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AS ORIGENS DA FILOSOFIA DO DIREITO Anneidy Dorinne Brito Centeio D IS C IP LI N A : F IL O SO FI A D O D IR EI TO C U R SO : F IL O SF IA P O LI TI C A E R EL A Ç Õ ES I N TE R N A C IO N A IS INTRODUÇÃO Se a Filosofia do Direito é a Filosofia mesma diante dos fenómenos jurídico-normativos, foi preciso esperar que um filósofo e não um jurista construísse um sistema filosófico tendo o direito como peça central. Foi Friedrich Hegel quem o fez ao publicar em 1820 seu livro Princípios da Filosofia do Direito. A obra Princípios da Filosofia do Direito de Hegel é um marco que delimita o início da Filosofia do Direito como centro de uma investigação filosófica sistemática. Os chamados filósofos pré-socráticos, preocupados com o desenvolvimento de conhecimentos de natureza cosmológica e investigando a Arqué (princípio) do universo não elaboraram fragmentos significativos sobre os problemas normativos das sociedades onde viviam. Apenas no período da filosofia considerado como antropológico – chamado assim por conta de sua preocupação com questões relativas ao homem em seu mundo – é que as leis e a justiça serão o centro das investigações dos filósofos de uma maneira geral. THÉMIS Thémis (em grego Θέμις, Thémis) é uma titânide que personifica as leis divinas ratificadas pelo Costume e pela Lei (themistes), em contraste com a justiça humana (papel realizado pela Deusa Diké, sua filha) e as leis e decretos humanos (nomos). Era também associada aos oráculos que revelavam a vontade dos Deuses. Presidia, em especial, sobre as relações adequadas entre homem e mulher, base da família bem ordenada e os juízes eram frequentemente chamados themistopóloi, ―servos de Thémis―. Ela também é guardiã dos juramentos dos homens, considerada a personificação da ordem e do direito divinos, tanto que era costumeiro invocar Thémis nos julgamentos perante os magistrados. TH ÉM IS E D IK É THÉMIS Thémis empunha a balança, com que equilibra a razão com o julgamento, e/ou uma cornucópia, mas não raras vezes é representada segurando uma espada. Na Grécia Clássica a Deusa não era representada com a venda que podemos observar em suas representações modernas. A faixa que lhe cobre os olhos foi introduzida no século XVI por artistas alemães, com o fim de que se atribuísse à Justiça a ideia de imparcialidade. TH ÉM IS E D IK É DIKÉ Diké (Δίκη), divindade grega que representa a Justiça do caso concreto e os Julgamentos, também conhecida como Dice, é a vingadora das violações da lei. É representada descalça e com os olhos bem abertos (simbolizando a sua busca pela verdade). Ela observava as acções do homem, e se aproximava do trono de Zeus com lamentações, sempre que um juiz violava a justiça. Diké era a inimiga da mentira, e protectora do sábio emprego da justiça. Ela é conhecida como assistente ou conselheira (paredros ou xunnedros) de Zeus. TH ÉM IS E D IK É DIKÉ Diké aparece como uma divindade que pune severamente o que estiver errado, vigiando a manutenção da justiça, e atravessando o coração dos injustos com a espada feita para ela por Aesa. Nessa função, ela está intimamente ligada com as Erinias (personificação da vingança, as Erinias puniam os mortais, torturavam as almas pecadoras, julgadas por Hades), embora não trate apenas de punir a injustiça, mas também premiar a virtude. TH ÉM IS E D IK É JU ST IÇ A NA AN TIG UI DA DE Os conceitos de Diké e Thémis costumam ser traduzidos por justiça humana e ordem, ou norma divina. No entanto, para compreendermos a génese de sua aparição, precisamos nos reportar ao contexto de onde surgiram: na Grécia de Homero e Hesíodo. Costuma-se pensar a Diké como a linha de demarcação entre a selvajaria e a civilização. A ordem instaurada pela Thémis é uma ordem divina, perfeita, e a violação desta norma traz consequências catastróficas. Na tradição judaico-cristã isso pode ser compreendido melhor se tiver em conta o pecado de Adão. Este pecado foi uma violação de um ordenamento divino que trouxe consigo toda uma instabilidade cósmica que exigiu o sacrifício do próprio filho de Deus para ser reparada. Na própria tradição judaico-cristã há o exemplo do Decálogo, em que desce dos céus à terra mandamentos para regular as acções humanas e impedir o triunfo da injustiça. Desta forma, a Thémis, que é esta lei divina, funda a própria Diké, que é a justiça e a harmonia entre os homens. Quem ignora a Thémis está sujeito ao caos e à barbárie. JU ST IÇ A NA AN TIG UI DA DE No caso do poema da Ilíada, que fala sobre a luta entre Aqueus e Troianos, o fato de Helena ter sido raptada por Páris, ou seja, Páris ter roubado a esposa de seu anfitrião, foi ato de tal transgressão que a guerra teria de dar vitória aos Aqueus, que foram os ofendidos. Todas as acções que rompem com a Thémis são acções que exigem reparação, de modo que a vingança seja sinónimo de justiça. Isso porque a vingança, ao restaurar a parte lesada, reinstaura a ordem violada. Muitas vezes as acções transgressoras eram explicadas por uma espécie de cegueira (áte) que havia sido infundida pelos próprios deuses, de modo que a responsabilidade dos actos nunca eram cem por cento humana. Penélope não julga Helena no canto XXIII da Odisseia, dizendo que com certeza Helena havia sido levada a ceder ao amor de Páris por obra de algum deus ou de deuses. Se não há plena responsabilização, não haveria culpa. A questão seria compreender como num ambiente desses, em que a justiça é uma questão de norma divina imutável e que sua transgressão seja algo não totalmente responsabilizado, podermos pensar em termos de uma justiça meramente humana. Hesíodo foi um poeta camponês que escreveu duas grandes obras da Poesia Grega: A teogonia e O trabalho e os dias. De acordo com Hesíodo, as bases da justiça podem ser fixadas a partir da teogonia, ou origem dos deuses. Tudo começara quando Ouranós (o Céu), temendo ser destronado pelos filhos, oculta-os da luz, para revolta de sua mãe Terra. A mãe indignada trava com Cronos uma vingança: no momento do ato sexual, o pai é decepado pelo próprio filho com uma foice. Cronos (tempo) é tornado rei, não por um ato de justiça, mas de vingança. Deste modo, é preciso que algo aconteça para que a violência contra seu próprio pai seja reparada. Cronos ao tornar-se rei passa a tomar a mesma atitude de seu pai. HE SÍ OD O Ao invés de esconder seus filhos, ele os devora. Sua esposa Réia, indignada, trama como Zeus um ardil para se vingar. Ela dá a Cronos uma pedra no lugar do filho que o deus julgava devorar. Cronos não se apercebe disso. Zeus então cresce, luta contra o pai e liberta os irmãos do ventre do próprio pai. Zeus, no entanto, não segue nem o "modus operandi de seu pai e de seu avô": ele instaura uma ordem justa e, por isso, verdadeiramente divina. Ele reparte a honra com os demais deuses. Divide domínios com os demais deuses. HE SÍ OD O HE SÍ OD O Vê-se que, para a mentalidade grega, tanto em Homero quanto em Hesíodo há uma ordem universal que governa o cosmos e inclusive as acções humanas. A justiça expressa essa ordem, essa harmonia. Tanto para Homero quanto para Hesíodo, quem age contra estas leis está sujeito a punições divinas justas. A justiça é um dever religioso fundamental, romper com ela por um ato de hybris é sempre criminoso, e ofender a justiça é ofender todo o Cosmos, pois até os deuses precisam submeter-se a ela. O aparecimento da lei escrita, nomos (materialização da lei humana na Grécia antiga), encerra um novo capítulo na saga grega, uma vez que nomos vem a substituir esta justiça divina da Thémis. Com esta lei, a cidade passa a ser vista como um novo espaço público do povo que fornece padrões mais simples e eficazes para a vida pública. Pelo nomos sabia-se quais eram os deveres e direitos dos indivíduos, evitando abusos, promovendo a participação das pessoas em decisões. A lei escrita aparece como uma libertação, de modo que obedecer às leis poderia ser visto como verdadeiro sinónimode liberdade. Datando cerca do século VIII, ocorreu a crise da realeza homérica, que deu espaço à aristocracia. Nesse período o poder foi repartido entre membros da elite militar, possuidores de terra e descendentes da nobreza homérica, que desmembram o poder em três funções: militar, exercida pelo polemarco; administrativa, pelo arconte; e religiosa, pelo arconte basileu (figura do rei destituída de seus poderes políticos). Ainda durante a aristocracia, o poder sai da esfera privada (rei no controle) e avança para a esfera pública, em que o poder não é mais uma pessoa, e sim uma função. A partir desse momento, o poder passa a circular pelas esferas dos cidadãos, que até então eram apenas os proprietários de terras e militares. A pólis nasce nessa transição entre a monarquia e a aristocracia. O objecto de ocupação do Estado passa a ser sujeito aos interesses públicos, e esses interesses devem ser alcançados pelo próprio povo, que não desejavam mais apenas delegar a uma autoridade com poderes ilimitados. A cidadania ainda era restrita. Entre o século VIII e IV a.C., Atenas passou pelo processo de alargamento da cidadania, que a conferiu a chamada ―isonomia‖, como garantia de igualdade perante a lei, o que chamamos agora de democracia, tudo graças ao Sólon. SÓ LO N Sólon foi Governador de Atenas, nascido nesta cidade, histórico como legislador e como fundador da democracia e considerado um dos sete sábios da Grécia. De origem nobre, mas de família empobrecida, dedicou-se na mocidade ao comércio, mas ganhou notoriedade ao liderar os atenienses (600 a. C.), na tomada da ilha de Salamina, que se encontrava sob o domínio de Mégara. Nesta época Atenas era dominada por uma aristocracia hereditária, cujos integrantes recebiam o nome de eupátridas, que possuíam as melhores terras e monopolizavam o poder e o sistema imperante se baseava no critério de riqueza. “Com o poder em suas mãos, a classe nobre – que se transformava de nobreza proprietária rural para empresária”. (JAEGER, 1994, p. 131) – passou a cometer abusos, os quais prejudicavam os trabalhadores principalmente no que se refere à magistratura, por afetarem o viés democrático do processo. Isto gerava violentas lutas políticas, pois os demais cidadãos eram privados de qualquer direito, se tornavam devedores dos eupátridas e chegavam a hipotecar não só seus bens, mas a si próprios para saldarem as dívidas. SÓ LO N É justamente sobre esse desequilíbrio que Sólon formula seu pensamento. Nessa linha, Sólon ― "fala-nos de uma luta ferrenha entre oligarcas extremados e o povo insatisfeito; revela-nos o esforço louvável por restabelecer na pátria a unidade espiritual ameaçada" (BARROS, 1999, p. 59). E esse arbítrio levou ao enaltecimento da Diké – proposta inicialmente por Hesíodo como lema da luta de classes, com suas normas estabelecidas e escritas – como meio de se impor a igualdade entre os cidadãos gregos. Assim, a Diké, exaltada em um primeiro momento por Hesíodo, cujo espírito já era diferente do aristocrático Homero, passa a ser o novo fundamento ético do Estado grego – uma comunidade de homens livres, representando um juízo concreto de justiça nas leis escritas. É importante ressaltar que Hesíodo tratava a injustiça como uma punição divina – ou seja, dava um cunho religioso à questão da justiça. Sólon, por sua vez, diante dessa situação de desequilíbrio entre os gregos, atribuiu a causa da injustiça às acções dos próprios homens, entendendo que a individualidade impedia o crescimento do povo como unidade. SÓ LO N Ou seja, com o pensamento fundamentado na injustiça e na desmedida, julgou Sólon encontrar na formação do carácter um meio mais seguro de garantir a manutenção do equilíbrio social. Para Sólon, a disnomia que tomava conta da polis tinha por fundamento a hybris (injustiça). Destarte, a sua solução para a disnomia, causada pelas acções individualistas dos próprios homens, decorreria da eunomia – estado de equilíbrio do organismo político. Essa é a razão pela qual a justiça se tornou o novo ideal do cidadão grego, ideal que, na visão de Sólon, só seria alcançado ao se conter a ambição desmedida dos nobres e, paralelamente, a profunda insatisfação do povo, com a consagração da igualdade no povo grego, com base nas leis escritas, fundadas na Diké. É interessante notar que ― "Sólon vai inaugurar em Atenas o pensamento político, assumindo uma tarefa retomada depois por grandes oradores e homens de estado: a de formar no ateniense o cidadã" (BARROS, 1999, p. 59). Assim, em face do pensamento de Sólon, Diké torna-se o direito da pólis, assim como Thémis fora o direito da sociedade aristocrática: para Sólon, a sociedade deveria sempre prevalecer perante o individual. SÓ LO N É nesse contexto que a transição do conceito antigo de Thémis da sociedade aristocrática para a Diké da pólis reflecte as profundas transformações no direito do Estado grego. Essa transição é de suma importância para o entendimento do pensamento de Sólon. Diante desse novo ideal político, a nova virtude do cidadão grego seria conhecida como dikaiosyne, consistente na obediência estrita às leis escritas – o que não superava, mas incluía a areté, pois o papel de nobre guerreiro também era pautado de acordo com as leis. Em resumo, o ideal de Sólon, formulado a partir da situação de desequilíbrio na polis, era baseado no estabelecimento de leis escritas e na sua consequente obediência, a qual passou a constituir a mais importante virtude do cidadão grego como meio de se atingir a igualdade e, assim, alcançar o equilíbrio. SÓ LO N Assumindo o poder absoluto (594 a. C.) o governador amnistiou as dívidas dos camponeses, proibiu a escravidão por dívida, aboliu a hipoteca sobre pessoas e bens, libertou os pequenos proprietários que se encontravam escravizados, e impôs limites à extensão das propriedades agrárias, diminuindo os poderes e arbitrariedades da nobreza. Reestruturou as instituições políticas, deu direito de voto aos trabalhadores livres sem bens e codificou o direito e promulgou uma legislação especial sobre o uso de águas de fontes públicas (594 a. C.). Implantou reformas políticas e regulamentou o exercício do poder nas diversas categorias sociais. Criou um conselho de 400 membros, instituiu o tribunal popular e quebrou o monopólio dos eupátridas sobre os cargos de alta magistratura. O povo foi dividido em quatro classes, de acordo com o montante de imposto pago, com direito de voto. A última classe, os tetas, era isenta de impostos e tinha participação, embora restrita, na assembleia e tribunal populares. Essas medidas de resguardo da liberdade individual ficaram impressas na história democrática de Atenas, criando os fundamentos político-jurídicos que permitiram o advento da famosa democracia ateniense após a tirania dos eupátridas. SÓ LO N A Diké foi a base de Sólon na luta contra os extremistas, a via de abertura das portas da política para as classes mais baixas. Sólon ficou a meio caminho da racionalização da Diké, entre a força de uma herança religiosa e a da sua própria reflexão. Depois de Sólon, ampliaram e democratizaram-se os mecanismos de participação cidadã por Clístenes, que desenvolveu um sistema em que, em algum momento da vida, todo cidadão actuará como governante. Existe, nessa transição do estado cidadão, duas diferenciações: o Pré - Direito (autoritário e arcaico, exercido pela realeza e mais tarde pela aristocracia; acusações eram sumárias, sem procedimentos regulares de defesa; controle da justiça nas mãos dos mais influentes, em prejuízo daqueles de extracção social inferior; justiça exercida por delegação divina), que a partir do séc. VII a.C. cedeu espaço ao Direito (em Creta fixou-se pela primeira vez por escrito uma descrição da comunidade políade). Aos poucos as leis começaram a ser escritas sobre pedras expostas em locais públicos, o que eu considero o auge da democracia, pois fica disponível as vistas de todos. Sólon foi bastante responsável pela racionalização do Direito: a partir de suasreformas as leis passaram a valer igualmente para todos os cidadãos, independente de sua posição social. SÓ LO N O CO NC EI TO FI LO SÓ FI CO D E "JU ST IÇ A" Alan Ryan, em seu magistral livro ― On Politics aponta que quando se quer falar do pensamento político na Antiguidade o primeiro filósofo que vem em mente sempre é Platão. Ora, sugere o autor, não há em Platão uma defesa da Política, antes, uma desconfiança com relação a esta. Para Platão, o mal decorre da ignorância, donde os melhores governantes teriam que ser filósofos. As anomalias que encontramos na Política, em especial o desencantamento que Platão teve com a democracia ateniense, decorrem do fato de que os mais sábios não fossem os que governavam. Um critério infalível para saber quem seria o melhor governante, seria encontrar entre os sábios, aquele que veria na governança da cidade um fardo. Diferentemente do que se vê hoje, em que muitos acham preparados para governar um país. Platão diria que o mais preparado seria aquele homem versado em muitas ciências, sábio e virtuoso que veria nesta gerência antes um peso do que um bem. O mal na Política nasce quando ela não deveria ser a luta pelo poder, mas o desejo virtuoso de harmonizar a cidade, ou no termo grego, pólis, os vários tipos de indivíduos que por natureza possuem distintas habilidades e capacidades. Para os gregos os homens são por natureza desiguais quanto às capacidades, ainda que não exista, para Platão, nenhuma superioridade do género masculino sobre o feminino. Em seu famoso livro, a República, Platão defende que haja a mesma educação para homens e mulheres. Platão advogava a crença de que o homem justo sempre agirá melhor que o homem injusto, mesmo que as circunstâncias que lhe pesem sejam as mais desastrosas. O que se tem aqui é a certeza de que existem padrões morais de conduta. Ora, dizer que uma roupa é boa para uma cerimónia é diferente de dizer que uma pessoa é boa. Neste segundo caso, o termo bondade está servindo com o peso de certa incondicionalidade: ou seja, uma pessoa é boa independentemente de que certas condições sejam postas. Ou seja, a bondade se opõe a conveniências, estabelecendo-se uma similaridade entre justiça e bondade. Partindo da constatação de que os que buscam o poder pelo poder são os piores homens, eles deveriam ser os primeiros a serem banidos da governança. O CO NC EI TO FI LO SÓ FI CO D E "JU ST IÇ A" Um homem justo se mede e se conhece também em situações limite: quando ele, desprovido de qualquer possibilidade de ganho financeiro ou para a sua própria reputação, ele se sacrifica, mesmo que este gesto jamais pudesse vir a ser conhecido pelos demais. Um homem valioso é tão raro de se encontrar, mas quando o encontramos é tão certo estarmos diante dele, que não podemos não o admirar, nem não o ouvir. Sabemos que este tipo de homem sempre irá preferir sofrer uma injustiça a cometê-la, ser enganado a enganar, ser oprimido a oprimir. E a conclusão de Platão é que, se precisamos de política, então, é porque não temos filosofia. Numa sociedade de homens sábios, que necessidade teríamos do político? O fato de termos de pensarmos em meios de convivermos sem nos matarmos, sem que causemos danos uns aos outros, sem que precisemos usar da mentira e da bajulação, mostra que estamos longe do ideal de sabedoria que apenas a filosofia é capaz de nos dar. E pela boca de Sócrates, mais uma vez no Diálogo A República, Platão nos fala que uma sociedade onde proliferem instituições judiciárias e hospitais é uma sociedade doente de corpo e de alma. E como Platão defendia que apenas os filósofos seriam os mais aptos ao governo, ele julgou também que a democracia só não era pior do que a tirania. O CO NC EI TO FI LO SÓ FI CO D E "JU ST IÇ A" Na famosa Carta Sétima, Platão diz que seu desapontamento com a democracia se deveu à condenação injusta de Sócrates à morte. O julgamento e a execução de Sócrates em 399 foi um momento chave no pensamento europeu; mais imediatamente, foi a crise na vida de seus estudantes e discípulos. Muitos dos seguidores de Sócrates foram a um exílio voluntário para qualquer lugar da Grécia, da Sicília e da Itália, e Platão entre eles; ele retornou a Atenas vários anos depois, e fundou a Academia em 387. Um papel proeminente dado na democracia ateniense foi garantido aos Sofistas. Os sofistas foram grandes educadores que fundaram um sistema de ensino em que a educação preparatória incluía a Música e a Ginástica para as crianças pequeninas e para os jovens o estudo da Retórica, da Gramática e da Dialéctica. Este método de ensino vigorou até o início da Idade Moderna e as divergências que se operaram desde então se deveram mais à proeminência que seria dada a uma destas três disciplinas: ou a Retórica, ou a Dialéctica ou a Gramática. Como os sofistas recebiam dinheiro para educar os jovens aristocratas atenienses que desejavam fazer carreira política, o peso que estes professores deram à Retórica, ou a arte de trabalhar com a afectividade dos ouvintes pela promoção de belos discursos, acabou por ser maior. O CO NC EI TO FI LO SÓ FI CO D E "JU ST IÇ A" A famosa querela entre Sócrates e os Sofistas, deveu-se, em parte, ao fato de que a Retórica não teria como meta a investigação das coisas em si mesmas, o que era papel da Dialéctica. E assim o uso da linguagem retórica na política seria abusivo e visaria meramente o convencimento dos ouvintes, a simples persuasão, e não a verdade. A subversão que Sócrates causou no seio da democracia ateniense explica em grande parte sua condenação: Sócrates ensinava que os homens não deveriam estar em busca das questões mundanas, o objecto da Política, mas sim do cuidado de suas almas, que eram eternas. Este discurso socrático abalou profundamente a juventude ateniense, de modo que Sócrates passou a ser considerado um perigo e a sentença que exigiu sua condenação acusava-o de ateísmo. E Platão, ainda que não possa ser confundido com seu mestre Sócrates, deu continuidade a este trabalho de Sócrates, concentrando seus esforços na busca das coisas em si, ou das essências. E pode-se dizer que até o século XVIII este foi o intento primordial da filosofia: um conhecimento absoluto, ou seja, das coisas tais quais são em si mesmas. E se formos investigar a Natureza da Justiça, teremos de investiga-la em si, ou seja, de forma pura, tal como um observador imparcial que a vê de longe, tal como este O CO NC EI TO FI LO SÓ FI CO D E "JU ST IÇ A" A famosa querela entre Sócrates e os Sofistas, deveu-se, em parte, ao fato de que a Retórica não teria como meta a investigação das coisas em si mesmas, o que era papel da Dialéctica. E assim o uso da linguagem retórica na política seria abusivo e visaria meramente o convencimento dos ouvintes, a simples persuasão, e não a verdade. A subversão que Sócrates causou no seio da democracia ateniense explica em grande parte sua condenação: Sócrates ensinava que os homens não deveriam estar em busca das questões mundanas, o objecto da Política, mas sim do cuidado de suas almas, que eram eternas. Este discurso socrático abalou profundamente a juventude ateniense, de modo que Sócrates passou a ser considerado um perigo e a sentença que exigiu sua condenação acusava-o de ateísmo. E Platão, ainda que não possa ser confundido com seu mestre Sócrates, deu continuidade a este trabalho de Sócrates, concentrando seus esforços na busca das coisas em si, ou das essências. E pode-se dizer que até o século XVIII este foi o intento primordial da filosofia: um conhecimento absoluto, ou seja, das coisas tais quais são em si mesmas. E se formos investigar a Natureza da Justiça, teremos de investiga-la em si, ou seja, de forma pura, tal como um observador imparcial que a vê de longe, tal como este observador analisaria as propriedades intrínsecas de um triângulo isósceles inscrito em um círculo. O CO NC EI TO FI LO SÓ FI CO D E "JU ST IÇ A" HEGEL HE GE L O termo Filosofia do Direito surge pela primeiravez no século XIX como sinónimo de Direito Natural na obra de alguns dos mais ilustres filósofos liberais, entre os quais o jurista Gustavo Hugo. Se a Filosofia do Direito é a Filosofia mesma diante dos fenómenos jurídico-normativos, foi preciso esperar que um filósofo e não um jurista construísse um sistema filosófico tendo o direito como peça central. Foi Friedrich Hegel quem o fez ao publicar em 1820 seu livro Princípios da Filosofia do Direito. A obra Princípios da Filosofia do Direito de Hegel é um marco que delimita o início da Filosofia do Direito como centro de uma investigação filosófica sistemática. Hegel afirma que este conjunto ética e Estado – professa alguma verdade que outrora, reconhecida como o desenvolvimento das leis, a moral pública e os sistemas religiosos, desde o desenvolvimento do direito se encaminharam ao progresso que tem alcançado. Mas também, a limitação que o direito impõe ao indivíduo é reconhecido como contrária à liberdade, uma vez que este último exorta o sujeito a agir de acordo com o que estiver pré-estabelecido. HE GE L Mas ainda assim homem é livre, somente na medida em que prossegue dentro do que estiver reconhecido de aceitado – na realidade singular que a autodeterminação o conduz. Esta ideia de liberdade, forma um papel fundamental no desenvolvimento do direito individual, e o homem, considerado como substância ética da sociedade civil, somente desenvolve todo seu dever em face da liberdade. Liberdade é um conceito absoluto em Hegel, com o mesmo fim da autoconsciência que se determina a moldar e trabalhar o conteúdo da sua vontade. Temos que o mundo ético (sendo o Estado, a razão) é resultante do elemento da autoconsciência, não tem a mesma sorte de ter a base da razão que lhe garanta como força, potência. O universo espiritual corresponde ao mundo do acaso e do capricho da vontade divina, abandonado por deus. CO NC LU SÃ O Em cada momento histórico corresponde necessariamente a uma série de leis para este, delimitadas pelas circunstâncias do Estado. A sabedoria dos legisladores e dos governos nas condições dadas e estabelecidas acerca da situação temporal constitui algo em si e pertencem a valorização da história, pois da lei tende a desgastar-se com o passar do tempo. Mesmo sem o direito propriamente dito, as cidades-estado de Atenas tiveram forte influência no direito ocidental. As experiências republicanas dessa época deram luz ao que hoje compreendemos como Estado e a população por ele governada. A constituição legal da cidade de Atenas resultou no estabelecimento de um regime democrático, tendo como sustentação o sistema jurídico que possuía. CO NC LU SÃ O Por meio de actos legais, “ (...) pela primeira vez na história o individualismo interfere sobre o pensamento jurídico, afirmando o estatuto da individualidade tanto do ponto de vista criminal (pressuposição de voluntariedade individual no ato do delito, sem interferência de factores sobre- humanos), quanto penal (direitos assegurados de defesa, procedimentos públicos padrões de acusação, penas não extensivas a familiares e descendentes, penas capitais praticadas pelo suicídio induzido) ” Gernet, 1917: 253– 277. CO NC LU SÃ O É na Grécia é que brotou o sentido da universalidade da justiça e que o Direito é coisa pública, devendo ser controlado pela comunidade, comunidade esta livre de fazer as suas próprias escolhas. A teoria social de Hegel explica o desenvolvimento progressivo da liberdade em busca de sua efetivação nas estruturas do direito abstracto, da moralidade e, da eticidade. A filosofia do direito é o espírito, o objectivo, o ― "ethos" que alimenta a vida ético-política de um povo, momento de efetivação da liberdade na ordem objectiva. E como etapas para se chegar a esse resultado têm em primeiro lugar o direito abstracto e depois disso a moralidade. A filosofia do direito considera em um primeiro momento a pessoa individual que assim se realiza na propriedade, esfera exterior de sua liberdade. Para o direito realizar-se no mundo (existência concreta) ela deve materializar o subjectivo. OBRIGADA PELA VOSSA ATENÇÃO!
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