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Filosofia Geral e Filosofia do Direito Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Me. Marize Oliveira dos Reis Revisão Textual: Prof. Me. Luciano Vieira Francisco A Filosofia do Direito na Antiguidade A Filosofia do Direito na Antiguidade • Conhecer as diversas concepções de Direito: Lei e Justiça; • Desenvolver intimidade com a leitura e interpretação de textos; • Assumir interesse pelo conhecimento. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • O Direito Natural na Grécia Antiga; • O Pensamento Jurídico Romano; • A Herança Judaico-Cristã. UNIDADE A Filosofia do Direito na Antiguidade Introdução O estudo do Direito sob o ponto de vista filosófico exige um conhecimento prévio da Filosofia Geral. Assim, é necessário que no primeiro momento identifiquemos o que é Filosofia. Philos e Sofhia: Amigo da Sabedoria. Este vocábulo surgiu no século VI a.C. e a sua criação foi atribuída a Pitágoras de Samos, filósofo e matemático grego. É comum as pessoas afirmarem que a Filosofia é uma atividade exclusiva aos que possuem mentes brilhantes. Na realidade, o filósofo é aquele que busca respostas através do uso da razão, que questiona as explicações usais impostas pelos costumes e pelos líderes políticos e religiosos, utilizando-se de métodos e funções específicas. A Filosofia do Direito, por sua vez, é aquela realizada pelo jurista que exercita a reflexão, que não se contenta com o amontoado de informações trazidas pelas leis que compõem determinado ordenamento jurídico. Podemos afirmar que a Filosofia do Direito busca o saber jurídico sistematizado e pro- penso a compreender a verdade, procurando alcançar o que seria chamado de Justiça. Trata-se da atividade filosófica, tendo o Direito como objeto específico de estudo. Para alguns, as respostas aos questionamentos do Direito se apresentam sob o ponto de vista das normas emanadas pelo Estado; já para outros, deve-se observar o Direito levando-se em consideração o ideal de justo. Assim, verifica-se o Direito sob o ângulo, por vezes, da decisão política, por outras, da moral. Como objeto mutável no tempo e sujeito a variáveis culturais e históricas, o Direito também enfrenta objetos específicos da Filosofia Política, ao mesmo tempo em que se observa a sua ligação com a ética, na busca da Justiça. A Filosofia do Direito tem como tarefa desenvolver uma teoria racional da Justiça como medida de valoração do Direito Positivo, devendo o jurista possuir sempre um pensamento crítico sobre o ordenamento jurídico. O Direito Natural na Grécia Antiga A Filosofia do Direito está no centro de todo pensamento jurídico e investiga a origem da reflexão jurídica, que foi entendida até o final do século XVIII como a doutrina do Direito Natural. É importante que iniciemos o estudo da Filosofia do Direito através da Filosofia Grega, especialmente diante da Democracia Grega. 8 9 Para entender melhor o tema, costuma-se dividir o conhecimento deixado pelos gregos em três períodos: pré-socrático; socrático ou clássico e pós-socrático. O termo pré-socrático, no primeiro momento parece determinar o conjunto de filósofos que viveram antes de Sócrates e deram início ao processo de separação entre a Filosofia e o pensamento mítico. Na realidade, tal determinação acadêmica alcança não necessariamente pensa- dores anteriores a Sócrates, mas também contemporâneos. A divisão efetivamente se dá pelo objeto de preocupação de respostas racionais sobre a natureza (Fhýsis) e o Universo (Cosmo) que afastam os pensadores das explicações míticas até então reverenciadas, que atribuía aos deuses a origem de todos os acontecimentos. Com os pré-socráticos, as narrativas mitológicas, com suas histórias que trans- mitiam valores morais e explicavam as origens dos acontecimentos naturais através das aventuras de deuses e mortais passaram a ser questionadas por pensadores que buscavam a resposta através da razão. Destacam-se na Antiguidade os grandes poetas Homero (séc. VIII a.C.) e Hesíodo (séc. VII a.C.) que, embora não tivessem um conceito sobre Direito, demonstravam atra- vés das imagens da mitologia as reflexões sobre o justo, posicionando-o em Themis e Diké, reconhecidas como deusas da balança e espada. Figura 1 – Themis Fonte: Wikimedia Commons Nos poemas de Homero a deusa Themis é identificada como filha de Gaia, deusa da Terra, e Urano, deus dos Céus, e como esposa e conselheira de Zeus (pai de todos os deuses). Era Themis a responsável por instruir os governantes nas decisões justas. Já o poeta Hesíodo identificava a deusa Diké, filha de Themis, como a Justiça e informava que esta tinha duas irmãs, Eirene (a paz) e Eunomia (a ordem), sendo suas opositoras Bia (a força), Eris (o conflito) e Hybris (o excesso). Diké buscava a paz e a or- dem e deveria evitar o conflito e os excessos que poderiam materializar-se em injustiças. 9 UNIDADE A Filosofia do Direito na Antiguidade Os gregos colocavam a balança, com os dois pratos, mas sem o fiel no meio, na mão esquerda da deusa Diké, filha de Zeus e Themis, em cuja mão direita está uma espa- da e que, estando de pé e tendo os olhos bem abertos, dizia (declarava solenemen- te) existir o justo quando os pratos estavam em equilíbrio (íson, origem da palavra isonomia). Daí, para a língua vulgar dos gregos, o justo (o direito) significava o que era visto como igual (igualdade). Os pré-socráticos compreendiam o Direito sob o ponto de vista da natureza. Foram os primeiros filósofos do jusnaturalismo, do entendimento que o Direito existe na natureza, mesmo quando não encontrado na Lei, mesmo quando não positivado. Muitos foram os filósofos identificados como pré-socráticos, mas se destacaram especialmente na Filosofia do Direito, no questionamento sobre o justo, os pensado- res Thales de Mileto, Heráclito e Parmênides. Figura 2 Fonte: Wikimedia Commons Desenvolveu-se na Grécia um sistema democrático, com novas classes de comer- ciantes chegando ao poder. Atenas passou a ser um importante centro econômico e cultural. Os aristocratas gregos perderam espaço para um sistema verdadeiramente democrático, muito avançado para a época, especialmente em Atenas, onde o cida- dão participava ativamente da vida pública, pois os assuntos de Direito e política eram de interesse de todos. O povo grego começou a se amoldar a um novo momento de decisão e partici- pação política, onde a soberania da aristocracia, dos nobres, transferiu o seu espaço à soberania das leis, aplicando a condição de partícipe político a todos os cidadãos, independentemente de sua origem. É necessário destacar que o conceito de cidadão naquela época não alcançava as mulheres, crianças, os estrangeiros e escravos. 10 11 A Cidade de Atenas passou por uma forte crise política no século VI a.C., onde grupos políticos rivais disputavam o poder. Nesse momento Sólon foi eleito gover- nante, a fim de elaborar leis competentes para organizar e colocar ordem nos confli- tos existentes. Sólon defendia que a ordem deveria ser imposta, através da coerção, uma força legítima que deveria determinar aos homens um comportamento para o bem-estar social, para a vida em sociedade e para conservação do Estado. Figura 3 Fonte: Wikimedia Commons As assembleias dos cidadãos gregos, especialmente os atenienses, ocorriam em praças públicas, que recebiam o nome de ágora e onde discutiam temas relacionados à vida na pólis. Aquele considerado cidadão ateniense tinha a oportunidade de se manifestar no conselho em praça pública, surgindo, assim, a Escola Sofista, composta de professo- res advindos de várias partes da Grécia, exercendo forte influência para a sistemati- zação do ensino, destacando-se na retórica e dialética, desenvolvendo e preparando os jovens de famílias mais abonadas na arte da argumentação e oratória. O grego considerado bom cidadão deveria participar ativamente dos processos democráticos, com o constante exercício dos seus direitos a fim de alcançar uma virtude cívica. Tal movimento sofista se constituía em umestágio fundamental no pensamento grego, que se caracterizou pela dominação de quem estava mais preparado para argumentar e convencer os demais cidadãos sobre a sua posição. Tratava-se de uma habilidade que privilegiava a dialética (o posição conflitiva, con- tradições entre princípios teóricos ou fenômenos empíricos) e a retórica (eloquência, oratória), sem a busca pela verdade, como forma de fazer prevalecer o seu argumen- to, independentemente de ser o mais correto ou justo, em detrimento dos valores permanentes ou de regras fixas. Prega-se a relatividade dos critérios morais e nega-se a verdade absoluta. 11 UNIDADE A Filosofia do Direito na Antiguidade Preocupados com a persuasão, com o aspecto formal da exposição e a defesa de suas ideias, os sofistas são tachados de superficiais e de pronunciarem discursos vazios, distantes da busca da verdade. Assim, os sofistas foram criticados sob vários argumentos, especialmente por cobra- rem pelas aulas e iniciarem os jovens à arte da retórica, do bem dizer, na excelência no debate público, que se mostrava instrumento essencial na assembleia democrática. Sofista: Sophos, que significa sábio ou professor do saber. Posteriormente, o vocábulo sofista passou a ter um sentido depreciativo, designando aque- le que usa de dissimulação, que recorre a um discurso enganador. Em oposição ao sofismo, surgiu Sócrates (470-399 a.C.), um ateniense de origem não aristocrática, filho de um artesão e de uma parteira, que além de crítico e debatedor de diversos assuntos, era um cidadão e respeitava a ordem jurídica, as leis da Pólis. Sócrates passou a contestar o sofismo, criticando-o intensamente e o levando ao declínio. O combate de Sócrates ao sofismo se dava por esse entender que a melhor manei- ra de solucionar um dilema seria através do diálogo, do meio indutivo em que seria possível obter a verdade que é universal, pois o homem é dotado de valores perma- nentes (naturais), fundando no raciocínio. Para esse filósofo, o cidadão não poderia manter um comportamento coeso, harmônico, em sociedade, se apenas atendesse às opiniões mais fortes – e sim por um sentido de Justiça, um sentido social. Assim, afirmava que a virtude era essencial ao homem para a vida em sociedade e que poderia ser ensinada como uma metanoia (transformação interna). Sócrates defendia que o homem deveria ter consciência de si, colocando diversas questões em seus diálogos e solicitando respostas que produziriam no homem a percepção, a cons- ciência da essência das coisas, levando o homem à reflexão dos valores como amizade, beleza, amor, coragem e a sua importância social. O método socrático de busca pelo conhecimento visa fomentar no próprio indiví- duo a busca pela verdade. O seu método pode ser resumido em quatro etapas: • Exortação: momento em que se convida ao debate que somente acontece com a sua aceitação; • Indagação: levantamento de um tema e as opiniões de cada indivíduo; • Ironia: questionamento das opiniões expostas; • Maiêutica: novas ideias e conceitos alcançados pelo raciocínio. Sócrates questionou a Democracia como um bom governo, uma vez que pessoas sem o conhecimento político tomavam decisões sobre as quais não detinham com- petência. As perguntas de Sócrates provocavam nos jovens questionamentos sobre o Estado e governo, incomodando os poderosos, que o levaram a julgamento sob a acusação de não crer nos deuses da Pólis e os descreditar, criando deuses e corrom- pendo os jovens com novas ideias. 12 13 A condenação de Sócrates e sua sentença, a morte por suicídio, tomando um veneno chamado de cicuta, deixou os seus seguidores inconformados. Apesar de ter oportunidades para fugir e não cumprir a sentença condenatória, mesmo entendendo ser vítima de uma condenação injusta, Sócrates a essa se subme- teu, respeitando a decisão da Pólis, manifestando o seu respeito à Lei. Figura 4 – A cena da morte de Sócrates foi imortalizada pelo pintor francês Jacques-Louis David (1748-1825), na tela A morte de Sócrates, de 1787 Fonte: Wikimedia Commons Sócrates influenciou muitos pensadores, que foram os responsáveis por repassar as suas ideias e as aprimorar. Mas será com Platã o e Aristó teles que o pensamento jusfilosó fico chegará ao primeiro apogeu. Em Platã o, em A Repú blica e em As Leis, há de se ver a relaç ã o í ntima entre o justo e a pó lis. Alguma sorte de justiç a social ressalta de seu pensamento. A forma de sua realizaç ã o está ligada a um sistema original pelo qual, no á pice de um sistema de condiç õ es iguais, o rei seja filó sofo. Aristó teles, principalmente na É tica a Nicô maco, em especial no Livro V, é quem leva as consideraç õ es sobre o justo à sua melhor expressã o. (MASCARO, 2008, p. 13) Platão (428-347 a.C.) foi o mais importante discípulo de Sócrates e desde jovem seguiu os seus ensinamentos, tendo acompanhado o julgamento do mestre, o que acabou por influenciar no seu pensamento filosófico, político e jurídico posterior. “Não devemos de forma alguma preocupar-nos com o que diz a maioria, mas ape- nas com a opinião dos que têm conhecimento do justo e do injusto, e com a própria verdade” (PLATÃO) . Esse filósofo se utilizou de diálogos, na maioria de suas obras, como forma de exposição de seus pensamentos, onde relata conversas com vários personagens, inclusive com o seu mestre Sócrates – este que não deixou nenhuma obra escrita. 13 UNIDADE A Filosofia do Direito na Antiguidade Influenciado pelo método socrático, Platão defendeu, em sua obra, que o homem deve possuir quatro virtudes que são indissolúveis, de forma que, onde está uma destas, todas as demais estarão unidas, sendo a Justiça, sabedoria, coragem e tem- perança. Questionava o que seria o homem e afirmava que este é composto por três camadas, sendo instinto, vontade e razão. Quem é o homem? Ser dotado de três camadas: Instinto/apetitiva (nutrir e reproduzir); Vontade/emotiva (desejar); Razão humana (inteligência). (PLATÃO) A razão seria a natureza objetiva da alma humana em dominar os instintos pela razão. A injustiça seria a desordem da alma, manifestando-se quando os homens não dominam os seus instintos. Na obra A república, Platão propõe um processo de ponderação sobre o direito e justo. Esse filósofo constrói o que é a Justiça, partindo da cidade justa para o homem justo. A cidade justa seria aquela em que existiria um escalonamento, uma divisão de tarefas, um modelo onde seria analisado o mérito através de exames periódicos. Assim, as atividades nas cidades seriam distribuídas entre produtores (homens de bronze = que possuem como virtude marcante a temperança), soldados (homens de prata = que possuem como virtudes marcantes a coragem e temperança) e os governantes (homens de ouro = que possuem como virtudes marcantes a sabedoria, coragem e temperança). A concepção do justo, a virtude da Justiça, é a realização por cada homem e do todo de cada uma das tarefas que os ligam à pólis. A Justiça não se restringe à Lei justa, mas deve ser observada na sociedade justa, onde cada qual cumpre o seu papel na pólis. Aristóteles (384-322 a.C.), seguidor de Platão e de quem foi aluno, destacou-se como o maior pensador sobre o Direito e a Justiça. Nasceu na Macedônia, onde seu pai era médico do rei Filipe e mais tarde foi professor de seu filho, Alexandre, até que este assumiu o trono. Desenvolveu pesquisa por diversas áreas do conhecimento e fundou em Atenas a sua própria escola, chamada de Liceu, onde aplicava estudos em grupos multidisciplinares. Enquanto Platão partiu da ideia para a realidade. Aristóteles foi da realidade para a ideia. Aristóteles escreveu várias obras sobre a ética e sistematizou de forma filosófica a Justiça, determinando que esta pode ser compreendida sobre dois sentidos: universal e particular. Sob o ponto de vista universal, a Justiça é aquela que alcança a todos, em sentido geral é aquela que ataca a excelência e a deficiência moral, impondo uma regra a ser seguida (aLei) em determinado momento e cultura. 14 15 J á e m sentido particular, entre as pessoas a Justiça se divide em distributiva e corretiva, vejamos: Justiça particular Justiça distributiva Justiça corretiva Comutativa Repressiva Figura 5 • J ustiça distributiva: o corre quando o homem é premiado por algo que fez; quando se dá o que merece. Tem como objeto a divisão de bens e honras na comunidade, de forma que cada um receba o adequado ao seu mérito. Exemplo: na elaboração do orçamento público, o Estado distribui os valores segundo as suas necessidades e importâncias. Assim, a educação e saúde terão orçamentos maiores por merecerem mais proteção, igualdade proporcional; • J ustiça corretiva é aquela que não observa os méritos, que mede impessoal- mente o benefício ou dano que cada qual pode responder. Trata-se da igualdade matemática. Tal manifestação se divide em: » Comutativa (voluntária): q uando a Justiça se manifesta na vontade das par- tes, no acordo realizado entre essas. É a manifestação do Direito Privado; » Repressiva (involuntária): quando a Justiça se impõe contra a vontade das partes, com o uso da força. É a manifestação do Direito Público. Nas seguintes obras é dito por Aristóteles: Ética a Nicômaco: “Homem justo é o que faz atos justos”. A política: “A mais autêntica forma de Justiça é uma disposição amistosa”. Em sua obra Ética a Nicômaco, Aristóteles reflete sobre o justo e o Direito e entende que a alma possui duas virtudes: moral e intelectual. A primeira é ligada aos sentimentos, ao sentir; e a segunda à razão, à Ciência. De forma que, aquele homem que consegue agir com as duas virtudes é ético. A ética é o caminho para se alcançar a felicidade, de modo que a sua prática deve ser adquirida por hábito, com o uso da razão por livre escolha, manifestando-se como o resultado do exame racional e individual sobre a melhor forma de agir. O exame ocorre por meio da convivência na sociedade, que é ordenada por leis a fim de alcan- çar a harmonia entre os homens. Marca a Justiça em Aristóteles a busca pelo equilíbrio da proporção, aplicação da contraprestação adequada ao dano. Aristóteles defendia o uso da equidade, aplicação da Justiça no caso concreto, quando faltar legislação específica e outra fonte de Direito. 15 UNIDADE A Filosofia do Direito na Antiguidade A Justiça se manifesta em uma ação, no ato de dar e distribuir na sociedade os bens, as riquezas e a honra, devendo o jurista utilizar a equidade, adequação da norma ao caso concreto. A Justiça é a observância do meio termo e na sua inobser- vância ocorre a injustiça, que se relaciona aos extremos. A expansão da Macedônia sobre os territórios gregos e a formação do império de Alexandre, que foi aluno de Aristóteles, acabou por dissolver a cultura grega, espalhando-a pelo mundo ocidental e oriental. O Pensamento Jurídico Romano Diversamente do que ocorreu na Grécia, a Filosofia não encontrou em Roma campo fecundo para grandes desenvolvimentos. Prático, imediatista, concretista, administrador, por excelência, o romano não se deixou arrastar para a especulação filosófica. Serviu a um ideal bem nítido: dominar o mundo e impor a sua civilização. Fato este colocado em relevo na Eneida (Canto VI, versos 851-853), pelo poeta Virgílio, através do vaticínio do herói da epopeia: “Lembra-te, romano, de submeter os povos a teu império. Tua missão é a de im- por as condições de paz, poupar os vencidos e abater os soberbos”. Roma obteve extraordinárias vitórias militares e expandiu o seu território, conquistan- do muitas terras e alcançando culturas bem diversas. Com o objetivo de manter a ordem e união entre os povos dominados, o governo romano foi impelido a estruturar as suas leis e criar um conjunto de preceitos jurídicos. Assim surgiu um sistema jurídico impo- nente, de caráter prático, casuísta, desvinculado da desejável fundamentação filosófica. Adotando as doutrinas helênicas e simplificando-as, o romano revela sua originalidade no campo do Direito, ao erguer o magnífico edifício jurídi- co, verdadeira catedral do Direito, colocando pedra sobre pedra e com- pondo a obra granítica que os séculos vindouros denominariam de razão escrita. (CRETELLA JR., 1997, p. 101) A filosofia romana é identificada como uma filosofia de importação, pois se mos- trou como uma espécie de releitura da filosofia grega, onde se destacaram as ideias sobre a moral. Acentuam-se como pensadores romanos Cícero, Sêneca, Lucrécio e Marco Aurélio, mas especialmente nos escritos jurídicos os pensadores Celso, Ulpiano, Gaio, Papiniano, Paulo e Modestino. Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.), filósofo, orador e político romano, escreveu várias obras, em especial a intitulada De republica, de inspiração platônica, bem como a obra De legibus. Sob a forma de diálogo, em De Republica Cícero expõe o problema do melhor modo de governo, chegando à conclusão de se tratar da República Romana. 16 17 Em De legibus, diálogo que se articula com o De republica, discute o importante e perene problema das relações do Direito Positivo e da Justiça Ideal. Ulpiano resume o conceito de Justiça em três preceitos pelos quais deveria ser regido o Império Romano através de suas leis: • Não prejudicar ninguém: as leis de Roma devem proteger as pessoas e os bens, evitando danos; • Viver honestamente: o Direito Romano deveria ser instrumento para garantir os bons costumes, estabelecendo sanções aos desonestos; • Dar a cada um o que lhe compete: a Lei deve estabelecer o que corresponde a cada indivíduo. As máximas apresentadas como tentativas conceituais são apenas critérios de Justiça, o que demonstra que os romanos não separaram o Jus da Justiça, nem o Direito da ética, não obstante tenham intuído que o lícito, traço jurídico da conduta humana, não se confunde com o honesto, elemento ético da atividade do homem. Nem tudo que é lícito é honesto – afirmou o jurisconsulto Paulo – ao procurar distinguir o Direito da moral; ao contrário, Celso que parece identificar os dois cam- pos conceituando o Direito como “a arte do bem e do equitativo”. A equidade é a adequação do Jus aos infinitos casos práticos: é a Justiça aplicada ao caso concreto. O Direito é a norma geral e abstrata, ao passo que a realidade a que se dirige é constituída de hipóteses concretas, de tal modo que se a norma se aplicasse de forma idêntica, estaria implantada a desigualdade flagrante de tratamento. Assim, configura-se a equidade como algo extremamente flexível e que impede a petrificação do Direito em uma fórmula imóvel e definitiva. Se de um lado, a aceitação de um sistema de Direito baseado na natureza racional dos homens deu como consequência um progressivo aperfeiçoamento do Direito Positivo; de outro, relevante papel desempenhou na jurisprudência, a equidade, libertando o juris- consulto da estreiteza da letra da Lei, elevando-o ao plano alto de sacerdote da Justiça. A Lei é um esquema genérico e abs- trato. A equidade é o momento de concretização da Justiça. Preocupou os jurisconsultos romanos o conceito grego de Jus Naturale, concepção complexa formulada pelos gregos na célebre Antígona – lei divina, eterna e imutável. Para os romanos natura é a realidade, essência das coisas, o elemento fático que se projeta no mundo jurídico. O Direito formulado por Justiniano vê traços teológicos no Jus Naturale: as leis naturais, observadas em quase todas as nações e estabelecidas pela providência divina permanecem sempre firmes e imutáveis, mas as leis que há em cada cidade A Lei é um esquema genérico e abs- 17 UNIDADE A Filosofia do Direito na Antiguidade costumam mudar com frequência, ou por consentimento tácito do povo, ou por leis posteriores. Assim, a concepção dos jurisconsultos clássicos, embora atingindo a Filosofia, tem caráter positivo. Deixa de ser abstração, como entre os filósofos, para identificarem- -se como Jus Gentium – baseado na ratio naturalis/razão natural/direitos humanos. Cícero consideravao Direito Natural como suprema razão ínsita na natureza (De Legibus), Lei não escrita, mas natural, a qual não aprendemos, mas recebemos, lemos e, na verdade, extraímos da própria natureza. A Herança Judaico-Cristã No final da Antiguidade formou-se uma filosofia judaico-cristã baseada na exis- tência de um único Deus, responsável pela criação do Universo e “comandante” de todas as forças naturais. A Filosofia judaico-cristã contrapõe-se à Filosofia grega, afastando a razão e reti- rando do homem a capacidade de compreensão do todo. O cristianismo possui origem no judaísmo e, por este motivo, os valores éticos são os mesmos para ambos. O povo judeu era nômade e vagava pelo deserto, sob a liderança de Moisés, em busca da terra prometida por Deus, onde se estabeleceria como Nação. Eram agricultores, pas- tores de ovelhas e, principalmente, de cabras, e plantavam uvas, trigo e outros produtos. O grande diferencial que marcava o povo hebreu na Antiguidade era o fato de serem monoteístas (mono = um; théos = deus). Essa característica marca toda a história desse povo, bem como toda e qualquer produção cultural que tenha realizado. A história dessas pessoas pode ser acompa- nhada pela Bíblia, mais especificamente pelo Antigo Testamento, que reúne a Torá (Lei es- crita e revelada por Deus), os profetas e escri- tos. O Pentateuco é composto por cinco livros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deutero- nômio. Essa obra é atribuída a Moisés segundo a tradição judaica – daí ser referida como leis de Moisés, ou os cinco livros de Moisés. O Novo Testamento inclui a história e os ensi- namentos de parte dos hebreus que acreditavam que Jesus é o Messias que o Antigo Testamen- to previa (assim, o cristianismo, que deriva da religião e civilização hebraica, passou a exercer profunda influência em todo o mundo ocidental). Acreditavam em um só Deus, que por vontade própria havia se revelado a um patriarca, Abraão Figura 6 Fonte: Wikimedia Commons 18 19 e, a partir desse momento, iniciou um relacionamento entre Deus e os que Chamava de “povo escolhido”. Este era o seu diferencial: os únicos na face da Terra com um Deus, iniciando a história do monoteísmo, que atualmente é dominante no mundo. Não se pode entender a história desse povo sem vislumbrar a interferência de Deus em suas vidas, para os quais Deus escolhia os líderes; Deus escolhia o lugar aonde ficariam; Deus dava fartura ou não; Deus, dependendo do merecimento de cada um, dava a vitória ou derrota na guerra. Assim, para esse povo a Lei foi inspirada por Deus, de modo que ir contra a qual era o equivalente a ir contra Deus. Pecado e crime se confundem. O Direito é imutável, de modo que somente Deus pode modificá-lo. Os rabinos (chefes religiosos) podem até interpretá-lo para adaptá-lo à evolução social, mas nunca podem modificá-lo. A base moral da legislação mosaica pode ser encontrada nos Dez Mandamentos, que teriam sido escritos “pessoalmente” por Deus, no Monte Sinai, como forma de aliança entre Ele e o povo escolhido. O pensamento filosófico da Antiguidade, que se movimenta entre dois polos an- tagônicos – indivíduo e Estado – sofreu radical transformação com o advento do cristianismo, que abriu novas perspectivas e um rico campo de indagação ao jurista e filósofo. Ocorreu uma adaptação gradativa das ideias filosóficas de origem grega e romana à teologia cristã. Com o cristianismo, o pensamento grego de que a razão norteava o homem no sentido do viver justo foi contrariado, pois quando antes tudo se explicaria através da razão, não seria tal mais possível sendo Deus incompreensível, racionalmente dizendo. A existência de um Deus enquanto divindade única, onipotente, onisciente e oni- presente, que julga a todos os homens, determinando os seus atos como bons ou maus, retira do homem a capacidade de, com o uso da própria razão, alcançar o fundamento de seus atos. A filosofia judaico-cristã determina que somente aquele que praticar a vontade de Deus alcançará a felicidade, sendo a fé o elemento condutor do agir justo. Em um primeiro momento o cristianismo foi apolítico: “A Cesar o que é de Cesar, a Deus o que é de Deus”. Acabou, porém, por se estender a todos os setores da vida. Em 324 d.C., após muitos anos de perseguição aos cristãos, o imperador Constantino tornou o cristianismo a religião oficial do Império Romano. A liberdade e igualdade entre os homens, a dignificação da mulher, o tratamento humano dos escravos, a apologia da união familiar foram refletidos no campo das relações jurídicas, atingindo o Direito e Estado. Tais condições contribuíram para que o cristianismo se expandisse às camadas sociais. A determinação do cristianismo como religião oficial fez nascer uma filosofia cristã chamada de jusnaturalismo teológico. Surgiram pensadores cristãos que se ocupavam em determinar o cristianismo como uma filosofia moral que deveria ser validada em todo o território. 19 UNIDADE A Filosofia do Direito na Antiguidade Destacaram-se como pensadores cristãos Santo Agostinho de Hipona e São To- más de Aquino. Santo Agostinho (354-430) – Crer para Entender Ainda na Antiguidade, Santo Agostinho se apresentou como grande representan- te do cristianismo, para o qual se converteu aos 32 anos de idade, após ter seguido o maniqueísmo por um certo tempo. Maniqueísmo: dualismo religioso sincretista que se originou na Pérsia e foi amplamente difundido no Império Romano (séculos III-IV d.C.), cuja doutrina consistia basicamente em afirmar a existência de um conflito cósmico entre o reino da luz (o Bem) e o das sombras (o Mal). Teoria que entende que bem e mal são forças duplas que comandam o Universo. Figura 7 Fonte: WikiArt.org Impressionado com os sermões de Santo Ambrósio, Santo Agostinho dedicava-se à carreira como professor de retórica e a abandonou após a conversão, voltando-se ao escrito de obras cristãs, na sua maioria filosóficas, entre as quais: • O livre-arbítrio; • Confissões; • A cidade de Deus. Santo Agostinho foi influenciado por Platão e justificou a teoria dualística, que determina a existência de um mundo ideal e justo. Para o filósofo patrístico o mundo ideal seria a vontade de Deus e o mundo das coisas seria a vontade humana. 20 21 Você Sabia? A filosofia patrística foi uma corrente filosófica cristã do final da Antiguidade e da épo- ca medieval que surgiu no século IV. O seu nome foi concebido por ter sido desenvolvida por diversos padres e teólogos da Igreja, os quais eram chamados de “Pais da Igreja”. Foram influenciados por Platão. A verdadeira Justiça não pratica o costume como critério, mas a vontade divina, que seria a Lei perfeita, a fonte legítima do justo. A vontade divina é universal e imutável, cabendo ao homem crer, exercer a fé e, assim, alcançar o raciocínio que o levaria ao comportamento justo, logo: • Lei eterna: imutável, justa e plena; que vem da vontade de Deus; • Lei positiva: devendo se basear na Lei eterna como o seu fundamento. Os homens são seres racionais, possuem o livre arbítrio, que deve ser capaz de escolher entre o bem e o mal, mas tal processo de raciocínio só é possível se há liberdade de escolha, incluindo a escolha do erro. Deus não é a origem do mal, mas é o homem que não reconhece a vontade de Deus o responsável pelo mal. Inaugura-se, com Agostinho, uma outra visão daquilo que se possa chamar por Direito Natural. Para os gregos, o Direito Natural era a busca da natureza das coisas, flexível, histórica, social, de cada caso. Para a tradição medieval, o Direito Natural – se é que assim se pode chamá-lo na visão agostiniana – é um rol de regras inflexíveis, não naturais no sentido de que não se veem na natureza nem na sociedade, mas que são oriundas do desígnio divino. Nem com a tradição estoica a visão agostiniana sobre a Justiça se parece. Para Cícero, a Lei Natural era a mesma porque a natureza do homem é a mesma, e a razão assim também. Para Agostinho, não é a razão que alcança o justo, nem a naturezado homem, mas o desígnio de Deus, que é insondá- vel em suas razões. (MASCARO, 2018, p. 90) São Tomás de Aquino (1225-1274) – Entender para Crer Conhecido como “Doutor Angélico”, São Tomás de Aquino usou uma argumentação em que a filoso- fia de Aristóteles era importante instrumento para entender a fé e vontade divina. O filósofo cristão per- tencia ao movimento – Escola de Filosofia – denomi- nado Escolástica, que consistia em um pensamento crítico, em um método de aprendizagem que une a fé cristã ao pensamento filosófico grego, especialmente harmonizando os valores de ordem espiritual com os elementos da filosofia de Platão. Contudo, foi Aristóteles e a sua obra que exerce- ram grande influência sobre o pensamento de São Figura 8 Fonte: Wikimedia Commons 21 UNIDADE A Filosofia do Direito na Antiguidade Tomás, mudando a sua perspectiva dos assuntos políticos e o conduzindo a questões como a natureza do poder e das leis e o que seria o melhor governo. Para esse pensador cristão, a razão prepara o homem para o exercício da fé. Para a total compreensão do homem e mundo é necessário crer e exercitar a fé através do estudo das Escrituras Sagradas. A Lex Divina, reunião de preceitos oriundos de Deus e orientadores da con- duta terrena, constante nas Sagradas Escrituras, Velho e Novo Testamento, seria a complementação aos preceitos gerais e abstratos da Lei Natural. A Lex Humana foi definida como “ordenamento da razão visando o bem comum, promulgado pelo chefe da comunidade”. Embora tenha indicado genericamente o bem comum como a causa final, em outra passagem de sua obra especifica a paz dos homens como o fim da Lei humana. Para que se obtenha a disciplina no meio social, pensava o filósofo, é impe- rioso que se estabeleça um mecanismo que coíba o mal pela força e pelo medo. A Lei não seria necessária para os jovens inclinados para a virtude por dom divino, pois lhes bastava a disciplina paterna, mas seria para aqueles que possuem tendência para os vícios. Em relação aos primeiros a advertência paterna seria suficiente, para os demais seria indispensável a coação. (NADER, 2019, p. 167) Seria a fé capaz de melhorar a razão, de forma que a Filosofia produziria um co- nhecimento imperfeito, mas a Teologia corrigiria a Filosofia, alcançando a verdade, o conhecimento perfeito. São Tomás de Aquino produziu obras importantes e tratou da questão da Lei e da Justiça especialmente na Summa Theologica. O Direito Natural estaria inscrito por Deus no coração do homem. Ao contrário do que o senso muito conservador poderia entender, para Tomás de Aquino – e diferentemente de Agostinho – a Lei Natural pode mudar. Sendo a natureza voltada ao fim da plenitude de Deus, seu criador, essa própria natureza não está inerte. Há novos tempos, novas situações, novas demandas, e, por isso, o Direito Natural deve se adaptar, em gran- de parte acrescendo previsões novas às já consolidadas. Quanto aos seus preceitos primeiros, a natureza não muda. Quanto aos seus preceitos se- cundários, para Tomás de Aquino ela muda. (MASCARO, 2018, p. 97) 22 23 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Direito Romano ALVES, J. C. M. Direito Romano. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Vídeos A Justiça na Grécia Antiga - aula 1 https://youtu.be/QhueGLklScE A Justiça na Grécia Antiga - aula 2 https://youtu.be/X9ZvCKoV9ko A Justiça na Grécia Antiga - aula 3 https://youtu.be/WUsPJCfbqrI A Justiça na Grécia Antiga - aula 4 https://youtu.be/PlesaYh3SCo Filmes Alexandria Em Alexandria, no ano de 391, Hipátia é professora de astronomia e matemática, além de filósofa. Um dos seus alunos, Orestes, está apaixonado por ela, assim como o seu escravo Davus. Juntos, eles deverão lutar contra extinção da biblioteca local e outras grandes instituições, que não devem sobreviver quando o Cristianismo ganha poder político na cidade. https://youtu.be/FXLS8WP0gi0 Santo Agostinho de Hipona Com direção do mestre italiano Roberto Rossellini (Roma, Cidade Aberta), Santo Agostinho é uma cinebiografia de Agostinho de Hipona (354-430), um dos grandes nomes do Cristianismo e um dos maiores filósofos da Humanidade. Rossellini focaliza a principal fase da vida e da obra de Agostinho: o momento em que se torna bispo de Hipona. Com rigor histórico e realismo, o filme mostra seu combate aos heréticos donatistas, a sua famosa oratória, suas idéias e a realização de seus principais livros, como “Confissões” e “Cidade de Deus”. Inédito no Brasil, Santo Agostinho é um dos melhores trabalhos de Rossellini e uma oportunidade imperdível de se conhecer um pouco mais sobre a vida e a obra de Santo Agostinho. https://youtu.be/QHxorFHHJbc 23 UNIDADE A Filosofia do Direito na Antiguidade Referências ADEODATO, J. M. Filosofia do Direito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. BITTAR, E. C. B.; ALMEIDA, G. A de. Curso de Filosofia do Direito. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2019. CRETELLA JR, José. Curso de Direito Romano. Rio de Janeiro: Forense, 1997. MASCARO, A. L. Filosofia do Direito. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2018. ______. Filosofia do Direito e Filosofia Política: a Justiça é possível. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008. NADER, P. Filosofia do Direito. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. NUNES, R. Manual de Filosofia do Direito. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. RICARDO, C. Filosofia geral e jurídica. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. SOUSA, C. V. S. Filosofia geral e jurídica. Porto Alegre, RS: Sagah, 2018. 24
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