? —inspirou profundamente antes de lhe responder.
—Minha casa —fechou a boca para tragar—, está completamente arrasada por um fogo
intencionado, fogo inimigo —Alonso se apoiou na ampla escrivaninha ao mesmo tempo que cruzava
os braços sobre o peito. Seguia percorrendo seu corpo com desejo mau dissimulado.
—E acredita que eu tive algo há ver? —ela soltou um juramento.
—É o único que tinha algo a ganhar —Alonso esticou os ombros ante a acusação.
—Muito conveniente me culpar depois... —a mulher abafou uma exclamação violenta ante a
expressão dos olhos dele, mas seguiu em silêncio—. Não fui eu o que ofereceu seus serviços como
uma prostituta, nem se rebaixou a ser uma ladra de quarto —o insulto violento a encrespou.
—Essas palavras demonstram o pouco que me conhece, Duque —Alonso elevou o queixo
endurecido e reduziu os olhos a uma fenda.
—Cada curva de seu corpo —a voz de Alonso se tornou sensual, envolvente, enquanto a
percorria centímetro a centímetro com olhos de amante insatisfeito—, cada sarda atrevida que fiz
minha com cada beijo... Te conheço muito bem, essa é minha desgraça —ela caminhou um passo
para ele com a alma nos punhos e a ira saindo por suas pupilas.
—É um cretino mal nascido... —Alonso lançou uma gargalhada cheia de cólera.
—Se não pensa em me devolver a ata, faz-me perder o tempo com sua presença. —Isabel
inspirou para serenar-se.
—Preciso recuperar meu investimento. —Alonso já negava com a cabeça.
—Muito tarde, senhorita Denise, temo-me que sofreu perdas irrecuperáveis —Isabel ofegou
lastimosamente.
—Não tinha nada mais além desse dinheiro, era meu dote!
—Me retorne a ata e é possível que recupere o investimento de seu dinheiro.
—Não tenho a ata! Já lhe mencionei isso!
—E eu não tenho seu dinheiro —Isabel fechou os olhos ante sua resposta.
—É desprezível enganando a uma mulher indefesa —Alonso girou com violência.
—Se já tiver terminado, senhorita Denise, sou um homem extremamente ocupado —Isabel
seguiu olhando suas costas com um nó em sua garganta que a afogava.
Investira todo seu dote no projeto naval da companhia A Cruz onde o maior investidor e
presidente era o duque de Fortaleza, Alonso da Lara e Guzmán. Podia-se ser mais desgraçada?
De repente, os olhos da Isabel divisaram o selo ducal.
—Não posso fazer nada para que repense? —o aludido deu a volta devagar ao ouvir o
tom meloso dela, atraiu-a para si com um só movimento do braço. De novo agarrou seu pescoço
por debaixo da nuca e colou sua cabeça a seu rosto. Inclinou a cabeça até quase roçar os lábios
ao mesmo tempo, Isabel afogou um gemido de medo e seguiu sustentando seu olhar com mais
determinação que coragem.
—Ainda tem a capacidade de me tentar... sabe. Aproveita-te da debilidade que sinto por ti
—rezou para que não percebesse o tremor de suas pernas. Alonso aproximou sua boca à orelha
de Isabel enquanto lhe sussurrava palavras íntimas.
—Cheira diferente. —Isabel atalhou pelo caminho do meio. Tinha muito a perderse ele
chegasse a suspeitar de suas intenções.
—Aquilo terminou, Alonso, o aceita!
—Poderia fazer que lhe enforcassem.
Ela não pestanejou ante a ameaça.
—Eu não tenho a ata! —a mão do Alonso se fechou ainda mais forte em torno de sua nuca,
tinha separado os lábios prometendo...
—Vieste! Acreditei que estava zangada comigo! —as duas cabeças se separaram
imediatamente e voltaram seu rosto para Rosa, a prima de Alonso. A moça de cabelo negro cruzou
a sala com passos rápidos até chegar ao centro da sala.
Alonso apertou os lábios em uma careta cínica.
—Trataste-a bem? —Alonso optou pelo silêncio ao ouvir as palavras de Rosa que tinham um
tom recriminatório em sua profundidade. Conhecia o grande afeto que se professavam ambas as
mulheres, mas a traição da senhorita Denise o marcava com o fogo da suspeita. Tinha uma dívida
pendente com ela e se jurou que o ia fazer pagar com acréscimo.
Isabel suspirou ao fim pela oportuna entrada de Rosa, baixou os olhos com cuidadosa
atenção enquanto Rosa cruzava os passos que a separavam da Isabel e, ao chegar junto a ela,
abraçou-a com afeto genuíno.
—Faz tanto tempo que não sei de ti —Isabel foi incapaz de responder porque Rosa voltou
os olhos para seu primo que seguia na mesma postura indolente—. Mandaste que tragam um
refresco para nossa convidada? —Alonso negou com a cabeça ao mesmo tempo que fazia uma
careta de advertência a sua irmã para que não continuasse por esse caminho de camaradagem
intencionada. Rosa voltou seu rosto para a Isabel—. Tinha tanta vontade de verte! As festas não
são as mesmas sem ti. —Isabel terminou por lhe oferecer um sorriso sincero.
Olhou os olhos amendoados de Rosa que desprendiam um calor de bondade que
conseguiam derreter o coração mais frio, salvo o de seu primo.
—Parto-me da Espanha —os olhos de Rosa se abriram com surpresa ante a notícia
inesperada.
—Por quê? Quero dizer, aonde te parte? —perguntou com um fio na voz.
—Preciso procurar a alguém que me ajude a recuperar meu investimento. Sinto-me
totalmente traída. —Isabel olhava ao Alonso enquanto dizia as palavras em um tom ácido.
—Me conte tudo... não posso conceber que te parta de Sevilha, assim, de repente —Isabel
se voltou para a porta com decisão, Rosa conseguiu agarrá-la pela mão—. Não fica para tomar
um café? —Isabel negou com a cabeça—. Por quê? —não lhe permitiu continuar.
—Pergunte a seu irmão, Rosa. Pergunte ao duque de Fortaleza por que tenho que
abandonar Sevilha —sem esperar a resposta saiu pela porta em um silêncio furioso. Rosa se voltou
para seu primo com uma interrogação nos olhos.
—O que aconteceu Alonso? —o Duque se voltou com rapidez e olhou a ampla janela atrás
de sua mesa de trabalho. Ofereceu a sua prima as costas sem um pingo de remorso em sua
postura rígida—. Durante um tempo acreditei que a amava —Rosa contemplou como seu irmão
esticava os ombros, mas seguia lhe oferecendo um completo silêncio—. Agora, por seus prejuízos
perdi a uma boa amiga —Alonso se voltou com a rapidez de um felino e a perfurou com um olhar
furioso. Sua prima sustentava a altivez de uma mulher que sabe o que quer. Seus vinte e quatro
anos a cobriam de um halo de maturidade atraente.
Saber de quem era filha... lhe voltou a perfurar as vísceras.
—Irmã Teresa aceitou sua solicitude de ingresso no convento da Encarnação de religiosas
agostinianas —Rosa inclinou a cabeça a modo de aceitação. Sabia qual era seu lugar e o
assumira com uma docilidade surpreendente.
—Para quando está previsto meu ingresso no convento da Santa Marta? —Alonso apertou
os lábios ante o nome popular do convento da Encarnação, só a gente de classe humilde se referia
ao convento desse modo e, ele detestava a familiaridade com a que falava sua prima.
—Seu ingresso está previsto para este próximo outono. —Rosa assentiu com a cabeça,
Alonso pôde apreciar a palidez que cobria suas faces e um certo remorso o sacudiu—. É o que
queria —Rosa voltou a assentir com um sorriso trêmulo.
—Mas não te perguntei por meu ingresso no convento, perguntei-te por que minha amiga
deve abandonar Sevilha. —Alonso seguiu em um mutismo suscetível de interpretação—. O que tem
feito? —Alonso apertou os lábios—, sigo esperando uma resposta —os negros e insondáveis olhos
do Alonso percorreram a escrivaninha de madeira de nogueira, deteve- se um instante na pequena
terrina de prata onde estava acostumado ficar seu selo. Dilatou as pupilas ao compreender que a
senhorita Denise o levara diante de seu próprio nariz. Usou como desculpa a acusação para
aproximar-se dele e...
—Juro que a matarei! —Alonso inspirou profundamente para abafar a raiva que começava
a bulir dentro dele.
CAPÍTULO 2
Inglaterra, campos do Redtower
O disparo ainda ressonava com fúria dentro dela e a fazia tremer com vacilação, mas
voltou a carregar a arma sem pestanejar. Uma lágrima solitária escorregou por sua cara até
chegar a seu queixo lançando-se até o nascimento de seus seios onde morreu. A égua ruana que
comprou ao desembarcar no Dover e quebrara uma pata, havia-lhe custado uma pequena fortuna,
mas finalmente a sacrificara para não alongar seu sofrimento. Tragou um lamento queixoso ante
sua má sorte. Ainda ficava um longo trajeto até o Redtower. Seguiu percorrendo o estreito caminho
em busca de ajuda, embora começavam a cansá-la o frio, a névoa e a má sorte que a
acompanhava desde sua saída da Espanha. Chegara até a Inglaterra em busca dele, seu coração
pulsou mais depressa ante a expectativa do encontro. Não sabia de que forma a receberia, se
estaria disposto a assumir o compromisso que havia adquirido com ela, e essa luta de sentimentos a
desmotivava. De repente seus olhos divisaram a cerca de estacas que delimitavam a propriedade
em que se encontrava, duvidou para onde deveria encaminhar seus passos, o cruzamento de
caminhos a desconcertou momentaneamente, mas decidiu seguir caminhando para o fronte sem
abandonar o cercado que ficava a sua direita. Fechou sua capa de cor cinza em torno de sua
figura e olhou os pés gelados, o barro tinha quebrado suas botas as deixando imprestáveis, o
calor de Sevilha lhe pareceu nesse momento como água de maio em uma seca do verão. Quanto
lamentava as queixa inconformistas que o implacável sol andaluz lhe tinha arrancado desde sua
infância. Olhou o céu coalhado de nuvens que pendia sobre sua cabeça e sacudiu a ingratidão
que a enchia para poder prosseguir seu caminho sem mais lamentações.
De repente, abriu os olhos com surpresa, chegara a um lago que lhe pareceu extremamente
bonito. O embarcadouro tinha dois solitários barcos amarrados e o viu! O formoso cavalo branco
que pastava tranquilamente junto à borda, Isabel entrecerrou seus olhos, se havia cavalo, havia
cavaleiro, tentou divisar ao dono, mas não conseguiu vê-lo por nenhum lugar. Seria possível que o
cavalo estivesse sozinho? Impossível, raciocinou. O formoso exemplar devia custar uma fortuna,
Isabel conhecia bem o que podia chegar a valer no mercado um semental excepcional como esse.
Em Sevilha havia fazendeiros que se dedicavam única e exclusivamente à cria de cavalos de pura
raça, e ela percebeu que o objeto de seu desejo era uma raça sem mistura.
Valorizou-o com olho crítico. A altura da cruz devia alcançar o metro sessenta ou sessenta e
cinco, tinha o porte orgulhoso e muito elegante, a cabeça, de tamanho médio, ligeiramente deitada,
um magnífico exemplo de semental espanhol. O cavalo não se assustou ao vê-la, ondeou suas
crinas ao sentir a presença dela e a olhou com olhos vivazes, quieto. Seguia mordendo a erva
fresca alheio ao interesse que despertava.
Aproximou-se suavemente cantarolando, tentando que o cavalo não se assustasse. Isabel
chegou até ele e lhe deu a cheirar sua mão antes de começar a passá-la pela suave pelagem
branca com bolinhas cinzas, seguia lhe sussurrando palavras afetuosas.
Morria de vontades por montá-lo.
A falta de sela ia resultar um impedimento porque mal sabia montar a pelo, mas julgou que
as atuais circunstâncias não permitiam mostrar uma falsa dissimulação. Chegar até sua donzela e
Dorian não lhe ia resultardifícil com o formoso cavalo. Os deixara esperando em um cruzamento
do caminho, ela se afastara uns dois quilômetros para encontrar ajuda e Deus lhe mandara um
formoso exemplar de quatro patas, que mais podia pedir?
O pigarro a pilhou tão de surpresa que quase perde pé quando se voltou com ímpeto
desmesurado. O homem recostado entre os arbustos e com um raminho de urze na boca, lhe
ofereceu um sorriso apreciativo e brincalhão. Com razão não percebera sua presença! A adelfa
com suas folhas parecidas com o louro e de flores amarelas o ocultava quase por completo. O
rosto do homem que a olhava com calculada arrogância lhe desencaixou as ideias. Era
terrivelmente bonito! Seu cabelo escuro e espesso estava revolto, os olhos de um azul violeta lhe
fizeram soltar um suspiro que afogou antes de que ele percebesse o agradável que lhe resultara
à vista. Sem lugar a dúvidas se tratava de um cavalheiro, a qualidade das roupas, o porte e a
altivez o delatavam embora o descuidado de seu traje a surpreendeu.
Levava a camisa branca aberta em dois botões e, graças a isso, pôde apreciar a parte de
pele que aparecia por seu peito, pareceu-lhe indecente, mas estranhamente atraente. Tinha as
calças de ante marrom bastante enrugados por estar sentado no chão, mas a ele parecia não lhe
importar esse mínimo detalhe. Pigarreou tentando encontrar a voz que lhe devia ter escorrido ao
chão porque não podia pronunciar palavra.
O homem se ergueu e, quando se elevou em toda sua altura, Isabel inspirou algo intranquila
pela espera. Era tão alto que ela ia ter um problema sério se pretendia apropriar-se de seu
cavalo e ele se mostrasse resistente, coisa que ia acontecer sem lugar a dúvidas.
—Senhor, deu-me um bom susto! —tratou com suas palavras de lhe tirar importância a sua
inoportuna aparição em uma propriedade privada.
Jamie olhou à mulher de cabelo castanho que se dirigia a ele em inglês embora com um
marcado acento espanhol. Olhou com certa avidez os dourados olhos que, por um momento,
deixaram-no aturdido. Ao ver sua cútis bronzeada soube que era uma mulher a quem não lhe
importava dar longos passeios ao sol. A marcada boca sensual o atraiu imediatamente, percorreu
com seus olhos a esbelta embora miúda silhueta.
Se não fosse pela estatura e o cabelo, algo menos cacheado, teria acreditado que...
—É um precioso cavalo —ele seguia sem lhe responder e Isabel se encrespou pela grosseria
de seu silêncio e por quão nervosa estava ante seu magnetismo varonil. Por que a olhava com esse
ar de patife vagabundo? Por que lhe encolhia o estômago para o tamanho de uma noz ao
contemplar seu sorriso?—. Necessito ajuda!
Jamie se fixou na parte baixa de seu vestido enlodado e a enrugada capa que ela se
empenhava em fechar em torno de si, mas não podia afastar seus olhos dessa boca cativante, o
lábio superior era tão voluptuoso como o inferior e lhe conferiam um aspecto atraente, erótico, a
moça tinha uma boca cinzelada para provocar aos homens, Jamie foi consciente de sua presença
desde que ela tomou o caminho do embarcadouro. Seguir o balanço de seus quadris ao caminhar
lhe parecera sensual e digno de atenção.
—O que precisa é imediatamente de um banho —Isabel jamais teria esperado essa
resposta. Sabia que estava suarenta e que seu vestido ficara imprestável, mas o ordinarismo da
afirmação a incomodara mais do que queria admitir.
—E você, o que precisa são maneiras ao dirigir-se a uma senhora —Jamie elevou as
sobrancelhas ante a réplica. A moça lhe sustentava o olhar com insolência.
—Não sou eu o que presume de senhora e em troca parece uma cigana cheia de imundície
—Isabel se ergueu ainda mais de forma altiva e o olhou desafiadoramente. Falava-lhe em um
perfeito espanhol quase sem acento. Estava atônita.
—Levo caminhando mais de duas horas neste barro pegajoso. Estou cansada e quão último
preciso são os conselhos de um moço de quadra que vadia desatendendo seu trabalho. —Isabel
calou um momento para tomar fôlego antes de poder continuar, mas ele lhe adiantou.
—Que classe de ajuda necessita, senhora? —ela soltou o ar que esteve contendo até esse
momento, ao fim ia conseguir ajuda! Isabel relaxou seus ombros.
—Necessito que me empreste seu cavalo —o rosto do Jamie não se alterou—. Preciso
chegar ao Redtower.
Os olhos do Jamie se abriram com uma faísca de interesse em sua profundidade ao escutar
o nome. Por que necessitava a moça chegar até o Redtower? Estava completamente intrigado.
—Estava disposto a lhe oferecer outro tipo de ajuda.
Isabel lhe sorriu de forma cândida sem apreciar o interesse nas palavras dele.
—A essa também estou disposta a aceitá-la —Jamie soube imediatamente que não o
entendera ou não lhe estaria sorrindo dessa forma tão devastadora para seus sentidos. Desde que
notara sua presença, seus pelos corporais se crisparam como se tivessem vida própria.
A cigana resultava um ímã para seu corpo, não podia separar seus olhos dela.
Isabel sentiu o perigo que representava o inglês e tomou as devidas precauções, um passo
para trás. Jamie riu pelo gesto precavido.
—Estou disposto a lhe oferecer toda a ajuda que necessite —Isabel entrecerrou os olhos
com muita cautela, não compreendia o tom ávido que observou no homem, mas, antes de que
pudesse formular uma resposta, Jamie diminuiu a distância que os separava e se deteve a escassos
centímetros dela. Isabel sentiu um calafrio pela espera, a seus olhos dourados apareceu um brilho
de temor que dominou justo no momento em que colocou sua mão no bolso de sua ampla capa.
Quando tocou o metal frio de sua pistola, a confiança voltou a instalar-se de novo em seu peito
que se agitava por sentimentos de precaução e curiosidade. Sabia o que precisava fazer em caso
de que o inglês se mostrasse reticente, mas seria capaz de levá-lo a cabo?
—Deve me dar uma recompensa se a ajudar... —Isabel não lhe permitiu continuar.
—Darei-lhe um muito obrigado em maiúsculas! —Jamie negou com a cabeça sem separar os
olhos de sua boca. Cada vez que via mover-se esses lábios de cereja, o estômago lhe dava um
tombo.
—Eu preferiria um beijo maiúsculo —Isabel aumentou os olhos com cautela. O jargão que
utilizava o inglês a desconcertava.
—Mas não beijo a desconhecidos.
—E eu não ofereço minha ajuda a desconhecidas cheias de imundície por mais bonitas que
sejam.
—Então não me deixa mais opção que me apropriar de seu semental sem sua permissão —
ao mesmo tempo que dizia as palavras, Jamie observou assombrado que a moça tirava uma arma
de seu bolso e lhe apontava diretamente com ela. Conseguiu surpreendê-lo por completo. O que
pretendia fazer com esse brinquedo? Não soube se estava brincando ou não, mas o olhar sério
que lhe brindou lhe deu muito mais informação do que necessitava. Jamie deteve seu olhar na boca
dela mais tempo do que era normal e Isabel, por sua vez, fez um gesto com a cabeça para que se
afastasse do cavalo que seguia pastando com absoluta despreocupação, felizmente, mais perto
dela que dele.
—Está brincando! —Isabel negou silenciosa. Jamie seguia sem mover-se.
—Afaste-se lentamente do cavalo —Jamie se negava a deixar-se manipular e, quando fez
gesto de continuar direto para ela sem fazer caso de sua petição, Isabel engatilhou a arma. O
assombro o paralisou.
Olhou diretamente à moça que não pestanejava, olhava-o de forma tão intensa e
penetrante que suas calças ficaram estranhamente pequenas e o coração anormalmente
acelerado. Admirou sua coragem embora estivesse equivocada.
—O roubo aqui se castiga com a forca e a ameaça para um homem... —deixou a
advertência sem terminar, mas nem um estremecimento sacudiu à moça ante suas palavras, ele
soube que não lhe tinha medo e mais que lhe enfurecer, o divertiu.
—Não voltarei a repetir. Afaste-se lentamente do cavalo e não lhe ocorrerá nada —Jamie
terminou por aceitar sua ordem, deu dois passos para trás sem lhe tirar os olhos de cima.
—Sabe que a encontrarei —ela levantou ainda mais a arma e lhe apontou diretamente à
cabeça.
—Me diga a que estábulo pertence e farei que lhe devolvam seu cavalo sem que tenha
sofrido o menordano. Ofereço-lhe minha palavra.
Jamie se divertia com a inocência dela, pois, a um só assobio dele, Olé a ia deixar estirada
no chão. Já se esfregava as mãos pensando no espetáculo, salvo que não lhe ia dizer nada, a
patife ia comprovar por si mesma.
—A palavra de uma ladra? —Isabel se surpreendeu pela brincadeira que deixava
transluzir o tom de sua voz. Tinha-o ameaçado com uma arma e o homem não a temia. Seguia
olhando-a com um desejo na profundidade de seu olhar que despertou as mariposas de seu
estômago pela primeira vez em sua vida.
—A palavra de uma cigana imunda que se acredita uma senhora. —Jamie sorriu ante sua
brilhante e mordaz língua. Tinha o rosto de uma picara consumada além de um olhar brincalhão.
Isabel continuou—. Normalmente não tomo posse de nada que não seja meu por direito; entretanto,
as atuais circunstâncias me apressam para que atue de forma diferente.
Jamie acreditou que estava tentando justificar o injustificável, mas a situação lhe pareceu do
mais suculenta, se ela acreditava que podia intimidá-lo com uma pistola, ia ter uma surpresa.
—Diga-me seu nome por favor —Jamie seguiu sem responder a sua pergunta e comprovou
sobressaltado que a moça superava os passos que ele tinha posto entre ambos, fez algo
completamente inesperado e audaz, elevou-se nas pontas dos pés, pois Jamie era bastante mais
alto, mal lhe chegava ao ombro e, com a mão que tinha livre, sujeitou o pescoço de sua camisa,
inclinou-o até a altura de sua boca e de forma impenitente, descansou seus lábios na boca dele, de
forma suave, como se fosse uma mariposa que agitasse as asas em uma flor sem atrever-se a
posar-se nela. O cano da pistola lhe cravou nas costelas e Jamie sopesou que poderia disparar
acidentalmente se ele fizesse um movimento brusco. Optou por ficar quieto enquanto obtinha o
beijo mais estranho que recebera.
Mas nada o preparou para a descarga elétrica que recebeu com o beijo atrevido, acreditou
que um raio o atingira e lhe partira o crânio em dois. Depois da descarga, suas mãos adquiriram
vida própria. Sujeitou-a pela cintura para atraí-la para seu corpo, uma de suas mãos subiu sobre
a ondulação de suas costas e alcançou o caminho de sua garganta onde deixou descansar os
dedos em uma carícia sublime que ela aceitou com um gemido prazeroso.
Com sua língua a acariciou e delineou com prazer, detendo-se em cada sarda que
encontrava. A cabeça da Isabel começou a girar vertiginosamente, o beijo de agradecimento se
estava convertendo em uma resposta de selvagem aceitação. O inglês sabia muito bem. Cheirava
extraordinariamente bem e ela não estava bem absolutamente, não desejava soltá-lo ainda; então,
a mão do Jamie se fechou em torno de seu pescoço em uma advertência que não desperdiçou e
que ela não entendeu devido à confusão que lhe provocara o beijo.
—Quando alguém lança um farol, senhora, precisa saber o risco que corre se o descobrem.
Isabel ficou desarmada em um segundo, Jamie lhe prendera o braço atrás das costas e o
deixara inutilizado, os dedos dela se abriram como manteiga ante a pressão que ele exercia sobre
seu pulso, obrigou-a a soltar a arma que caiu ao chão com um ruído surdo. Jamie a lançou com um
pontapé aos arbustos espinhosos. Um rubor de incredulidade e de cólera a cobriu por completo ao
compreender que esteve mais pendente do beijo que da ameaça que lhe prodigalizara. O fato a
sacudia sem compaixão.
Miúda assaltante de caminhos parecia!
—O que dizia sobre um cavalo? —a pergunta zombadora conseguiu mortificá-la
grosseiramente.
—Pretendia lhe dar um beijo de agradecimento. —Jamie elevou as sobrancelhas com
assombro pela resposta. A moça o tentava muito.
—Nisso sim pode me agradar —de novo inclinou a cabeça e se apoderou de sua boca. Se
sentia delicioso, com um sabor entre cereja e amora, não se decidia pelo sabor, mas os lábios eram
os mais delicados que provara em sua vida.
Começou a perder-se entre seus beijos ávidos de perguntas até que sentiu a folha fria de
aço em sua garganta, a moça pressionou levemente a folha afiada lhe fazendo uma linha púrpura
que ele ia recordar durante algum tempo. Apesar da desvantagem, sorriu.
—O que dizia sobre um farol? —a moça se separou lentamente dele, mas Jamie tinha outras
intenções, pisara com sua bota na barra de seu vestido, que se rasgou com violência quando ela
tentou dar a volta com rapidez.
Isabel olhou para baixo sem acreditar no que viam seus olhos, quando elevou o rosto e
olhou os olhos dele, se encolheu de ira, o desgraçado o fez a propósito! Com um rugido de cólera
arremeteu contra Jamie, o golpe seco a desestabilizou e Isabel acabou por aterrissar no chão, mas
em sua queda conseguira aferrar-se à camisa dele e Jamie acabou no chão com ela. Isabel
começou a golpeá-lo como uma louca utilizando seus pés, suas mãos e a boca, ao mesmo tempo.
Jamie tinha muitos problemas para parar a investida já que procurava seus olhos para arrancá-los
e não duvidava de que pudesse consegui-lo.
Sujeitou-lhe ambas as mãos por cima de sua cabeça ao mesmo tempo que se sentava
escarranchado sobre seu estômago, o sorriso triunfante dele a incomodou ainda mais que a
postura vergonhosa dele.
—Miúdo demônio briguento! —Isabel seguia agitando-se, tentando fazer que ele se
levantasse e deixasse de oprimi-la. Parecia-lhe a situação mais humilhante de sua vida. A mais
execrável, a mais...
—Deixe que me levante! —Jamie negou com a cabeça.
—Se me der um beijo, sim. —Isabel sabia que estava em clara desvantagem, precisava
mudar de estratégia ante esse pedante inglês. Não o pensou nem um instante, se um beijo era tudo
o que ele reclamava...
—Só um? —Jamie não necessitou mais convite, desceu sua boca pela dela e de novo voltou
a perder-se entre seus lábios suculentos. Sem dar-se conta soltou uma das mãos dela. Quão
seguinte sentiu foi uma pedrada na cabeça que o sumiu na inconsciência.
CAPÍTULO 3
Estava morto de medo!
Depois da árdua discussão com o mordomo que impedira que sua donzela a acompanhasse
a grande sala, seu humor baixara vários pontos. Estava cansada e suarenta, a longa viagem
conseguira fazer com que sua determinação a mostrasse firme. Olhou os altos tetos do salão e
reconheceu que o que via lhe agradava o bastante, mas não conseguia sacudir o desconcerto de
cima. Bebera com grande prazer o refresco que lhe serviram e se surpreendeu de que a mulher
que ouvira sua petição de ver o Conde tivesse aceito tão complacentemente seu requerimento.
Havia esperado durante um longo minuto, os pelos da nuca ficaram arrepiados devido à espera
mas, felizmente lhe sorrira e pedira que esperasse, não lhe tinha passado por cima o estranho
brilho de seus olhos nem soube como interpretá-lo. De novo, elevou seus ombros doloridos e se
dispôs a seguir esperando a visita do homem que esperava há tanto tempo. Seu estômago
começara uma dança louca ante a esperança de que a aceitasse. Confiava em que não fosse
muito duro com ela: Se fosse, não poderia suportá-lo.
Que doce podia ser a esperança! Que amarga a decepção!
—Deseja uma audiência, moça? —Isabel se virou bruscamente ante o som seco de uma voz
de mulher. Olhou o rosto da anciã com surpresa e admiração. O passo dos anos estava sendo
magnânimo com ela. Contemplou seu cabelo prateado, seu porte erguido e seu olhar altivo. Os
rasgos do rosto da mulher seguiam sendo formosos, e a linhagem que levava seu sangue ainda
podia apreciar-se em cada gesto. Em cada movimento. Soube imediatamente de quem se tratava e
ficou ainda mais nervosa.
—Desejo uma conversa privada com dom Velasco. —Maria olhou com surpresa à moça que
se mantinha em uma atitude desafiadora sem baixar a guarda, e se perguntou por que seus olhos
se mostravam receosos. Seu desalinho a surpreendeu porque suas palavras cuidadas mostravam
que foi educada com rigor e atenção.
—O conde Ayllón é um homem extremamente ocupado. Diga-me porque o requer e eu lhe
transmitirei sua solicitude. Se o estimar conveniente lhe oferecerá a oportunidade de uma entrevista
futura —a moça negava com sua castanha cabeça ao mesmo tempo que endurecia firmementeo
queixo.
—O que me trouxe até o Redtower é um assunto urgente e privado —Maria a olhou com
uma admoestação em seus olhos castanhos. Observou à moça, sua régia determinação, e soube,
nesse mesmo instante que algo muito grave estava a ponto de acontecer. O pranto de um menino
que dormitava no amplo sofá de pele e que escapara da observação dela quando entrou na sala
a fez que desviasse seus olhos da moça. Contemplou cheia de suspeita como a moça se voltava de
forma atenciosa para o menino que esfregava os olhos de forma sonolenta, elevou-o contra seu
peito e começou uma canção de ninar para tranquilizá-lo.
O coração de Maria se deteve!
Maria sentiu que o sangue lhe gelava nas veias. Olhou os cachos castanhos do menino e,
quando os olhos da criatura se encontraram com os seus, pensou que ia cair ao chão fulminada. A
moça tinha em seus braços uma miniatura de Rodrigo, os mesmos olhos dourados, o mesmo perfil da
boca.
—Virgem Santa! Como é possível? Deus bendito! —a mente da Maria era um enxame de
especulações titubeantes. Olhou à moça com novos olhos e, ao compreender sua juventude, sentiu
na alma uma pena aniquiladora.
Seu Rodrigo? impossível! Não podia ser certo o que seu coração suspeitava.
Os olhos da Maria se reduziram a duas linhas negras e, então, o monte de recriminações que
tinha na boca se desfizeram como um castelo de areia quando o alcança uma onda da praia
enfurecida. Maria levou uma mão à garganta em uma tentativa de abafar o grito estrangulado
que pugnava por sair. Mal se sentia capaz de desviar a vista da jovem e a criatura que
contemplava com olhos exagerados. Estava agitada e lutava para que lhe chegasse o oxigênio
aos pulmões.
Estava a ponto de começar um desastre.
A risada aberta do Rodrigo chegou a ambas do vestíbulo, certamente compartilhava alguma
brincadeira com seu sócio, o duque de Arun. Maria escutou os passos que se aproximavam da
biblioteca, seu filho era um homem de não ocultar seus sentimentos; sua alegria e seu senso de
humor eram conhecidos e valorizados por todos os que viviam na torre. Maria sentiu uma pontada
de dor ao imaginar que não voltaria a escutar essa risada por muito tempo.
Se suas suspeitas resultassem ser certas... Jesus!
A maçaneta da porta cedeu à pressão da mão e se abriu com suavidade. Primeiro entrou
Devlin seguido de perto pelo Rodrigo e a seguir, Eulalia. A sala ficou em um absoluto silêncio que
envolveram todos com suas bocas fechadas.
—Mãe, ignorava que tivesse uma convidada —os olhos de Rodrigo passearam pelo rosto
da desconhecida durante um instante tão longo que parecia como se o tempo se deteve. Acreditou
que sua mãe estava tratando um assunto doméstico e se admoestou interiormente por havê-la
interrompido, parecia que a moça o estava passando mal. Certamente estava recebendo uma
reprimenda. Com uma breve inclinação de cabeça tentou despedir-se—. Deixarei que atenda seus
assuntos em privado, Devlin e eu continuaremos nosso bate-papo no jardim.
Eulalia ficou na entrada da sala bloqueando a única via de escape, por nada do mundo ia
permitir que Rodrigo saísse da sala até que escutasse o que a moça tinha para dizer, não pensava
perder o espetáculo que ia começar de um momento a outro e com o que ia desfrutar muito.
Rodrigo olhou a Eulalia sem compreender essa postura belicosa em seu corpo e em seus olhos.
—Como pudeste? —Rodrigo voltou os olhos a sua mãe com surpresa pelo tom áspero de
voz—. Acreditava que te eduquei com honra. Pensei, erroneamente, que fosse uma pessoa
responsável por seus atos, mas devo admitir que me sinto profundamente decepcionada.
Rodrigo olhou à moça acreditando que as palavras foram dirigidas para ela, mas sua mãe
estava olhando a ele de forma acusadora. Voltou a cabeça para o Devlin que fez um encolhimento
de ombros.
—Sim, estou falando contigo, filho meu —Rodrigo voltou os olhos para a Maria.
—A que vem esta apologia de meus defeitos? —Maria tragou a saliva espessa e fechou os
olhos tentando conter as lágrimas. No que estaria pensando Rodrigo para implicar-se com uma
moça que podia, por idade, ser sua filha?
—Arrastaste o sobrenome Velasco pela lama —Rodrigo elevou suas sobrancelhas com
surpresa—. Jamais acreditei que chegaria o dia que lamentaria... Como pudeste fazer algo tão
irresponsável e carente de sentido comum? —o açoite verbal ia deixando ao Rodrigo estupefato.
Devlin voltou seus olhos para a Eulalia e lhe fez uma pergunta muda com eles. Eulalia fez um
gesto e gesticulou a que esperasse.
—Não tenho tempo para adivinhações —Maria arrancou o menino dos braços da moça e o
mostrou diretamente ao Rodrigo. Isabel ia lançar um protesto, mas se conteve.
Felizmente o menino estava muito ocupado observando tudo para queixar-se pelo tom dos
adultos. Seus brilhantes olhos não se separavam da Eulalia que o fazia piscadas contínuas.
—É esta sua adivinhação? Quanto tempo mais pensava ocultá-lo? Escondê-lo de mim? —
Rodrigo olhou ao menino que sustentava sua mãe e não soube a que se referia. A confusão deveu
refletir-se em seus olhos porque Maria afundou os ombros completamente derrotada—. Vais negar
seu próprio sangue? —a moça avançou um passo para o Rodrigo.
—Juro que não entendo nada! —avançou outro passo, silenciosa.
—Olha-o, Rodrigo! Olha-o e me diga que não tem nada que ver com ele! —Rodrigo
endureceu seu olhar ao compreender que a moça tentava comprometê-lo. A ira começou a
alcançar o ponto de ebulição necessário para a desforra. Então a moça queria lhe aguentar algum
bastardo tido com algum moço de quadra. Duvidou, pois não tinha modo de saber se trabalhava
na torre ou não e em que raciocínios se teria apoiado ela para incriminá-lo.
—Não sei o que esta desavergonhada pôde te contar, mas não tenho nada que ver com ela
e... —a olhou de cima abaixo com desdém—, por seu aspecto, não o teria jamais. —Isabel abafou
uma exclamação dolorida e seus olhos voltaram a alagar-se em lágrimas. O insulto lhe tinha doído
muito. Sabia que seu aspecto distava muito de parecer uma senhora, mas mesmo assim, o
comentário depreciativo lhe ardeu mais que se a tivessem esfolado em salmoura.
—Como é possível que o negue? —o sussurro entrecortado fez que Rodrigo se enfurecesse
ainda mais. Isabel o olhava com uma adoração quase reverencial e todos os presente acreditaram
entender o que transmitiam seus olhos. Era de todo impossível que uma moça olhasse dessa forma
a um homem sem conhecê-lo, sem amá-lo profundamente.
—Como tem a falta de vergonha de pretender que o admita? —a moça avançou outro
passo para ele e Rodrigo pôde apreciar sua juventude, no que estaria pensando para inventar
algo tão desatinado? Se vê logo que era uma menina! Demencial! Notou o brilho de desconsolo
que a balançava e acreditou, por um momento, que a moça não lhe resultava de tudo
desconhecida, mas duvidava onde poderia havê-la visto e em que circunstâncias.
A confusão do Rodrigo era visível em seu rosto.
—Mesmo que estivesse entre mil homens eu o reconheceria no ato. Seus olhos, seu sorriso —
Rodrigo amaldiçoou pela implicação das palavras dela, que o enforcassem!
Parecia como se tivessem compartilhado intimidade e ele poderia jurar por sua alma que
não a vira em sua vida. A moça seguia avançando e Rodrigo seguia retrocedendo. O jogo de
emoções de seu rosto devia parecer-se com o de um inocente frente a um pelotão de fuzilamento,
nada o preparou para enfrentar-se a uma acusação semelhante e muito menos vindo de uma
menina. Estava a ponto de perder todo o aprumo aprendido durante anos. Rodrigo estava
encurralado entre a parede e a moça e, esta, sem prévio aviso abriu seus braços e rodeou com
afeto sincero sua cintura. Rodrigo se sentia atônito por seu comportamento estranho, estava a ponto
de fazer algo lamentável.
—Papai! Por favor, não renegue a mim, não poderei suportá-lo.
—Papai! —exclamou o Duque.
—Pai? —perguntou uma Maria atônita.
—Isto é melhor do que eu esperava! —a exclamação da Eulalia não conseguiu surpreender
a ninguém.
A moça acabava de abrir a caixa de Pandora.
CAPÍTULO 4
Rodrigo estava estupefato, a incredulidadetransbordava por seus poros e tentava
desfazer-se do abraço da moça para tentar recuperar o aprumo. O suor frio ia percorrendo as
costas embora permitiu que a moça se consolasse em seu abraço. De forma paciente foi levando
para a poltrona de flores vermelhas em uma tentativa de escapar dela.
Maria não saía de seu assombro. Olhava de forma alternativa à moça e ao menino que
havia trazido com ela e que ainda sustentava nos braços. O menino rodeara com seus bracinhos o
pescoço dela que se sentia incapaz de especular sobre nada mais. Surpreendentemente seguia
sem mostrar-se assustado. Eulalia foi a única que manteve um pouco de prudência nessa afirmação
surpreendente mas, quando ia começar a perguntar, lhe adiantou Devlin.
—Moça, acredito que está na obrigação de nos dar uma explicação detalhada —as
palavras do Duque foram um bálsamo para o aturdido Rodrigo, mas deram asas a ela para
aproveitar a ocasião em seu favor.
—Sou a filha do conde Ayllón! —soltou triunfante como se fosse o mais natural do mundo
dizer algo de tal magnitude. Rodrigo seguia branco como o papel.
—Moça, não sou seu pai, juro-o! Quem te disse o contrário te mentiu cruelmente —Isabel o
olhou com dor e baixou seus olhos dourados ao chão, mas ao momento os elevou com orgulho
desmedido e uma clara determinação.
—Não recorda a Isabelle Denise? —Rodrigo empalideceu ainda mais e uma chicotada
dolorosa lhe perfurou as vísceras. O nome, portanto tempo evitado, fez que seu coração gemesse.
A moça fez algo completamente inesperado e atrevido, tirou o pequeno relicário que tinha
oculto no decote de seu vestido, descansando no nascimento de seus seios e com um estalo o abriu,
o mostrou ao Rodrigo, que ao vê-lo esteve a ponto de cair vencido ao chão, pois dentro do
relicário havia uma miniatura belamente pintada de Isabelle e de si mesmo, mais jovem, mais
impetuoso Rodrigo aos vinte anos.
Ninguém podia mover-se e ninguém se permitia falar, mas ela foi mostrando a cada um dos
presente sem que o sorriso abandonasse sua boca.
—Atou-te com o inimigo? —a pergunta da Maria o fez avermelhar contra toda lógica. O
olhar turvado do Rodrigo ia de sua mãe a quão jovem seguia olhando-o com muita adoração.
—Vovó, não se mostre tão dura com meu pai, ele não sabia. —Maria aumentou os olhos com
assombro ante o surto defensor dela.
—Acredito jovenzinha, que não lhe dei permissão para me chamar com tanta familiaridade.
A moça se ergueu.
—Mas não necessito sua permissão —ela elevou a cabeça com altivez, o mesmo gesto que
acompanhava durante décadas aos Velasco—. Assiste-me o direito de sangue a chamá-la como
corresponde.
A exclamação possessiva fez lançar uma gargalhada ao Duque e a moça voltou seus olhos
para ele. Olhou-o de cima abaixo com um escrutínio digno de uma tendera ante seu melhor cliente
e, então, um sorriso voltou a florescer em seu rosto.
Isabel sentiu uma ternura infinita que não o pensou duas vezes, dirigiu seus passos com
decisão e, quando alcançou seu objetivo, abraçou-o com verdadeiro carinho.
—Senti tantas saudades de meu avô. —Isabel inspirou docemente a jaqueta do Devlin e, a
seu dilatado nariz, chegou o leve aroma da hortelã que desprendia sua roupa. Devlin não cabia
em si de assombro vendo a moça esfregar-se em seu peito como se fosse uma gatinha. Acreditou
sinceramente que estava louca de arremate.
—Mas eu não sou seu avô... —a moça o olhou sinceramente e Maria pigarreou cheia de
uma violenta confusão.
—É obvio que não é seu avô! —Devlin obsequiou a Maria um gesto triste—. Sempre tive
melhor gosto.
—Maria, acaba de ferir meus sentimentos e não poderei perdoá-la por muito tempo —a
entrada abrupta de Jamie silenciou a absurda disputa.
Devlin abriu a boca pela surpresa, nunca vira seu filho mais novo tão desalinhado, parecia
como se tivesse disparado diante de um touro enfurecido. O colete estava desabotoado, a camisa
branca aberta e as mangas enroladas até o cotovelo. Levava as botas altas de cano cheias de pó
e as calças manchadas, mas o mais surpreendente era o enorme galo que tinha no lado direito de
sua cabeça. A protuberância estava adquirindo uma tonalidade purpúrea bastante desagradável.
Jamie parou incrédulo no centro da sala, a suas costas ficavam Rodrigo e Eulalia. Não podia
articular palavra, a ladra estava abraçando a seu pai e a mente se transformou em uma meada
de linho. Por um momento acreditou que as pernas não o sustentariam ante a suspeita dilaceradora
que começou a germinar dentro dele como se fosse uma semente na terra fértil. Todo o rancor do
mundo o atiçou grosseiramente sem lhe permitir raciocinar. Avançou para ela cheio da mais
absoluta cólera.
Rodrigo seguia ensimesmado. Paralisado pela surpreendente revelação.
Isabel olhou a Jamie com os olhos cheios de temor ao reconhecê-lo. Tinha restos de sangue
em um lado da cabeça onde o golpeou com a pedra no lago. Quando o viu avançar para ela com
passo ameaçador, se colocou atrás do Duque em um ato reflexo para proteger-se. Um homem
nesse estado de aborrecimento podia ser muito perigoso.
Jamie, por sua parte, só tinha olhos para a ladra que lhe fez percorrer as oito milhas que
havia até o Redtower a pé. Tinha a pedrada gravada com fogo e dor, ainda via pontos negros
por culpa dela. Bendito destino que a pôs ao alcance de sua mão para poder estrangulá-la!
—Pequena harpia ladra, penso lhe retorcer o pescoço quando a pegar.
A moça gemeu com horror pois compreendeu que era muito capaz de cumprir o que
prometia. Em seus olhos violeta só havia vingança.
Jamie avançou dois passos, quase podia lhe pôr as mãos ao pescoço, não era consciente de
que as erguera e que o gesto era claro para todos os que observavam, de forma irracional
queria lhe fazer purgar todos os pecados do mundo.
—Papai! Me ajude! —Jamie baixou as mãos imediatamente e acreditou, por um instante
louco, que o pedido de ajuda ia dirigido ao Duque, com o qual, se fosse certo, estava pensando
estrangular a sua irmã.
Ela voltou a defender-se por trás do Devlin em um ato inconsciente.
Rodrigo se sentia incapaz de articular palavra, necessitava toda a energia possível para
tentar armar o quebra-cabeças que tinham solto sobre sua aprazível vida, seguia alheio a todo o
resto.
—Não pode ser minha irmã? O que tem feito, pai? —a moça não tinha forma de saber que
a pergunta formulada de forma lastimosa, não ia dirigida ao Rodrigo e sim ao Duque. Um intenso
rubor a cobriu dos pés a cabeça ao suspeitar...
—Mas é obvio que sou sua irmã! —Devlin estava se divertindo do lindo e grande caos que
estava criando a moça sem pretendê-lo.
Nunca viu seu filho mais novo tão furioso e ignorava o que lhe fez a moça para deixá-lo
nesse estado. Normalmente, era Justin quem podia presumir de perder os estribos com facilidade,
ver o Jamie tão fora de si por uma mulher, era toda uma surpresa e, de certo modo, resultou-lhe
divertido e familiar. As brigas de Aurora e Justin seguiam levantando opiniões.
—Juro que não tinha modo de saber que era meu irmão. Não podia suspeitá-lo quando o
beijei. —Devlin começou a sentir-se incômodo.
Por que a garota falava de um beijo? Desde quando conhecia seu filho? Decidiu seguir
esperando embora um pouco mais impaciente. Maria estava a ponto de sofrer uma apoplexia ante
as revelações. Não entendia nada, mas estava muda, a voz a abandonara.
Isabel decidiu mostrar-se pragmática.
—Bom, mas não se cometeu nenhum dano irreparável, foi um beijo fraternal de
agradecimento pela ajuda que me prestou —Jamie sempre acreditara que a idiotice não
alcançava cotas tão altas até esse preciso momento.
A moça estava falando como se ele fosse um lojista zangado e não um homem ferido em seu
orgulho. O Duque suspirou aliviado, o beijo foi uma forma de agradecimento. Então por que Jamie
foi golpeado e estava tão zangado a respeito?
—Se tiver feito um só arranhão ao Olé, este teto será o último que contemplará.
Devlin admirou o grande aprumo da moça. Era realmente neta de Maria? Devlin não sabia
onde colocar suas duvidas. Ficou em silêncio.
Rodrigo seguia sem pronunciar uma palavra e Maria estavamortificada pela suspeita que a
envenenara uns momentos antes. Eulalia seguia esperando e mantinha um simulacro de sorriso em
seus lábios de cor carmesim, mas não permitia que o sorriso florescesse totalmente.
—Não pode ser minha filha, é impossível, Isabelle não... —Rodrigo seguia sem condições de
acabar o enorme caos que sofrera seu cérebro. Isabel, ao vê-lo navegar em muitas dúvidas lhe
correspondeu com um sorriso que ninguém apreciou. Jamie voltou os olhos de par em par para o
Rodrigo ao mesmo tempo que soltava o fôlego pouco a pouco ante o alívio que sentiu ao
compreender que a garota não era filha de seu pai, mas filha do Conde.
—Pois tenho sua marca.
—Marca! —exclamaram várias vozes ao uníssono. Ela assentiu com severidade.
—Uma marca em forma de águia na nádega esquerda —Rodrigo soltou um suspiro violento,
estava a ponto de perder o pouco controle que tinha sobre suas emoções. sentia-se como se o
tivessem sacudido com brutalidade até lhe separar o cérebro do crânio.
—Eu me animo a comprovar essa marca —Jamie fulminou a seu pai atrás dessas breves
palavras descaradas. Devlin elevou uma sobrancelha ante a irritação que contemplou nos olhos de
seu filho. Pretendera diminuir a tensão à situação. Acaso duvidava de seu cavalheirismo?
—Isto foi melhor do que esperava! —voltou a exclamar Eulalia, e com suas palavras os tirou
todos do transe que estavam vivendo. O sorriso em seus lábios vermelhos aflorara ao fim—. Será
melhor que nos sentemos para que comece sua história desde o começo, começando pelo nome.
A moça assentiu de forma régia.
—Meu nome é Isabel Denise, sou a filha bastarda do conde Ayllón e a baronesa de
Aryndees.
CAPÍTULO 5
São Domingo do Guzmán, 1807
O jovem capitão de fragata, Rodrigo de Velasco e Douro, seguia olhando com profunda
satisfação o estojo de veludo azul que continha o anel de esmeraldas e rubis belamente
engastados. A jóia lhe havia custado uma pequena fortuna, mas o resultado merecia a pena por
seu aprimoramento. O anel adornaria a mão da mulher mais bela da ilha, sua futura esposa.
Baixou as escadas do Palácio dos Capitães rumo à casa da Dávila situada na mesma rua das
Damas, a uma distância de não mais de quatrocentos metros de onde se encontrava o grosso do
contingente militar da fragata Harmonia, pertencente à armada espanhola e construída no Ferrol.
Rodrigo se sentia satisfeito com sua rapidez e manejo nas águas bravas do Caribe já que
sua principal missão consistia em proteger o tráfico mercante ultramarino, sendo muito importante
sua participação na luta contra corsários pela velocidade que alcançava. A fragata estava dotada
com trinta e quatro canhões e podia atacar o tráfico do inimigo em caso de guerra e, inclusive
combater em auxílio dos navios de linha. Frequentemente desempenhava a importante missão de
exploração por diante, assim como pelos flancos, de outros navios da armada; sua nomeação
recente de capitão tinha sido propiciado pela captura, dois anos atrás, de uma fragata inglesa, a
Maria, capturada pelo Ligeiro e capitaneado por dom Domingo Oñate.
Rodrigo era o segundo de um total de sete oficiais.
A esculpida boca masculina seguia sorrindo gratamente, a surpresa que ideava dar em
Isabelle pensava entesourá-la em sua mente pelo resto de sua vida. A formosa viúva de trinta e
cinco anos lhe roubara o coração por completo. Depois de vários meses de encontros secretos,
decidira fazê-la sua esposa sem lhe importar a diferença de idade que os separava, os vinte anos
ao Rodrigo não intimidavam absolutamente, justamente o contrário, decidiam-no com mais firmeza a
tratar de superar esse pequeno estorvo que hasteava ela com esforço.
A rua mastreada seguia tranquila a essa hora da tarde, vários cavalheiros passeavam a
suas mulheres agarradas do braço com solene cavalheirismo e demonstrada elegância, alguns
faziam as correspondentes saudações sem tirar o chapéu de todo, outros, com uma leve inclinação
de cabeça. Rodrigo deteve seus passos ante um posto de flores e guloseimas onde comprou um
pequeno ramo de flor, com o qual pretendia surpreendê-la e caixa de barras de chocolate.
Seus passos o dirigiram à casa da Dávila que tinha pertencido a essa mesma família quando
formava parte das personalidades que chegaram em 1502 ao São Domingo, junto ao governador
Nicolás do Ovando.
Atualmente se encontrava habitada pelo capitão americano William Dorian Jefferson e sua
adorável filha Isabelle. Rodrigo cruzou o portão sem titubear, sempre se mantinha aberto para ele,
detalhe que o agradava sobremaneira porque mostrava às claras a amizade da que gozava com
a família Jefferson. Atravessou o jardim exterior que olhava ao rio Ozama. Os marcos do pátio
quadrado que se elevava em dois andares não lhe subtraíam luz às dependências superiores onde
estavam localizados os diferentes quartos. Quando elevou a vista para o corredor superior, viu-a
aparecida sobre o corrimão de madeira com um sorriso na boca e uma promessa em seus olhos
azuis; a ligeira hesitação e a sombra sob seus olhos o desconcertaram por um momento.
—Estarei contigo em um momento —a voz melodiosa deteve seus passos quando se
encontrava justo no meio do pátio. Rodrigo guardou o estojo no bolso de sua calça e cruzou as
mãos as costas.
Isabelle foi observando-o à medida que descia os degraus de suave pendente, Rodrigo
vestido de uniforme tirava o fôlego por sua soberba aparência e masculinidade esmagadora. A
mulher se fixou no chapéu agaloado em ouro que cobria seus cabelos castanhos. A casaca de cor
azul turquesa, agaloada também em tons dourados no pescoço, as lapelas e as algemas, fazia
jogo com o tom torrado de sua pele agora mais acentuado pelo sol caribenho.
As voltas, pescoço e lapelas eram de uma cor vermelha carmesim intenso, Rodrigo levava as
lapelas da casaca abertas até o meio do peito e voltas para fora seguindo a moda dos oficiais
generais de terra. Seu grau o indicavam os dois galões dourados nos ombros. Isabelle baixou os
olhos para o cinturão que sustentava o sabre de oficial. A fivela levava a âncora que era distintiva
da Armada.
As calças brancas aderiam às pernas musculosas como uma segunda pele e as botas altas
de montar completavam o traje impecável. Isabelle mordeu o lábio inferior ante o nó que se foi
gerando em seu estômago ao ser consciente da virilidade dele, cada poro da pele do Rodrigo
gotejava segurança e determinação. O suspiro de prazer brotou de seu centro feminino antes de
poder ocultá-lo sob o véu de seus lábios abertos, mas fechou os olhos ante o golpe incômodo que
a açoitou pelo que estava a ponto de fazer.
—Me sentiste saudades mon âme? —a formosa mulher de cabelo loiro e olhos azuis se
pendurou em seu braço sem que o sorriso abandonasse sua boca enquanto assentia com
entusiasmo ante o gesto carinhoso de seu amante.
—Cada fôlego que exalo é um pensamento para ti que guardo na memória de meu afeto
—Isabelle lhe acariciou o queixo firme com uma carícia suave atrás dessa declaração masculina.
—Vou onde me conduzir petite —Isabelle agarrou a saia de seu vestido de musselina verde
e o insistiu a não fazer perguntas.
—Penso te raptar durante um momento —Rodrigo a olhou com uma sobrancelha elevada.
—Imagino que a seu pai não gostaria da notícia de nossa fuga, embora isso me encha de
expectativas. Há dito só um momento? —Isabelle escureceu seus claros olhos durante uns momentos
antes de repreendê-lo com o olhar.
—Possivelmente uma hora... nada mais —Rodrigo não a deixou continuar.
—Não me conformarei com uma hora e sabe.
—É um moço muito impetuoso —essa recriminação carinhosa lhe provocou um certo mal-
estar. Frequentemente ela estava acostumada a lhe recordar a diferença de idade que os
separava e essas palavras pareceram como uma crítica que lhe resultou inesperada.
—E você, uma mulher muito bela que me volta completamente louco —Rodrigo deteve seus
passos e a obrigou a diminuir a marcha, voltou-a e lhe deu um beijo de apaixonado nos lábios que
ela aceitou com avidez.
Com uma risada alegre seguiu guiando-o através do pátio.
—Vamos rezar, pequena? Recordo-teque não é católica —Isabelle negou com a cabeça
ante sua sagacidade, dirigia-a para a capela dos Remédios, um dos três complexos que
compreendia a formosa casa.
—É o lugar mais indicado para conversar sem que nos incomodem —Rodrigo olhou para a
fachada de tijolo, com dobro arco rebaixado, o campanário duplo estava rematado por um mais
alto em arco e uma cruz coroava de junco.
Ambos cruzaram ao interior, a abóbada do meio canhão com arcos oferecia a suficiente
intimidade para conversar de forma tranquila e relaxada. Tanto Rodrigo como Isabelle ocuparam
um dos bancos encostados à robusta parede. Rodrigo lhe roubou outro beijo antes de que ela
abrisse a boca.
—Preciso voltar para Louisiana. —Rodrigo a olhou com excessiva seriedade ante a notícia
inesperada.
—Não tem necessidade de ir —Isabelle franziu a boca ante o comentário.
—Aqui não tenho nada que me retenha —Rodrigo esticou os ombros ante as palavras que o
incomodaram profundamente porque acabava de erigir uma barreira entre os dois e desconhecia
o motivo.
—Acreditava que me tivesse —Isabelle baixou os olhos com pesar porque sabia que suas
palavras anteriores o haviam ferido.
—Meu pai foi destinado de novo e eu... —Isabelle fez uma pausa—. Não desejo ficar
sozinha na Espanha. —Rodrigo sabia que ela se referia a sua imediata partida para Buenos Aires,
cidade que foi atacada por uma frota britânica ao comando do almirante Home Riggs Popham,
sem autorização do governo britânico. Depois da vitória frente ao cabo do Trafalgar, Inglaterra
pretendia projetar seus interesses políticos no novo continente, tentando dominar o Rio da Prata.
Rodrigo sabia que o poder naval espanhol havia sido grandemente diminuído depois da batalha e
que as colônias tinham um sentimento de vazio ao ter que defender-se sozinhas. Por isso sua
partida era tão importante.
—Poderia me esperar na Espanha, eu te conseguiria uma passagem no Santo Cristóbal como
minha esposa. Acompanharia-te o amparo de meu sobrenome Isabelle ofegou porque não se
esperava essa declaração repentina.
—Sua esposa? —Rodrigo assentiu com a cabeça ao mesmo tempo que sorria acreditando
que a agradara com sua proposição—. Já estive casada —as costas do Rodrigo se esticou de
novo.
—Mas não comigo, amor —Isabelle o olhou de forma tenra e carinhosa, o jovem capitão
espanhol era toda uma caixa de surpresas, sabia do amor que sofria por ela, mas nunca acreditou
que lhe proporia matrimônio com tanta despreocupação. Seu coração começou uma cavalgada
sem controle, mas conseguiu sujeitar seus sentimentos antes que se disparassem. Olhou os amados
olhos dourados que lhe deram tanta paz nos meses que compartilharam como amantes e amigos,
Rodrigo chegara a sua vida quando se sentia vazia, complexada por um matrimônio que só lhe
reportara amargura e desespero.
O nobre espanhol conseguiu com sua doçura fazer que seu coração começasse a pulsar de
novo, ela o amava, com toda sua alma, com cada fibra de seu ser, mas...
—É impossível um matrimônio entre os dois.
Rodrigo abandonou sua postura sentada no banco e a olhou com seriedade esmagadora.
—Amamo-nos, é um motivo mais que suficiente.
Isabelle baixou os olhos ao chão incapaz de lhe sustentar o olhar.
—Sou muito mais velha que você, Rodrigo —o aludido a olhou de forma intensa e
penetrante, as palavras de lhe fizeram olhá-la com um ardor que não podia esconder. Ante o
desejo de enterrar suas mãos nos brilhantes cachos de cabelo dourados, fechou-as depois das
costas com rigidez. Voltou seus olhos ao rosto dela que, apesar da penumbra da capela, reluzia
com um brilho de beleza serena que o comovia, sempre, a cada momento.
—Amo-te, Isabelle... —Rodrigo calou antes de continuar. Isabelle suspirou de forma intensa e
cruzou suas mãos sobre o regaço de sua saia. Elevou a vista e o observou com amoroso escrutínio.
Rodrigo havia separado levemente as pernas para as afiançar melhor ao chão em atitude
beligerante, seu uniforme lhe dava uma aparência ainda mais perigosa. Isabelle passeou o olhar
por seu ventre liso, seus ombros largos, e se deteve em seu cabelo castanho claro ondulado que lhe
frisava à altura da nuca, levava-o muito comprido para um militar, mas ela adorava agarrar as
grossas mechas entre seus dedos.
Olhou de forma apaixonada o forte queixo, o nariz reto e os formosos olhos dourados de
pestanas muito longas para um homem, o qual lhe conferia uma aparência ainda mais juvenil, o
tombo em seu estômago a pegou de surpresa.
Os vinte anos dele lhe pesavam como rodas de moinho.
—Sou estéril... —ele começou a interrompê-la, mas Isabelle não o permitiu—. O conde Ayllón
necessita de um herdeiro —Rodrigo renegou de forma visível ante o aviso de seus deveres como
primogênito e único varão.
—Renunciarei a meu título se com isso consiga que não te separe de mim, minha irmã gêmea
Inês, pode dar o herdeiro que necessita a casa Velasco. Isabelle tentava conter as vontades de
deitar-se em seus braços para abraçá-lo com fúria e desespero, mas a conversa mantida com seu
pai lhe dera as forças que necessitava para desligar o laço que a unia a esse nobre e arrumado
espanhol.
William Doam Jefferson não entendia de nobreza nem linhagem, para ele os títulos não
tinham importância. Mas ela, que esteve casada com um barão francês, sim compreendia a
importância da herança e os títulos. Amava ao Rodrigo e esse amor a impulsionava a não atá-lo a
seu futuro, um futuro que se encontrava cerceado pela aridez de seu útero. A impossibilidade de
que sua matriz concebesse vida. Devia-lhe pelo menos isso.
Ainda recordava com nítido entusiasmo o dia que o viu aparecer pela porta do Palácio dos
Capitães com seu uniforme, pareceu-lhe o homem mais arrumado e masculino que contemplara
jamais.
Seu desastroso matrimônio com o Louis Denise Moer lhe reportara mais angustia que
felicidade e, depois de enviuvar três anos atrás, jamais pensou em casar-se de novo ou em
apaixonar-se com essa paixão louca e desmedida.
Se seu amante não tivesse vinte anos? Deus bendito!
—Minha decisão é firme, Rodrigo.
—A minha também —Isabelle compreendeu com essa frase determinante que devia lhe
atirar um golpe a seu orgulho para decidi-lo e quebrar sua vontade de seguir unido a sua vida.
Compreendia de forma clara e esmagadora que os quinze anos de diferença não faziam
diferença a ele nem a ameaça de sua esterilidade. Sabia que devia mutilar os sentimentos que
sentia para ela, mas ia deixar o coração nas palavras que começaram a sair de sua boca e que a
foram cobrir de escárnio merecido.
—Tentaria-me a possibilidade de um novo matrimônio se estivesse apaixonada, mas não é o
caso.
O ofego do Rodrigo o esperava, mas não esse olhar de homem ferido, agredido
emocionalmente, que a observava das profundidades da decepção masculina. Isabelle cruzara a
linha e já não podia retratar-se. Rodrigo se aproximou um passo a ela e lhe elevou o queixo com
sua mão para perder-se em seus olhos.
—Não acredito, Isabelle... —ela suspirou de forma longa e profunda, estava a um passo de
ceder, mas se manteve firme e contundente.
—Foste um amante maravilhoso, não o melhor, mas sim, o mais entusiasta —Rodrigo
retrocedeu dois passos e soltou o queixo dela como se lhe tivesse queimado os dedos—. Desejo
voltar para Louisiana com meu pai, já estou cansada desta ilha —Rodrigo fechou os olhos ante o
que deixavam transluzir as palavras dela. Estava cansada dele! Todas essas noites que
permanecera abandonada em seus braços não serviam nada. As emoções contraditórias
passearam pelo rosto do Rodrigo a vontade.
Isabelle conhecia a impetuosidade do Rodrigo e julgou usá-la em seu benefício sem que ele
percebesse.
—Eu gosto da liberdade que me outorga minha viuvez, espero que compreenda... —Rodrigo
retrocedeu um passo mais antes de olhá-la com olhos brilhantes de ira que não controlava, pelas
palavras dolorosas que lhe gravaram no coração com certeira pontaria.
—Amo-te, Isabelle —ela entreabriu os olhos para que não se desse conta do que suas
palavras significavam para sua alma deserta, as ia entesourar na solidão que lhe esperava emseu
fechamento voluntário.
—Mas eu não. Eu gosto do que me faz sentir quando me acaricia. Quando me enche de sua
essência nas noites aborrecidas e monótonas, mas não te amo —Rodrigo ia avançar, mas a mão
dela o deteve—. Quando te aceitei em meu leito foi sem promessas, sem obrigações, não me
obrigue a lamentar os momentos tão formosos que compartilhamos —Rodrigo seguia na mesma
postura tensa desde que lhe anunciara sua decisão, incapaz de decidir-se entre zangar-se ou
tomá- la em seus braços para lhe demonstrar o equivocado de sua decisão.
Reconhecia que cada palavra era certa, tecida com o desejo que agora se voltava contra
ele. Rodrigo foi o causador por sua insistência tenaz da relação iniciada entre os dois, se ela
desejava terminá-la, devia agradá-la, mas algo o retinha de pé olhando-a como esperando que
trocasse de opinião. Debatendo-se amargamente entre ir-se ou lhe suplicar.
—É hora de nos despedir e te rogo que te comporte como um homem e não como um menino
caprichoso.
Rodrigo baixou os olhos porque tudo acabara, agora compreendia por que o levara até a
capela, para despedi-lo assim sem mais, agradecia-lhe o detalhe de lhe economizar a humilhação
diante do serviço de jogá-lo como um moço de quadra, cansada de seus cuidados. Sua mão tocou
o pequeno estojo quadrado e apertou os lábios com fúria, tirou-o e ficou olhando-o como se não
compreendesse que fazia em seu bolso ou como chegara até ali, de novo a olhou a ela e o lançou
ao regaço em uma atitude de insulto deliberado.
—Considera-o um pagamento, em certa maneira me agradaste muito —Rodrigo deu a volta
e saiu da capela com passo marcial, não voltou a cabeça nem um segundo, não pôde ver que
Isabelle perdera a cor no mesmo instante em que ele saíra da estadia. Isabelle subiu sua mão até
sua boca para afogar o gemido de dor que ficou obstruído em sua garganta, olhou o estojo que
apertou com sua mão até deixar seus nódulos brancos. depois de vários minutos, quando o tremor
de seu corpo diminuíra o suficiente para ter de novo o controle sobre sua pessoa, abriu a caixinha
de veludo e admirou a formosa aliança, as lágrimas começaram de novo a brotar e não pôde
parar a angústia que começou a sacudi-la sem piedade.
 
Rodrigo se encontrava afligido pela vergonha e doído pelas lembranças que iam a seu
cérebro de forma atropelada. Aquele ano de 1807 seguia vivo em sua memória com uma ferida
ardente. Rodrigo se encontrava de manobras no novo continente. A fragata fez escala na Espanha
antes de partir para Buenos Aires, cidade que foi atacada por uma frota britânica ao comando do
almirante Home Riggs Popham. Durante os meses que durou sua estadia, conheceu a formosa viúva
de trinta e cinco anos, filha de um militar americano e viúva de um barão francês afincado ali. A
formosa viúva mal assistia a eventos, mas acompanhou a seu pai, um militar de severa reputação, a
vários jantares nas que coincidiram. Depois de vários encontros secretos e muita insistência por sua
parte, Isabelle acabou por aceitá-lo como amante e o convidava assiduamente a seu leito. Isabelle
foi um paraíso nas monótonas semanas de espera. Sua juventude resultou sua perdição. Aceitou
aos cuidados da viúva como um morto de fome aceita um banquete. Durante meses a amou com
entusiasmo, mas Isabelle lhe atirou um golpe do qual nunca se recuperou.
A sala onde se mantinham sentados Rodrigo e a moça estava em silêncio. Eulalia defendera
vigorosamente que Rodrigo tinha pleno direito a conhecer a história em primeiro lugar e, se o
estimava conveniente, daria a outros os detalhes que acreditasse necessários e oportunos. Maria
protestara como uma possessa, mas Devlin fez apoio comum e entre os dois a tiraram da sala tão
furiosa como um touro bravo. Jamie os seguiu perdido em suas especulações.
Rodrigo cravou os olhos na moça com um brilho de pesar em seus olhos.
—Juro que não tinha modo que soubesse —Isabel lhe obsequiou com um sorriso vacilante.
—O matrimônio de minha mãe com dom Louis Denise foi acertado quando mal era uma
menina. sentiu-se muito desgraçada até que conheceu você —Rodrigo apertou os lábios com força
—. Minha mãe soube que lhe dera um presente único e quis lhe corresponder guardando silêncio
com respeito a seu estado, sentia-se mais velha e cansada, acreditou sinceramente que suas
relações íntimas não produziriam fruto; mas sofreu, segundo ela, um formoso equívoco. Era
consciente de suas limitações, acreditava-se estéril, seu anterior marido assim o espetou durante
muitos anos, anos que a marcaram definitivamente convertendo sua vida em uma desgraça. Mas
fui, segundo minha mãe, um presente maravilhoso e nos educou com a convicção absoluta de que
fomos algo especial.
—Fez algo completamente censurável! —a voz do Rodrigo mostrava amargura.
—Minha mãe conhecia o alcance da honra de um Velasco, sabia que se inteirasse das
consequências de seus encontros, teria respondido com a honra que requeriam as circunstâncias.
Minha mãe não pretendia algo assim, você começava a viver.
—Tinha todo o direito de saber! —Rodrigo esticara as costas e endurecera o rosto. Suas
palavras soavam feridas pela decepção.
—Minha mãe fez mal ao ocultar-lhe. Embora sempre respeitarei sua decisão, acredito
sinceramente que todo pai deve conhecer seus filhos e errou em seu julgamento de me fazer jurar
a Ara e a mim que o buscaríamos jamais.
Rodrigo elevou seus olhos dourados e a olhou.
—Ara? —pergunta-a soou desconcertante.
—Minha irmã gêmea, Aracena —Rodrigo gemeu ante o tombo que sofreu seu estômago—.
Morreu recentemente em um acidente desafortunado.
—E sua mãe? Está viva? Encontrarei-a! —Isabel negou com a cabeça uma única vez.
—É muito tarde, sucumbiu à enfermidade do cólera —Isabel se perdia entre as lembranças
—. Encontrava-se de visita na plantação que tinha meu avô em Orleans, pretendia vender a terra
que herdara, mas já não voltou. —Rodrigo acreditava que não poderia voltar a respirar com
normalidade à medida que escutava. Descobrir que tinha uma filha, não? duas filhas, resultava
desconcertante, aterrador e, de uma vez, incrivelmente maravilhoso. Um sentimento de vazio se
apoderou dele ao compreender tudo o que perdeu pelo silêncio de Isabelle. Um silêncio injusto.
Jamais lhe teria dado as costas a sua própria carne. Amou a Isabelle tão profundamente que a
separação provocada por ela resultou terrivelmente doloroso para ele.
Rodrigo inspirou várias vezes tentando serenar seu pulso incontrolado. Voltou seus olhos à
moça sentada em frente a ele para esquadrinhá-la a consciência. Contemplou seus olhos dourados,
a mesma cor dos Velasco. O castanho brilhante de seus cabelos. A moça era de uma formosura
que sobressaltava embora o desconcertou sua compleição miúda.
—Pareço-me com vovó Maria —Rodrigo sondou seus olhos ante sua perspicácia, soubera o
que pensava antes de dizê-lo e sorriu, certamente sua mãe era uma mulher miúda.
—O menino imagino que é meu neto? —a moça assentiu solenemente—. Por que não está
seu pai contigo? —ela tentou dissimular seu nervosismo, Rodrigo compreendeu imediatamente sua
confusão—. É ilegítimo! —novamente assentiu com a cabeça e tentou ocultar um olhar de angústia.
—Fui grosseiramente enganada e não tornei a saber nada dele depois —a Isabel inclinou a
cabeça realmente envergonhada—. Sei que não sou o que esperaria de uma filha. Sou uma
desonra. Lamento-o tanto... —Rodrigo controlou um acesso de fúria. Tinha passado do sentimento
de desconcerto ao de amparo tão rápido como um raio.
—Algum dia vingarei sua honra! —Isabel o olhou com olhos cheios de afeto e medo.
—Não será necessário, para trás ficaram todos meus fantasmas —o silêncio que seguiu os
sumiu a cada um em pensamentos negros—. Necessito que perdoe minha imprudência, fiz uma
promessa e faltei a meu juramento.
Rodrigo seguiu calado embora as últimas palavras dela lhe pareceram como dardos.
—Se for seu pai é razoável que me tenha procurado —Rodrigo se elevou sobre seus pés
trementes e com grande rapidez alcançou a porta que abriu regiamente; evitando seu desgosto,
abandonou a sala com um humor

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