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Grupo Único PDF PaD
O melhor de Sherlock Holmes em 4 volumes
Nas 
livrarias
/escalaoficial
Ou acesse www.escala.com.br
C O L L E C T I O N
ARTHUR CONAN DOYLE
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Grupo Único PDF PaD
www.portalespacodosaber.com.br • ciência&vida • 3
EDITORIAL
O querer e a 
organização social
Nesta edição, Renato Nunes Bittencourt, docente da Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro, traz a perspectiva schope-nhaueriana sobre a sociedade do consumo, no entendimento de que o esforço do pensador em compreender a vontade 
humana e como esta é negada na Modernidade passa por uma análise 
desse contexto à luz do capitalismo vigente. O querer irrefreável e egoísta 
seria a base dessa sociedade e, possivelmente, a raiz de seu sofrimento.
Ainda neste número, Fabio A. G. Oliveira (org.), professor de Filosofia 
da Universidade Federal Fluminense, e colegas trazem a segunda parte 
do dossiê sobre democracia, agora tratando de temas como feminismo, 
racismo, tecnologia e meio ambiente. Na edição passada, a leitora e o 
leitor tiveram contato com o histórico de construção do conceito de demo-
cracia, o seu tratamento como expressão política de uma concepção de 
justiça mais inclusiva e uma discussão, sob uma perspectiva democrática, 
de temas como laicidade, inclusão e sexualidade. 
Como bem abordou Oliveira, em introdução a esse dossiê, em número 
anterior de Filosofia, responder a pergunta “o que é democracia” exige de 
nós “um mapeamento histórico-filosófico que envolve diferentes aspec-
tos espaço-temporais da organização social, econômica, cultural e política 
da vida”. Trata-se, assim, segundo o acadêmico, de colocar em xeque os 
valores e processos imbricados na condução e manutenção dos direitos, mas também 
das desigualdades, dos privilégios e da exclusão, muitas vezes institucionalizadas por 
processos legais.
Defender a democracia seria, em suma, um projeto de enfrentamento à nova obscu-
ridade, tal qual propõe Habermas, combatendo-se, como lembrado por Oliveira, “uma 
espécie de valoração da ignorância, fruto da equiparação entre crenças e certezas, da 
valorização do dogma e controle persecutório do diferente, dissenso e contraditório 
através de uma educação crítica”.
Boa leitura!
Da Redação
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número 151
58 DOSSIÊDefender e pensar 
a democracia (Parte 2) 
TEMAS: Feminismos para 
quem? Convergência entre 
democracia e feminismo seria inegável • Antirracismo: 
Debate sobre a educação das relações étnico-raciais 
segue fundamental • Meio ambiente: Pauta ambiental 
em uma política democrática • Tecnologia: Interações 
mudam perspectivas, a esfera pública e a concepção 
da democracia 
72 FILO ORIENTALEstratégia e sabedoria, por André Bueno
76 RESENHASexo, ecologia e espiritualidade, de Ken Wilber
78 FILOCLÍNICADoenças imaginárias, por Lúcio Packter
82 OLHO GREGOA liberdade de expressão, por Renato Janine Ribeiro
A LIBERDADE DE EXPRESSÃO, POR RENATO JANINE RIBEIRO
Pensador vai contra apelos do consumo 
e alerta: “a base do querer é o sofrimento”
DOSSIÊ 
DEMOCRACIA
Segunda parte 
aborda propostas 
democráticas 
para o meio 
ambiente, entre 
outros temas
CONTRA
A FILOSOFIA 
DO “OPA!”
Obra de Ken Wilber 
traz explicações 
alternativas 
para a evolução 
do universo
ANO XIII No 151 – www.portalespacodosaber.com.br
CADERNO DE CIÊ
NCIAS SOCIAIS •
 ciência&
vida • 35
CADERNO DE
 CIÊNCIAS 
SOCIAIS & EDU
CAÇÃO
O CONHECIM
ENTO 
PELA LUZ NA
TUR AL
ÓDIO AO OUT
RO: 
DISTORÇÕES
 DA REALIDAD
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CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO: O CONHECIMENTO PELA LUZ NATURAL: UM 
OLHAR SOBRE O INATISMO CARTESIANO • O ÓDIO AO OUTRO NAS DISTORÇÕES DA REALIDADE
Schopenhauer e a 
negação da VONTADE
DOSSIÊ 
DEMOCRACIA
Segunda parte 
aborda propostas 
democráticas 
para o meio 
ambiente, entre 
outros temas
CONTRA
A FILOSOFIA 
DO “OPA!”
Obra de Ken Wilber 
traz explicações 
alternativas 
para a evolução 
do universo
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SUMÁRIO
14 
PENSADORES/ CAPA
Schopenhauer embasa 
crítica à sociedade do 
consumo
22 
SOCIEDADE
Filosofia contra as fake news
28 VIDA E OBRAAs teorias de 
Jean Jacques Rousseau
51 PARA REFLETIRLiteratura, Artes Visuais, Filosofia da Mente e tecnologia nos espaços comandados 
por Ana Haddad, Walter Cezar Addeo e João de 
Fernandes Teixeira
CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO
• O CONHECIMENTO PELA LUZ NATURAL: 
UM OLHAR SOBRE O INATISMO CARTESIANO
• O ÓDIO AO OUTRO: DISTORÇÕES DA REALIDADE 
CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS • ciência&vida • 35
CADERNO DE CIÊNCIAS 
SOCIAIS & EDUCAÇÃO
O CONHECIMENTO 
PELA LUZ NATUR AL
ÓDIO AO OUTRO: 
DISTORÇÕES DA REALIDADE
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6 ENTREVISTAClodoaldo Luz e a obra de Agostinho de Hipona
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PROPOSTA
DIDÁTICA
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MOMENTO DO LIVRO
Livro: O Diário de Anne Frank
Número de páginas: 240
Editora: Geek
Veja outras informações no site: www.escala.com.br
No auge da Segunda Guerra Mundial, 
uma garota ganha em seu aniversário 
de 13 anos um caderno de autógrafos. 
Tinha um fecho e capa dura de tecido 
xadrez vermelho e branco. 
O nome da garota era Anne Frank e 
ela gostava muito de escrever. Por isso, 
transforma o caderno em um diário. 
Menos de um mês depois, Anne, a irmã 
Margot e os pais vão para um esconde-
rijo secreto, onde passam mais de dois 
anos, com outras quatro pessoas, para 
não serem enviados para um campo de 
concentração. 
Os nazistas acham o esconderijo e 
o grupo não escapou do holocausto. 
Anne, que era judia, morreu pouco an-
tes de fazer 16 anos. Porém o diário 
onde foram narrados os momentos so-
bre a vida de Anne Frank e os aconte-
cimentos vivenciados no anexo secreto 
sobreviveu e se tornou um dos livros 
mais lidos do mundo, traduzido para 
mais de 60 idiomas.
JÁ NAS BANCAS E LIVRARIAS!
O DIÁRIO DE 
ANNE FRANK
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Grupo Único PDF PaD
ENTREVISTA Clodoaldo da Luz
6 • ciência&vida
Acadêmico discorre sobre legado de Agostinho de Hipona, 
na Idade Média, e destaca a grande contribuição 
de Descartes para o advento do período moderno
Por Fábio Antonio Gabriel *
• Doutorando em Educação com bolsa de doutorado 
concedida no âmbito Capes/Fundação Araucária. Agradece as 
respectivas instituições pela colaboração financeira nas pesquisas 
desenvolvidas. Organizador de diversas coletâneas, entre elas 
Docência: processo do ensinar e aprender (Editora Multifoco). Site: 
www.fabioantoniogabriel.com IM
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ceituar de o “filosofar na crença”, convertendo 
o afã pela felicidade na caminhada rumo à bem-
-aventurança. 
Se, outrora, Tertuliano (155 d.C. a 222 d.C.) 
indicava que a Filosofia seria avessa à fé, em 
Agostinho fé e razão caminham juntas na con-
secução da finalidade do contemplar a verdade. 
Para Agostinho, a busca pela verdade requeria 
o diálogo entre a autoridade, sobretudo a di-
vina, e a razão. Em que a primeira concedia à 
segunda substrato essencial para sua atividade 
especulativa. Ou seja, a autoridade dispunha 
dos elementos necessários e pertinazes para a 
especulação racional na empreita de busca e 
contemplação da verdade.
Por isso Agostinho (Cf. 1995, p. 78-79) n’O 
livre-arbítrio afirma que não buscava compreen-
der para crer, mas acreditava para compreender. 
Desse modo, nessa interação entre autoridade e 
razão, fé e razão, a Filosofia tem a prerrogativa, 
à luz da iluminação divina, de levar ao homem à 
busca da verdade, do princípio não principiado. 
A intercambialidade de herança e de contri-
buto confere a Agostinho o legado de ser um 
filósofo agregador e adiante de seu tempo: de 
reunir, harmonizar a tradição filosófica recebida 
com afutura e nascente especulação filosófica 
medieval, ao mesmo tempo que dispõe seu le-
gado à posteridade. Uma prova disso é a nova 
perspectiva histórica introduzida por Agostinho 
no seu livro A cidade de Deus. Nessa obra, Agos-
Filosofi a X Teologia
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estre em Agostinho de Hipona pela 
Universidade Federal do Paraná, 
Clodoaldo da Luz conversa com os 
leitores da Filosofia Ciência&Vida
sobre o legado do filósofo Agosti-
nho de Hipona. Clodoaldo comenta em linhas 
gerais sobre a filosofia de Agostinho e como está 
organizada a pesquisa sobre o referido filósofo 
no Brasil. A entrevista de Clodoaldo nos remete 
à Idade Média, em que Filosofia e Teologia esta-
vam emparelhadas e eram como duas asas de 
um mesmo avião. O entrevistado dialoga com a 
grande contribuição de Descartes para o adven-
to do período moderno.
FILOSOFIA • Como entender a contribuição 
de Agostinho para a história da Filosofia?
CLODOALDO • Os anos de 354 d.C. a 430 d.C., 
período que em que viveu Agostinho de Hipona, 
podem ser conceituados como um período 
transitório do Classicismo ao Medievo. Assim, 
tributário e depositário desse interstício, Agos-
tinho pôde embebedar-se da tradição filosófica 
antiga, tracejada pelo desejo da vida feliz, a fim 
de florescer e consolidar o que podemos con-
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tinho suscita a tese de que o 
“movimento” da história não 
é circular conforme advoga-
vam os gregos (monarquia, 
tirania, democracia e oligar-
quia), mas linear, pois o fim 
da história é teleológico, pois 
tende a um fim, seu termo, 
segundo Agostinho, é Deus.
Além do que é possível, 
conforme indica o estaduni-
dense professor doutor Ga-
reth B. Matthews no livro 
Santo Agostinho: um filósofo 
adiante de seu tempo, que o 
pensamento de Agostinho se 
fez presente na Modernidade 
filosófica com Descartes e é 
vivo na Contemporaneidade 
filosófica com o racionalismo 
linguístico de Jerrold Katz.
O apanágio de ser um 
homem que viveu o Classi-
Agostinho revela 
ser um filósofo
agregador e 
adiante de seu 
tempo, ao reunir 
e harmonizar 
a tradição 
filosófica 
recebida com a 
futura e nascente 
especulação 
filosófica 
medieval
cismo, mas que, outrossim, 
anteviu o Medievo, fez Agos-
tinho ser um filósofo capaz 
de arregimentar o modelo 
do homem cristão, o qual é 
norteado pelo desejo de con-
templar a verdade, que é, se-
gundo o parecer agostiniano, 
o próprio Deus.
FILOSOFIA • Uma breve 
apresentação da sua traje-
tória acadêmica
CLODOALDO • Durante os anos 
de 1991 a 2000, o ensino fun-
damental e boa parte do ensino 
médio eu cursei no Colégio 
Estadual Juvenal Mesquita, 
Bandeirantes (PR). O terceiro 
ano do ensino médio eu cursei 
em 2002 no Seminário Menor 
Nossa Senhora da Assunção, 
na cidade de Jacarezinho. 
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ENTREVISTA Clodoaldo da Luz
8 • ciência&vida
De 2003 a 2006 eu fiz a graduação em Histó-
ria na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de 
Jacarezinho (Fafija), agora Universidade Estadual 
do Norte do Paraná (Uenp), campus Jacarezinho, 
onde apresentei o TCC intitulado “Catolicismo, 
ateísmo, conservadorismo e comunismo: uma 
análise do paradoxo entre D. Geraldo de Proen-
ça Sigaud e Eugênio de Proença Sigaud”, sob a 
orientação do professor doutor Alfredo Moreira 
Júnior (Uenp). Simultaneamente, eu fazia o curso 
livre de Filosofia do Seminário Maior Nossa Se-
nhora Rainha da Paz. 
De 2007 a 2010 eu fiz o curso livre de Fi-
losofia no Seminário Maior Divino Mestre, no 
qual apresentei o TCC intitulado “O itinerário 
de Emaús (Lc 24,13-35) sob a ótica do chamado 
à missão cristã”, orientado pelo padre professor 
Rogélio Aparecido Destefani.
Em 2014, cursei no Centro Universitário Cla-
retiano, Polo Curitiba (PR), a especialização em 
Filosofia e Ensino de Filosofia, na qual defendi o 
TCC intitulado “A busca da verdade: os princípios 
da lógica clássica na obra Solilóquios de Santo 
Agostinho”, sob a orientação do professor mestre 
Luis Geraldo da Silva. No ano de 2016 lecionei no 
Seminário Nossa Rainha da Paz a disciplina Teo-
ria do Conhecimento. Em 2017 fiz uma segunda 
licenciatura, em Filosofia, pelo Centro Universitá-
rio Claretiano, Polo Curitiba, na qual apresentei o 
TCC intitulado “A ética estoica fundamentada na 
representação cataléptica”, sob a orientação do 
professor mestre Tiago T. Contiero. 
De 2016 até o início de 2019 fiz o mestrado 
em Filosofia na Universidade Federal do Para-
ná, com a anuência do nosso bispo diocesano 
Dom Antônio Braz Benevente. Ao mesmo tem-
po, exercia o ministério sacerdotal, na função 
de vigário paroquial, na Paróquia São Benedito, 
bairro Capã o da Imbuia, em Curitiba.
Recentemente, no dia 26 de fevereiro de 2019, 
defendi a dissertação “A gênese do cogito agos-
tiniano no Contra os Acadêmicos”, sob a orienta-
ção do professor doutor Maurizio Filippo Di Silva 
(UFPR). Atualmente exerço o ministério sacerdo-
tal, na função de vigário paroquial, na Paróquia 
Santo Antônio de Pádua, em Santo Antônio da 
Platina (PR), Paraná, e leciono as disciplinas de 
Filosofia da Ciência, para os seminaristas do 2º 
ano, e Sociologia, para os seminaristas do 4º ano, 
do curso livre de Filosofia no Seminário Maior 
Nossa Senhora Rainha da Paz, Jacarezinho (PR). 
FILOSOFIA • Por vezes, a Idade Média é vista 
de maneira negativa. Quais são as maiores con-
tribuições da Idade Média para a humanidade? 
CLODOALDO • O período compreendido como 
Idade Média, que tem início com a invasão 
de Roma em 476 d.C. pelos hérulos comanda-
dos por Odoacro e se encerra com a queda de 
Constantinopla, em 1453 d.C., pelos turcos oto-
manos liderados por Maomé II, foi muito im-
portante para a manutenção da ordem social, 
o desenvolvimento das artes, o surgimento de 
uma nova cultura e a manutenção e a capilariza-
ção do conhecimento clássico. Dentre as várias 
contribuições do Medievo, tais como bússola, 
vestimenta, cavalheirismo etc., para a história 
humana, enfatizo duas: a preservação e pro-
pagação da cultura clássica e o surgimento das 
universidades.
Com as invasões bárbaras, os livros clássicos 
foram resguardados da destruição nos mostei-
ros. Tais locais foram importantíssimos para o 
estudo, interpretação e disseminação do conte-
údo clássico. Não somente em âmbito filosófico, 
mas se não toda, boa parte da literatura clássica 
ficou protegida nos mosteiros.
É sabido que a organização universitária 
tal e qual conhecemos hoje teve início com as PH
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É sabido que 
a organização 
universitária tal e
qual conhecemos 
hoje teve início com 
as universidades
de Bologna e Paris, 
no século XI
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universidades de Bologna e 
Paris, no século XI. A partir 
dessas instituições é que se 
difundiu o estudo no âmbito 
e forma universitários.
Por isso, o erro de se re-
ferir ao Medievo como uma 
lacuna e/ou névoa entre o 
Classicismo e a Moderni-
dade é um infeliz olvida-
mento das benesses e do 
desenvolvimento intelectu-
al protagonizado na Idade 
Média. Vale lembrar que 
Descartes, considerado pai 
da Modernidade, estudou 
no colégio jesuíta Royal 
Henry-Le-Grand; ou seja, 
ele bebeu da fonte medie-
val para a partir daí edificar 
um novo sistema filosófico. 
O comentador agostiniano 
Etienne Gilson, na obra Étu-
des sur le role de la pensée 
médiévale dans la formation 
du système cartésien, fala 
de possíveis bases medie-
vais do sistema cartesiano. 
FILOSOFIA • Você realizou 
na Universidade Federal do 
Paraná uma pesquisa so-
bre Agostinho de Hipona. 
Poderia nos falar sobre as 
conclusões a que chegou na sua pesquisa?
CLODOALDO • Quero aproveitar a ocasião e mani-
festar minha gratidão a pessoas importantes que 
me oportunizaram tal experiência e realização 
dessa pesquisa.Sou grato a Deus, a Dom Antô-
nio Braz Benevente, bispo diocesano de Jacare-
zinho, a Dom José Antônio Peruzzo, arcebispo 
da Arquidiocese de Curitiba, ao professor dou-
tor Lúcio Souza Lobo (UFPR), ao professor dou-
tor Luiz Alves Eva (UFSCar), ao professor doutor 
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Na minha pesquisa percebi que a busca e a 
contemplação da verdade foram dos legados mais 
importantes de Agostinho aos seus leitores. E é 
nessa herança que reside a origem do cogito
Agostinho de Hipona
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ENTREVISTA Clodoaldo da Luz
10 • ciência&vida
Maurizio Filippo Di Silva (UFPR), ao professor 
doutor Bernardo Brandão (UFPR), aos amigos do 
grupo de estudo Noções de História do Ceticis-
mo e ao grupo de estudos de latim, ao padre 
Danilo Vitor Pena, aos meus familiares: à minha 
família, Maria Helena, minha mãe, Aparecido 
da Luz (in memoriam), meu pai, Karina, minha 
irmã, Fernanda e Filipe, meus sobrinhos, e Fá-
bio, meu cunhado; e à Comunidade Paroquial 
São Benedito do Capão da Imbuia, de Curitiba, 
e aos amigos da Universidade Federal. 
Na minha pesquisa percebi que a busca e 
a contemplação da verdade foram dos legados 
mais importantes de Agostinho aos seus leitores. 
E é nessa herança que reside a origem do cogito, 
mais especificamente na obra agostiniana Con-
tra os acadêmicos. Nela, ele ainda é um argu-
mento incipiente, pois é mais um dentre outros 
utilizados por Agostinho para contrapor a pos-
tura cética acadêmica. 
Também fora visto que Agostinho serve-se de 
seu cogito como ferramenta para obter o auto-
conhecimento, conforme se vê na sua obra So-
lilóquios, e com a função propedêutica, a fim 
de construir um longo argumento da prova da 
existência de Deus, como fora analisado no seu 
livro O livre-arbítrio.
Apesar dessa verificação, é possível asseve-
rar que a função primeira e principal do cogito
agostiniano é a contraposição ao posicionamen-
to epistemológico acadêmico. 
FILOSOFIA • Como está organizada a pesqui-
sa sobre Agostinho de Hipona no Brasil?
CLODOALDO • Ao participar do XVIII Encontro Na-
cional da Associação Nacional de Pós-Graduação 
em Filosofia (Anpof), realizado de 22 a 26 de ou-
tubro de 2018, em Vitória (ES), tive a oportunida-
de de conhecer o Grupo de Trabalho Agostinho 
de Hipona e o Pensamento Tardo-Antigo, coor-
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Filosofia agostiniana 
visa sobretudo a 
busca da verdade e 
a vida feliz, as quais 
consistem na posse e 
na contemplação do 
próprio Deus
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denado pelo professor doutor Nilo César Batista 
da Silva (PPG-FIL/UFS) e que tem como núcleo 
de sustentação os seguintes docentes: professor 
doutor Marcos Roberto Nunes Costa (PPG-FIL/
UFPE), professor doutor Manoel Luís Cardoso 
Vasconcellos (PPG-FIL/UFPel), professor doutor 
Jorge Augusto da Silva Santos (PPG-FIL/UFES), 
professora doutora Cristiane Negreiros Abbud 
(PPG-FIL/UFABC) e professora doutora Simone 
Nogueira Marinho (PPG-FIL/UFPB).
Naquela ocasião apresentei uma parte da mi-
nha pesquisa, a qual nominei de “A gênese do 
cogito agostiniano”. Além disso, pude ter con-
tato com algumas das mais recentes pesquisas 
realizadas sobre Agostinho: do professor doutor 
Marcos Roberto Nunes Costa (UFPE) – “Santo 
Agostinho frente ao antigo adágio ‘fora da igre-
ja não há salvação’”; do professor doutor Nilo 
César Batista da Silva (UFS/UFCA) – “De visio-
ne dei no percurso da mens, as fronteiras en-
tre o humano e o divino em Santo Agostinho”; 
da professora doutora Maria Célia dos Santos 
(UFCA) – “De vera religione: elementos para 
uma antropologia da religião em Agostinho de 
Hipona”. 
Além do Grupo de Trabalho Agostinho de 
Hipona e o Pensamento Tardo-Antigo, o pro-
fessor doutor Maurizio Filippo Di Silva (UFPR), 
através do projeto “Pluralidade e unidade dos 
sentidos de ‘ser’ e ‘não ser’ em Agostinho”, de-
monstra um dedicado e exímio trabalho de lei-
tura, estudo e reflexão de pontos e questões-
-chave referentes a Agostinho.
FILOSOFIA • Você pretende continuar pes-
quisando sobre Agostinho?
CLODOALDO • Na banca da defesa da disserta-
ção, o professor doutor Bortollo Vale (PUC-PR), 
docente de Filosofia Medieval da Pontifícia 
Universidade Católica do Paraná, teceu consi-
derações importantes sobre a minha pesquisa. 
Dessas destaco a seguinte: possivelmente, Agos-
tinho, nas obras de Cassicíaco, pretendeu origi-
nar e consolidar o modelo do homem cristão em 
substituição ao paradigma do homem helênico. 
Digo tudo isso para afirmar que é uma ideia in-
teressante e que despertou a minha atenção. 
Pois, de fato, no Contra os acadêmicos, Agos-
tinho quis, ao que tudo indica, asseverar a via-
bilidade do conhecimento ao homem e uma 
necessária relação entre verdade e felicidade, 
sendo feliz quem almeja o conhecimento; na 
Vida feliz, Agostinho enfatiza que a felicidade 
consiste na “obtenção” de Deus, o “bem” que 
nem o tempo nem a traça corrói; n’A ordem, 
Agostinho traça o itinerário da vivência da dis-
ciplina ética e do estudo e aperfeiçoamento das 
disciplinas liberais, a saber: lógica, gramática e 
retórica; e, no segundo, de aritmética, astrono-
mia, música e geometria. Semelhante metodo-
logia dinamiza, segundo Agostinho, uma melhor 
busca e contemplação da verdade, que reside, 
segundo ele mesmo indica nos Solilóquios, na 
interiorização. Que consiste no adentrar em si 
para elevar-se ao transcendente, uma dinâmica 
da horizontalidade para a verticalidade. Tudo 
isso mostra um tema de pesquisa interessante 
em Agostinho. 
Também outra ideia é a pesquisa de uma 
possível incidência do cogito em outras obras 
posteriores de Agostinho, nas quais ele seria a 
Percorrendo os 
momentos ímpares 
de sua trilha
em busca da 
verdade, Agostinho 
descobre-se como
capaz de desvelar 
a certeza, a base 
da certeza, 
tanto em âmbito 
epistemológico 
quanto ético
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ENTREVISTA Clodoaldo da Luz
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resposta mais eficaz de Agostinho ao desafio 
cético acadêmico. 
Mas também me veio à mente, no intuito 
de ter uma visão mais abrangente da Filosofia 
cristã, estudar Tomás de Aquino, mais especi-
ficamente uma possível prova da existência de 
Deus, além das cinco vias, que já se encontram 
no opúsculo De Ente et essentia, e que também 
pode ser rastreada na Suma contra os gentios 
e na Suma teológica. Semelhante hipótese é 
designada por Davies como o “argumento da 
criação”. Mas penso que tal argumento não se 
configuraria como uma prova da existência de 
Deus, mas sim num substrato para uma das cin-
co vias. Perante tudo isso exposto, penso, tal-
vez, estudar Tomás de Aquino, se for da vonta-
de divina e anuência do nosso bispo diocesano 
Dom Antônio Braz Benevente.
FILOSOFIA • Quais as principais obras de 
Agostinho? E quais as contribuições delas para 
a composição do pensamento agostiniano?
CLODOALDO • As obras Confissões, Contra os aca-
dêmicos, A trindade, O livre-arbítrio, Solilóquios,
Cidade de Deus são importantíssimas, pois ex-
pressam a vida, a busca pela verdade, a teolo-
gia, a noção de liberdade, o princípio de inte-
rioridade e o pensamento político de Agostinho. 
Para visualizar a caminhada histórica e filo-
sófica de Agostinho, Confissões é o norte ideal; 
no afã de compreender o seu escopo de con-
templar a verdade, Contra os acadêmicos é o 
marco inicial; mergulhar no mistério trinitário 
juntamente com Agostinho necessita do “tubo 
de oxigênio” A trindade; para inteligir o dom da 
liberdade humana em meio ao pecado, O livre-
-arbítrio é o guia imprescindível; no desejo de 
entender como a interiorização pode conduzir 
ao autoconhecimento e ao conhecimento de 
Deus, os quais são as duas finalidades da filoso-
fia de Agostinho, é salutar a meditação do Soli-
lóquios; e para ter a devida noção sobre qual o 
fim político da sociedade, e qual deveser a base 
e o intuito que a devem normatizar, é propícia 
a leitura atenta e a devida reflexão sobre a obra 
agostiniana A cidade de Deus. 
FILOSOFIA • Confissões é uma obra consa-
grada de Agostinho. Poderia nos falar um pou-
co sobre ela?
CLODOALDO • O desejo de revisitar fatos mar-
cantes de sua vida à luz da sua crença em Deus 
sob a guisa da especulação racional fez com que 
Agostinho, dentre os anos de 397 d.C. e 398 
d.C., escrevesse sua obra Confissões.
Percorrendo os momentos ímpares de sua tri-
lha em busca da verdade, Agostinho descobre-
-se como capaz de desvelar a certeza, a base 
da certeza, tanto em âmbito epistemológico 
quanto ético. Confissões é uma obra através da 
qual Agostinho apresenta a correlação entre a 
liberdade humana e a graça divina, a questão do 
tempo, que é sempre presente, não importan-
do se é “outrora” ou “vindouro”, além de bem 
explorar os recônditos humanos por meio de 
sua análise da memória, a qual é retomada por 
O historiador Peter Brown (foto), no seu livro Santo Agostinho: uma 
biografia, apresenta, de forma simples e enriquecedora, a caminhada 
histórica de Agostinho
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Segundo a tese 
da iluminação 
divina agostiniana, 
o homem é 
iluminado por Deus, 
da mesma forma 
que o raio de sol 
ilumina a Terra.
Iluminando o 
homem, Deus 
o auxilia na sua 
racionalidade
especulativa a ter o 
conhecimento de Si
Nietzsche e Freud, conforme aponta o professor 
doutor Rogério Miranda de Almeida (PUC-PR) 
no artigo “Agostinho de Hipona e as ambivalên-
cias do seu filosofar”. 
Tais problemáticas marcaram profundamente 
a Filosofia medieval e concederam as bases para 
a Filosofia moderna, e ainda ecoam na Filosofia 
contemporânea.
FILOSOFIA • É difícil dissociar o pensamento 
filosófico do teológico em Agostinho?
CLODOALDO • A filosofia agostiniana visa sobre-
tudo a busca da verdade e a vida feliz, as quais 
consistem na posse e na contemplação do pró-
prio Deus. Nesse sentido, o pensamento e dis-
curso filosóficos de Agostinho estão intimamente 
imbricados com suas elucubrações teológicas. 
Para Agostinho, pela atividade racional é possível 
ao homem conceber a existência de Deus.
Ademais, segundo a tese da iluminação divi-
na agostiniana, o homem é iluminado por Deus, 
da mesma forma que o raio de sol ilumina a Ter-
ra. Iluminando o homem, Deus o auxilia na sua 
racionalidade especulativa a ter o conhecimen-
to de Si. Assim, há a relação dialógica entre o 
pensamento filosófico e a abordagem teológica, 
em que a autoridade, sobretudo a divina, prece-
de e concede substrato à especulação racional. 
FILOSOFIA • Quais leituras você indica para 
quem quer conhecer o pensamento de Agosti-
nho? Quais seriam obras introdutórias?
CLODOALDO • A obra de Gareth Matthews, San-
to Agostinho: a vida e as ideias de um filóso-
fo adiante de seu tempo, traz uma série de in-
terpretações interessantes no que concerne a 
temas-chave do pensamento filosófico e teoló-
gico de Agostinho. Nesse mesmo viés, a obra 
Cambridge Companion to Augustine, publicada 
pela Universidade de Cambridge sob a organi-
zação de Eleonore Stump e Norman Kretzmann, 
oferece uma discussão não desprezível acerca 
das reflexões epistemológicas, éticas e políticas 
agostinianas. 
O historiador Peter Brown, no seu livro Santo 
Agostinho: uma biografia, apresenta, de forma 
simples e enriquecedora, a caminhada histórica 
de Agostinho. Também Confissões, de Agosti-
nho, é uma obra relevante para um estudo mais 
acurado sobre Agostinho, a fim de perceber 
seus percalços na realização de seu intento de 
busca e contemplação da verdade.
A título de leitura introdutória, a fim de um 
melhor trânsito acerca de questões inerentes ao 
pensamento agostiniano, indico o livro Intro-
dução ao estudo de Santo Agostinho, de Etien-
ne Gilson, a obra Introdução ao pensamento 
ético-político de Santo Agostinho, do professor 
doutor Marcos Roberto Nunes Costa (PPG-FIL/
UFPE), e o livro Para compreender Agostinho,
escrito por James Wetzel. 
Por fim, quero agradecer o professor douto-
rando Fábio Antonio Gabriel pela oportunidade 
de falar um pouco da minha pesquisa e do pen-
samento filosófico de Agostinho, o qual afirmou, 
no Contra os acadêmicos (Cf. Agostinho, 2008, 
p. 77), que somente descobriremos a verdade se 
nos entregarmos totalmente à Filosofia.
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A NEGAÇÃO 
 da vontade
PENSADORES/CAPA
O pensamento de Schopenhauer e 
a crítica da moral capitalista e suas 
interfaces na dita sociedade de consumo
Renato Nunes 
Bittencourt
Doutor em 
Filosofia pelo PPGF-
UFRJ, coordenador 
do curso de 
Administração da 
FACC-UFRJ. 
renatonunesbitten
court@gmail.com
No decorrer deste texto ve-remos o caráter fi losofi ca-mente revolucionário do pensamento de Schope-
nhauer acerca do processo ontológico 
da negação da vontade, representado na 
Era Moderna pela ruptura com a ordem 
materialista da sociedade de consumo, 
produtora de ilusões de satisfação e 
gozo para seus sectários. Tal circuns-
tância faz de Schopenhauer uma voz 
dissonante aos apelos do materialismo 
vulgar do regime capitalista por disse-
car fi losofi camente as bases psicológicas 
que o sustentam, a exaltação dos desejos 
jamais realizados convenientemente.
No desenrolar da Modernidade, 
marcada seja pela apologia da técnica 
como emancipadora do homem perante 
suas limitações naturais como também 
pela crença no progresso contínuo nas 
ciências, que libertaria a estrutura social 
de toda contingência, assim como pela 
paulatina libertação do dogmatismo 
eclesiástico e na dissolução progressiva 
da antiga ordenação de mundo feudal 
para o mundo industrial/urbano, a fi lo-
sofi a de Schopenhauer não se deixa in-
fl uenciar axiologicamente por tais fato-
res, que em nada modifi cam a essência 
do universo, um ciclo perpétuo de nas-
cimento e morte de suas forças vitais. O 
otimismo moderno em relação ao avan-
ço sem limites da técnica e suas realiza-
ções sociais não seduziu Schopenhauer, 
e os acontecimentos vindouros da hu-
manidade provaram o quão certa esta-
va a sabedoria de nosso fi lósofo. Nessas 
condições, imputar a Schopenhauer a 
pecha de representante do reacionaris-
mo burguês é uma falácia estúpida e 
axiologicamente improcedente, pois de 
modo algum o fi lósofo coadunou com 
os paradigmas medíocres dos fi listeus e 
seus asseclas, enaltecendo a vida de luxo 
de uma sociedade moralmente embota-
da e decadente, desprovida de qualquer 
senso de justiça e de responsabilidade 
para com o sofrimento dos seres vivos. 
Jamais a obra de Schopenhauer 
chancelou o espírito tacanho e auto-
centrado e egoísta do materialismo 
vulgar, cuja única fruição se encerra na 
satisfação incondicional dos apetites e 
das mesquinharias da mundanidade 
prosaica. Eis assim alguns fatores que 
concedem a Schopenhauer um pata-
mar especial no cenário da Filosofi a 
moderna, pois, acima de tudo, nosso 
celebrado autor jamais chancelou o
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AS ASPIRAÇÕES HUMANAS SÃO 
ILIMITADAS, MAS A CAPACIDADE DE 
REALIZÁ- LAS, POR SUA VEZ, É LIMITADA. 
LOGO, SEMPRE DESPONTARÁ O 
MAL-ESTAR DESSE DESCOMPASSO. 
O DESEJO É A RAIZ DE TODO ÍMPETO 
HUMANO NO SEU PROCESSO 
CONSTANTE DE AFIRMAÇÃO DE SI
PENSADORES/CAPA
status quo, antes sendo uma das 
suas antíteses mais impressionan-
tes. A racionalidade pode mode-
rar o ímpeto das paixões, mas não 
encontra forças de contenção que 
sejam satisfatórias em tal empre-
endimento. Para Schopenhauer, 
querer e esforçar-se são sua única 
essência, comparável a uma sede 
insaciável. A base de todo querer, 
entretanto, é necessidade, carência,logo, sofrimento, ao qual conse-
quentemente o homem está desti-
nado originalmente pelo seu ser. 
Quando lhe falta o objeto do querer, 
retirado pela rápida e fácil satisfa-
ção, assaltam-lhe vazio e tédio ater-
radores, isto é, seu ser e sua existên-
cia mesma se lhe tornam um fardo 
insuportável. Sua vida, portanto, 
oscila como um pêndulo, para aqui 
e para acolá, entre a dor e o tédio, 
as quais em realidade são seus com-
ponentes básicos. Isso também foi 
expresso de maneira bastante sin-
gular quando se disse que, após o 
homem ter posto todo sofrimento 
e tormento no Inferno, nada restou 
para o Céu senão o tédio (SCHO-
PENHAUER, 2005, p. 401-402).
As aspirações humanas são 
ilimitadas, mas a capacidade de 
realizá-las é limitada; logo, sem-
pre desponta o mal-estar desse 
descompasso, ainda mais se le-
varmos em consideração que, em 
decorrência da fragmentação da 
vontade em sua individuação pe-
las categorias do espaço e do tem-
po, o embate pela conservação da 
existência entre as fi gurações indi-
viduais se torna a tônica da vida. 
O desejo é a raiz de todo ímpeto 
humano no seu processo constante 
de afi rmação de si em detrimento 
dos outros, motivando não raro a 
realização das ações mais violentas 
e extremas para concretizar as in-
clinações individuais: 
Observamos não apenas como cada 
um procura arrancar do outro o que 
ele mesmo quer ter, mas inclusive 
como alguém, em vista de aumen-
tar seu bem-estar por acréscimo in-
signifi cante, chega ao ponto de des-
truir toda a felicidade ou a vida de 
outrem. Eis aí a suprema expressão 
do egoísmo, cujos fenômenos, nesse 
aspecto, são superados apenas por 
aqueles de pura maldade, que procu-
ram, indiferentemente e sem benefí-
cio pessoal algum, a injúria e a dor 
alheia (SCHOPENHAUER, 2005, 
p. 427-428).
O egoísmo se contrapõe ao 
princípio ético e ontológico da 
compaixão, que permite justamen-
te ao sujeito compreender-se como 
imediatamente unifi cado ao ser do 
outro, para além de todas as apa-
rências. Contudo, essa fusão como 
que mística do eu com o outro é 
um processo que independe da 
educação e do querer, sendo antes 
uma revelação além do princípio 
de razão manifestada na consciên-
cia do sujeito, liberto das ilusões 
fenomênicas que promovem sua 
pretensa separação ontológica entre 
os demais viventes. Não há garan-
tias para a efetivação desse proces-
so extraordinário, não obstante ela 
poder vir a ocorrer em qualquer 
ser humano, independentemente 
da sua instrução/formação. Esse é o IM
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A VITÓRIA DA MALDADE É APENAS 
APARENTE, AFETA SOMENTE A DIMENSÃO 
DOS FENÔMENOS, JAMAIS A ESSÊNCIA DO 
MUNDO, OU SEJA, A VONTADE 
grande mistério da ética. Conforme 
argumenta Schopenhauer, 
toda boa ação totalmente pura, toda 
ajuda verdadeiramente desinteres-
sada que, como tal, tem exclusiva-
mente por motivo a necessidade de 
outrem, é, quando pesquisada até o 
seu último fundamento, uma ação 
misteriosa, uma mística prática, 
contanto que surja por fi m do mes-
mo conhecimento que constitui a es-
sência de toda mística propriamente 
dita e não possa ser explicável com 
verdade de nenhuma outra maneira
(SCHOPENHAUER, 2001, p. 221).
A morte encerra todos os pro-
jetos, todas as bondades e todas as 
vilanias. Nessa concepção, poder-
-se-ia dizer que tal discurso fa-
talista favorece a perpetuação do 
status quo, já que os oprimidos se 
resignam perante a violência dos 
seus opressores. Contudo, a fi loso-
fi a schopenhaueriana não postula 
a existência de uma justiça divina 
que no fi m dos tempos julgará os 
bons e os maus, dando aos primei-
ros, os cordeiros da virtude, a sal-
vação espiritual, e aos segundos a 
danação eterna, circunstância que 
serve de consolo moral para as al-
mas oprimidas na vida concreta. 
Após a morte física toda a confi gu-
ração existencial se dissipa, e nada 
espera pelo sujeito, apenas a inevi-
tabilidade do não ser. A verdadeira 
renúncia ao mal não ocorre pelo 
medo decorrente da consciência da 
morte ou pela crença na punição 
divina, mas pela intuição da identi-
dade ontológica de todos os seres, o 
sofrimento imposto pelo malvado 
ao fraco também acaba por afetar, 
em verdade, o agressor, pois ambos 
constituem a mesma unidade vital:
O atormentador e o atormentado 
são um: o primeiro erra ao acredi-
tar que não participa do tormen-
to, o segundo a acreditar que não 
participa da culpa. Se os olhos dos 
dois fossem abertos, quem infl ige o 
sofrimento reconheceria que vive 
em tudo aquilo que no vasto mun-
do padece tormento e, se dotado de 
faculdade de razão, ponderaria em 
vão por que foi chamado à existên-
cia para um tão grande sofrimen-
to, cuja culpa não entende; o ator-
mentado notaria que todo mal que 
é praticado no mundo, ou que já o 
foi, também procede daquela Von-
tade constituinte de sua própria es-
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Para Schopenhauer, o egoísmo se contrapõe ao princípio ético e ontológico da compaixão
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sência, que aparece nele, reconhe-
cendo mediante esta aparência e a 
sua afi rmação que ele mesmo as-
sumiu todo sofrimento proceden-
te da Vontade, e isso com justiça, 
suportando-as enquanto ele é essa 
Vontade (SCHOPENHAUER, 
2005, p. 411).
A vitória da maldade é apenas 
aparente, afeta somente a dimen-
são dos fenômenos, jamais a essên-
cia do mundo, ou seja, a vontade, 
logo, o ser real não é prejudicado 
pela iniquidade dos indivíduos 
iludidos pelo véu de Maya que 
acreditam obter ganho real com 
seus crimes. Dessa compreensão 
metafísica afl ora no sujeito liber-
to do querer a noção de que não 
adianta qualquer pretensão de mu-
dança em uma fi guração mundana 
intrinsecamente ruim. A renún-
cia proposta por Schopenhauer 
não signifi ca impotência de agir, 
motivada pela impossibilidade de 
exercer o querer; pelo contrário, é 
sinal de uma poderosa capacidade 
do sujeito efetivamente liberto de 
toda sorte de inclinações, suprimir 
qualquer possibilidade de afi rmar 
as condições da vida. Por conse-
guinte, esse indivíduo que renun-
cia é um herói, não pela gloriosa 
afi rmação da existência, mas pela 
negação defi nitiva da mesma: 
Porque todo sofrimento é uma mor-
tifi cação e um chamado à resigna-
ção, possui potencialmente uma for-
ça santifi cadora; e isso explica o fato 
de grandes desgraças e dores pro-
fundas já em si mesmas inspirarem 
certo respeito [...] Só quando o sofri-
mento assume a forma do simples e 
puro conhecer, e este, como quietivo 
da Vontade, produz a resignação, 
é que se acha o caminho da reden-
ção, sendo pois o sofrimento digno 
de reverência (SCHOPENHAUER, 
2005, p. 459).
É em sua metafísica da ética que 
Schopenhauer apresentará um viés 
para a negação absoluta da vontade 
de viver, solução para a supressão do 
grande mal-estar existencial da vida 
regida pela adequação constante aos 
desejos, majoritariamente insatis-
feitos. Quando ocorre a satisfação 
(inevitavelmente provisória) des-
ponta o tédio, e assim a roda do que-
rer novamente gira, até a extinção 
da vida individual na morte. A luta 
pela satisfação é constante, mas essa 
satisfação é sempre momentânea, e 
a compreensão desse mecanismo 
muitas vezes passa despercebida na 
vida mediana e serve de estímulo 
sôfrego para a manutenção da exis-
tência. Segundo Schopenhauer, 
NAS DUAS VIRTUDES FUNDAMENTAIS, JUSTIÇA E 
CARIDADE, O EGOÍSMO É SUPRIMIDO, RESPEITANDO-
-SE A PESSOA DO OUTRO E FAZENDO-SE AÇÕES 
EXTRAORDINÁRIAS PARA A EFETIVAÇÃO DO SEU BEM
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todo querer nasce de uma necessi-
dade,portanto de uma carência, 
logo, de um sofrimento. A satisfa-
ção põe um fi m ao sofrimento; to-
davia, contra cada desejo satisfeito 
permanecem pelo menos dez que 
não o são. Ademais a nossa cobiça 
dura muito, as nossas exigências 
não conhecem limites; a satisfa-
ção, ao contrário, é breve e módica. 
Mesmo a satisfação fi nal é apenas 
aparente: o desejo satisfeito logo dá 
lugar a um novo: aquele é um erro 
conhecido, este um erro ainda des-
conhecido. Objeto algum alcançado 
pelo querer pode fornecer uma sa-
tisfação duradoura, sem fi m, mas 
ela se assemelha sempre apenas a 
uma esmola atirada ao mendigo, 
que torna sua vida menos miserável 
hoje para prolongar seu sofrimen-
to amanhã (SCHOPENHAUER,
2005, p. 266). 
O reconhecimento do caráter 
contraditório da vontade manifes-
tada na dimensão individual, que 
luta contra si mesma, altera a po-
larização desse princípio. Ao invés 
de se autoafi rmar, a vontade passa 
a negar a si mesma, primeiramente 
mediante a compreensão da unida-
de fundamental de todos os viven-
tes proporcionada pela compaixão, 
abolindo-se assim as fronteiras en-
tre o sujeito e o mundo. Nas suas 
duas virtudes fundamentais, justiça 
e caridade, o egoísmo é suprimido, 
respeitando-se a pessoa do outro e 
fazendo-se ações extraordinárias 
para a efetivação do seu bem mate-
rial e moral. Contudo, nessa dimen-
são ética, as disposições de ação são 
relacionais, faz-se justiça para com 
o outro, faz-se caridade para com o 
outro, atenuando razoavelmente o 
grande mal-estar do mundo domi-
nado pelo egoísmo e pela maldade. 
Porém, há ainda uma grande ins-
tância a ser vencida, o próprio eu, 
e seus ardorosos apelos por satisfa-
ção desiderativa, cujos efeitos prá-
ticos são inevitavelmente terríveis. 
Nesse momento ocorre a etapa mor 
do processo de negação da vontade, 
através da ascese, que se manifesta 
das formas mais intensas de modo a 
suprimir defi nitivamente a vontade 
individualizada que faz do eu um 
ser miserável em busca constante 
por adições. O jejum, a maceração 
do corpo, a abdicação do prazer 
sensível são exemplos de procedi-
mentos ascéticos que dissolvem os 
apelos da carne; o corpo é mantido 
apenas no quantum de energia ne-
cessário para sua sobrevivência:
Tal homem que, após muitas lutas 
amargas contra a própria natureza, 
fi nalmente a ultrapassou por inteiro, 
subsiste somente como puro ser cog-
noscente, espelho límpido do mundo. 
Nada mais o pode angustiar ou exci-
tar, pois ele cortou todos os milhares 
de laços volitivos que o amarravam 
ao mundo, e que nos jogam daqui 
para acolá, em constante dor, nas 
mãos da cobiça, do medo, da inve-
ja, da cólera (SCHOPENHAUER,
2005, p. 495). 
Os iogues e santos católicos, as-
sim como muitos fi lósofos pagãos 
cujas vidas foram exemplo de fru-
galidade e desapego material, são 
testemunho em suas vidas dessa 
disciplina ascética, considerando 
que a ordem do mundo é pura vai-
dade, ilusão. Todas as ditas novida-
des propagadas a cada dia nos mer-
cados não são capazes de seduzir a 
consciência do asceta, pois o ritmo 
de obsolescência das coisas que dá 
lugar ao sempre novo é incessante e 
incontrolável, de modo que o apego 
a tais fugacidades é fonte de deses-
pero, frustração, infelicidade. Scho-
penhauer argumenta que
quando às vezes em meio aos nos-
sos duros sofrimentos sentidos, ou 
devido ao conhecimento vivo do 
sofrimento alheio e ainda envoltos 
pelo véu de Maya o conhecimento 
da nulidade e amargura da vida 
se aproxima de nós e gostaríamos 
de renunciar decisivamente para 
sempre ao espinho de suas cobiças 
e fechar a entrada a qualquer so-
frimento, purifi car-nos e santifi car-
-nos, logo a ilusão do fenômeno 
nos encanta de novo e seus motivos 
colocam mais uma vez a vontade 
em movimento. Não podemos nos 
libertar. As promessas da esperan-
ça, as adulações do tempo presen-
te, a doçura dos gozos, o bem-estar 
que fazem a nossa pessoa partícipe 
da penúria de um mundo sofrente 
OS IOGUES 
E SANTOS 
CATÓLICOS,
ASSIM COMO 
MUITOS FILÓSOFOS 
PAGÃOS, CUJAS 
VIDAS FORAM 
EXEMPLO
DE DESAPEGO, 
REFORÇAM A IDEIA 
DE QUE A ORDEM 
DO MUNDO É 
PURA VAIDADE, 
ILUSÃO
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20 • ciência&vida
PENSADORES/CAPA
sob o império do acaso e do erro 
atraem-nos novamente ao mundo 
e reforçam os nossos laços de liga-
ção com ele (SCHOPENHAUER, 
2005, p. 482). 
A verdadeira ascese nega o 
mundo, de modo algum coaduna 
com a sua manutenção. Por conse-
guinte, a ascese protestante tal como 
interpretada competentemente por 
Max Weber seria a perpetuação de 
Maya, pois apesar do devoto negar 
o prazer carnal em suas ações labo-
rais fundamentadas no ethos reli-
gioso, o resultado de sua ação bene-
fi cia a ordem material da sociedade 
e suas criações técnicas.1 A verda-
deira ascese, compreendendo o ca-
ráter sem sentido do mundo, nega-
-o, por isso resulta na inação, na 
renúncia ao agir, favorecendo assim 
um afastamento radical da ordem 
mundana. O ethos protestante ape-
nas reformou as bases corrompidas 
do establishment cristão enquanto 
instituição política, mas revelou-se 
incapaz de vivenciar plenamente o 
autêntico espírito crístico original, 
pautado no consistente não reco-
nhecimento da ordem do mundo, 
das suas riquezas, dos seus valores. 
Na ascese genuína, que reco-
nhece o vazio do mundo, o sujeito 
paulatinamente se divorcia da von-
tade, suportando todo sofrimento 
psicofísico, toda privação material, 
com paciência, abnegação, tran-
quilidade de ânimo, encontrando 
nesse exercício de superação de si 
mesmo não a tristeza comum do 
indivíduo que, destituído dos meios 
de gozar as benesses da vida, se de-
prime por sua carência, mas a fe-
licidade, pois reconhece que todos 
os apelos sensíveis são caprichosos 
e fugazes e não são merecedores 
de maiores considerações. Já para 
aqueles que são incapazes de viver 
na pureza espiritual, a própria exis-
tência é já um infortúnio, ainda que 
aparentemente seja marcada pelo 
bem-estar material. Para essa chus-
ma humana, nem as realizações in-
telectuais nem a felicidade legítima 
da vida familiar conseguem elevar 
seu nível de consciência para algu-
ma instância acima de sua própria 
condição pessoal, culminando em 
seu naufrágio existencial como um 
sinal do vazio da vida sem qual-
quer ímpeto de autorrealização. 
Conforme o modo de existência 
decadente e axiologicamente me-
díocre, a boa vida consiste apenas 
em se desfrutar das benesses ma-
teriais, das viagens turísticas e dos 
prazeres sensíveis imediatos. Essa 
massa humana demonstra avidez 
em conhecer o mundo, mas de que 
adianta conhecer o mundo sem 
que primeiramente se conheça a si 
mesmo? Esse é o inferno moral dos 
submissos ao hedonismo desenfre-
ado da sociedade de consumo. Para 
Schopenhauer, 
toda satisfação, ou aquilo que co-
mumente se chama felicidade, é 
própria e essencialmente falando 
apenas negativa, jamais positiva. 
Não se trata de um contentamento 
que chega a nós originalmente, por 
si mesmo, mas sempre tem de ser a 
satisfação de um desejo; pois o de-
sejo, isto é, a carência, é a condição 
prévia de todo prazer. Com a satis-
fação, entretanto, fi nda o desejo, por 
consequência o prazer. Eis por que a 
satisfação ou o contentamento nada 
é senão a liberação de uma dor, de 
uma necessidade, pois a esta perten-
ce não apenas cada sofrimento real, 
manifesto, mas também cada dese-
jo, cuja inoportunidade perturba 
nossa paz, sim, até mesmo o mortí-
fero tédio que torna a nossa existên-
cia um fardo (SCHOPENHAUER, 
2005, p. 370). 
Com efeito, a mentalidade idio-
tizada da civilização burguesa com-
preende a experiência da felicidade 
como a satisfação razoável dos seus 
desejos privados, fomentados arti-
fi cialmente, em sua grande parte, 
pela indústria do consumo, grande 
UMA VERDADEIRA 
MASSA HUMANA 
DEMONSTRA 
AVIDEZ EM 
CONHECER O 
MUNDO, MAS DE 
QUE ADIANTA 
CONHECER O 
MUNDO SEM QUE 
PRIMEIRAMENTE 
SE CONHEÇA A SI 
MESMO? ESSE É O 
INFERNO MORAL 
DOS SUBMISSOS 
AO HEDONISMO 
DESENFREADO 
DO CONSUMO1 “Ora, a conduta de vida monástica é encarada não 
só como evidentemente sem valor para a justifi cação 
perante Deus, mas também como produto de uma 
egoística falta de amor que se esquiva aos deveres do 
mundo [...] O feito propriamente dito da Reforma 
consistiu simplesmente em ter já no primeiro 
momento infl ado fortemente, em contraste com 
a concepção católica, a ênfase moral e o prêmio 
religioso para o trabalho intramundano no quadro 
das profi ssões” (Weber, 2004, p. 73; 75). IM
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produtora de ilusões da Moder-
nidade. Orbitando tal como uma 
mosca sobre as coisas disponíveis 
no grande mercado capitalista, o 
sujeito seduzido pelas ilusões mo-
netaristas acredita poder adquirir 
tudo que se encontra ao seu alcan-
ce, mas ao fi m e ao cabo reconhece 
amargamente que não pode obter a 
tão ansiada felicidade, assim como 
a vitória sobre o tédio e, tanto pior, 
sobre a condição derradeira que as-
sola o homem afetado pelas paixões 
reativas: a morte.
A civilização ocidental conce-
deu sentido negativo e pejorativo 
ao nada, imputando-o como o não 
ser, a ausência de atributos, e tan-
to pior, mediante uma concepção 
moralista, associou-o ao âmbito do 
mal. Isso evidencia a incapacidade 
do pensamento binário do mundo 
ocidental em compreender o cará-
ter radical do nada em sua relação 
com a negação da vontade, o que 
resulta no aniquilamento da pró-
pria fonte de ilusões da dimensão 
fenomênica da vida e suas criações 
que ao fi m e ao cabo escravizam o 
próprio ser humano nas suas ca-
deias inextrincáveis. Na dimensão 
concreta, a exemplifi cação dessa 
negação da vontade como ruptu-
ra radical com a ordem mundana 
ocorre na adesão ao modo de vida 
pobre, o ascetismo monástico que 
nasce do reconhecimento de que a 
afl uência dos bens materiais é um 
genuíno ouro de tolo sedutor das 
consciências afoitas pela satisfa-
ção dos seus desejos sensíveis. No 
seio de tanta abundância material, 
a negação voluntária desta mesma 
pode ser considerada como um ato 
heroico, pois a batalha pela vitória é 
travada na própria interioridade do 
indivíduo que aniquila seu ardor 
pessoal pela posse e pelo gozo. Na 
dimensão exotérica da religiosida-
de, a grande promessa compensa-
tória aos ascetas que renunciam ao 
prazer sensório em prol da pureza 
espiritual é o mundo celestial, o 
paraíso. Contudo, para os indiví-
duos que desmistifi caram todas as 
formas de ilusão que são produzi-
das em suas diversas categoriza-
ções ideológicas pela mentalidade 
humana, não há qualquer prêmio 
para a negação da vontade, apenas 
o nada. Essa é assim a culmina-
ção do projeto trágico de Schope-
nhauer, a vitória sobre o querer não 
se dá na fuga do mundo rumo ao 
suprassensível, mas na sua negação 
na vida mesma, com todas as suas 
contradições e apelos heteróclitos. 
Podemos considerar que a obra 
de Schopenhauer fornece subsídios 
para a crítica da moral capitalista e 
suas interfaces na dita sociedade de 
consumo mediante a apresentação 
da ontologia desiderativa do ho-
mem e seu inerente apego aos bens 
materiais e usufruto desenfreado 
deles, pois na realidade material 
vigente o que importa é a disposi-
ção para ter, jamais a capacidade de 
ser, de fruir placidamente a beleza 
da natureza e da arte, assim como 
de não se apegar doentiamente aos 
benefícios sensíveis das coisas. Por 
conseguinte, considerá-lo como 
um ideólogo burguês é um erro 
crasso, pois sua doutrina se dissocia 
de todas as falsidades que regem o 
modo burguês de vida e seu mate-
rialismo fi listeu. 
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como 
vontade e como representação, Tomo I. 
Trad. Jair Barboza. São Paulo: Ed. Unesp, 
2005. 
. Sobre o fundamento da moral.
Trad. Maria Lucia Mello e Oliveira Cacciola. 
São Paulo: Martins Fontes, 2001.
WEBER, Max. A ética protestante e o 
“espírito” do capitalismo. Trad. José 
Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: 
Companhia das Letras, 2004. 
CONSIDERAR SCHOPENHAUER UM IDEÓLOGO 
BURGUÊS É ERRO CRASSO, POIS SUA DOUTRINA 
SE DISSOCIA DE TODAS AS FALSIDADES 
QUE REGEM O MODO BURGUÊS DE VIDA
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O papel da 
Filosofia em tempos 
de fake news
SOCIEDADE
A pós-verdade 
que nos 
CONTROLA
Monica Aiub – Doutora 
em Filosofia pela PUC-SP, 
dirige o Interseção – 
Instituto de Filosofia 
Clínica de São Paulo.
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O QUE SERIA, EXATAMENTE, 
MELHORAR A SOCIEDADE E QUE 
TIPO DE ÁREA DO CONHECIMENTO 
SERIA CAPAZ DE MELHORÁ-LA SEM A 
CONTRIBUIÇÃO DE OUTRAS ÁREAS?
“OJapão, país mui-to mais rico que o Brasil, está ti-rando dinheiro 
público do pagador de imposto, 
das faculdades que são tidas como 
para pessoas que já são muito ri-
cas, ou de elite, como Filosofi a. 
Pode estudar Filosofi a? Pode, 
(mas) com dinheiro próprio. E o 
Japão reforça: esse dinheiro que 
iria para faculdades como Filoso-
fi a, Sociologia, se coloca em facul-
dades que geram retorno de fato: 
Enfermagem, Veterinária, Enge-
nharia e Medicina.”
A fala do ministro da Educação 
Abraham Weintraub, em vídeo 
publicado em 25 de abril no per-
fi l do Facebook do presidente Jair 
Bolsonaro1, seguida da corrobora-
ção do presidente em fala, também 
em seu Facebook e postagem no 
Twitter, em 26 de abril, afi rmando 
que “a função do governo é respei-
tar o dinheiro do contribuinte, en-
sinando para os jovens a leitura, a 
escrita e a fazer conta e depois um 
ofício que gere renda para a pes-
soa e bem-estar para a família, que 
melhore a sociedade em sua vol-
ta”2, gerou forte polêmica nos úl-
timos dias. Muitos foram os inte-
lectuais que se mobilizaram para 
defender a importância da Filoso-
fi a e das ciências humanas, com 
destaque para a Nota de Repúdio 
assinada pela Anpof – Associa-
ção Nacional de Pós-Graduação 
em Filosofi a e por várias associa-
ções3, que aponta para a notícia 
falsa sobre o Japão, presente no 
argumento do ministro – uma vez 
que a proposta, feita em 2015 pelo 
Ministério da Educação, Cultura, 
Esportes, Ciência e Tecnologia do 
Japão, foi abandonada no mesmo 
ano –, e para o desconhecimento 
do ministro e do presidente sobre 
a natureza dos conhecimentos da 
área de humanidades. “Uma das 
maiores contribuições dos cursos 
de humanidades é justamente o 
combate sistemático a visões ta-
canhas da realidade, provocando 
para a refl exão e para a pluralida-
de de perspectivas, indispensáveis 
ao desenvolvimento cultural e so-
cial e à construção de sociedades 
mais justas e criativas.”
Por que, em pleno século 
XXI, após tantas correntes fi lo-
sófi cas terem surgido a partir de 
elaborações de respostas para o 
anunciado fi m da Filosofi a e das 
ciências humanas, ainda discuti-
mos o papel da Filosofi a? Por que 
enquanto Harari4 propõe algorit-
mos fi losófi cos para programar 
as decisões de uma inteligência 
artifi cial, indicando a possibilida-
de de a Filosofi a ser uma profi ssão 
que garanta um bom emprego no 
futuro, o presidente da República 
desconsidera as contribuições da 
Filosofi a para “melhorar a socie-
dade em sua volta”? O que seria, 
exatamente, melhorar a sociedade 
e que tipo de área do conhecimen-
to seria capaz de melhorá-la sem a 
contribuição de outras áreas? 
A afi rmação de Harari sobre 
o papel do fi lósofo diante da in-
teligência artifi cial, auxiliando na 
construção de “algoritmos fi losó-
fi cos”, é polêmica e merece uma 
refl exão que ultrapassa os objeti-
vos deste texto. Porém, ao formu-
lá-la, ele nos provoca a conside-
rar mais uma das abordagens ao 
fato de que o desenvolvimento da 
ciência e da tecnologianão levou 
ao “fi m” da Filosofi a; ao contrário, 
ampliou a necessidade da refl exão 
fi losófi ca, propiciando, no século 
XX, o surgimento de áreas como 
Filosofi a da Mente, Filosofi a da 
Informação, Filosofi a da Neuroci-
ência, entre outras. Ainda assim, 
a pergunta permanece: Filosofi a, 
para quê?
Uma das tarefas da Filosofia 
é o questionamento. Questionar 
e investigar, em tempos de fake 
news, pós-verdade, pós-realida-
de, tribalismo da verdade etc., 
podem ser um incômodo a um 
sistema pautado na viralização, 
na replicação – sem verificação 
1BORGES, Helena. Ministro dá dica para o Enem: 
Questões ideológicas, muito polêmicas, não devem 
acontecer esse ano. Jornal O Globo, 25 de abril de 
2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com/
sociedade/ministro-da-dica-para-enem-questoes-
ideologicas-muito-polemicas-nao-devem-acontecer-
esse-ano-23623156. Acesso em: 2 mai. 2019.
2Bolsonaro diz que MEC estuda “descentralizar” 
investimento em cursos de Filosofi a e Sociologia. 
G1, 26 de abril de 2019. Disponível em: https://
g1.globo.com/educacao/noticia/2019/04/26/
bolsonaro-diz-que-mec-estuda-descentralizar-
investimento-em-cursos-de-fi losofi a-e-sociologia.
ghtml. Acesso em: 2 mai. 2019.
3Disponível em: http://www.anpof.org/portal/
index.php/pt-BR/artigos-em-destaque/2075-
nota-de-repudio-a-declaracoes-do-ministro-da-
educacao-e-do-presidente-da-republica-sobre-
as-faculdades-de-humanidades-nomeadamente-
fi losofi a-e-sociologia. Acesso em: 2 mai. 2019.
4HARARI, 2018.
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SOCIEDADE
AS NOTÍCIAS FALSAS DE HOJE 
CIRCULAM COM UMA VELOCIDADE 
GIGANTESCA, SENDO DISTRIBUÍDAS 
E AFETANDO PESSOAS EM DIFERENTES 
REGIÕES DO MUNDO. NÃO 
UTILIZAMOS MAIS A INVESTIGAÇÃO E 
A RACIONALIDADE COMO CRITÉRIOS
– de ideias criadas para defen-
der os interesses de alguns gru-
pos. Sem questionar, passamos a 
ideia adiante. Mas essa é a me-
nor das consequências, pois as 
ideias servem como guias para 
nossas ações (Peirce, CP 5.365).5 
Assim, não avaliamos os moti-
vos que possuímos para aceitar 
uma ideia, não verificamos se 
essa ideia é verdadeira ou fal-
sa, a tomamos como verdade na 
medida em que nossos critérios 
são a quantidade de cliques ou 
compartilhamentos de uma ideia 
que, muitas vezes, foi comparti-
lhada sem ter sido lida.6 
Notícias falsas difundidas sem 
confi rmação e com forte impacto 
na vida e na política sempre exis-
tiram. Robert Darnton relata a 
tentativa de manipulação da elei-
ção pontifícia de 1522, por Pietro 
Aretino, que escreveu sonetos per-
versos sobre todos os candidatos – 
exceto sobre Medici, seu preferido 
–, colocando para o público ad-
mirar no busto de uma fi gura de 
nome Pasquino. “O ‘pasquinale’ 
então se transformou em gênero 
comum de difundir notícias desa-
gradáveis, a maioria delas falsas, 
sobre pessoas públicas”.7 O texto 
de Darnton descreve um breve 
histórico das notícias falsas e suas 
implicações políticas. Contudo, 
as notícias falsas de hoje circulam 
com uma velocidade gigantes-
ca, sendo distribuídas e afetando 
pessoas em diferentes regiões do 
mundo. Não utilizamos mais a in-
vestigação e a racionalidade como 
critérios, a velocidade da rede 
capta nossas respostas imediatas, 
emocionais. 
O fenômeno das bolhas, des-
crito por Eli Pariser8 em 2011, que 
consiste em algoritmos que fi ltram 
5A obra de Peirce está citada conforme a convenção: 
CP (Collected Papers). Os números que seguem as 
letras correspondem, respectivamente, a volume e 
parágrafo.
6 Cf. SANTAELLA, 2018; FERRARI, 2019.
7 DARNTON, Robert. Th e true history of fake 
news. Disponível em: https://www.nybooks.com/
daily/2017/02/13/the-true-history-of-fake-news/. 
Acesso em: 3 mai. 2019
8 https://www.ted.com/talks/eli_pariser_beware_online
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as informações que chegam a cada 
um de nós, oferecendo-nos uma 
espécie de “espelho” construído a 
partir de nossos supostos interes-
ses na rede, acaba por criar a ilusão 
de que “todo mundo” pensa como 
nós, dá-nos uma “convicção” de 
nossas ideias, independentemente 
de sua verdade ou falsidade. 
Matthew Fisher, Joshua Knobe, 
Brent Strickland e Frank C. Keil, 
no artigo “Tribalismo da Verda-
de”,9 descrevem a pesquisa sobre 
como o estilo discursivo afeta a 
compreensão da questão em de-
bate. Realizada com usuários do 
Facebook e do Twitter discutindo 
opiniões contraditórias, a pesqui-
sa observou as diferentes conclu-
sões em dois grupos distintos: um 
que tinha por objetivo investigar a 
verdade e outro que discutia bus-
cando o convencimento. Entre as 
conclusões dos autores, eles afi r-
mam que quanto mais debatemos 
para ganhar, mais parecerá existir 
uma única resposta correta, ou 
seja, fortifi camos nossas opiniões. 
Porém, quando debatemos para 
aprender, observamos que pode 
haver outras respostas igualmente 
corretas e colocamos nossas opi-
niões em dúvida, o que propicia a 
investigação.
Não seriam esses fortes mo-
tivos para justifi car a necessida-
de da refl exão fi losófi ca, que tem 
como característica exatamente a 
investigação das razões que temos 
para considerar uma ideia, em vá-
rias e diferentes áreas, em nossa 
vida cotidiana?
A INVESTIGAÇÃO 
FILOSÓFICA 
NAS CIÊNCIAS
No que se refere à pesquisa 
científi ca, a Filosofi a é uma forte 
aliada, tanto para o levantamen-
to de questões geradoras de pes-
quisa como, principalmente, para 
a crítica ao modo como aquela 
ciência procede, observando e 
questionando a validade de seus 
métodos e critérios, assim como 
as implicações do uso, às vezes 
exageradamente ampliado, de 
seus resultados. Como exemplo, a 
pesquisa que desenvolvi durante 
o doutoramento em Filosofi a foi 
sobre os métodos de pesquisa em 
neurociência e as implicações de 
suas aplicações na clínica médica, 
especialmente no que se refere a 
diagnósticos de transtornos men-
tais.10 Assim como no meu traba-
lho, muitos são os fi lósofos que se 
debruçam sobre os métodos de 
pesquisa nas ciências. 
É preciso, ainda, destacar que 
com o uso dos dados da rede (Big 
Data) em pesquisas em diferentes 
áreas, os métodos de análise de 
dados utilizados anteriormente se 
tornam obsoletos, sendo necessá-
ria a criação de novas formas para 
analisá-los. Os algoritmos gené-
ticos, principal forma utilizada 
hoje, trazem questões, na medida 
em que entre seus critérios encon-
tramos o método lexical (mensu-
rando a incidência de termos em 
postagens) e a avaliação da quan-
tidade de visualizações, curtidas e 
compartilhamentos. 
A FILOSOFIA NA 
VIDA COTIDIANA
As pesquisas partem da rede 
e são divulgadas e disseminadas 
nela, alterando hábitos, modos de 
vida das populações. Ao lado de 
resultados signifi cativos de pes-
quisas sérias, é possível encontrar 
preconceitos, falsas notícias pau-
tadas em pesquisas nunca reali-
zadas, em pesquisas sem critérios, 
ou ainda resultados divulgados de 
modo sensacionalista, ampliando 
suas implicações para além dos li-
mites do possível. 
Por outro lado, a Filosofi a pare-
ce ter “invadido” a vida cotidiana. 
Os “infl uenciadores” de opinião 
citam constantemente fi lósofos, 
muitas vezes de modo deturpado, 
descontextualizado, apenas como 
um apelo ao argumento de auto-
ridade, buscando o convencimen-
to. Seus discursos são, na maioria 
A FILOSOFIA PARECE TER INVADIDO NOSSO 
DIA A DIA. OS “INFLUENCIADORES” DE 
OPINIÃO CITAM CONSTANTEMENTE FILÓSOFOS, 
MUITAS VEZES DE MODO DETURPADO
10 Ver AIUB, 2016.
9 FISHER, Matthew; KNOBE, Joshua; STRICKLAND, 
Brent; KEIL, Frank C. Th e tribalism of truth. In 
Scientifi c American , v. 318, n. 2, p. 50-53, jan. 
2018. Disponível em: https://www.researchgate.net 
publication/322549595_Th e_Tribalism_of_Truth. 
Acesso em: 3 mai. 2019.
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das vezes, muito convincentes, mas 
não a partir de argumentos. Sua 
estratégia central é atingir as emo-
ções de seu interlocutor, buscando 
respostas rápidas, cliques, comen-
tários, curtidas. Há, na maior parte 
das vezes, um interesse econômico 
na troca de quantidade de cliques 
por patrocínios. Para consegui-los, 
a replicação de padrões é fortemen-
te utilizada, gerando uma espécie 
de “massifi cação” dos modos de 
pensar e, consequentemente, das 
conclusões a que se chega. O pró-
prio jornalismo, em busca de seu 
público, acaba por replicar os con-
teúdos dos “infl uenciadores”, mui-
tas vezes sem checar as fontes. 
Assim, somos expostos diaria-
mente a notícias falsas, opiniões 
infundadas e precisamos de cri-
térios para aceitá-las ou não. An-
tes de as replicarmos, precisamos 
investigá-las, refl etir sobre elas, 
compreender de onde surgem, a 
quem interessam, que modos de 
vida representam e, principal-
mente, se buscamos esses modos 
de vida para nossa sociedade, pois 
ao compartilhá-las promovemos 
um modo de vida e vivemos as 
consequências dele. 
A Filosofi a é um conhecimento 
construído na história da huma-
nidade, que exige refl exão e rigor 
metodológico em suas pesquisas. 
Nada, em Filosofi a, é aceito sem 
suas devidas justifi cativas, que 
devem ser sufi cientemente e ra-
cionalmente expostas para que o 
interlocutor compreenda como é 
possível chegar àquelas conclu-
sões. A Filosofi a é também um sa-
ber contextualizado, que observa 
as relações entre as partes e o todo 
e, principalmente, a Filosofi a bus-
ca a raiz, a origem das questões e 
seus processos de desenvolvimen-
to, para que nos apropriemos delas 
de modo a encontrarmos ou com-
pormos formas para lidar com tais 
questões. Embora não haja con-
senso acerca das defi nições de Fi-
losofi a na tradição, esses elemen-
tos são comuns a todas elas.
As exigências específi cas do 
fi losofar incluem o rigor meto-
dológico, o raciocínio correto, a 
busca pela gênese das questões e 
das ideias. Em muitos casos, os 
“infl uenciadores” não atendem 
a tais exigências, apresentando 
uma “fi losofi a” dogmática, isto é, 
uma “fi losofi a de vida”, ditando 
regras sobre como as pessoas de-
vem pensar, sentir, agir. O uso de 
nomes de conceitos fi losófi cos, os 
fi lósofos citados descontextuali-
zadamente, cria a falsa aparência 
de um discurso fi losófi co, quan-
do, na verdade, seus objetivos en-
contram-se distantes do fi losofar. 
Incluem-se, nesses discursos, as 
expressões “pensar por si mesmo” 
ou “autonomia do pensar” – ex-
pressões caras à Filosofi a –, mas 
estas, em vez de corresponderem 
ao desenvolvimento do rigor me-
todológico necessário ao pensar 
fi losofi camente, da investigação 
minuciosa e séria a que se dis-
põe a Filosofi a, dizem respeito à 
reprodução irrefl etida de tais dis-
cursos. Pensar criticamente, para 
tais pessoas, é pensar como elas 
pensam, é reproduzir suas ideias 
e, consequentemente, agir e di-
fundir ações em favor delas. E isso 
em nada corresponde à Filosofi a. 
Ao contrário, a Filosofi a pode ser 
um importante instrumento para 
a análise dessas opiniões, nos au-
xiliando a identifi car os motivos 
que temos para aceitar uma ideia 
e as implicações em torná-la um 
guia para nossas ações. 
A FILOSOFIA 
COMO PROFISSÃO
Além das contribuições da Fi-
losofi a para as ciências e para a 
vida cotidiana, podemos elencar 
possibilidades de ela ser “um ofí-
cio que gere renda para a pessoa”. 
Se pensarmos na atuação do 
professor de Filosofi a, ao consi-
derarmos a importância dos co-
nhecimentos fi losófi cos para as 
ciências e para a vida cotidiana, 
podemos concluir que a Filosofi a 
deveria estar presente não apenas 
na educação básica, mas em todos 
os cursos superiores, e também 
nos de formação tecnológica, ga-
rantindo a aprendizagem de uma 
habilidade negligenciada na edu-
cação e na formação profi ssional: 
o questionar, cada vez mais neces-
sário para que possamos nos situ-
ar no mundo. IMA
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DIANTE DA IMPORTÂNCIA DOS CONHECIMENTOS
FILOSÓFICOS PARA AS CIÊNCIAS E PARA A VIDA 
COTIDIANA, CONCLUI-SE QUE A FILOSOFIA
DEVERIA ESTAR PRESENTE NA EDUCAÇÃO BÁSICA
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Em todo o mundo, os consul-
tórios de Filosofi a surgem e o fi ló-
sofo, com seu papel de “provoca-
dor” ao pensar, traz a refl exão para 
as questões cotidianas, provocan-
do a pessoa a investigar a si mes-
ma e sua realidade, conhecendo o 
mundo em que vive, tendo consci-
ência do lugar a partir do qual lê o 
mundo, constrói suas concepções, 
além da consciência sobre outras 
concepções possíveis e sobre os 
motivos que tem para considerar 
esta como a melhor. 
Porém, os “falsos fi lósofos” 
também estão nos consultórios, e 
em vez de auxiliar a pessoa a pen-
sar sobre suas questões, e encontrar 
formas para lidar com elas, condu-
zem-na à escolha de caminhos que 
de alguma maneira os benefi ciam 
– ainda que o façam visando “boas 
intenções” –, e isso tem consequ-
ências para as pessoas envolvidas 
e para a sociedade como um todo. 
Quando esses falsos fi lósofos atu-
am em mídias digitais, empresas 
ou instituições públicas, fazem o 
mesmo, mas as consequências de 
suas interferências atingem um nú-
mero bem maior de pessoas. 
Isso não é prerrogativa apenas 
da Filosofi a, os falsários estão em 
todas as áreas. Em tempos de ve-
locidade e variedade de informa-
ções, em tempos de pós-verdade e 
AIUB, Monica. Peirce e a 
neurociência do século XXI: 
Reflexões sobre Filosofia e Medicina.
São Paulo: FiloCzar, 2016.
FERRARI, Pollyana. Como sair das 
bolhas. São Paulo: Educ/Armazém da 
Cultura, 2019.
HARARI, Youval Noah. 21 lições para o 
século 21. São Paulo: Cia. das Letras, 2018.
PEIRCE, Charles Sanders. Collected 
Papers of Charles Sanders Peirce (CP). 
CD-ROM past masters. Charlotterville: 
Intelex Corporation, 1992.
SANTAELLA, Lúcia. A pós-verdade 
é verdadeira ou falsa? São Paulo: 
Estação das Letras e Cores, 2018.
tribalismo da verdade, abandonar 
os critérios de investigação em fa-
vor do critério de quantidade de 
cliques, curtidas ou repetições de 
um discurso é correr o risco de 
sermos conduzidos para um fu-
turo sombrio, e, pior, com nosso 
assentimento. 
Daí a importância de identi-
fi car quando se trata de alguém 
disposto ao fi losofar – que trará 
questões, provocará a pensar, mas 
não dará respostas prontas, nem 
o atacará quando for questiona-
do – e quando se trata de alguém 
que usa o nome Filosofi a sem uma 
formação específi ca na área, sem 
um estudo adequado que propicie 
o fi losofar. Emergem, hoje, pesso-
as que se dizem fi lósofos, mas têm 
como objetivo detratar, destruir 
a Filosofi a. Exatamente porque a 
Filosofi a possui um papel na cons-
trução de uma sociedade melhor 
surgem seus detratores, acusando 
os fi lósofos de doutrinação quan-
do o fi losofar faz exatamente o 
oposto, instiga a postura crítica e 
investigativa, necessária ao desen-
volvimento da ciência e da socie-
dade. O estudo da Filosofi a, longe 
de ser um investimento desneces-
sário, é um investimento impres-
cindível para os dias atuais.
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28 • ciência&vida
EXISTÊNCIA/CAPAVIDA E OBRA
JEAN-JACQUES
ROUSSEAU
Suas vivências, seu tempo, 
seus escritos, sua filosofia 
e seus elementos
(auto formativos)
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1 Adaptado de capítulo da tese de doutorado escrita pela autora, intitulada “O exercício 
do fi losofar como caminho para a formação humana: uma hermenêutica da obra de 
Jean-Jacques Rousseau para pensar o ensino de Filosofi a”. A tese foi orientada pela 
profa. dra. Neiva Afonso Oliveira, no Programa de Pós-Graduação em Educaçãoda 
Universidade Federal de Pelotas; defendida e aprovada em maio de 2017.
Jean-Jacques Rousseau nasceu no dia 28 de junho de 1712, há aproximadamente 307 anos. Filho de Issac Rousseau e de Suzanne Bernard, era natural de Genebra. Sua mãe, por complicações devidas ao 
parto, faleceu sete dias após seu nascimento. Com uma 
vida controversa, foi criado até os 10 anos por seu pai, 
que em função de um confl ito com o sr. Gautier, capitão 
da França, vê-se obrigado a deixar Genebra e expatriar-
-se, entregando Rousseau aos cuidados de um pastor, o 
ministro Lambercier.
Rousseau viveu no período que, historicamente, de-
nominamos Idade Moderna. Os anos vividos pelo fi lóso-
fo genebrino destacam-se em função das grandes revolu-
ções que ocorriam em diversos aspectos sociais. Tanto no 
âmbito comercial quanto nos ambientes culturais e cien-
tífi cos, através do Renascimento, houve transformações – 
que acabaram por se tornar características peculiares do 
início do século XVIII. O humanismo antropocentrista 
também era uma forte característica deste tempo, valori-
zando, assim, o papel do homem em suas mais variadas 
ações. Strathern (2004, p. 8) comenta o contexto histórico 
de Rousseau e as implicações do pensamento rousseau-
niano para a humanidade:
Nos primeiros anos do século XVIII, quando Rousseau 
nasceu, a revolução científi ca e o Iluminismo estavam 
dando origem a grandes avanços intelectuais. Ainda as-
sim, a sensibilidade europeia sofria de uma profunda 
doença, atolada nas limitações intelectuais e emocionais 
do Classicismo. Em meio aos novos progressos, muitos in-
divíduos tinham consciência de que estavam começando 
a perder contato consigo mesmos, com quem realmente 
eram. Tratava-se de um novo sentimento – que permane-
ceria como parte de nossa sensibilidade até os dias de hoje. 
Rousseau foi o primeiro a confrontar essa ainda inarticu-
lada autoconsciência. Foi ele que insistiu que deveríamos 
buscar e experimentar nossa “verdadeira natureza”.
Em 1728, após voltar de um passeio e encontrar os 
portões da cidade fechados, Rousseau decide deixar Ge-
nebra. Parte para Annecy e, por volta de 1729, conhece 
Madame de Warens, que terá um papel importantíssimo 
 
Letícia Maria Passos 
Corrêa doutora é 
mestre em Educação e 
licenciada em Filosofia 
pela Universidade Federal 
de Pelotas. Atualmente, 
é vice-diretora na Escola 
Sesi Eraldo Giacobbe e 
professora de Filosofia e 
Sociologia do Estado do Rio 
Grande do Sul. É autora do 
livro Ensino de Filosofia: um 
estudo de caso, editado pela 
Universidade Federal de 
Pelotas (2012) e membro do 
Grupo de Estudos FEPráxis 
(Filosofia, Educação e 
Práxis Social). leticiamp
correa@gmail.com.
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30 • ciência&vida
TEORIAS FORMULADAS 
PELO FILÓSOFO NÃO SE 
PRESTAM SIMPLESMENTE 
PARA JUSTIFICAR E DESCULPAR 
AS ESCOLHAS PESSOAIS 
VIVIDAS POR ELE. SERIA 
UMA INTERPRETAÇÃO 
DEMASIADAMENTE SIMPLISTA 
A DE JULGAR O LEGADO 
DE UM AUTOR A PARTIR 
DE SUA VIDA PESSOAL
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em sua vida. O cidadão de Genebra passa a habitar sua 
casa e nela aprofunda seus conhecimentos fi losófi cos, 
conforme nos afi rma Rodríguez:
Es ella quien le aconseja sobre sus primeras clases de mú-
sica, por ejemplo; quien le orienta em sus nuevas lecturas 
y quien le anima a viajar para conocer. Em su palácio lee 
la Lógica, de Port-Royal, el Ensayo, de Locke, Malebranch, 
Leibniz, Descartes etc. (1992, p. 78).
Apesar de Rousseau ter iniciado suas refl exões fi losó-
fi cas desde a sua infância, quando já houvera lido clás-
sicos da Filosofi a como Plutarco, por exemplo, é, sem 
dúvida, neste momento, com a convivência de Madame 
de Warens, que percebemos grandes etapas formativas na 
vida deste homem, que assim o defi niriam como fi lósofo. 
Em seus Devaneios de um caminhante solitário, Rousseau, 
ao avaliar sua vida no passado, demonstra a consciência 
do papel que Madame de Warens desempenhou em sua 
formação humana nos poucos anos que viveram juntos:
Sem esse breve mas precioso espaço de tempo talvez tivesse 
permanecido incerto sobre mim mesmo, pois todo o resto 
da minha vida, fraco e sem resistência, fui tão agitado, sa-
cudido, importunado pelas paixões alheias que, quase pas-
sivo numa vida tão tumultuosa, teria difi culdade em sepa-
rar o que existe de meu em minha própria conduta, tanto 
a dura fatalidade não cessou de pesar sobre mim. Contudo, 
durante esse pequeno número de anos, amado por uma 
mulher cheia de bondade e doçura, fi z o que queria fazer, 
fui o que quis ser e, pelo uso que fi z de meus lazeres, ajuda-
do por suas lições e seu exemplo, soube dar à minha alma 
ainda simples e nova a forma que mais lhe convinha e que 
ainda mantém (2014b, p. 133).
Após a estadia na residência de Madame de Warens, 
Rousseau vai para Paris, onde conhece a elite intelectual 
da França, convivendo com outros pensadores como Da-
vid Hume, Voltaire, Diderot, Condillac, entre outros. Em 
1745, conhece Th érèse Levasseur, sua companheira de 
toda a vida, com quem teve cinco fi lhos, todos entregues 
ao Orfanato das Crianças Abandonadas, que fi cava bem 
perto da moradia do casal.
Rousseau é um fi lósofo que ao escrever livros que 
mesclam Filosofi a e Literatura, e ao criar um aluno ima-
ginário, mostra-nos claramente como seria a sua maneira 
de ensinar Filosofi a. O exemplo norteador da sua prática 
pedagógica está explícito em suas obras, que possuem um 
valor inestimável para a história da humanidade. Propo-
nho, então, que, em um primeiro momento, possamos fa-
zer uma separação entre a obra do autor e a sua biografi a. 
Há quem diga que não podemos levar em conside-
ração os escritos de um homem que escreveu um trata-
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Rousseau: sem mistério sobre suas decisões controversas
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A ATITUDE DO PENSADOR EM RELAÇÃO 
AO ABANDONO DOS FILHOS DEVE SER 
ENTENDIDA LEVANDO-SE EM CONTA O CONTEXTO 
HISTÓRICO DA ÉPOCA E SUAS IDEOLOGIASIMAG
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do sobre educação e, contudo, não foi capaz de educar 
e criar os próprios fi lhos. Entretanto, se analisarmos 
o argumento que tenta desvalorizar a teoria rousseau-
niana em função do abandono dos fi lhos percebemos 
que a ideia é falaciosa. Explico. Não podemos traçar 
paralelos a partir de coisas distintas. Ao compararmos 
dessa maneira, estaríamos cometendo a falácia falsa 
analogia2 . O abandono dos fi lhos consiste em um fato 
da história de Rousseau e a fi losofi a/pedagogia/litera-
tura rousseauniana equivale a uma produção intelec-
tual produzida pelo autor.
Entretanto, em um segundo momento, podemos re-
futar o argumento de desvalorização da obra rousseau-
niana em função do episódio do abandono dos fi lhos 
realizando o caminho oposto, uma outra via do que aca-
bamos de dizer. Proponho que, ao invés de separarmos a 
vida e a obra de Rousseau, façamos o contrário, tratemos 
de vê-las como ingredientes indissociáveis deste processo 
de conhecimento. Por mais que sejam coisas distintas – a 
2 Conforme Shulman (2016), a falácia falsa analogia ocorre em função de “as 
situações serem completamente diferentes e não se poder fazer analogia entre elas”.
obra e a vida do autor – Rousseau usa sua obra como um 
mecanismo de compensação das suas próprias frustra-
ções. Daí segue o fato de que não há incongruência entre 
a biografi a e a produção fi losófi ca do autor. Por ter sido 
um homem fi el a si mesmo e às ideias em que acredita-
va, a vida de Jean-Jacques dar-nos-ia grandes indicações 
sobre como poderíamos agir de maneira verdadeira e 
comprometida com aquilo que se acredita e, assim, po-
deríamos tomar, também, alguns aspectos biográfi cos do 
autor como indicações para a prática fi losófi ca e para o 
exercício do fi losofar.
Os antagonismos presentesna vida de Rousseau refl e-
tem claramente seus ideais fi losófi cos. Starobinski (1991, 
p. 46) comenta sobre as antíteses confrontadas pelo autor: 
“O que se exige, pensa ele, é que sua existência se torne 
um exemplo, que seus princípios se tornem visíveis em 
sua própria vida”. Entretanto, o comentador esclarece que 
as teorias formuladas por Rousseau não se prestam sim-
plesmente para justifi car e desculpar as escolhas pessoais 
vividas pelo fi lósofo. Seria uma interpretação demasiada-
mente simplista a de julgar o legado de um autor a partir 
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KESPECIALMENTE POR VIVER EM MEIO 
AOS FILÓSOFOS DE SEU TEMPO, 
O PENSADOR CRITICA IDEOLOGIAS 
PRESENTES NAS CIÊNCIAS E NAS ARTES
VIDA E OBRA
de sua vida pessoal, mesmo que desde atitudes como a do 
“abandono” ou desarrimo dos fi lhos.
A atitude de Rousseau em relação ao abandono dos 
fi lhos deve ser entendida levando-se em consideração o 
contexto histórico da época, bem como as concepções 
ideológicas que o autor defendia em relação ao Estado. 
Rousseau acreditava e preconizava que o Estado é que de-
veria responsabilizar-se pela formação das crianças.
 Nas Confi ssões podemos saber desse fato pelas pala-
vras do próprio fi lósofo:
Meu terceiro fi lho foi, pois, entregue à Casa dos Expos-
tos, como os primeiros; e o mesmo sucedeu com os dois 
seguintes, porque foram cinco ao todo. E essa solução me 
pareceu tão boa, tão sensata, tão legítima, que se não me 
gabava dela publicamente, era apenas em consideração à 
mãe. Mas contei-a a todos a quem confessava nossa liga-
ção [...] Em suma, não fi z nenhum mistério com o meu 
procedimento, não só porque nunca pude esconder nada 
aos meus amigos, como porque, realmente, nada via disso 
de mal. Pesando tudo, escolhi para meus fi lhos o melhor 
ou o que eu imaginava que o fosse. Quisera eu, e ainda 
hoje o quereria, ter sido educado e sustentado como eles o 
foram (2008, p. 328).
Tal atitude foi repensada em sua maturidade e o fi -
lósofo, em vários trechos de sua obra, demonstra arre-
pendimento e culpa pelos seus atos. No Emílio, Rousseau 
também comenta suas justifi cativas a respeito desse as-
sunto:
Um pai, quando gera e sustenta fi lhos, só realiza com isso 
um terço de sua tarefa. Ele deve homens à sua espécie, deve 
à sociedade homens sociáveis, deve cidadãos ao Estado [...] 
Quem não pode cumprir com os deveres de pai não tem 
o direito de tornar-se pai. Não há pobreza, trabalhos nem 
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ROUSSEAU LOCALIZA-SE, 
NO ÂMBITO DAS ESCOLAS 
FILOSÓFICAS, EM UM LIMIAR 
ENTRE O EMPIRISMO E O 
RACIONALISMO. TRAZ IDEIAS 
PARA A EDUCAÇÃO QUE, 
ATÉ ENTÃO, HAVIAM SIDO 
PRATICAMENTE ESQUECIDAS
E DESVALORIZADAS
respeito humano que o dispensem de sustentar seus fi lhos 
e de educá-los ele próprio [...] Para quem quer que tenha 
entranhas e desdenhe tão santos deveres, prevejo que por 
muito tempo derramará por sua culpa lágrimas amargas, e 
jamais se consolará disso (2014a, p. 27).
Em 1749, a Academia de Dijon propôs um prêmio a 
quem respondesse à seguinte questão: “O estabelecimen-
to das ciências e das artes terá contribuído para aprimorar 
os costumes?”. Rousseau escreve, então, o Discurso sobre 
as ciências e as artes e é o vencedor do concurso, sendo 
este seu primeiro trabalho estritamente fi losófi co. Ade-
mais, o Primeiro discurso3 assume um papel de crítica 
muito forte às ideologias presentes no âmbito das ciências 
e das artes. Ao proporem a questão motivadora do Dis-
curso, pode-se dizer que seria uma hipótese consistente 
a de que os membros da Academia de Dijon contavam 
com um elogio às esferas científi cas e artísticas. Ao con-
trário do que se espera, Rousseau apresenta seu potencial 
fi losófi co e responde negativamente à questão, fato que 
nos mostra o quão inovador, ousado e crítico era o fi lóso-
fo genebrino. Especialmente por viver em meio aos fi ló-
sofos de seu tempo, o pensador critica o caráter cultural 
oriundo das ciências e das artes e o que, de fato, Rousseau 
realiza, consiste em uma refl exão crítica que se estende 
também aos fi lósofos, à Filosofi a em geral e ao papel a que 
ela se presta na sociedade e na formação humana. Nas 
palavras do autor:
Respondei-me, pois, fi lósofos ilustres [...] vós de quem rece-
bemos tantos conhecimentos sublimes, se não nos tivésseis 
nunca ensinado tais coisas, seríamos com isso menos nu-
merosos, menos bem governados, menos temíveis, menos 
fl orescentes ou mais perversos? (1983, p.343-344).
O Primeiro discurso é obra que possui inestimável re-
levância para o ensino de Filosofi a, quando são trabalha-
das questões relativas à Filosofi a da Ciência e à Filosofi a 
Estética. Dentre outras, a noção de progresso é elemento 
colocado em xeque ao nos depararmos com a resposta 
negativa de Rousseau para o questionamento da Acade-
mia de Dijon. 
Na sequência, Rousseau escreve o Discurso sobre a 
origem da desigualdade entre os homens4 (1753) e O 
contrato social (1762). Entretanto, sua maior obra no 
que concerne à Pedagogia é, sem dúvida, Emílio, ou Da 
educação (1762). Nela, Rousseau aponta conceitos que 
foram “divisores de águas” para a história das ideias 
pedagógicas e para a Filosofi a da Educação. Entre eles, 
um dos principais seria o reconhecimento da criança 
como infante, em lugar de ser vista como um adulto 
4 Rousseau escreveu essa obra também para concorrer ao certame organizado pela 
Academia de Dijon. Entretanto, dessa vez não obteve o êxito alcançado no Primeiro 
discurso. Embora a obra seja de uma relevância fi losófi ca indescritível, Jean-Jacques não 
foi o vencedor do concurso.
3 A respeito do Primeiro discurso, o Discurso sobre as ciências e as artes, vide OLIVEIRA; 
OLIVEIRA; CORRÊA. As motivações de Rousseau no Primeiro discurso. In: 
FAGHERAZZI, Onorato et al. Uma breve introdução à Filosofi a da Ciência. Rio 
Grande: IFRS, 2013.
5 A respeito do ineditismo em reconhecer a criança como infante, saliento que Rousseau 
foi pioneiro no que diz respeito a proclamar esta máxima de forma clara. Entretanto, 
não podemos esquecer da obra de Comênio, que em 1649, com a publicação da 
Didática magna, já havia dado um sentido diferenciado ao trato com a criança.
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CORRÊA, Letícia Maria Passos. Ensino de Filosofia: um estudo de caso.
Pelotas: Editora e Gráfica da Universidade Federal de Pelotas, 2012.
DENT, N. J. H. Dicionário Rousseau. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.
FAGHERAZZI, Onorato et al. Uma breve introdução à Filosofia da 
Ciência. Rio Grande: IFRS, 2013.
RODRÍGUEZ, Herminio Barreiro. Juan Jacobo Rousseau, entre la 
ilustracion y el romanticismo (reflexiones al hilo de uma lectura de Las 
Confesiones). In: Educación y Sociedad. v. 10, p. 65-90, Madri, 1992.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Confissões. Bauru: Edipro, 2008.
. Do contrato social; Ensaio sobre a origem das línguas; 
Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os 
homens; Discurso sobre as ciências e as artes. Coleção Os Pensadores. 
Tradução de Lourdes Santos Machado; introduções e notas de Paul 
Arbousse-Bastide e Lourival Gomes Machado. 3. ed. São Paulo: Abril 
Cultural, 1983.
. Emílio, ou Da educação. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 
2014a.
. Os devaneios do caminhante solitário. Porto Alegre: L&PM, 
2014b.
SHULMAN, Max. O amor é uma falácia. Disponível em: http://docslide.
com.br/documents/o-amor-e-uma-falacia-por-max-shulman-traducao-de-
luis-fernando-verissimopdf.html . Acesso em: 15 abr. 2016.
STRATHERN, Paul. Rousseau em 90 minutos. Rio de Janeiro: Jorge 
Zahar, 2004. 
em miniatura5 , e, de acordo com os padrões da época, 
Rousseau localiza-se, no âmbito das escolas fi losófi -cas, em um limiar entre o empirismo e o racionalismo. 
Traz ideias para a educação que, até então, haviam sido 
praticamente esquecidas e desvalorizadas pelos pensa-
dores de seu tempo. Em Emílio, o genebrino apresenta-
-se como um autor altamente propositivo e que valo-
riza o projeto de formação humana, projeto em cuja 
viabilidade e execução das ideias acredita. No prefácio 
do livro, o fi lósofo nos fala sobre a inovação que a sua 
teoria pedagógica apresenta:
[...] há infi nitos tempos, todos protestam contra a prática 
estabelecida, sem que ninguém se preocupe em propor ou-
tra melhor. A literatura e o saber de nosso século tendem 
muito mais a destruir do que a edifi car. Censura-se com 
um tom de mestre; para propor, é preciso assumir uma 
outra postura, com a qual a altivez fi losófi ca se compraz 
menos. Apesar de tantos escritos que, segundo dizem, só 
têm por fi m a utilidade pública, a primeira de todas as 
utilidades, que é a de formar homens, ainda está esqueci-
da (2014a, p. 4).
Rousseau publicou outras obras relevantes, tais 
como: Ensaio sobre a origem das línguas (1753), Discur-
so sobre a economia política (1755), Carta a d’Alembert 
(1758), Júlia ou a nova Heloísa (1760), Emílio e Sofi a ou 
os solitários (1762), Carta a Christophe de Beaumont
(1763), Cartas da montanha (1764), Projeto de constitui-
ção para a Córsega (1764), a autobiográfi ca Confi ssões
(1770), Considerações sobre o governo da Polônia (1770), 
Rousseau juiz de Jean-Jacques (1776), Os devaneios do 
caminhante solitário (1776), dentre outras. A repercus-
são de seus escritos, entretanto, foi extremamente po-
lêmica, colocando-o, inclusive, em posições de risco à 
sua integridade física. Emílio e o Contrato, queimados 
em vias públicas em Genebra, bem como as persegui-
ções vividas por Rousseau, mostram claramente que o 
pensar fi losófi co, a exemplo de Sócrates, por vezes é re-
cebido incompreendidamente. Todavia, a instabilidade 
COM PERSONALIDADE EXCÊNTRICA, O CIDADÃO DE 
GENEBRA VIVEU NO CONTEXTO DE EFERVESCÊNCIA 
DA RACIONALIDADE ILUMINISTA E DOS IDEAIS 
QUE INSPIRARAM A REVOLUÇÃO FRANCESA
que promove naqueles que o experimentam demonstra 
a força do exercício do fi losofar – capaz de promover 
mudanças históricas e (des)estruturar “alicerces” de 
pensamentos estagnados.
Com personalidade excêntrica, o cidadão de Genebra 
viveu no contexto de efervescência da racionalidade ilu-
minista instaurando-se e dos ideais que inspiraram a Re-
volução Francesa, que aconteceria anos após a sua morte, 
em 1789. Suas ideias a respeito da liberdade e da igualda-
de entre os homens, presentes em praticamente toda a sua 
obra, e enfatizadas no Contrato, infl uenciaram a escrita 
da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, do-
cumento de inestimável relevância, redigido no apogeu 
da Revolução Francesa. Todavia, Rousseau não chegou 
a ver suas ideias valorizadas e seguidas, pois faleceu em 
2 de julho de 1778, 11 anos antes dos momentos revo-
lucionários decisivos que afetaram a França, aos 66 anos 
de idade. Segundo Dent (1996, p. 22), “não há dúvida de 
que foi uma presença dominante durante a Revolução 
Francesa, e de que está hoje consagrado como uma das 
grandes fi guras da civilização ocidental”.
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CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS • ciência&vida • 35
CADERNO DE CIÊNCIAS 
SOCIAIS & EDUCAÇÃO
O CONHECIMENTO 
PELA LUZ NATUR AL
ÓDIO AO OUTRO: 
DISTORÇÕES DA REALIDADE
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36 • ciência&vida • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO
CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE 
CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS 
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& EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO •
CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS 
Um olhar sobre o inatismo cartesiano
O CONHECIMENTO 
PELA LUZ NATURAL
Leonor Gularte 
Soler é Licenciada 
em Filosofia pela 
Universidade Federal 
de Pelotas (RS). 
Mestre em Educação 
pelo Programa de 
Pós Graduação 
em Educação e 
especialista no 
Ensino de Filosofia 
pelo Programa de 
Pós Graduação em 
Filosofia, ambos da 
mesma universidade. 
Membro do Grupo 
Fepráxis – Filosofia, 
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O CONHECIMENTO 
PELA LUZ NATURAL
A refl exão apresentada neste artigo expõe algu-mas expressões do conhecimento humano. Inicialmente abordamos questões referentes às 
dimensões da consciência, o sujeito e o objeto como 
essência do conhecimento. Em seguida, enfocam-se 
as duas ordens do conhecimento no Período Clássi-
co: conhecimento sensível e intelectivo, com menção 
às ideias inatas de Descartes que contrapõem aquelas 
adquiridas pela experiência dos sentidos, desenvolvida 
por John Locke (1632-1704). Conclui-se, apresentan-
do a importância do pensamento de René Descartes 
(1596-1650) para a contemporaneidade.
Todos os seres vivos trazem consigo potencia-
lidades para se desenvolver de acordo com as suas 
necessidades de sobrevivência. Uma planta, se colo-
cada em um lugar escuro, vai direcionar seu cres-
cimento para onde há luz natural; a ave não tem 
tato nem olfato ao voar, mas é compensada com 
uma visão muito aguçada que distingue e diferen-
cia as cores a longa distância, o que lhe permite ver 
um inseto. Tem-se, ainda, o exemplo dos sentidos 
desenvolvidos pelas pessoas com algum tipo de 
deficiência, seja inata ou adquirida no decorrer da 
vida, as quais precisam se adaptar a um tipo de vida 
diferente (Santos, 2000, p. 31). É possível utilizar 
inúmeros exemplos de adaptação dos seres vivos com 
a imposição dos meios, mas não é esse o objetivo ao 
qual nos propomos; pretendemos no texto apresen-
tar algumas expressões do conhecimento humano, 
dissertar sobre as dimensões da consciência e, em 
seguida, sobre as duas ordens do conhecimento no 
Período Clássico. Para, no último momento, fazer 
uma ref lexão no que se refere ao racionalismo e às 
ideias inatas de René Descartes (1596-1650).
Os seres vivos possuem muitas características 
comuns, mas somente o homem tem a capacidade 
especial de pensar, e é essa característica que dáa 
ele uma tendência espontânea a descobrir o que é o 
mundo a sua volta, a conhecer e a compreender esse 
mundo, a si mesmo, a natureza e a sociedade. Essa 
capacidade de pensar possibilita somente ao homem 
CAPACIDADE DE PENSAR 
POSSIBILITA SOMENTE AO 
HOMEM TER A CONSCIÊNCIA 
DE SI. CONVIVENDO COM 
A REALIDADE, É PERMITIDO 
CONHECER A VERDADE, 
PARA, ASSIM, PODER 
COMPREENDÊ-LAIMAG
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f icar pendente, pendurado. Quan-
do o ser humano sai de si mesmo 
sem sair de seu interior, exerce uma 
atividade do pensar, suspende o 
julgamento até formar uma ideia 
ou opinião. Pode-se observar que 
nos textos f ilosóficos escritos em 
latim não é empregado pendere nem 
pensare: para dizer pensar, utilizam 
os verbos cogitare1 e intelligere2 (p. 
193). Portanto, conforme Chaui 
(2000), cogitare é forçar alguma 
coisa a f icar diante de nós para ser 
examinada e intelligere é conhe-
cer e entender. Percebemos que os 
verbos signif icam atividade que 
exige atenção: avaliar, equilibrar, 
entender e ler por dentro. Assim, 
o pensamento é a consciência 
saindo de si, para colher e reunir 
dados oferecidos pela experiência, 
percepção, memória e linguagem 
(p. 194).
A CONSCIÊNCIA E O 
CONHECIMENTO
A necessidade do homem de 
explicar acerca do mundo sempre 
existiu. Recorrer a mitos, religiões, 
ciências e à Filosofi a para buscar 
explicação das coisas é um dom 
natural do ser humano. Mas o que 
podemos conhecer realmente? A 
consciência pode conhecer tudo? 
Qual a origem do conhecimento? 
Como chegar às certezas? A teoria 
do conhecimento distingue o cida-
dão, o “eu” e o sujeito, apresentando 
graus de consciência que entende-
mos como sendo a atividade racional 
que conhece a si mesma e na qual 
o sujeito do conhecimento é a fi gu-
ra central. Segundo Chaui (2012), 
podemos dividir a consciência em 
três dimensões: a) Consciência ética: 
que é a capacidade livre e racional que 
o ser humano tem de escolher e agir 
de acordo com seus valores e regras. 
Esse ser, dotado de livre vontade e 
responsabilidade, comporta-se da 
maneira que entende melhor para si 
1 Cogitare (meditar, considerar com atenção), esse 
verbo vem do agere (empurrar para diante de si).
2 Intelligere compõe-se de duas outras palavras: in-
ter (entre) e legere (reunir, escolher, ler), ou seja, es-
colher as letras com os olhos (Chaui, 2012, p. 147).
A TEORIA DO 
CONHECIMENTO 
DISTINGUE O 
CIDADÃO, O 
“EU” E O SUJEITO, 
APRESENTANDO
GRAUS DE 
CONSCIÊNCIA 
QUE ENTENDEMOS
COMO SENDO 
A ATIVIDADE
RACIONAL QUE 
CONHECE 
A SI MESMA
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ter a consciência de si; convivendo 
com a realidade, lhe é permitido 
conhecer a verdade para, assim, 
poder compreendê-la e explicá-
-la. Chaui (2000) esclarece que o 
sentido etimológico das palavras 
“pensamento” e “pensar” origina-se 
do verbo latino pendere, que signi-
f ica f icar em suspenso, estar ou 
Para que os estudantes fixem conte-
údo sobre teoria do conhecimento, 
segundo o proposto por pensadores e 
acadêmicos abordados neste artigo, e 
excertos da bibliografia indicada ao fi-
nal, vale fazer com que reflitam sobre 
algo que consideram que conhecem 
de forma inata, expondo exemplos 
para o restante da classe. Devem ana-
lisar como se dá esse conhecimento 
e, a partir daí iniciar debate ou dis-
cussão baseados nas perguntas: "O 
que podemos conhecer realmente? 
A consciência pode conhecer tudo? 
Qual a origem do conhecimento? 
Como chegar às certezas?". As res-
postas, orientadas pelas leituras indi-
cadas, e pelas discussões, com media-
ção do educador no que diz respeito 
ao esclarecimento sobre conceitos, 
pode servir de base para dissertações 
individuais ou em grupo, revelando o 
aprendizado sobre o tema e permitin-
do sua avaliação.
(Sugestão da redação) 
PROPOSTA 
DIDÁTICA
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e para os outros. Essa consciência 
moral, tanto racional quanto afeti-
va, busca uma vida feliz e justa; b) 
Consciência psicológica: trata do 
sentimento da nossa própria identi-
dade, o nosso “eu” formado a partir 
de nossas vivências, a maneira como 
compreendemos nossos sentimentos, 
nosso corpo e nosso mundo interior; 
c) Consciência epistemológica, que é 
uma atividade sensível e intelectual 
dotada do poder de análise e síntese 
de representação dos objetos através 
de ideias e de avaliação, compreen-
são e interpretação desses objetos por 
meio dos juízos (p. 146).
As consciências psicológica e 
epistemológica podem ser compre-
endidas conforme os exemplos: um 
aluno pode adorar estudar Física e 
outro não gostar da matéria, mas o 
sentimento de cada um não inter-
fere nos conceitos das disciplinas, 
pois seus valores independem de 
vivências dos alunos e são o objeto 
construído pelo sujeito do conheci-
mento. Outro exemplo: um médico 
pode não saber que existe a cura 
para o câncer e, ao ser informado 
sobre isso, ele não acredita na cura, 
o que não invalida de forma alguma 
o sentido da pesquisa descoberta e 
conhecida pelo sujeito do conheci-
mento (p. 147).
A ESSÊNCIA DO 
CONHECIMENTO
Conforme Hessen (2000), a essên-
cia do conhecimento está no sujeito e 
no objeto, pois
[...] ao mesmo tempo, a relação entre 
os dois elementos é uma relação recípro-
ca (correlação). O sujeito só é sujeito 
para um objeto e o objeto só é objeto 
para um sujeito.[...] ser sujeito é algo 
completamente diverso de ser objeto. A 
função do sujeito é apreender o objeto; 
a função do objeto é ser apreensível e ser 
apreendido pelo sujeito. [...] Dizer que 
o conhecimento é uma determinação do 
sujeito pelo objeto é dizer que o sujei-
to comporta-se receptivamente com 
respeito ao objeto. Essa receptividade, 
contudo, não significa passividade. 
Pelo contrário, pode-se falar de uma 
atividade e de uma espontaneidade do 
sujeito no conhecimento. Certamente, 
a espontaneidade não está relacionada 
ao objeto, mas à imagem do objeto,na 
qual a consciência pode muito bem ter 
uma participação criadora (Hessen, 
2000, p. 18).
O homem é limitado em sua 
capacidade de captar as reais proprie-
dades dos objetos, por isso a dúvida, 
assim como algumas certezas, está 
presente em todos os tipos de conhe-
cimento. Com isso, de acordo com 
Descartes (2001),
[...] o bom senso é a coisa que, no 
mundo, está mais bem distribuída: de 
fato, cada um pensa estar tão bem provi-
do dele, que até mesmo aqueles que são 
os mais difíceis de contentar em todas as 
outras coisas não têm de forma nenhuma 
o costume de desejarem [ter] mais do que 
o que têm. E nisto não é verossímil que 
todos se enganem; mas antes, isso teste-
munha que o poder de bem julgar, e de 
distinguir o verdadeiro do falso que é 
aquilo a que se chama o bom senso ou a 
razão, é naturalmente igual em todos os 
homens; da mesma forma que a diversi-
dade das nossas opiniões não provém do 
fato de uns serem mais razoáveis do que 
outros, mas unicamente do fato de nós 
conduzirmos os nossos pensamentos por 
vias diversas e de não considerarmos as 
mesmas coisas (Descartes, 2001, p. 5).
Durante o Período Clássico, a 
maioria dos fi lósofos reconheceu a 
existência de duas ordens de conhe-
cimento: a dos sentidos e a do inte-
lecto. Os pensadores da origem 
platônica (Platão, Plotino, Agosti-
nho e Boaventura) subdividiram os 
conhecimentos, sensível e intelecti-
O HOMEM É 
LIMITADO EM SUA
CAPACIDADE DE 
CAPTAR AS REAIS
PROPRIEDADES 
DOS OBJETOS, 
POR ISSO A
DÚVIDA, ASSIM 
COMO ALGUMAS 
CERTEZAS,
ESTÁ PRESENTE 
EM TODOS 
OS TIPOS DE 
CONHECIMENTOIMAG
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vo, em dois tipos: 1) Conhecimento 
sensível por imagem direta ou sensí-
vel por meio de uma cópia (imagem 
indireta); 2) Conhecimento intelec-
tivo pelo raciocínio e conhecimento 
intelectivo pela visão. Já os pensa-
dores de origem aristotélica (Aris-
tóteles, Averróis, Alberto Magno 
e Tomas de Aquino) preservavam 
a primeira diferença e recusavam 
a segunda, pois, para eles, nossa 
mente não é dotada de conhecimento 
intuitivo, somente de raciocínio. No 
Período Moderno, igualmente, têm-
-se duas linhas de raciocínio e, para 
o presente texto, utiliza-se o pensa-
mento de René Descartes. O fi ló-
sofo, por vezes chamado de “funda-
dor da Filosofi a moderna” e “pai da 
Matemática moderna”, considerado 
racionalista, foi um dos pensadores 
mais infl uentes da história e defendia 
tanto o conhecimento sensível quan-
to o intelectivo. 
A RAZÃO É INATA 
OU ADQUIRIDA?
Em Meditações sobre a Filosofi a 
primeira (1641), obra mais completa 
e rigorosa sobre metafísica e episte-
mologia, René Descartes demonstrou 
as possibilidades do conhecimento a 
partir de posturas mais céticas e, em 
seguida, estabeleceu uma base fi rme 
para as ciências. 
Para que suas crenças tivessem 
estabilidade e resistência, o que para 
ele trata-se de duas importantes 
marcas do conhecimento, Descar-
tes estabelece o célebre argumen-
to do erro dos sentidos, argumento 
esse que coloca sob a ação da dúvida 
metódica o conjunto de nossa experi-
ência cotidiana, dado que a interação 
sensorial com o mundo em que ela 
se ampara não possibilita que elabo-
remos um conhecimento que esteja 
acima de qualquer suspeita de falsi-
dade. Descartes argumenta que “[...] 
porém, descobri que eles [os senti-
dos] por vezes nos enganam, e é de 
prudência nunca confi ar totalmente 
naqueles que, mesmo uma só vez, 
nos enganaram” (Descartes, 2004, p. 
107). Nesse sentido, o único conhe-
cimento verdadeiro não está contido 
no mundo externo da observação, 
mas sim nas verdades puramente 
racionais, no cogito ergo sun.3
Os racionalistas veem na razão 
a fonte principal do conhecimento 
3 Cogito Ergo Sun – “Expressão cartesiana que 
exprime a autoevidência existencial do sujei-
to pensante, isto é, a certeza de que o sujeito 
pensante tem de sua existência como tal” (Ab-
bagnano, 2012, p. 173).
humano, nesse sentido o conheci-
mento só é verdadeiro se for logica-
mente necessário e universalmente 
válido. O racionalismo cartesiano 
difere-se do racionalismo puro por 
três tipos de ideias: inatas, adventí-
cias e factícias. As ideias adventícias 
chegam aos seres humanos a partir 
dos sentidos – sensações, percepções, 
lembranças –, as ideias factícias são 
aquelas que criam, na fantasia e na 
imaginação, uma união das imagens 
emitidas pelos sentidos e retidas na 
memória, cuja combinação permi-
te representar ou imaginar coisas 
nunca vistas – contos infantis, mitos e 
superstições, por exemplo. E, por fi m, 
as ideias inatas, que são produzidas 
pelo entendimento, sem precisar da 
experiência, vivem no âmago do ser e 
pode-se pensar nelas ou não. Sobre as 
ideias inatas, Descartes esclarece que
[...] quando começo a descobri-las, 
não me parece aprender nada de novo, 
mas recordar o que já sabia. Quero 
dizer: apercebo-me de coisas que esta-
vam já no meu espírito, ainda que não 
tivesse pensado nelas. E, o que é mais 
notável, é que eu encontro em mim uma 
infi nidade de ideias de certas coisas que 
não podem ser consideradas um puro 
nada. Ainda que não tenham talvez 
existência fora do meu pensamento elas 
não são inventadas por mim. Embora 
tenha liberdade de as pensar ou não, 
elas têm uma natureza verdadeira e 
imutável (Descartes, 2005, p. 97).
SEGUNDO 
A FILÓSOFA 
MARILENA CHAUI, 
AS IDEIAS INATAS 
NÃO PODEM 
VIR NEM DA 
EXPERIÊNCIA 
SENSORIAL DOS 
SERES NEM DAS 
FANTASIAS, POIS 
NÃO SE TEVE
EXPERIÊNCIA 
SENSORIAL PARA 
COMPÔ-LAS 
A PARTIR DA 
MEMÓRIA IMAG
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Segundo Chaui (2012), as ideias 
inatas não podem vir nem da expe-
riência sensorial dos seres nem das 
fantasias, pois não se teve experiên-
cia sensorial para compô-las a partir 
da memória. Dessa forma, tem-se o 
exemplo: a ideia de infi nito é inata, 
pois não há experiênciasensorial de 
infi nitude (p. 84). Para Descartes, 
as ideias inatas são a “assinatura do 
criador” no espírito das criaturas 
racionais e a razão é a luz natural 
inata que permite conhecer a verda-
de. Elas são defi nidas, por ele, como 
todas as ideias que são inteiramente 
racionais. São elas: a) Os princípios 
da razão – identidade, não contra-
dição, terceiro excluído e razão sufi -
ciente; b) Noções comuns da razão 
– o todo é maior do que as partes; 
(c) Ideias simples conhecidas por 
intuição intelectual – cogito. Sendo 
as ideias inatas colocadas no espíri-
to dos seres por Deus, estas sempre 
serão verdadeiras e mostram que as 
ideias factícias serão sempre falsas.
PENSO, LOGO, EXISTO
Descartes, em o Discurso sobre 
o método para bem conduzir a razão 
e buscar a verdade por meio da ciência 
(1637), enfatiza o método da dúvida: 
a dúvida metódica ou dúvida carte-
siana. Para a razão bem funcionar, é 
necessário limpar o terreno da mente 
de todo preconceito. É preciso, num 
primeiro momento, duvidar de tudo, 
principalmente do que já se tem 
estabelecido como verdade absoluta. 
A partir de então, devem-se buscar 
verdades elementares, verdades que 
bastem a si e não precisem de outras 
verdades precedentes, pois, duvidan-
do de tudo, aquilo que conseguir se 
estabelecer como verdade depois disso 
terá, necessariamente, que ser uma 
verdade absoluta. 
O fi lósofo parte do cogito (pensa-
mento) que faz parte do seu interior, 
colocando em dúvida a sua própria 
existência para chegar a uma certe-
za sobre a concepção de homem, a 
qual faz um novo pensar sobre a 
problemática (homem), conside-
rando duas principais substân-
cias existentes, que são o corpo 
e a alma que se fundem em uma 
união fundamental, porém distintas 
entre si. 
Descartes admite ainda a existên-
cia de três substâncias. A res divina – 
substância eterna, perfeita, infi nita, 
que pensa e é independente. Mente 
(alma) e corpo são constituídos por 
duas substâncias distintas. Outra 
substância, a material, que corres-
ponde ao mundo corpóreo, a qual 
ele chamou de substância extensa (res 
extensa) e uma imaterial, que corres-
ponde à esfera do eu ou da consciên-
cia, denominada substância pensante 
(res cogitans). Essa última, segundo 
ele, é a determinante no processo 
do conhecimento. Ainda que sepa-
radas, essas substâncias são capazes 
de interagir. Para Descartes, apenas 
em Deus essas substâncias poderiam 
se fundir e constituir um todo, pois 
é da divindade que elas teriam se 
originado. Ainda, segundo o pensa-
mento cartesiano, a aparente oposi-
ção entre espírito e mente não é 
verdadeira, pois ambos perten-
cem à esfera do res cogitans. 
Alguns pensadores acreditam 
na distinção entre eles pelas 
características próprias de 
cada um, uma vez que o espíri-
to é ativo, mutante, inventivo, 
enquanto a mente tende ao ato 
refl exivo, meditativo, manten-
do-se quase inalterável. No res 
cogitans, portanto, o elemen-
to laborioso é o espiritual, 
ao passo que o intelecto é 
a fração inerte, algo por 
vir, que pode ser pratica-
mente pesado, tocado. A 
garantia de ideias claras 
e distintas põe em dúvida 
tanto o mundo das coisas sensí-
veis quanto o das inteligíveis, ou 
seja, é necessário duvidar de tudo.
A dúvida universal de Descar-
tes, segundo Barrena (2015), não é 
experiencialmente possível, pois não 
se pode duvidar de tudo. A dúvida 
autêntica, por outro lado, surge em um 
contexto específi co, embora, às vezes, 
seja também buscada, pois faz parte 
da atividade do ser humano questio-
nar o que faz e buscar os erros e as 
EM DESCARTES, 
PARA A RAZÃO 
BEM FUNCIONAR,
É NECESSÁRIO 
LIMPAR O TERRENO
DA MENTE 
DE TODO 
PRECONCEITO. 
É PRECISO, 
NUM PRIMEIRO 
MOMENTO,
DUVIDAR DE TUDO, 
PRINCIPALMENTE
DO QUE JÁ SE TEM 
ESTABELECIDO 
COMO VERDADE 
ABSOLUTA
IM
A
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PARA O EMPIRISTA, 
A FONTE DE
TODO 
CONHECIMENTO 
HUMANO ESTÁ
NA EXPERIÊNCIA 
SENSÍVEL E NA 
REFLEXÃO.
SÃO, ANTES, 
PROCESSOS QUE
COMPÕEM A 
MENTE COM OS 
ELEMENTOS DO 
CONHECIMENTO
anomalias. Quando se produz uma 
dúvida genuína, o organismo trata de 
voltar ao seu equilíbrio, mediante um 
processo de pesquisa que se encerra 
quando é formado um hábito, uma 
crença verdadeira e revisada (p. 30).
CONHECIMENTO E A 
EXPERIÊNCIA DOS SENTIDOS
Enquanto o racionalismo susten-
ta que a verdadeira fonte do conhe-
cimento é o pensamento, a razão, o 
empirismo, por sua vez, contrapõe 
determinando que a única fonte do 
conhecimento humano é a experiên-
cia. Para os empiristas, a razão não 
possui nenhuma herança apriorísti-
ca. Segundo Hessen (2012), a cons-
ciência cognoscente não retira seus 
conteúdos da razão, mas exclusiva-
mente da experiência. Ao nascer, o 
espírito humano está vazio de conte-
údos, é uma folha em branco sobre 
a qual a experiência irá escrever os 
conceitos, e até mesmo os universais 
e abstratos originam-se da experi-
ência. Ao mesmo tempo em que o 
racionalismo se deixa conduzir por 
um ideal de conhecimento, uma ideia 
determinada, o empirismo parte de 
fatos concretos. As percepções da 
criança são concretas e são elas que 
formam, aos poucos, os conceitos 
gerais e as representações e, sendo 
assim, as percepções desenvolvem-se 
organicamente a partir da experiên-
cia (p. 55).
Em um de seus principais traba-
lhos, O Ensaio sobre o entendimento 
humano (1690), John Locke apresen-
ta sua crítica ao inatismo e defende 
que todas as pessoas nascem como 
uma “tábula rasa”, ou seja, como uma 
folha em branco, sem conhecimento 
nenhum. Destarte, todas as pesso-
as começam por não saber absoluta-
mente nada e aprendem pela expe-
riência, pela tentativa e pelo erro. 
“Locke conclui em tal caso que se o 
homem adulto possui conhecimento, 
se sua alma é um ‘papel impresso’, 
outros deverão ser os seus conteúdos: 
as ideias provenientes – todas – da 
experiência” (Monteiro, 1999, p. 10). 
Ele busca descobrir quais seriam os 
elementos que constituem o conheci-
mento, quais as suas origens e proces-
sos de formação, como também qual 
a dimensão da sua aplicação. Dessa 
forma, se, para Locke, o homem não 
possui ideias inatas – ao contrário 
do que afi rmavam Platão e Descar-
tes –, surge a pergunta: como pode o 
homem constituir um conhecimento 
certo e indubitável, e em que casos 
isso é possível?
Para o empirista, a fonte de todo 
conhecimento humano está na expe-
riência sensível e na refl exão. Ele 
esclarece que, em si mesmas, esta e 
aquela não constituem propriamente 
o conhecimento. São, antes, proces-
sos que compõem a mente com os 
elementos do conhecimento. Locke 
chama esses elementos de ideias. 
Ideia é, para esse fi lósofo inglês, o 
objeto do entendimento, quando 
qualquer pessoa pensa. A expressão 
“pensar” é assim tomada no mais 
amplo sentido, englobando todas 
as possíveis atividades cognitivas. 
Monteiro (1999) defende que, para 
Locke, as ideias de refl exão originam-
-se no interior do sujeito,enquan-
to as ideias de sensação derivam do 
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O CONHECIMENTO SEGURO E VERDADEIRO, 
FACULDADE UNIVERSALMENTE PARTILHADA, 
DEIXA CLARO QUE É SOMENTE A RAZÃO 
OU O BOM SENSO QUE PODEM DISTINGUIR 
O HOMEM DOS OUTROS ANIMAIS
ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia, v. 1. Lisboa: Presença, 1991.
BARRENA, Sara. Pragmatismo y educación: Charles S. Peirce y John Dewey en las aulas. Madri: 
Machado Grupo de Distribución, 2015.
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.
. Iniciação à Filosofia. São Paulo: Ática, 2012.
DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
. Meditações sobre Filosofia primeira. São Paulo: Ed. da Unicamp, 2004.
HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano. São Paulo: Nova Cultural, 1999. 
MONTEIRO, João Paulo; Martins, Carlos Estevam. Vida e Obra. Coleção Os Pensadores. Ensaio 
Acerca do Entendimento Humano, por Jonh Locke, tradução: Anoar Aiex, p. 5 a 17. São Paulo: Nova 
Cultural, 1999.
REALE, Giovanni. História da Filosofia moderna, v. 1. São Paulo: Paulus, 2007.
SANTOS, Antônio Raimundo dos; CORDI, Cassiano et al. Para filosofar. São Paulo: Scipione, 2000.
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exterior. Como exemplo, podemos 
citar expressões como “azul”, “frio”, 
que traduzem ideias de sensações. 
E, por outro lado, palavras como 
“duvidar”, “pensar” constituem ideias 
de refl exão. A essas duas catego-
rias, Locke intitula “ideias simples”. 
Simples porque elas só acontecem a 
partir de experiências bem concretas. 
Essas experiências concretas, por sua 
vez, fornecem ideias simples de três 
formas: sensação, refl exão e ambas 
simultaneamente. Para a primei-
ra, citamos como exemplo: sólido, 
amargo, movimento; na segunda, 
podemos citar a atenção, a memó-
ria, a vontade; e, por fi m, em rela-
ção às duas juntas, seriam as ideias 
de existência, duração, número. Para 
saber se as ideias simples equiva-
lem a imagens das coisas exteriores 
ao sujeito que as percebe, Locke as 
separa em dois grupos: o primei-
ro é formado por ideias “enquanto 
percepções em nosso espírito”; o 
segundo, “enquanto modifi cações da 
matéria nos corpos causadores de tais 
percepções”. Essa última traduz os 
efeitos de poderes capazes de afetar 
os sentidos humanos (Monteiro, 
1999, p. 13). Chaui (2012) entende 
que uma percepção é a reunião de 
muitas sensações, ou seja, percebe-
mos um único objeto por meio de 
várias sensações. Quando percebe-se 
uma rosa, ela é o resultado da reunião 
de várias sensações diferentes num só 
objeto de percepção. Essas percep-
ções associam-se por três motivos: 
semelhança, proximidade ou suces-
são temporal. Ao se repetirem essas 
sensações, seja por semelhança, no 
mesmo espaço de tempo ou próximas 
umas das outras, criamos o hábito 
de associá-las e essas associações são 
denominadas pelos empiristas como 
ideias. Essas ideias trazidas pela 
experiência são levadas à memória, 
onde a razão as utiliza para formar os 
pensamentos (p. 86). 
Ainda assim, para Hessen (2000), 
mesmo que todo conteúdo do conhe-
cimento proceda da experiência, o seu 
valor lógico não se limita à experiên-
cia, pois existem verdades que inde-
pendem da experiência e são univer-
podem, sim, enganar e afastar os seres 
humanos da verdade. A razão seria 
a única forma verdadeira da qual se 
deve partir para alcançar o conheci-
mento. O inatismo traduz a profunda 
confi ança que ele tem na razão. Essa 
fonte de todo o conhecimento segu-
ro e verdadeiro, faculdade univer-
salmente partilhada, deixa claro que 
é somente a razão ou o bom senso 
que podem distinguir o homem dos 
outros animais.
salmente válidas. Como no caso da 
Matemática, cujo fundamento reside 
no pensamento (p. 71). Compreende-
mos que o pensamento de Descartes 
permanece vivo nos dias de hoje, a 
refl exão sobre as suas ideias expressa 
a certeza da própria existência e que 
todo o verdadeiro saber se distingue 
pelas notas da necessidade lógica e 
da validade universal, pois o mundo 
da experiência mantém-se em contí-
nua mudança, por isso os sentidos 
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ÓDIO AO 
OUTRO: 
DISTORÇÕES 
DA 
REALIDADE
André Stuchi 
de Almeida
é professor, graduado 
em Ciências sociais, 
especialista nos temas 
de Globalização 
e Cultura pela 
Fundação Escola 
de Sociologia e 
Política de São Paulo 
(FESPSP), e Conflitos 
Internacionais e 
Globalização pela 
EPPEN- Unifesp.
Victor Santana de 
Araújo é graduando 
em Sociologia 
e Política pela 
Fundação Escola de 
Sociologia e Política 
de São Paulo (FESPSP).
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 O que acontece 
no Brasil de hoje é 
resultado de décadas 
de questões não 
resolvidas em toda 
a nossa história
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Vive-se hoje um dos momen-tos de maior turbulência social e política em toda a 
história. As eleições de 2018 não 
deram ao país um oxigênio em 
meio a tantas crises institucionais e 
econômicas. Ao contrário disso, os 
ânimos se acirraram ainda mais e a 
intolerância permeia toda a socie-
dade. Tudo isso se deve ao fato de 
um fenômeno estar muito atuante 
na nossa sociedade: o bolsonarismo. 
Muito se atrela tal fenôme-
no a questões conjunturais mais 
recentes. No entanto, o que acon-
tece no Brasil hoje é resultado 
de décadas e até séculos de ques-
tões não resolvidas em toda a 
nossa história. Walter Benjamin 
já dizia: “O espanto em constatar 
que os acontecimentos que vive-
mos ‘ainda’ sejam possíveis no 
século XX não é nenhum espanto 
f ilosóf ico”.1 Pode-se compreender 
o bolsonarismo como um momento 
hiperautoritário do neoliberalis-
mo, como af irma Christian Laval:
O neoliberalismo suscitou 
rancor social, frustrações, ressen-
timentos, paixões… paixões desi-
gualitárias, mas também paixão 
pela democracia e pela igualda-
de. Ele é um terreno de conf litos. 
Houve fases no neoliberalismo. 
Houve fases de lutas intensas: a 
ascensão do altermundialismo, 
os movimentos de rua no mundo 
inteiro… Mas, hoje, estamos 
1 BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e 
política. Ensaios sobre literatura e história 
da cultura. Prefácio de Jeanne Marie Gagne-
bin. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 222-232. 
(Obras escolhidas, v. 1.)
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visivelmente em outra fase, que eu 
chamaria de momento hiperauto-
ritário do neoliberalismo.2
Embora cada momento histó-
rico tenha a sua peculiaridade e 
as suas particularidades, o fator 
mais comum da ascensão do auto-
ritarismo é justamente o rancor 
social, frustrações, ressentimentos 
e paixões – como af irma Laval – 
de uma sociedade que vê todo o 
2 LAVAL, Christian. Bolsonaro e o momen-
to hiperautoritário do neoliberalismo. Dis-
ponível em: https://blogdaboitempo.com.
br/2018/10/29/o-momento-hiperautoritario-
-do-neoliberalismo/
suas pautas, o que acaba acirrando 
ainda mais os conf litos entre esses 
grupos. 
Para se ter alguns exemplos 
mais práticos do que está sendo 
dito, nos últimos anos têm cres-
cido fortemente nos carnavais as 
campanhas do “Não é Não” como 
uma forma de combater os assé-
dios e estupros cometidos contra 
mulheres durante esse período do 
ano. Também aumenta o escla-
recimento das pessoas negras ao 
ocuparem espaços que são ocupa-
dos majoritariamente por pessoas 
brancas e, independentemente de 
seus interesses no campo da econo-
mia política, possuem a noção (em 
maior ou menor grau) de que o 
racismo (como sistema) precisa ser 
combatido. E, por último, deve-
-se notar a liberdade que pessoas 
LGBTs têm ao expressar mais os 
seus afetos publicamente.
Tudo isso gera uma espécie de 
frustração de uma outra parte da 
sociedade. Um setor que não aceita 
que essas mudanças acontecem e 
devem acontecer para o desenvol-
vimento humano. 
O fenômeno bolsonarista não 
se explica isoladamente, mas é 
resultado de uma nova onda que 
se alastra no mundo todo desde 
o ano de 2016, com a eleição de 
Donald Trump. No entanto, há 
espaço suf iciente para fazer análi-
ses partindo da própria conjuntura 
brasileira.
A direita brasileira antes fora 
liderada pelo PSDB, que visava 
um aprofundamento das políticas 
iniciadas por Fernando Henrique 
Cardoso na privatização de esta-
tais, maior autonomia do merca-
do e redução da participação do 
Estado na economia. Contudo, a 
própria direita, na sua totalida-
de, necessitava radicalizar o seu 
discurso e as suas ideias, como 
af irma Luis Felipe Miguel:
O que existe hoje é a conf luên-
cia de grupos diversos, cuja união 
é sobretudo pragmática e motiva-
da pela percepção de um inimigo IMA
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EMBORA CADA MOMENTO HISTÓRICO
TENHA A SUA PECULIARIDADE E AS 
SUAS PARTICULARIDADES, O FATOR 
MAIS COMUM DA ASCENSÃO DO 
AUTORITARISMO É JUSTAMENTE O RANCOR 
SOCIAL, EM SUCESSIVAS CRISES DO CAPITAL
seu modo de vida ameaçado pelas 
sucessivas crises do capital, pela 
violência e pelo desemprego.
Ao mesmo tempo em que gera 
todos esses sentimentos, no lado 
oposto obteve-se também forte 
atuação, como os movimentos 
coletivos que visam igualdade e 
f im das opressões a determina-
dos grupos (mulheres, negros, 
LGBTs).
A partir do momento em que 
determinados grupos se levan-
tam contra séculos de violência, 
geram-se em outra parte da socie-
dade medos, frustrações e, prin-
cipalmente, equívocos quanto às 
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comum. Os setores mais extrema-
dos incluem três vertentes prin-
cipais, que são o libertarianismo, 
o fundamentalismo religioso e a 
reciclagem do anticomunismo.3
O autor ressalta a união de 
diferentes grupos que, indepen-
dentemente de suas diferenças no 
âmbito moral, têm algo em comum 
que os une, que em suma se trata 
da eliminação por completo de seu 
inimigo comum: as esquerdas. 
Vale também ressaltar o fato 
de que Bolsonaro não estava em 
primeiro plano para as elites. 
Embora suas ideias estejam alinha-
das com os maiores e mais inf luen-
tes empresários do país, as classes 
dominantes precisavam de alguém 
com um discurso mais moderado, 
e o homem do mercado era Geral-
do Alckmin; isso até chegar ao 
ponto em que se teve certeza de 
que o candidato não ganharia as 
eleições.
O modus operandi pratica-
do pelos grupos ultraliberais, no 
entanto, é pensado desde a déca-
da de 1980, e só agora, décadas 
depois, conseguiram de vez colo-
car em prática.
No ano de 1983, frações da 
burguesia do Rio de Janeiro, 
juntamente com intelectuais da 
Fundação Getulio Vargas, forma-
dos a partir das ideias da Escola 
Monetarista de Chicago e inspi-
rados pelo Institute of Economic 
Affairs (IEA), fundaram o Insti-
tuto Liberal (IL), com o objetivo 
de criar métodos de difusãodo 
pensamento liberal no Brasil.4
Nesse mesmo contexto, criou-
-se, no ano de 1984, o Instituto 
de Estudos Empresariais (IEE), 
que tinha como propósito a divul-
gação do pensamento conservador 
3 MIGUEL, L. F. A reemergência da direita 
brasileira. In: SOLANO, Esther (Org.). O 
ódio como política. São Paulo: Boitempo, 2018.
4 CASIMIRO, Flavio Henrique Calheiros. 
As classes dominantes e a nova direita no 
Brasil contemporâneo. In: SOLANO, Esther 
(Org.). O ódio como política. São Paulo: Boi-
tempo, 2018.
no eixo Sudeste-Sul. Instituição 
essa que foi responsável por criar 
o Fórum da Liberdade, um dos 
eventos de maior importância da 
direita brasileira.5
5 Idem.
Dentre as muitas organizações 
dos grupos conservadores, vale citar 
também o Instituto Millenium, 
que possui forte inf luência pelos 
nomes que colaboram com suas 
atuações, como o apresentador e 
jornalista Pedro Bial, o colunista 
Rodrigo Constantino, o editor do 
jornal Estado de S. Paulo Antônio 
Carlos Pereira, o diretor da Rede 
Globo Luiz Eduardo Vasconcellos 
e o próprio João Roberto Marinho; 
e por último o Grupo de Líderes 
Empresariais (Lide), fundado pelo 
atual governador João Doria. Um 
grupo muito seletivo de empresá-
rios brasileiros, que buscam diver-
sas formas de atuação política em 
benefício de seus negócios.6
Todas essas instituições atua-
ram em conjunto para difundir no 
Brasil o pensamento liberal, e, de 
acordo com os próprios, da livre 
iniciativa e menor dependência do 
Estado.
Por f im, é importante analisar 
o desprezo que a sociedade passou 
a ter pelas instituições políti-
cas tradicionais, por outras que 
apenas aparentam ser algo novo, 
enquanto carrega consigo todas as 
características da velha política. A 
6 Idem.
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É IMPORTANTE 
ANALISAR O 
DESPREZO QUE 
A SOCIEDADE 
PASSOU A TER 
PELAS INSTITUIÇÕES 
POLÍTICAS
TRADICIONAIS, 
POR OUTRAS QUE 
APENAS APARENTAM 
SER ALGO NOVO, 
ENQUANTO
CARREGA CONSIGO 
TODAS AS 
CARACTERÍSTICAS
DA VELHA POLÍTICA
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começar pela eleição em primeiro 
turno de João Doria para a prefei-
tura de São Paulo.
O que se percebe é que o discur-
so antipolítico já estava sendo 
alimentado, e com o passar dos 
anos foi se fortalecendo. Fizeram 
o que Safatle chama de “mobili-
zar o medo”: em meio a uma crise 
econômica e política institucional, 
travestindo-se de uma corren-
te popular, aos poucos ganharam 
terreno. 
Alguns fatores de ordem 
estrutural contribuíram para que 
a extrema-direita se tornasse a 
principal alternativa. Isso envol-
ve desde a sua forte capacidade 
de articulação com programas de 
proteção à economia, aumento de 
competição, Estado mínimo, polí-
ticas neoliberais, tudo isso atrela-
do a um forte anseio de preserva-
ção de seus valores.
A verdade é que, ao longo dos 
anos, o governo do PT possibilitou 
o surgimento de uma “nova clas-
se média brasileira”, que, segundo 
Rudá Ricci (2013), passa a desfru-
tar de aumento de salários, aumen-
to do poder de compra, acesso a 
lugares antes impensáveis e assim 
por diante. 
Nesse período, o f ilho da 
empregada/o passa a frequentar a 
universidade, o empregado/a passa 
a viajar de avião na mesma clas-
se que o patrão. Tudo isso gera 
desconforto para uma classe acos-
tumada com a distinção e, nesse 
arcabouço, tentara de todas as 
formas recuperar o seu prestígio, 
se é que tem algum. 
A crise que se inicia em 2008 
muda esse quadro de ascensão 
drasticamente. A partir dela a 
“nova classe média” aos poucos vai 
perdendo seu poder de compra e 
um quadro de insatisfação começa 
a se formar.
A princípio, a nova matriz gera 
resultados. Para dar um exemplo 
prático, em 2011 o PIB teve um 
crescimento de 3,9%, entretanto, 
com o passar dos anos, o cresci-
mento foi se reduzindo até chegar 
em 0,1% no ano de 2014.
Em meio à crise econômica que 
começa a se instalar, vemos grada-
tivamente o surgimento de uma 
nova onda, que cria corpo a partir 
de junho de 2013. Nos referimos 
ao surgimento do discurso anti-
político que surfa em meio à crise 
institucional, ganhando fôlego em 
meio à população. Para se ter uma 
ideia, conforme Almeida (2016), 
entre os anos de 2009 e 2015 o 
Ibope realizou várias pesquisas a 
respeito da “conf iança nas insti-
tuições”. Nelas, pôde-se constatar 
o quanto as instituições políti-
cas estavam desacreditadas, e em 
todas essas pesquisas os partidos 
políticos ocupavam a última posi-
ção, com índice de 30% de acei-
tação caindo no último ano para 
17%, ou seja, quase a metade.
A conf iança nas instituições 
não está relacionada apenas à polí-
tica, mas a todos os setores rela-
cionados ao Estado brasileiro, e 
dentre eles o mais nítido é o da 
segurança pública.
A falta de conf iança nas insti-
tuições traz o sentimento de inse-
gurança a milhões de pessoas por 
todo o país, fazendo com que estas 
desejem alternativas radicais para 
combater a violência, como por 
A PARTIR DE 2008, 
A “NOVA CLASSE 
MÉDIA” AOS 
POUCOS VAI 
PERDENDO SEU 
PODER DE COMPRA 
E UM QUADRO 
DE INSATISFAÇÃO 
COMEÇA
A SE FORMAR
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CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • ciência&vida • 49
CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE 
CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS 
CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE 
& EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO •
CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS 
exemplo a ânsia pelo aumento da 
letalidade policial e principalmen-
te a revogação da lei do desarma-
mento. Tudo isso nos leva a uma 
análise sobre as distorções que o 
bolsonarismo causa na visão polí-
tica dos cidadãos. Que distorções 
são essas?
Ao longo dos anos, criou-se 
no Brasil uma falsa dicotomia 
da realidade, o ódio ao outro, o 
“nós contra eles”, o “bem x mal”, 
que dif iculta qualquer tentativa 
de consenso entre os que pensam 
diferente.
Para isso, alguns temas 
mostram como o bolsonarismo 
distorceu a visão daqueles que o 
defendem e se engajam na polí-
tica, questões polêmicas como 
violência, aborto, racismo etc. são 
discutidas nos convívios sociais 
de maneira muito rasa, tomando 
sempre como princípio as experi-
ências pessoais para refutar o queas pesquisas dizem.
No que tange à violência, 
criou-se no Brasil a pecha de que 
aqueles que defendem os direitos 
humanos, que são contra a amplia-
ção do porte de armas, que ques-
tionam ações policiais, são defen-
sores de bandidos. A princípio, 
parece apenas uma frase de efeito, 
mas, ouvindo pessoalmente quem 
acredita e difunde esses discur-
sos, existe uma crença de que a 
realidade é exatamente essa, de 
o f ilósofo Slavoj Zizek, não exis-
te apenas a violência midiatizada 
(aquela em que os meios de comu-
nicação narram de maneira super-
f icial), mas diversas formas de 
violência e opressão que sufocam o 
tecido social. 
O Estado tem por obrigação 
o controle da violência, sempre 
da maneira mais pacíf ica possí-
vel, e os direitos humanos têm por 
função o controle sobre as ações do 
Estado para que não haja exceções.
Como dizia Bertolt Brecht, 
“que tempos são esses em que 
temos que defender o óbvio?”. Este 
texto seria, em outro contexto, 
uma amostra de obviedades sem 
nada a acrescentar. Pois bem, vive-
mos num tempo em que o óbvio 
parece ser uma novidade para o 
fenômeno bolsonarista. 
A partir do momento em que o 
Estado legaliza o armamento, ele 
assinará a sua própria incapacida-
de de controlar a violência, trans-
ferindo para seus cidadãos a defesa 
destreinada, podendo gerar efeitos 
colaterais irreversíveis.
Ainda na questão da violência, 
devemos lembrar que o serviço de 
segurança é público, e como tal 
deve estar passível de questiona-
mento por parte de seus cidadãos. 
Portanto, a questão da crimina-
lidade e do porte de armas é um 
dos fatores que evidenciam a visão 
distorcida da realidade.
NO QUE TANGE 
À VIOLÊNCIA,
CRIOU-SE NO 
BRASIL A PECHA 
DE QUE AQUELES 
QUE DEFENDEM 
OS DIREITOS 
HUMANOS, QUE 
SÃO CONTRA A 
AMPLIAÇÃO
DO PORTE DE 
ARMAS, QUE 
QUESTIONAM
AÇÕES POLICIAIS, 
SÃO DEFENSORES
DE BANDIDOS
que o Brasil possui dois lados: os 
que defendem e os que condenam 
bandidos.
Como dito em artigos anterio-
res, a violência não é uma questão 
moral e de escolhas de cada indi-
víduo, mas sim um sintoma de 
que a sociedade passa por proble-
mas estruturais que resultam no 
aumento do índice da criminali-
dade. Além disso, como explica IMA
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50 • ciência&vida • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO
CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE 
CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS 
CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE 
& EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO •
CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS & EDUCAÇÃO • CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS 
BENJAMIN, W. Obras escolhidas. Vol. 1. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e 
história da cultura , p. 222-232. São Paulo: Brasiliense, 1987.
LAVAL, Christian. Bolsonaro e o momento hiperautoritário do neoliberalismo. Disponível em: 
https://blogdaboitempo.com.br/2018/10/29/o-momento-hiperautoritario-do-neoliberalismo/
SOLANO, Esther (Org.). O ódio como política. São Paulo: Boitempo, 2018.
SOUZA, Jessé. A classe média no espelho. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2018.
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Há um segundo fator que 
evidencia a visão distorcida da 
realidade causada pelo bolsonaris-
mo: o aborto.
Existe uma confusão genera-
lizada em torno desse assunto. 
Enquanto um lado defende o direi-
to reprodutivo da mulher, de tratar 
o tema como um caso de saúde 
pública, o outro se pauta por ques-
tões morais e religiosas sem obter 
nenhuma evidência científ ica.
Os que possuem uma visão 
simplif icada sobre o assunto acre-
ditam que uma pessoa que defende 
esse direito está defendendo o ato 
do aborto. Mas a realidade mostra 
justamente o contrário.
De acordo com o mapa do 
Center for Reproductive Rights,
o Brasil é um dos poucos países 
a manter a legislação proibitiva 
sobre o aborto7:
Nos países mais desenvolvidos, 
não há restrições ao aborto, e isso 
interfere diretamente no número 
de abortos feitos em cada um deles. 
7 RUIC, Gabriela. Como o aborto é tratado 
pelo mundo. Revista Exame. Disponível em: 
https://exame.abril.com.br/mundo/como-o-
-aborto-e-tratado-pelo-mundo/
No mapa da segregação racial, 
há um levantamento feito por 
pesquisadores em todo o Brasil 
sobre como a população está distri-
buída pelo território, e os resulta-
dos são impressionantes.
Nas capitais e regiões metro-
politanas, há uma segregação do 
espaço urbano que se evidencia 
na cor dos cidadãos. Nas regi-
ões periféricas, mais afastadas e 
com menos recursos e serviços, é 
onde se concentra a maior parte 
de pessoas da cor preta ou parda, 
enquanto nas regiões mais centrais 
e desenvolvidas o número de 
pessoas da cor branca predomina.9
Isso resulta diretamente em 
outras questões como oportu-
nidades, crescimento prof issio-
nal, acesso a bens e riquezas. Nas 
universidades, a maioria dos alunos 
é branca, enquanto nos presídios a 
maioria é negra. A taxa de homicí-
dios de pessoas negras é mais que o 
dobro da de pessoas brancas.
Recentemente, o presidente 
Jair Bolsonaro disse em entrevista 
que o racismo é algo muito raro no 
Brasil, já superado. Como falado 
acima, contribui muito com a ideia 
de que racismo se resume a convi-
ver ou não com pessoas negras.
O bolsonarismo nasceu do medo, 
da desesperança e do desespero 
de uma população frustrada com 
a política nacional. Ele cristali-
zou a fase antipolítica do mundo 
e inaugurou no Brasil uma era em 
que as frases de efeito, o punitivis-
mo e a intolerância estão acima de 
qualquer tentativa para promover 
maior bem-estar dos cidadãos. 
9 O que o mapa racial do Brasil revela sobre 
a segregação. Disponível em: https://www.
nexojornal.com.br/especial/2015/12/16/O-
-que-o-mapa-rac ia l -do-Bras i l - re ve la-
-sobre-a-segrega%C3%A7%C3%A3o-no-
-pa%C3%ADs
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De acordo com reportagem do 
Estadão, os países que mantêm uma 
legislação mais legalista a respeito 
do aborto são os que possuem as 
taxas mais baixas.8 Isso porque, 
acima das questões morais, estão 
a saúde pública e o bem-estar de 
toda uma população.
Outro fator que mostra a super-
f icialidade do bolsonarismo sobre a 
realidade é a questão do racismo.
No Brasil, entende-se equivo-
cadamente por racismo o fato de 
não gostar de pessoas de outras 
raças, quando na verdade se mostra 
que é algo mais sistemático do que 
subjetivo.
8 CHADE, Jamil. Países que liberaram o 
aborto têm taxas mais baixas de casos que 
aqueles que o proíbem. Disponível em: 
https ://saude.estadao.com.br/not ic ias/
geral,paises-que-liberaram-aborto-tem-ta-
xas-mais-baixas-de-casos-que-aqueles-que-
-o-proibem,10000050484
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FILOSOFIA, LITERATURA E ESTÉTICA
Um mundo sem poesia seria 
pior do que um céu desestre-
lado. Mar sem ondas. Floresta 
subtraída de vozes. Abismos sem 
ecos. Sinos aberrantes. Aves sem 
asas. Deserto descolorido. Ven-
tos lentos sem alvo. Paisagens 
acorrentadas sem o sopro da li-
berdade. Porque a poesia nos 
faz, ao menos, pensar que a alma 
existe (por lembrar de Marguerite 
Yourcenar-Jeanne de Vietingho-
ff). O universo poético, em todos 
os sentidos, sintetiza ondulações 
que movimentam não somente o 
concreto.Mas que movimentam 
A escritora portuguesa já 
publicou diversos livros. Con-
tos, ensaios e poesias. Todos os 
“gêneros” atravessados por um 
alto grau de poeticidade que, na 
verdade, é a marca das literatu-
ras que se pretendem (e devem) 
ser universais. Ou seja, um escri-
tor não pode e jamais deve falar 
por si. Poucos (que infelicidade!) 
conseguem entender que a ver-
dadeira voz de um escritor deve, 
antes de qualquer coisa, despir-
-se de sua própria voz. Despojar-
-se. Desnudar-se. Sair de si. Nada 
pior do que a voz pessoal que gri-
ta por ela mesma. Literatura não 
é relatar suas próprias memórias 
ou pequenos acontecimentos de 
infância ou familiares. Que fique 
bem entendido: literatura fala por 
alguém, como no seguinte poema 
de Eugénia: “C’est quoi la poésie?/ 
A poesia não é coisa das páginas 
dos livros–/ não se faz na tipogra-
fia./ ”Ainda que seja nas páginas 
dos livros que/ se fixa depois da 
tipografia lhe dar um corpo de 
papel/ é sempre de amor que se 
Sete degraus 
sempre a descer
Autora: Eugénia
de Vasconcellos
Editora: 
Guerra & Paz
O UNIVERSO POÉTICO,
EM TODOS OS SENTIDOS, 
SINTETIZA ONDULAÇÕES QUE 
MOVIMENTAM NÃO SOMENTE 
O CONCRETO, MAS A NOSSA 
INTERIORIDADE. ABSTRAÇÕES 
QUE NADA GARANTEM NOSSAS 
PRETENSAS CERTEZAS
Eugénia de 
Vasconcellos: 
sete degraus 
sempre a descer
nossa interioridade. Movimen-
tam abstrações que em nada ga-
rantem nossas pretensas certezas 
(nada piores do que elas, diga-se 
de passagem). 
Sete degraus sempre a descer, 
da escritora portuguesa Eugénia 
de Vasconcellos, Editora Guerra 
& Paz, Lisboa, é um livro que 
nos faz parar, queiramos ou não, 
para repensar não somente as 
armadilhas do amor. Mas, tam-
bém, as ardilosas teias (quase 
invisíveis) que a vida , incondi-
cionalmente, nos impõe e cuja 
reposição é sempre pontual.
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52 • ciência&vida
PARA REFLETIR
Ana Maria Haddad Baptista 
(A. M. H. B.) é mestra e doutora 
em Comunicação e Semiótica. 
Pós-doutora em História 
da Ciência. Pesquisadora e 
professora da Universidade 
Nove de Julho. Escreve sobre 
Literatura nestas páginas.
faz um corpo,/ é por amor que 
um corpo se dá./ A poesia é da 
vida. É de quem tem./ A dor é de 
quem tem. O amor é de quem?/ 
A alegria? De quem tem./ Ao fim, 
depois do tempo, depois de mim, 
é de quem lê”. Aqui infere-se, 
quase que facilmente, que a poe-
tisa fala pelo próprio conceito de 
poesia. A eterna ânsia do escritor 
que realmente pensa a linguagem 
e que busca (não sem dor e de-
sespero) em sua mediação. (Que 
tanto nos atravessa, que nos dá 
voz, corpo e alma.) Impossível 
diante do fragmento, exposto an-
teriormente do poema, esquecer-
mos Deleuze. Ou seja: existe uma 
grande diferença entre escritores 
que possuem intenções literárias e 
aqueles que realmente fazem lite-
ratura. (A desgraça propriamente 
da literatura é ser “construída”, 
em grande parte, por intenções 
literárias...”verdadeiros barqui-
nhos de papel que se afogam na 
primeira poça de águas não crista-
linas...) Mas para se fazer poesia, 
como diz a poetisa portuguesa, é 
preciso nascer para isso. Poesia 
não se adquire como uma simples 
caixa de fósforos (por mais que 
estes possam, de certa maneira, 
iluminar). É preciso tê-la em alma, 
como no seguinte fragmento: “Sin-
to. Penso. Sei:/ o Amor, porque 
não tem um princípio,/ não tem 
um fim. – / E é de sua condição 
iniciar-se na dor,/ e vencê-la/ sem 
que a chama se apague./ O outro 
nome de um coração é liberdade/ 
e só por isso nos deixamos pren-
der./ O outro nome do Amor é tu/ 
e só por isso nos deixamos matar./ 
Há outra eternidade?”. 
No fragmento em questão Eu-
génia expõe a si mesma, sem jul-
gamentos (e portanto joga para 
os leitores afogados... em busca 
da liberdade esquecida) as linhas 
complexas que brotam (como 
água a espirrar de nascentes) do 
próprio conceito de amor. Como 
definir um conceito que carre-
ga a multiplicidade de vertentes? 
Pode parecer ingênuo, mas não 
é: “O Amor é um canto/ de riso e 
de lágrimas,/ um canto concreto e 
fremente,/ uma existência./”Uma 
oração./ A pequenina chama sem-
pre acesa que/ serve à adoração.” 
Como não ouvir, neste momento, 
ecos e ressoares de Camões, Dan-
te e Fernando Pessoa? Como? E o 
canto das sereias evitado, ardua-
mente, por Ulisses? Mas não sem 
o pessimismo (ou realismo?) de 
Milan Kundera. Todo amor está, 
em princípio, condenado ao pre-
cipício. De amar e sofrer ninguém 
se desabitua nos lembra Guima-
rães Rosa. Condenação humana 
irrevogável. Multiplicidades en-
volvem o conceito de amor. Pos-
se. Ciúmes, sem concessões, do 
passado, presente, futuro (impos-
sível esquecer Goethe em todas 
as esferas).
O amor navega, sutilmente, 
pelos oceanos (não existem ânco-
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ras) profundos da ausência. Eis o 
grande ardil. Ardente, insaciável. 
Quase impalpável. Alerta-nos o 
poeta (Marco Lucchesi), que pos-
sui uma incrível intimidade com 
as estrelas, assim como transita 
facilmente por Babel, o quan-
to amantes não percebem o que 
realmente buscam. As saudades 
insinuam-se (impiedosamente) 
quando separados. No entanto, 
quando os amantes estão juntos 
há uma incompletude. Há uma 
dimensão misteriosa que escapa. 
E isso remete, novamente, à com-
plexa questão da ausência. Im-
possível não pensar que amamos 
mais quando separados de nossos 
amores. Quaisquer que sejam as 
dimensões plurais que envolvem 
ou dissolvem os amores. Amamos 
a ausência (por isso mesmo a li-
teratura nos convoca muito mais 
em termos de introspecção). A 
literatura trabalha com o ausen-
te. O que instiga e castiga nossas 
possíveis reflexões. 
Sete degraus sempre a descer é 
um convite sedutor (e, portanto, 
perigoso) que nos leva ao con-
fronto, sempre abismal, com nos-
sa liberdade (sempre um proces-
so a ser construído). Mas apenas 
a um primeiro patamar. (Adverte 
Lucchesi: “Sete Degraus sempre a 
Descer é um livro de alta poesia. 
Alta porque marcada pelo des-
censo, ensaio de ousadia, pacto 
de sangue dos happy few. A via-
gem de Alceste e Orfeu pertinaz, 
solitária, ao longo de uma incon-
tornável cerimónia de adeus.”]) 
A nossa indefinível interioridade 
não para de nos escavar, arrastar, 
(para não esquecer de Bergson), 
da busca desesperada de nos cin-
dir. Um caminho quase provável 
se não fôssemos incondicional-
mente mediados pela linguagem. 
Por isso mesmo Eugénia ressalta 
em “Respira”:
“Não há plano.
Não há sonho.
Não há futuro.
Só há agora:
de hora a hora
até o passado se desfaz.
Não vais morrer:
respira.” 
Poesia? A eterna busca pela 
expressão íntima do ser. Das vo-
zes silenciadas. Subtraídas. Petri-
ficadas pelos infames envolvimen-
tos do tédio que permeiam toda e 
qualquer existência, além de seus 
tentáculos sociais. Culturais. His-
tóricos. A voz poética se sobrepõe, 
quando plena de autenticidade, a 
outras vozes tentadoras que sur-
gem das âncoras, das algemas, das 
DIVERSOS TONS 
INSINUAM-SE 
AO LONGO
DE SUA POESIA, 
NOS HIATOS 
E SILÊNCIOS
DE QUEM 
POSSUI A 
CONSCIÊNCIA
DE QUE EXISTIR 
NÃO É UM 
DESAFIO
PARA OS FRACOS
receitas de felicidades prometidas 
e de correntes espessas que laçam 
facilmente, em especial, aos que 
se fazem de surdos e mudos ao 
canto poético. Em outras palavras: 
têm medo da verdade. Mas, tam-
bém, da árvore da vida:
“e nem é que não ame, amo, 
as virtudes
naturais ou de civilização,
e as fragilidades, suas irmãs,
mas do inferno sonhar o nosso 
maior sonho,
o melhor sonho,
é uma respiração funda, clarís-
sima,
que nenhum abismo colhe,
ali quando entre camadas
de nada, nada, nada,
se chama a existência o que 
nunca foi –
e isto de crucificar a razão à 
verdade,
faz cair demónios e lança es-
trelas ao céu da manhã.” 
O grito final da poetisa: “Espe-
ra não morrer, jamais, ainda que 
as evidências dêem a mortepor 
inevitável”. Os diversos tons de tal 
afirmação insinuam-se ao longo 
de sua poesia nos hiatos e silên-
cios de quem possui a consciência 
de que existir não é um desafio 
para os fracos. Existir-se, com ple-
nitude, é reconhecer-se em so-
nhos que poderão se realizar ou 
não. Mas, ao menos, imaginados e 
plasmados sob a linguagem poéti-
ca que acaricia, atenua e ternura-
liza mesmo o impossível. IM
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54 • ciência&vida
PARA REFLETIR
ARTES VISUAIS 
AINDA PERGUNTAM 
SE NOSSOS
CELULARES IRÃO 
SE TORNAR 
SUFICIENTEMENTE
INTELIGENTES PARA 
TRANSFORMAREM-SE 
EM NOSSOS 
AMIGOS. A ARTE 
MAIS UMA VEZ 
É CHAMADA À 
RESPOSTA DISTO
Máquinas espirituais
Um dia, ligaremos para a empre-
sa que nos vendeu nosso computa-
dor pessoal e informaremos que ele 
morreu. O serviço de atendimento 
nos perguntará se queremos que o 
ressuscitem ou se queremos outro 
com nova personalidade. Bem, se 
tivermos desenvolvido uma empa-
tia muito forte com ele, pediremos 
que o ressuscitem tal como era. Se 
a relação não foi tão boa, pedire-
mos que nos mandem outro com 
personalidade diferente.
Bem, se isso era uma ficção 
científica bastante distante, pare-
ce que já não é mais tão distan-
te assim. Basta atentarmos para 
o texto que o Itaú Cultural veicu-
lou para anunciar sua exposição 
“Consciência Cibernética (?) Ho-
rizonte Quântico”. Informam no 
material promocional que as redes 
neurais artificiais (RNA) imitando o 
funcionamento dos nossos neurô-
nios já estariam em nosso cotidiano 
e que só podemos conversar com 
nosso celular porque seus progra-
mas se baseiam nessas redes RNA. 
Ainda perguntam se nossos celula-
res irão se tornar suficientemente 
inteligentes para transformarem-se 
em nossos amigos. Para enfrentar 
essas perguntas, a arte mais uma 
vez é chamada a respondê-las. Os 
artistas presentes na mostra do 
Itaú Cultural responderam com 
máquinas que interagem sem ne-
cessidade de nossa presença. Seus 
algoritmos já são suficientemente 
autônomos para nos dispensarem. 
Bem, a ficção também já tratou 
desse tema anteriormente. Nosso 
primeiro contato inesquecível com 
loca é quem guardará os guardas? 
Quem controlará os algoritmos 
inteligentes dessas máquinas que 
criam seus próprios programas 
derivados dos iniciais? Resposta 
difícil. Talvez, no futuro, nenhum 
humano esteja mais no comando. 
Máquinas serão autônomas e de-
cidirão por si. Teremos que manter 
diálogos persuasivos para conven-
cê-las. Exatamente como fazemos 
entre nós atualmente.
Vejamos, então, quem o Itaú 
Cultural convocou para tratar desse 
assunto cada dia mais incômodo, 
pois coloca em cheque nossa pri-
mazia dentro da cultura. 
Foram nove artistas: o austría-
co Thomas Fourstein, a brasileira 
Rejane Cantoni, o britânico Robin 
Baumgarten, a francesa Justine Er-
nard, os norte-americanos David 
Bowen e Lynn Hershman Lessen, 
os suíços André e Michel Décos-
terd e o turco Memo Akten. De 
maneira consistente essa mostra 
dá continuidade às propostas da 
bienal “Emoção Art.Ficial” e da ex-
posição “Consciência Cibernética” 
de 2017. O tema, portanto, não é 
fácil de ser circunscrito e está a 
merecer mostras sequenciais en-
tre nós. Tão complexo que o Itaú 
Cultural promoveu, em paralelo 
à exposição, um seminário sobre 
consciência cibernética.
Então, é difícil falar simplesmen-
te em propostas artísticas para essa 
exposição. Elas são híbridas e apre-
sentam uma fronteira imprecisa en-
tre arte e tecnologia. Não sabemos 
mais quem comanda o quê. Cloud 
piano (2014) de David Bowen, por 
uma consciência cibernética deu-
-se no clássico 2001: uma odisseia 
no espaço (Stanley Kubrick), no re-
moto ano de 1968, quando fomos 
apresentados ao computador HAL 
9000, no início muito simpático, 
mas que decide eliminar toda a tri-
pulação da nave para poder atingir 
os objetivos finais de sua missão. 
Numa chave mais amorosa, o filme 
Ela (Spike Jonze, 2013) nos conta 
uma história de amor entre o pro-
tagonista e o seu sistema opera-
cional personalizado, que possui 
comportamento psicológico fe-
minino tão requintado, capaz de 
sentimentos tão reais, que ele se 
apaixona durante essa interação. 
E, claro, será traído pelo sistema 
inteligente de voz sedutora.
Então, o tema já está entre nós 
e máquinas cada vez mais capazes 
de interação e decisão também. 
A questão novamente que se co-
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UM DIA, ESSAS MÁQUINAS IRÃO 
ADQUIRIR CONSCIÊNCIA E CAPACIDADE 
DE AUTORREFLEXÃO. ENTÃO, 
HERDARÃO A TERRA. A MENOS QUE 
FAÇAMOS UMA SIMBIOSE COM ELAS, 
QUANDO SEREMOS TODOS ANDROIDES
Walter Cezar Addeo (W. C. A.) 
é mestre em Filosofia pela 
Universidade de São Paulo (USP) 
e membro da Associação Paulista 
de Críticos de Arte (APCA), 
escritor e roteirista. Escreve 
sobre Artes Visuais nestas 
páginas. waddeo@uol.com.br
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exemplo, é uma instalação onde 
um piano responde aos movimen-
tos e formatos das nuvens no céu, 
movimentos estes captados por 
uma câmera de vídeo. As soluções 
musicais obtidas desse modo fariam 
a alegria de um John Cage, que tra-
balhou com sons aleatórios em suas 
composições. Claro que esse “pia-
no de nuvem” não se importa nem 
um pouco com a nossa presença. Já 
Justine Emard coloca em cena uma 
dança interativa entre o dançari-
no Mirai Moryama e o robô Alter, 
que usa um algoritmo baseado no 
sistema de redes neurais artificiais 
(RNA). Utilizando um sistema de 
aprendizagem rápido (Deep Lear-
ning), o robô aprende a interagir 
com o dançarino humano. Lear-
ning to see (2017) do artista turco 
Memo Akten é praticamente uma 
máquina de aprendizado vendo e 
interpretando o mundo a partir de 
dados preexistentes em sua memó-
ria, exatamente como nós humanos 
fazemos quando “entendemos” e 
“vemos” o mundo baseados em 
nossas expectativas e crenças an-
teriores. Já Quantum Garden do 
britânico Robin Baumgarten chama 
de imediato a atenção pelas ondu-
lações de LED ao criar um jardim 
quântico luminoso e hipnotizante. 
 www.portalespacodosaber.com.br • ciência&vida • 55
CONSCIÊNCIA CIBERNÉTICA (?) HORIZONTE QUÂNTICO – Itaú Cultural 
– Av. Paulista, 149, SP. Esteve aberta ao público até 10/5/2019. 
Mas essa impressão não é o propó-
sito final dessa escultura óptica. Os 
pinos que ao serem tocados criam 
os efeitos de luz estão, na verda-
de, utilizando esses movimentos 
aleatórios provocados por nós para 
alterar a matemática subjacente a 
esse dispositivo e evocar uma exi-
bição visual que ilustra o processo 
quântico denominado “Stirap”. Di-
fícil de entender? Não se preocupe, 
é difícil mesmo. Transferências de 
estados quânticos de um estado 
para outro através de estágios inter-
mediários são tão difíceis de enten-
der quanto a propriedade de não 
localidade observada no mundo 
das partículas quânticas. 
Na verdade, todos esses dis-
positivos são metáforas ainda ru-
dimentares do que Ray Kurzweil 
chamou de “máquinas espirituais” 
de onde tiramos o título desta ma-
téria. Um dia, essas máquinas irão 
adquirir consciência e capacidade 
de autorreflexão. Então, herdarão 
a Terra. A menos que façamos uma 
simbiose com elas quando seremos 
todos androides. Talvez essas futu-
ras máquinas espirituais guardem 
com elas a possibilidade de nossa 
imortalidade.
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56 • ciência&vida
PARA REFLETIR
FILOSOFIA DA MENTE E TECNOLOGIA
Chamou a atenção nas últimas 
semanas a aparição frequente na 
mídia da sueca Greta Thunberg, 
uma jovem de apenas 16 anos que 
vem liderando protestos contra o 
descaso com que os governos estão 
tratando a questão climática. Ela 
tem convocadotodos os estudantes 
do planeta para faltarem às aulas 
nas sextas-feiras e saírem nas ruas 
para protestar. 
Greta Thunberg sofre de síndro-
me de Asperger (um ligeiro autismo) 
e afirma que só fala o necessário. 
Em outras palavras, ela não está 
disposta a debater as questões en-
volvidas na mudança climática, mas 
apenas exigir que os governos sig-
natários do Acordo de Paris limitem 
as emissões de dióxido de carbono 
para impedir o aumento da tempe-
ratura global em 1,5 grau nas próxi-
mas décadas. O tempo para discu-
tir acabou. Está na hora de colocar 
em prática o que foi estabelecido, 
acordado. 
O que podemos esperar dessa 
mobilização? Se ela não se alastrar 
para países como os Estados Uni-
dos e a China, os maiores emissores 
de CO2, essa mobilização corre o 
risco de ser apenas fogo de palha. 
Há países, como a Rússia, que não 
apenas ignoram o Acordo de Paris 
como também apostam que seriam 
beneficiados com o aumento da 
temperatura do planeta. As planí-
cies siberianas seriam degeladas, 
tornando-se uma das maiores áreas 
agricultáveis do mundo. A Rússia 
aumentaria ainda mais seu poder.
Todos sabemos que a questão 
climática passa pela economia. Há 
uma grande diversidade de interes-
ses nacionais que não podem ser 
compatibilizados em torno de uma 
proposta única. Há países que pro-
duzem petróleo, outros que o con-
somem em seus automóveis e ca-
minhões ou na forma de plásticos 
que servem para fazer embrulhos 
ou peças de computadores e de 
celulares. Há países, como o nos-
so, que se tornam, cada vez mais, 
imensos pastos para gado ou imen-
sas plantações de soja, aumentan-
do o desmatamento. Mas como 
poderíamos abdicar de uma ativi-
dade econômica tão importante 
como o agronegócio? No Brasil, a 
Os jovens e o clima
NO BRASIL, A SOLUÇÃO POLÍTICA 
TEM SIDO NÃO FALAR DE MUDANÇAS 
CLIMÁTICAS, TRANSFORMANDO-AS 
EM UM PONTO CEGO NO DISCURSO
OFICIAL, DA MESMA MANEIRA QUE POR
MUITO TEMPO IGNORAMOS O RACISMO
solução política tem sido não falar 
de mudanças climáticas, transfor-
mando-as em um ponto cego no 
discurso oficial, da mesma maneira 
que por muito tempo ignoramos o 
racismo, afirmando que não havia 
preconceito racial. Só agora os 
governadores de alguns estados 
estão formalizando sua adesão ao 
Acordo de Paris. 
Tudo o que contribui para o 
aumento do aquecimento global 
contribui também para a poluição. 
Não é apenas a atmosfera que é 
poluída. Produzir plásticos e des-
cartá-los poluem a água potável e 
os oceanos. Por isso, combater o 
aquecimento global e combater a 
poluição são a mesma bandeira. 
Combatê-los efetivamente, e de 
forma transnacional, exigiria a im-
plementação de regras draconianas 
por meio de intervenções militares 
em vários países. Seria a ruptura de 
regras políticas internacionais, a im-
plementação de um eco-fascismo. 
Mas haveria outra solução? Pela pri-
meira vez, a humanidade não con-
segue resolver os problemas que 
ela mesmo criou.
Por séculos nos concedemos 
uma grande anistia sobre tudo o 
que fizemos à natureza apenas 
por decretarmos que não fazíamos 
parte dela. Nossa religião e nosso 
pensamento filosófico contribuíram 
decisivamente para nos excluir da 
história geológica do nosso planeta 
como se ela pudesse ficar imune à 
ação de 7,5 bilhões de seres huma-
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nos. Até hoje, as ciências humanas 
nos concebem como criaturas in-
dependentes de nossa constituição 
biológica, da geologia do planeta e 
também do clima. O ápice dessa 
ideia foi o século XIX, o século da 
questão social, da crença de que 
poderíamos resolver todos os nos-
sos problemas por meio da política. 
Criamos na nossa imaginação uma 
economia independente da natu-
reza e desenvolvemos a crença de 
que poderíamos, com o controle 
das relações econômicas e políti-
cas ter também o controle da his-
tória. Com isso pudemos ignorar a 
devastação da natureza que pro-
movemos por séculos. Mas agora, 
infelizmente, com nossa entrada no 
Antropoceno, com a “intrusão de 
Gaia”, a conta chegou. Temos de 
nos reinventar às pressas, redefinir 
nossa posição na natureza de modo 
a fazer parte dela e não apenas uti-
lizá-la como queremos. 
Greta Thunberg corre o risco 
de estar falando para quem não 
precisa ser convencido do que ela 
diz e, por isso, de seu discurso cair 
no vazio. O grande desafio não é 
mais convencer o público europeu 
dos problemas da mudança climáti-
ca, mas levar esse discurso para os 
países em desenvolvimento, cujas 
perspectivas são diferentes e, por 
vezes, irreconciliáveis com a pre-
servação da natureza. Isso sem falar 
dos negacionistas como Trump, que 
assegura aos cidadãos americanos a 
possibilidade de manter seus altos 
níveis de consumo sem culpa.
A reivindicação das gerações 
mais jovens é justa, louvável e legí-
tima. Ninguém merece herdar um 
planeta que parecerá um depósito 
de entulho. No entanto, enquanto 
esses protestos não se traduzirem 
em perdas financeiras eles serão 
tão louváveis quanto inócuos. E não 
custará nada a políticos como An-
gela Merkel dizer que os apoiam.
A tarefa de Greta Thunberg é 
hercúlea. Como convencer cada 
vez mais pessoas a aderirem a esse 
movimento protagonizado pelos jo-
vens? O desafio é convencer as pes-
soas a continuarem a reciclar lixo, 
poupar energia elétrica e econo-
mizar água apesar de saberem que, 
enquanto estão nas ruas protestan-
do, grandes corporações america-
nas e europeias assinam contratos 
bilionários para explorar petróleo 
no Ártico. Se ela conseguir isso será, 
merecidamente, a mais jovem ga-
nhadora de um Prêmio Nobel.
João de Fernandes Teixeira 
é paulistano, formado em 
Filosofia na USP. Viveu 
e estudou na França, na 
Inglaterra e nos Estados 
Unidos. Escreveu mais 
de uma dezena de livros 
sobre Filosofia da Mente 
e Tecnologia. Lecionou na 
Unesp, na UFSCar e na PUC-SP. 
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DOSSIÊ
Este dossiê nasce de uma urgência: o esforço para 
se pensar a democracia em um momento de erosão 
democrática. Neste sentido, não se trata apenas 
da reunião de artigos e reflexões de diferentes pensadoras 
e pensadores em torno da democracia, mas de um 
movimento colaborativo em si mesmo democrático
PENSAR E DEFENDER
A DEMOCRACIA
(PARTE 2)
DOSSIÊ
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A RELAÇÃO ENTRE FEMINISMO E DEMOCRACIA 
SE ESTABELECE À MEDIDA QUE METADE DA 
HUMANIDADE NÃO É INCLUÍDA NEM PELO 
ESCOPO TEÓRICO NEM PELA IMPLEMENTAÇÃO 
DESSA FORMA DE GOVERNO. A REDUÇÃO 
DOS FEMINISMOS ÀS PAUTAS PARTICULARISTAS 
OBSCURECE O FATO DE QUE HÁ UM 
PROFUNDO MOVIMENTO ANALÍTICO E 
POLÍTICO TANTO ENTRE AS TEÓRICAS COMO 
ENTRE OS MOVIMENTOS SOCIAIS FEMINISTAS. 
QUE RELAÇÃO, AFINAL, PODEMOS ESTABELECER 
ENTRE DEMOCRACIA E FEMINISMO?
Dedico este artigo à querida e valorosa Marielle Franco, cuja atuação política-pessoal servia de 
exemplo para uma práxis política com sororidade, fraternidade e menos sectarismos, o que em 
certa medida é parte do que falta nas democracias e nas condutas de democratas. 
Alguns acreditam que as demandas do feminismo são particularistas e exclu-
sivamente identitárias, levando ao 
comprometimento das necessidades 
e interesses gerais de todos. Femi-
nismos são, exclusivamente, teorias 
e movimentos identitários? Qual sua 
relação com as teorias e modelos de 
democracia e de justiça social? Nesta 
oportunidade procuro mostrar que 
a partir da modernidade há uma 
convergência entre democracia e 
Príscila Carvalho é 
filósofa e ecofeminista 
animalista. Dra. 
em Filosofia pela 
Universidade Federal 
do Rio de Janeiro, 
integra o Laboratório 
Antígona de Filosofia 
e Gênero (IFCS), o 
Laboratório de Ética Ambiental (LEA-UFF) 
e o núcleo de Ética Aplicada (NEA-UFRJ) e 
concentrando-se nos temas relacionados 
às teorias dajustiça, teorias da democracia, 
estudos de gênero, ecofeminismos, teorias pós-
colonialista e decolonialista. ptcarvalho1712@
gmail.com. Autora, neste dossiê, do texto 
"Democracia e feminismos para quem?".
Aline Cristina 
Oliveira do Carmo é 
docente-pesquisadora 
do Departamento de 
Filosofia e do Núcleo 
de Estudos Afro-
Brasileiros e Indígenas 
(Neabi) do Colégio 
Pedro II (CPII) e integra 
a Rede Carioca de Etnoeducadoras Negras. 
alinecarmo84@gmail.com. Autora, neste dossiê, 
do texto "Democracia e antirracismo".
Rachel Souza Martins 
é professora de 
Filosofia do CAP-
UERJ; pesquisadora do 
Laboratório de Ética 
Ambiental e Animal 
(LEA). rachel.capuerj@
gmail.com. Autora, 
neste dossiê, do texto 
"Democracia e questões ambientais".
Diogo Mochcovitch 
é doutor em Filosofia 
pela Universidade 
Federal do Rio 
de Janeiro (UFRJ). 
diogomochcovitch
@gmail.com. Autor, 
neste dossiê, do 
texto "Democracia e 
tecnologia".
DEMOCRACIA E 
FEMINISMOS PARA QUEM?
Fabio A. G. Oliveira 
é professor de 
Filosofia da 
Universidade Federal 
Fluminense (UFF), 
membro permanente 
do Programa de 
Pós-Graduação 
em Bioética, Ética 
Aplicada e Saúde Coletiva (PPGBIOS) e 
coordenador do Laboratório de Ética 
Ambiental e Animal (LEA). É organizador deste 
dossiê. fagoliveira@ id.uff.br
feminismo tão inegável que mesmo os 
que não conhecem os escopos teóri-
cos dos feminismos têm plena condi-
ção de perceber que as contribuições 
feministas são concepções democrá-
ticas. Além disso, um lampejo nas 
teorias feministas permite identifi -
car que as mesmas oferecem aportes 
concretos para projetos republica-
nos justos e soberanos de país. Para 
aquecer a refl exão que se inicia nesta 
oportunidade trago aspectos gerais de 
duas perspectivas liberais, uma delas 
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DOSSIÊ
liberal igualitária, e de perspectivas 
feministas, e elejo uma pergunta para 
guiar esta breve refl exão, a saber: no 
que resulta a noção neutra de sujeitos 
da democracia? Dito de outra forma: 
a quem se destina a cidadania na 
democracia? 
Já na Grécia Antiga de V a.C., a 
democracia nasce como um gover-
no (cracia) do povo (demos), inte-
grado por pessoas livres, iguais e 
com direito à participação. Embora 
devamos a eles essa forma de gover-
no precisamos perguntar: quem era 
o povo para os gregos? Responde-
-se: todos, excetuando as mulhe-
res, os metecos1 e os escravos. Isso 
nos permite concluir que o que se 
conceber como sujeito da demo-
cracia e como povo determinará a 
capacidade de inclusão desse gover-
no e, por que não dizer, da própria 
democraticidade. Olhando para as 
teorias e movimentos políticos na 
modernidade, encontramos teóri-
cos contratualistas cujas concep-
ções sobre a criação do Estado se 
pautam na ideia de um pacto social 
entre sujeitos livres. Em geral, sem 
maiores problematizações sobre 
os termos do contrato, no que diz 
respeito aos papéis sociais desiguais, 
concebem a liberdade como carro-
-chefe que acompanharia todas as 
teorias liberais da justiça e da demo-
cracia. Crítica ao sexismo presente 
nessas concepções, Carole Pateman 
mostra que “[...] a natureza da liber-
dade civil não pode ser entendida 
sem a metade faltante da história, 
que revela como o direito patriar-
cal dos homens sobre as mulheres é 
estabelecido por meio de contrato”2. 
As demais críticas feministas 
também se voltam predominante-
mente, porém não exclusivamente, 
aos liberais. Senão vejamos o caso 
do governo revolucionário francês 
e sua procura em ampliar a inclu-
1 Estrangeiros na pólis.
2 PATEMAN, Carole, 1993, p. 16-17.
são social e os direitos de liberda-
de. Não lhes parecia incoerente que 
mantivessem inalterada a condição 
política e existencial em que as 
mulheres se encontravam em rela-
ção aos seus “camaradas” e a todos 
os demais. Não seriam elas sujeitos 
da democracia e da justiça social 
com as quais eles se comprometiam? 
Como explicar, então, a exclusão 
das mulheres? E quanto à reação 
que negativa a crítica de Olympe 
de Gouges3 ou, em outro contexto, 
3 Cf. GOUGES, Olympe, 1791.
a de Mary Wollstonecraf4? Ambas 
revelaram o inegável caráter mascu-
linista, portanto excludente, reves-
tido de defesa da liberdade e igual-
dade. Perguntemos-nos: liberdade e 
igualdade para quem? Quem são os 
concernidos da democracia?
Voltemo-nos para a segunda 
metade do século XX. Descreven-
do a então realidade empírica da 
política como meta a ser mantida, 
teóricos da democracia agregativa, 
destacando-se John Shumpeter5, 
empobrecem ainda mais o âmbito 
dos concernidos ao afi rmarem que 
a participação popular geraria riscos 
de instabilidade política e desarmo-
nizaria os acordos entre as preferên-
cias e interesses. Pensados em termos 
de “pluralismo de valores”, tais inte-
resses por si mesmo expressariam 
e representariam a “vontade geral” 
através da escolha “cidadã” dos 
partidos e representantes durante os 
pleitos eleitorais. Fixado esse ideal 
de cidadania, o distanciamento e o 
desvínculo entre cidadãos e institui-
ções que dele resultou tornaram-se 
objeto de críticas desenvolvidas pela 
concepção deliberativa de demo-
cracia6. Na tentativa de recuperar a 
dimensão moral e engajada da cida-
4 Cf. WOLLSTONECRAFT, Mary, 2016.
5 Cf. SCHUMPETER, Joseph, 1984.
6 Cf. RAWLS, John, 2002; HABERMAS, 
Jürgen, 2003. 
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O FATO DE 
TODOS OS SUJEITOS 
SOCIAIS SEREM 
ENCARNADOS 
E OCUPAREM 
DETERMINADOS 
LUGARES NO 
STATUS QUO FAZ 
DA NEUTRALIDADE 
NÃO UM PONTO 
DE VISTA ÉTICO 
SUSTENTÁVEL, 
MAS DELIMITADOR
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brancos. E a lista poderia continuar 
afunilando-se, pois a misoginia, a 
homofobia e o racismo estão dire-
tamente associados às limitações do 
sistema e ao direito de exercício da 
cidadania, da identidade individual e 
coletiva. Ocorre algo muito simples 
de diagnosticar com alguma boa 
vontade intelectual e política. Tanto 
o sexismo como o racismo consistem 
, em linhas gerais, em uma estrutura 
de pensamento (e organização mate-
rial da sociedade) que é aceita sem 
questionamentos por todos e presen-
te na estrutura epistemológica, ética, 
política, de julgamento psicológico e 
nas orientações educacionais desde 
a infância. A neutralidade, assim 
como a universalidade, a raciona-
lidade, o controle, o equilíbrio e a 
vocação pública são atribuídos aos 
homens, ao passo que as mulheres 
são pensadas e tratadas como perten-
centes ao âmbito do particular, do 
natural, do instintivo, do desequilí-
brio, da instabilidade, da infantilida-
de, da pura emotividade e da voca-
ção para a esfera privada. Como uma 
propaganda subliminar, esconde-se 
na assimilação dessa hierarquia de 
valores estereotipados uma relação 
de poder e subalternização que se 
confi rma porque é produzida e inte-
riorizada. Se oculta, portanto, uma 
estrutura excludente que é androcên-
trica e que compromete sobremanei-
ra o alcance da democracia. 
Devido a esse diagnóstico, aqui 
resumido, todas as teóricas femi-
nistas identifi cam inicialmente na 
cultura o núcleo naturalizado das 
relações de poder androcêntricas (e 
racistas), que nada têm de democrá-
As mulheres trabalham, em média, três horas por semana a mais do que os 
homens, combinando trabalhos remunerados, afazeres domésticos e cuidados 
de pessoas. Mesmo assim, e ainda contando com um nível educacional mais 
alto, elas ganham, em média, 76,5% do rendimento dos homens [...]
Vários fatores contribuem para as diferenças entre homens e mulheres no mer-
cado de trabalho. Por exemplo, em 2016 as mulheres dedicavam, em média, 
18 horas semanais a cuidados de pessoas ou afazeres domésticos, 73% a mais 
do que os homens (10,5 horas). Essa diferença chegava a 80% no Nordeste (19 
contra 10,5). Isso explica, em parte, a proporção de mulheres ocupadas em tra-
balhos por tempo parcial, de até 30 horas semanais, ser o dobro da de homens 
(28,2% das mulheres ocupadascontra 14,1% dos homens).
“Em função da carga de afazeres e cuidados, muitas mulheres se sentem com-
pelidas a buscar ocupações que precisam de uma jornada de trabalho mais 
flexível”, explica a coordenadora de População e Indicadores Sociais do IBGE, 
Barbara Cobo, complementando que “mesmo com trabalhos em tempo par-
cial, a mulher ainda trabalha mais. Combinando-se as horas de trabalho re-
munerado com as de cuidados e afazeres, a mulher trabalha, em média, 54,4 
horas semanais contra 51,4 dos homens.”
(Fonte: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/ noticias/20234-
-mulher-estuda-mais-trabalha-mais-e-ganha-menos-do-que-o-homem. Acesso em: 8/6/2018.)
Mulher estuda mais, trabalha mais 
e ganha menos do que o homem
PARA SEYLA BENHABIB, ESTRUTURA 
FILOSÓFICA DA NEUTRALIDADE NA ÉTICA 
E NA POLÍTICA É FICTÍCIA. REPRESENTA UM 
PONTO DE VISTA ANDROCÊNTRICO EM QUE 
O MASCULINO SE REPRESENTA HEGEMÔNICO
ainda excludente, já que a neutrali-
dade8 dessas concepções de sujeito 
da democracia em lugar de alcançar 
todos não alcança ninguém. O fato 
de todos os sujeitos sociais serem 
encarnados e ocuparem determi-
nados lugares no statu quo faz da 
neutralidade não um ponto de vista 
ético sustentável, mas delimitador. 
Seu alcance se destina inevitavel-
mente àqueles que no seio da cultura 
já são pensados como neutros, quais 
sejam, os homens, especialmente os 
8 Cf. CARVALHO, Príscila, 2018.
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dania liberal, teóricos deliberativos 
– entre eles John Rawls e Jürgen 
Habermas – pensam a estabilidade e 
a soberania a partir da participação
deliberativa dos signatários da polí-
tica, considerados capazes de fazer 
acordos racionais. Com uma abor-
dagem ao mesmo tempo analítica-
-descritiva e normativa-crítica, 
Habermas7 procura se situar entre 
liberais e republicanos, defendendo 
para tanto a co-originalidade entre 
os direitos individuais fundamen-
tais (prioridade para liberais) e a 
soberania popular (prioridade para 
republicanos). Ainda assim, nessa 
concepção os sujeitos da democra-
cia são formulados a partir de uma 
perspectiva supostamente neutra, 
cuja condição de liberdade e igual-
dade é, em alguma medida, pressu-
posta. Promissora, tal concepção é 
7 Cf. HABERMAS, Jürgen, 2003.
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ticas. Analisando no que consiste e 
no que resulta a natureza suposta-
mente neutra e imparcial do público 
cívico, concebido pela democracia 
liberal, Iris Young9 mostra que são 
particulares, excludentes e que resul-
ta no tratamento das reivindicações 
de grupos oprimidos como desvian-
tes do “interesse geral” e da “impar-
cialidade”. Escrutinando a estrutura 
fi losófi ca da neutralidade na ética e 
na política, Seyla Benhabib expli-
ca igualmente que esta é particular 
e fi ctícia. Representa um ponto de 
vista androcentrico em que o mascu-
lino se representa hegemônico inclu-
sive na linguagem, como nos mostra 
a fi lósofa psicanalista Luce Irigaray10. 
As teóricas que associam econo-
mia e cultura – entre as quais está 
uma parte das feministas socialistas 
– mostram como a cultura é capaz 
de manter certo modo de produção 
e vice-versa. Compondo um escopo 
analítico bidimensional11, diferem 
9 Cf. YOUNG, Iris, 2012.
10 Cf. IRIGARAY, Luce, 1974.
11 Um modelo tridimensional pode ser visto 
em Nancy Fraser (2009).
das socialistas materialistas por não 
concordarem, dentre outras coisas, 
que isoladamente a mudança de 
sistema de produção (economia) 
transformaria a condição de subal-
ternização das mulheres, já que a 
paridade de direitos dependeria da 
associação entre mudança cultural e 
econômica12. Esse diagnóstico exige 
que a democracia para ser concebida 
como inclusiva precisa necessaria-
mente considerar a conexão entre 
economia e cultura, pois o modus 
operandi de ambas, além de causar 
uma dupla dimensão das injustiças, 
produz injustiças interseccionais por 
fazer da condição étnica-racial, de 
classe, gênero e sexualidade meios 
de exploração e opressão. 
Pensando o papel do capitalis-
mo em associação com o patriar-
cado, mas também com a colonia-
lidade do poder13, María Lugones14
formula um feminismo descolonial 
que problematiza a mentalidade 
que persiste no sistema colonial de 
gênero que marca a vida social e 
existencial dos povos latino-ameri-
canos, sobretudo das mulheres 
indígenas, ticanas, negras, latinas 
e demais colonizadas. Integrante 
de um grupo de intelectuais que 
12 IBGE (2013) e IPEA (2018) retratam o 
enorme número de disparidades entre mu-
lheres e homens.
13 Padrão de poder diagnosticado por Aníbal 
Quijano (2002) como conceitual e material, ba-
seado em dominação racial e exploração capita-
lista que a partir do século XVI, que se mantém 
como mentalidade social e epistemológica. 
14 Cf. LUGONES, María, 2014.
pensa a democracia desde uma ótica 
pluriversal, Lugones problematiza 
a condição racializada e gendrada 
imposta às mulheres das Américas. 
Pensando em três dimensões de 
injustiças, Nancy Fraser15 associa os 
prejuízos causados pela economia, 
pela cultura e pela falta de acesso à 
participação política mostrando que 
todas estão articuladas ao que ela 
chama de sistema capitalista andro-
cêntrico de Estado. Alargando o 
escopo analítico, aproximaria as 
contribuições de Fraser às de Lugo-
nes, já que para ambas o patriarca-
do e o capitalismo se associam e se 
estruturam de forma racializada e 
gendrada, reforçando a produção da 
dominação e exploração das mulhe-
res. Porém, se projetarmos a demo-
cracia para o contexto internacional 
é Lugones que nos permite pensar o 
caráter colonialista de referida asso-
ciação. Em sua esteira sustento que 
se a cultura e a economia permane-
cem sexistas, misóginas, androcên-
tricas e racializadas, não podemos 
– com honestidade intelectual, ética 
e política – falar em democracia. 
Posto isso, é, portanto, indispen-
sável para uma práxis democráti-
ca conceber sujeitos e sujeitas tais 
como compõem o mundo real, 
abandonando as “histórias de ninar 
gente grande”16 com as quais somos 
formadas(os). 
15 FRASER, Nancy, 2009.
16 Aqui minha homenagem ao samba da Man-
gueira de 2019 por se propor a falar dos sujeitos 
aviltados pelas relações de força colonialistas, ra-
cistas, sexistas e, supostamente, democráticas.
INTEGRANTE DE UM GRUPO DE 
INTELECTUAIS QUE PENSA A DEMOCRACIA 
DESDE UMA ÓTICA PLURIVERSAL, 
LUGONES PROBLEMATIZA A CONDIÇÃO 
RACIALIZADA E GENDRADA IMPOSTA 
ÀS MULHERES DAS AMÉRICAS
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Inicialmente, parece pouco provável que qualquer pessoa possa negar os vínculos entre a 
democracia e o antirracismo. Mas na 
prática poucos parecem compreender 
a importância do desenvolvimento 
de práticas antirracistas para o forta-
lecimento de regimes democráticos. 
E que práticas são essas? Afi nal, se 
todo poder pertence ao povo, e ele, 
ou melhor, nós somos diversos, nada 
mais democrático do que um regime 
que refl ita essa diversidade interna 
em suas próprias formas de atuação 
e organização. 
Assim, em se tratando a demo-
cracia de um regime de direitos, 
o antirracismo se revela como um 
pressuposto fundamental desse regi-
me, na medida em que constitui um 
elemento necessário para a garantia 
da participação igualitária de todos 
que o compõem. Ou seja, se levarmos 
em consideração a permanência do 
racismo estrutural em nossa socieda-
de, devemos nos perguntar: democra-
cia para quem? Quem são as pessoas 
que atualmente no Brasil possuem 
de fato a garantia daquele mínimo 
existencial, considerado fundamen-
tal para a dignidade humana, como 
saúde, moradia, educação, trabalho e 
acesso à justiça?
O ponto fundamental, continu-
amente repisado pelos movimentos 
sociais negros e indígenas do país, é 
que não é possível falar em democra-
cia sem enfrentarmos aspersistentes
desigualdades raciais e sociais herda-
das do colonialismo. O apontamen-
to em comum de ambos os movi-
mentos é a centralidade do papel da 
educação para a consolidação desse 
processo, denominado como desco-
lonização pela corrente dos estudos 
pós-coloniais e decoloniais. Tais 
estudos possuem como uma de suas 
principais referências o fi lósofo e 
psiquiatra martinicano Frantz Fanon 
que, através de suas obras Pele negra, 
máscaras brancas, de 1952, e Os conde-
nados da terra, de 1961, demonstrou 
a permanência de práticas coloniais 
de dominação em diversos âmbitos, 
destacando o papel da literatura e da 
educação nesse processo.
Nesse sentido, para que se efeti-
ve um regime democrático, tal como 
previsto pela Constituição Federal de 
1988 – que constitui um marco na luta 
pela redemocratização do país e ainda 
pouco estudada em nossas escolas –, 
é necessário promover a dignidade de 
todas as pessoas, através da garantia 
de determinados direitos e liberdades 
considerados fundamentais. 
Angela Davis (1969), ao discor-
rer sobre as relações entre democra-
cia e liberdade, indica a importância 
do vínculo entre liberdade de ação e 
liberdade de pensamento para o desen-
volvimento de práticas de resistência 
que visam restituir a humanidade de 
indivíduos e povos desterrados pelo 
sistema colonial. 
Neste breve artigo, preten-
do demonstrar de que forma esse 
vínculo entre liberdade de pensa-
mento e liberdade de ação se 
expressa nas práticas decoloniais 
antirracistas desenvolvidas por 
povos indígenas e africanos, do 
continente e da diáspora, ao longo 
POR ENVOLVER 
TRAUMAS 
COLETIVOS AINDA 
NÃO SUPERADOS 
DEVIDAMENTE, O 
DEBATE SOBRE A 
EDUCAÇÃO DAS 
RELAÇÕES ÉTNICO-
-RACIAIS SEGUE 
FUNDAMENTAL 
PARA O 
FORTALECIMENTO 
DE SOCIEDADES 
EFETIVAMENTE 
DEMOCRÁTICAS
DEMOCRACIA E 
ANTIRRACISMO
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racismo e preconceito seriam frutos 
da ignorância, não faltariam saberes 
sufi cientemente disseminados para 
desautorizar as práticas discrimina-
tórias de natureza racial” (p. 9). A 
questão é que, embora existam vastos 
e exaustivos trabalhos que demons-
tram os equívocos e efeitos danosos 
do racismo, além de leis de âmbi-
tos nacionais e internacionais que o 
proíbam como crime inafi ançável, 
ainda assim a prática persiste quase 
que com o mesmo vigor dos tempos 
coloniais de 1500. 
A esse respeito, especialmente no 
que tange às marcas da continuida-
de de práticas coloniais no contex-
to estadunidense, através de temas 
como, por exemplo, a seletividade 
penal e o encarceramento em massa
de determinados grupos sociais, 
os estudos da jurista e advogada 
Michelle Alexander (2012) e o fi lme 
A 13ª emenda da diretora e produto-
ra Ava Duvernay (2016) constituem 
algumas das obras fundamentais 
que contribuem para o desenvol-
vimento de práticas antirracistas, a 
fi m de que os direitos e liberdades 
fundamentais não permaneçam 
pervertidos em privilégios herda-
dos do colonialismo, em benefício 
exclusivo da supremacia branca.
No que tange ao contexto brasi-
leiro, ao discutir as relações entre 
branqueamento e branquitude no país, 
Maria Aparecida Silva Bento (2002) 
apresenta um estudo que descreve 
duas formas distintas de discrimina-
ção racial: “No campo da teoria da 
discriminação como interesse, a noção 
de privilégio é essencial. A discri-
minação racial teria como motor a 
manutenção e a conquista de privilé-
gios de um grupo sobre outro, inde-
pendentemente do fato de ser inten-
cional ou apoiada em preconceito. 
Em minha dissertação de mestrado, 
discuto essa questão que sempre me 
inquietou, que é o fato de que a discri-
minação racial pode ter origem em 
outros processos sociais e psicológi-
cos que extrapolam o preconceito. O 
desejo de manter o próprio privilégio 
branco (teoria da discriminação com 
base no interesse), combinado ou não 
com um sentimento de rejeição aos 
Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal foi provocado a se manifestar 
sobre a constitucionalidade de importantes políticas públicas concernentes 
a questões étnico-raciais. Em especial questões que afetam diretamente po-
pulações negras e indígenas do país, e a necessidade de ponderação entre 
os princípios democráticos da igualdade e liberdade fundamentais. Embora 
cada ação e julgamento tenham detalhes e peculiaridades próprios de cada 
caso, todos tiveram como elemento comum importante o reconhecimento 
por parte da Suprema Corte da importância do reconhecimento da diversi-
dade cultural brasileira para a consolidação democrática do país, através do 
desenvolvimento de políticas efetivas de garantia dos direitos fundamentais 
dos povos negros e indígenas, para além da declaração formal da “igualdade 
de todos perante a lei”. A seguir são indicados alguns endereços eletrônicos 
onde é possível encontrar mais informações sobre cada caso:
Constitucionalidade da reserva de vagas para negros e indígenas em uni-
versidades: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&do 
cID=1 3375729 . Acesso em: 9/3/19.
Constitucionalidade do processo de titulação dos territórios quilombolas: ht-
tps://terradedireitos.org.br/acervo/artigos/decreto-quilombola-e-constitucio-
nal-sem-aplicacao-do-marco-temporal-afirma-stf/22732 . Acesso em: 9/3/19.
Importantes julgamentos do 
STF sobre questões raciais
dos anos, frente às práticas colo-
niais de dominação, tendo em vista 
a consolidação de sociedades efeti-
vamente democráticas.
O PAPEL DA EDUCAÇÃO: 
CONQUISTAS E DESAFIOS
Qual o papel da educação em 
nossas vidas? Qual a relação entre 
democracia e educação? E o que as 
questões étnico-raciais têm a ver com 
educação e democracia?
Ora, a persistência do racismo 
como herança-colonial-moderna, na 
atualidade, constitui, inegavelmen-
te, um dos maiores obstáculos para 
a democracia. Isso vale não apenas 
para o Brasil, como em qualquer 
parte do mundo. 
Conforme ensina Sueli Carneiro 
(2005), a discriminação racial não 
é apenas fruto da ignorância ou do 
desconhecimento de algumas pesso-
as: “Se, como afi rma o senso comum, 
Frantz Fanon
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negros, pode gerar discriminação” 
(p. 28, grifo nosso). 
Sueli Carneiro (2005) e Achille 
Mbembe (2018) são alguns dos 
nomes centrais da intelectualidade 
negra que desenvolveram impor-
tantes estudos acerca dos vínculos 
entre o racismo e as políticas genocidas. 
Esses autores partem de um apro-
fundamento dos estudos de Michel 
Foucault sobre o biopoder e a biopo-
lítica aplicados às questões étnico-
-raciais no continente africano e 
na diáspora, enquanto políticas de 
produção de vida e morte de deter-
minados grupos, especialmente a 
partir da modernidade. Nessa pers-
pectiva, a perpetuação da supremacia 
branca se desenvolve com auxílio de 
discursos desumanizadores de povos 
africanos e originários das Améri-
dido não apenas como anulação e 
desqualifi cação do conhecimento 
dos povos subjugados, como também 
um processo persistente de produção 
de indigência cultural (2005, p. 97). 
De acordo com a fi lósofa brasileira: 
“Na sua versão mais contemporâ-
nea nas universidades brasileiras, o
epistemicídio (...) se manifesta 
também no dualismo do discurso 
militante versus discurso acadêmi-
co, através do qual o pensamento 
do ativismo negro é desqualifi cado 
como fonte de autoridade do saber 
sobre o negro, enquanto é legitimado 
o discurso do branco sobre o negro. 
(...) Os pesquisadores negros em 
geral são reduzidos também à condi-
ção de fonte e não de interlocutores 
reais no diálogo acadêmico, quando 
não são aprisionados exclusivamente 
ao tema do negro” (2006, p. 60).
Assim, a fi m de romper com 
esse ciclo de desumanização contí-
nua de pessoas negras e indígenas 
herdado do colonialismo, torna-se 
fundamental romper com privilégios 
e dialogar efetivamentecom essas 
populações, reconhecendo-as como 
sujeitos produtores de conhecimen-
to, cujos saberes devem ser igual-
mente considerados em qualquer 
processo de tomada de decisões que 
se pretenda democrático sobre temas 
que afetem suas realidades. Afi nal, 
a democracia se constitui como um 
regime de direitos para todos, e não 
de privilégios para alguns.
cas e Caribe, que, aliados ao ideal 
de branqueamento, contribuem para 
a perpetuação do racismo em nossa 
sociedade. Segundo Sueli Carnei-
ro, tais discursos se efetivam muitas 
vezes em práticas epistemicidas, isto 
é, promotoras do epistemicídio, enten-
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Angela Davis
A campeã de 2019 do desfile de escolas de samba do grupo especial do Rio de 
Janeiro, Estação Primeira de Mangueira, apontou em seu enredo para a necessária 
reescrita da história do país, ao incorporar não somente heróis negros e indígenas 
que desenvolveram importantes papéis na luta antirracista no Brasil, como tam-
bém uma nova narrativa sobre essa história, através da identificação de importantes 
personalidades da resistência indígena e negra no país, tais como Sepé Tiaraju, 
Cunhambebe, Dandara e Zumbi dos Palmares, Luisa Mahin, Aqualtune, Esperança 
Garcia, Chico da Matilde, Mariana Criola, Carolina Maria de Jesus, dentre outros. 
A reescrita da história por aqueles historicamente silenciados, frequentemente sub-
metidos a políticas de controle social e extermínio, constitui um dos elementos 
centrais da corrente dos estudos pós-coloniais e decoloniais, apresentada breve-
mente neste artigo. Tais estudos advogam a necessidade de descolonização no 
presente de práticas herdadas do colonialismo que impedem o reconhecimento 
de populações historicamente desumanizadas pelo processo colonial, a fim de que 
elas possam de fato ser consideradas parte integrante da sociedade a que perten-
cem, através de uma cidadania plena e não de segunda classe, tendo suas vozes 
efetivamente ouvidas. Apesar das polêmicas e debates necessários com relação à 
apropriação colonial-moderna-capitalista do carnaval nos dias atuais, o conteúdo e 
impacto do desfile revela, especialmente no atual contexto histórico e político em 
que vive o Brasil, a urgência e centralidade dessas questões para a efetivação da de-
mocracia no país, que jamais poderá ser considerado democrático enquanto seguir 
perpetuando práticas genocidas de suas populações tradicionais.
Epistemicídio e 
a história não contada
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66 • ciência&vida
DOSSIÊ
A DISCRIMINAÇÃO 
RACIAL TERIA
COMO MOTOR 
A MANUTENÇÃO 
E A CONQUISTA 
DE PRIVILÉGIOS 
DE UM GRUPO 
SOBRE OUTRO, 
INDEPENDENTEMENTE
DO FATO DE SER 
INTENCIONAL
OU APOIADA EM 
PRECONCEITO
TEMA NÃO SE 
PAUTA APENAS 
NO PROBLEMA 
DA ESCASSEZ 
DE RECURSOS, 
MAS NA QUALIDADE 
DO USO QUE 
FAZEMOS DELES, 
ISTO É, PARA 
QUE FINS SÃO 
UTILIZADOS NA 
LÓGICA CAPITALISTA 
Os debates ambientais que emergiram nas últimas décadas do século XX 
contribuíram fortemente para um 
alargamento das concepções políti-
cas no que tange a essa arena. Insti-
tuições internacionais e líderes de 
Estados democráticos proferiram 
acordos transnacionais visando a 
preservação do meio ambiente por 
meio da redução de suas “pegadas” 
ambientais. A defesa de um meio 
ambiente saudável que possa garan-
tir as demandas materiais das futuras 
gerações no espaço urbano constitui 
um discurso fundamental das políti-
cas sociais que se somaram às lutas 
por direitos fundamentais. 
A legislação ambiental é introdu-
zida aos poucos no cenário político 
de alguns Estados nacionais repre-
sentando o fortalecimento de pautas 
socioambientais junto à solidifi ca-
ção das democracias. No Brasil, o 
cenário político de redemocratiza-
ção contribuiu para a ascensão de 
movimentos sociais que traziam em 
suas pautas aspectos importantes dos 
problemas ambientais: a questão da 
escassez e do uso indevido de recur-
sos naturais apropriados por organi-
zações do setor industrial, a poluição 
e a degradação que afeta populações 
em zonas de risco, a demarcação 
de terras indígenas, são alguns dos 
aspectos confl ituosos abarcados pelo 
ambientalismo. O Estado democrá-
tico proporcionou, assim, a redefi ni-
ção das condições de cidadania, de 
reivindicação de direitos, de deman-
das sociais comprometidas com o 
ambientalismo.
Contudo, observamos nos dias 
atuais a fragilidade das instituições 
democráticas frente à garantia dos 
direitos fundamentais dos indivídu-
os, bem como das condições socio-
ambientais que permeiam os modos 
de vida de alguns grupos tornados 
vulneráveis. Trata-se de um défi t
na democracia em que os valores 
sociais sucumbem à ausência de 
políticas sociais ou ao crescimento 
econômico. Pretendemos lançar um 
olhar sobre os confl itos ambientais 
compreendendo-os como aspectos 
inerentes das dinâmicas sociais e das 
práticas democráticas. 
A CONCEPÇÃO 
DOS CONFLITOS
Tomando por base a indis-
sociabilidade do binômio socie-
dade-natureza, buscamos com-
preender os confl itos ambientais 
como processos oriundos das dinâ-
micas construídas socialmente no 
espaço material de relações entre os 
diversos atores. Indivíduos e grupos 
sociais, organizações e instituições 
governamentais compõem o tecido 
social no qual se dão suas tensões e 
aproximações. 
A concepção da “socio-natureza” 
representa o caráter necessário 
segundo o qual se conectam os 
atores socioambientais. Nessa mirí-
ade de relações, não é mais possível 
extrair a ideia de natureza “pura”, 
reduzindo-a à “matéria e energia”, 
mas é imprescindível compreender 
os objetos naturais como elementos 
“dotados de signifi cados culturais e 
históricos” (Acselrad, 2004). Como 
salienta Henri Acselrad: “Os rios 
para as comunidades indígenas não 
A questão ambiental é marcada por dinâmicas e tensões entre grupos de ma-
tizes sociais vulnerabilizadas pelos avanços dos processos de industrialização 
e corporações que visam a aceleração desse processo. Assim, não somente os 
modos de apropriação dos espaços são divergentes entre essas entidades, mas 
também suas práticas e significados simbólicos. 
Observamos no Brasil a ascensão de movimentos sociais que buscam dialogar 
e denunciar práticas opressoras, buscando a garantia dos direitos fundamentais 
dos indivíduos e grupos. Os conflitos socioambientais e a noção de justiça am-
biental erguem-se diante da usurpação desses direitos. Trata-se não somente de 
populações indígenas massacradas pela apropriação de suas terras, mas tam-
bém de grupos marginalizados por deslocamentos territoriais ou pela exposição 
aos riscos da poluição e dos desastres ambientais.
Justiça ambiental 
e democracia no Brasil
DEMOCRACIA E 
QUESTÕES AMBIENTAIS
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NO BRASIL, O CENÁRIO POLÍTICO DE 
REDEMOCRATIZAÇÃO CONTRIBUIU PARA A 
ASCENSÃO DE MOVIMENTOS SOCIAIS QUE 
TRAZIAM EM SUAS PAUTAS ASPECTOS 
IMPORTANTES DOS PROBLEMAS AMBIENTAIS
DEMOCRACIA E JUSTIÇA 
SOCIOAMBIENTAL
A visão democrática de participa-
ção e de inclusão de pautas ambien-
tais no cenário sociopolítico fez 
surgir junto aos movimentos sociais 
a pauta da justiça socioambiental. 
Inicialmente se procurou caracterizar 
o movimento pela justiça ambiental 
como algo distinto das pautas sociais, 
segmentando assim as noções de 
natureza e sociedade. Ao compre-
endermos, contudo, a indissociabi-
lidade das arenas social e natural, 
identifi camos nas pautas ambientais 
suas raízes sociais. Vale ressaltar 
que as demandas ambientais não são 
avessas às lutas contra a pobreza e a 
desigualdade, mas convergem para os 
mesmos objetivos.
Os movimentos sociais têm papel 
primordial na construção do espaço 
democrático, viabilizando o aces-
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Brasília - Índios Munduruku fazem manifestação, em frente ao Ministério da Justiça, pela 
demarcação da terra indígena Sawre Muybu,no Pará.
apresentam o mesmo sentido que 
para as empresas geradoras de hidro-
eletricidade [...]” (Acselrad, 2004, 
p. 6). Ainda segundo Acselrad, não 
caberia pensar a questão ambiental 
objetivamente, isto é, em termos de 
quantidades de recursos despendi-
dos pelos indivíduos, mas pensá-la a 
partir da qualidade do uso – para que 
são utilizados? – e dos signifi cados 
desses elementos dentro dos proces-
sos históricos e culturais dos diversos 
grupos sociais.
O problema da escassez e fi nitu-
de dos recursos, conforme é tratado 
pela abordagem da “sustentabilida-
de”, não será tomado como o aspecto 
central dessa visão, mas a lógica do 
uso que fazemos desses recursos, os 
modos hegemônicos pelos quais o 
setor industrial se apropria de áreas 
produtivas, a mercantilização de 
recursos e de áreas de preservação 
ambiental que exclui os signifi cados 
culturais para os grupos locais, as 
práticas de agricultura mecanizadas 
e o uso de agrotóxicos na produção 
são os enfoques que se pretende dar a 
essa temática. 
As práticas que sustentam as 
comunidades tradicionais são práti-
cas distintas dos modelos domi-
nantes. As populações tradicionais 
possuem fortes laços com o espaço 
que habitam, o que torna suas práti-
cas signifi cativas. Tais grupos se 
caracterizam por práticas de produ-
ção plurais, artesanais, de pouca 
inserção no mercado (Florit, 2016). 
As lógicas de produção e manejo que 
permeiam as comunidades tradicio-
nais caminham no sentido oposto ao 
da industrialização e mercantiliza-
ção das áreas naturais. 
Todo o aparato sociocultural das 
populações tradicionais bem como 
o valor histórico de seus territórios 
e práticas vêm sendo suprimidos e 
ameaçados pelos avanços do setor 
industrial. Surgem, assim, posições 
confl itantes entre vozes que buscam 
ser ouvidas em meio às turbulências 
do capitalismo e o setor econômico 
que as descarta. 
Os confl itos socioambientais 
erguem-se diante da usurpação dos 
direitos desses grupos sociais, cujos 
modos de vida e identidades são 
suprimidos por relações de poder 
opressoras. Trata-se não somente de 
populações indígenas massacradas 
pela apropriação de suas terras, mas 
também de grupos marginalizados 
por deslocamentos territoriais ou 
pela exposição aos riscos da polui-
ção e dos desastres ambientais. 
Estamos diante da “desigualdade 
ambiental” que setoriza os danos 
e os direciona aos grupos domi-
nados. Convém citarmos aqui os 
recentes crimes ambientais oriun-
dos dos rompimentos de barragens 
da mineradora Vale do Rio Doce 
causando mortes e levando à incon-
testável degradação ambiental. 
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68 • ciência&vida
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política da problemática ambiental 
que se caracteriza agora pela poten-
cialização da autonomia de grupos 
vulnerabilizados na gestão da plura-
lidade de seus projetos de vida (Leff , 
2008). Reconhecer a pluralidade de 
identidades sociais e os aspectos 
simbólicos de suas práticas é parte 
central de uma visão ampliada dos 
debates ambientais.
NÃO CABERIA PENSAR A QUESTÃO 
AMBIENTAL OBJETIVAMENTE, ISTO É, EM 
TERMOS DE QUANTIDADES DE RECURSOS 
DESPENDIDOS PELOS INDIVÍDUOS, MAS 
PENSÁ-LA A PARTIR DA QUALIDADE DO USO 
à margem do desenvolvimento, mas 
“assumem todo o seu ônus” (Zhouri 
et al., 2005). Isso signifi ca que a 
distribuição dos danos e riscos das 
atividades produtivas é direcionada 
aos mais pobres e vulneráveis, sendo 
estes diretamente afetados pela 
ausência de condições materiais para 
a minimização dos prejuízos. 
A distribuição desigual dos danos 
pode ser vista como um problema 
social e racial, uma vez que os afeta-
dos pelos danos são grupos racial e 
historicamente excluídos das práti-
cas deliberativas da justiça. O racis-
mo ambiental presente nas lógicas 
opressoras de poder que permeiam a 
sociedade é um aspecto importante 
das lutas pela justiça socioambiental 
somando-se às lutas pela garantia de 
direitos difusos, tal como o direito ao 
meio ambiente saudável. 
A justiça socioambiental exige, 
assim, que se fortaleçam as insti-
tuições e as políticas voltadas 
para uma nova racionalidade 
ambiental em que sejam reco-
nhecidos os diversos projetos 
e meios de vida de enti-
dades outrora deixadas 
à margem dos proces-
sos deliberativos. A 
condição democrática é, 
portanto, a instância que 
nos dirige à busca pelos 
direitos fundamentais da 
humanidade. 
O projeto democrático 
de Estado que se defende 
abarca um olhar ético acerca 
de dimensão socioambiental. 
Pensar a justiça socioambien-
tal implica numa ressignifi cação 
so de todos os grupos e indivíduos 
à justiça, aos direitos, à liberdade. 
Movimentos sociais cujas pautas 
incluíam a questão ambiental tive-
ram início nos Estados Unidos dian-
te da contaminação tóxica de locais 
habitados por populações pobres. 
Assim, a pobreza foi tomada como o 
recorte de classe que serve à opressão 
e à negação de direitos fundamen-
tais. Não obstante, encontramos na 
realidade brasileira inúmeros episó-
dios em que populações pobres são 
expostas a condições insalubres de 
vida nas quais os danos à saúde e 
ao bem-estar são absorvidos como 
processos naturalizados. 
Ocorre que as vítimas dos 
processos de desenvolvimento socio-
econômico não somente são deixadas 
DEMOCRACIA 
E TECNOLOGIA 
Faz parte da rotina de muitos de nós acordarmos e buscarmos nossos aparelhos smartphones 
para saber sobre as últimas notícias, 
checar se há um novo e-mail impor-
tante, conferir algum status nas redes 
sociais etc. Muitas de nossas tarefas e 
a coordenação de nossas vidas estão 
tão integradas às tecnologias de infor-
mação e comunicação (TIC) que, em 
alguns casos, consideramos que essas 
tecnologias são parte de nós.
Nossos aparelhos se confi guram, 
em certa medida, como um repositó-
rio externo de diversas crenças1 que, 
quando alinhadas com uma pessoa, 
formam uma relação simbiótica, 
considerada um sistema acoplado, 
capaz de interagir através de uma 
causação recíproca contínua2.
Nosso ambiente simbólico-tecno-
lógico se tornou tão infl uente que a 
antiga dicotomia entre real x virtual
foi substituída pela dicotomia on-line
x off -line. Não há mais a divisão entre 
dois reinos, em que um seria ilusório; 
pelo contrário, há apenas um ambien-
te no qual, em determinado momen-
to, o sujeito está acoplado (on-line) ao 
seu artefato ou não está acoplado ao 
seu artefato (off -line).
Esse novo modus vivendi traça-
do pela ampliação das TIC resulta 
1cf. CLARK e CHALMERS, 1998.
2cf. CLARK, 1997.
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em um novo habitat, a infosfera3. A 
infosfera é resultado da convergên-
cia e do uso ininterrupto de aparatos 
tecnológicos na sociedade da infor-
mação4, “onde os antigos e os novos 
meios de comunicação colidem” 
(Jenkins, 2006, p. 2). Um exemplo 
de nossa atuação na infosfera é a 
forma que recorremos aos aparelhos 
de localização global (GPS) para 
dirigir, ou mesmo solicitar um moto-
rista em um aplicativo para irmos a 
determinado lugar. Não há mais 
uma divisão entre real e virtual, ou 
tangível e intangível. Nos inserimos 
e implementamos dentro da infosfe-
ra da mesma maneira que abrimos 
uma porta através da maçaneta: são 
aff ordances cognitivos, isto é, atalhos 
devidamente estruturados para reali-
zarmos tarefas.
Assim, se a infosfera é essa nova 
ambiência na qual estamos inseridos, 
é importante compreendê-la dentro 
do processo democrático, destacando 
o uso das TIC, bem como apresen-
3cf. FLORIDI, 2011. 
4cf. FLORIDI, 2001.
tar quais vantagens e desvantagens 
são oriundas desse tipo de ecologia 
informacional.
Quando o tema é democracia, 
destaca-se a discussão baseada no 
conceito de esfera pública, cunha-
do pelo fi lósofo e sociólogo alemão 
Jurgën Habermas em sua obra 
Mudança estrutural da esfera pública, 
de 1962. Segundo o autor, a esfera 
pública pode ser concebida como uma 
esfera autônoma de comunicação ideal 
na qual os cidadãossão considerados 
um corpo público e podem se comu-
nicar sem restrições, apresentando 
argumentos racionais, sem sofrer 
infl uência do Estado, conglomerados 
midiáticos e, ainda, sem condições 
de desigualdade. O resultado dessa 
argumentação racional sem restrições 
é, portanto, a opinião pública. Nas 
palavras do autor:
[...] a esfera das pessoas privadas 
reunidas em um público; elas reivin-
dicam esta esfera pública regularmen-
te pela autoridade, mas diretamente 
contra a própria autoridade, a fi m de 
discutir com ela as leis gerais da troca 
na esfera fundamentalmente privada, 
mas publicamente relevante, as leis 
de intercâmbio de mercadorias e do 
trabalho social5.
A concepção de esfera pública 
de Habermas se refere a um período
histórico bastante particular, marca-
do pelo surgimento e consolida-
5 cf. HABERMAS, 2003, p. 42.
ção da burguesia e dominado pela 
imprensa escrita. Isso se manifesta-
va através das discussões em cafés e 
debates em salões, com a presença da 
nova classe burguesa que destituíra o 
poder absolutista.
Apesar da investigação circuns-
crita, a análise do fi lósofo alemão 
serve de base para pensar o concei-
to de esfera pública no contexto das 
TIC. Habermas ampliou sua teoria 
para analisar a crise da esfera pública 
devido à infl uência dos conglomera-
dos midiáticos na manipulação da 
opinião pública. O fi lósofo atribui 
às grandes corporações de mídia a 
infl uência na esfera pública, no senti-
do da condução de pautas focadas em 
mudanças economicamente atrativas 
a essas empresas.
Somando ao modelo a concep-
ção de esfera pública interconectada, do 
professor de Estudos Jurídicos Yochai 
Benkler (2006), é possível traçar um 
diagnóstico contemporâneo acerca do 
enlace entre democracia e tecnologias. 
Benkler defende que a esfera pública 
tratada no cenário de incorporação 
das TIC deve ser compreendida como 
uma esfera pública interconectada, 
isto é, o ambiente de decisão e pautas 
da esfera pública estão na rede.
A esfera pública interconecta-
da aponta para a infl uência das TIC 
e a consolidação da infosfera como 
o cenário no qual os atores estão, 
além de mais familiarizados com as 
diversas tecnologias, mais engajados. 
Isso pode ser percebido através da 
A INTERAÇÃO E A 
INFLUÊNCIA DAS 
TECNOLOGIAS EM 
TODAS AS 
ESFERAS DA VIDA 
DEMANDAM NOVAS 
PERSPECTIVAS 
TANTO PARA 
O CONTEXTO 
PÚBLICO 
QUANTO PARA A 
CONCEPÇÃO DE 
DEMOCRACIA
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70 • ciência&vida
DOSSIÊ
diferenciação entre a maneira que se 
comporta a divulgação midiática.
Em uma era em que a televisão 
e a imprensa analógica detinham 
os modos e meios de comunicação, 
imaginemos que o modelo prove-
niente da mass media se baseava em 
um formato verticalizado de distri-
buição top-down: uma antena no 
topo que transmite a mesma infor-
mação a diversos receptores. Agora, 
na ambiência da infosfera, em que 
ser on-line e digital é algo ao alcance 
de nossos smartphones, a situação 
é completamente distinta. Estamos 
no modelo bottom-up: um mode-
lo mais horizontalizado, no qual a 
produção de informação é realiza-
da através de diversos sujeitos para 
diversos sujeitos.
A tecnologia traz consigo implica-
ções e transformações que modifi cam 
de forma estruturante a sociedade. Se 
antes a noção de esfera pública estava 
concentrada na burguesia e as ideias 
fl oresciam nos cafés, sendo depois 
contaminada pelos conglomerados 
midiáticos, dentro da infosfera todos 
os sujeitos passam a ter a possibilida-
de, com baixo custo, de serem produ-
tores de informação e conteúdos com 
alcance global. A voz de um sujeito 
pode ecoar em conjunto com diver-
sos pares engajados por uma mesma 
causa e provocar mudanças no esta-
blishment, tanto dos meios de comu-
nicação quanto político.
cracia. Nela, o cidadão está em contato 
direto com a Câmara dos Deputados 
e pode propor melhorias e revisões 
em leis vigentes, além de fomentar 
debates e sugerir projetos para leis.
A e-democracy pode sugerir que 
tenhamos nos aproximado da demo-
cracia direta, e se coloca como uma 
solução de baixo custo capaz de 
desviar da infl uência das grandes 
corporações midiáticas. Seria, então, 
a esfera pública interconectada o ápice 
da participação democrática?
Para responder essa pergunta, 
devemos nos atentar a algumas idios-
sincrasias do modelo. A maioria do 
fl uxo informacional na infosfera, em 
especial na internet, se concentra 
em poucos provedores de conteúdo 
formatados nas redes sociais, forman-
do uma oligarquia tecnológica6. 
Isso signifi ca que conforme o 
hábito de um determinado usuário, 
esse sujeito está preso na chama-
da bolha de conteúdo, o que reforça 
apenas um viés – seja ele político, de 
entretenimento, acadêmico etc. – e, 
no fi m, contribui para formar um 
mecanismo de leitura comportamen-
tal que tem como propósito oferecer 
serviços e produtos para esse sujeito, 
baseado nesses comportamentos.
Por isso, o fato de quase todo o 
conteúdo estar sob controle de uma 
oligarquia tecnológica faz com que 
não possamos ser tão otimistas para 
considerarmos as TIC como um 
modelo ideal para a democracia dire-
ta. Decerto que há um movimento 
6cf. YOUSSEF, 2018.
Um desses resultados da mobili-
zação em massa culmina no modelo 
de e-democracy, isto é, no auxílio das 
tecnologias de informação e comu-
nicação para promover melhorias na 
democracia representativa e aproximá-
-la de um tipo de democracia direta.
Diversas plataformas de conver-
gência on-line x off -line habitam o 
universo democrático atualmente. Os 
aplicativos fornecem um canal mais 
rápido, barato e efi ciente que corrobo-
ra para o cidadão reivindicar, propor 
e fi scalizar medidas implementadas 
pelos governos.
Uma dessas plataformas é o apli-
cativo Your Priorities, em Reykjavik, 
capital da Islândia. Nessa platafor-
ma os cidadãos islandeses discutem, 
em conjunto com os governantes, 
quais prioridades serão escolhidas 
para aperfeiçoar o funcionamento de 
determinada cidade. 
Algumas propostas também 
podem ser encontradas no Brasil, 
como é o caso da plataforma e-demo-
A esfera pública se apresenta como uma intermediária entre a vida privada e a vida 
pública. Trata-se de questões que são discutidas dentro de um grupo, julgadas atra-
vés de argumentos, sem apelar à emoção. Esses assuntos são de demanda espontâ-
nea, isto é, em uma esfera pública ideal, os temas surgem sem coerção e influências 
advindas de grupos externos à esfera pública, mas que são de interesse do público e 
que necessitam de mudanças. Os sujeitos expõem suas opiniões e debatem acerca 
de assuntos que são relevantes para a sociedade para, por fim, pressionar a camada 
política em busca de mudanças que favoreçam uma determinada sociedade.
Como funciona o 
modelo de esfera pública?
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 www.portalespacodosaber.com.br • ciência&vida • 71
HABERMAS AMPLIOU 
SUA TEORIA 
PARA ANALISAR A 
CRISE DA ESFERA 
PÚBLICA DEVIDO 
À INFLUÊNCIA DOS 
CONGLOMERADOS
MIDIÁTICOS NA 
MANIPULAÇÃO
DA OPINIÃO 
proveniente da infosfera que torna 
o acesso e a participação dos sujei-
tos muito mais amplos. Entretan-
to, o fato de as TIC, em especial as 
redes sociais, estarem sob controle 
de poucos grupos, signifi ca que até 
mesmo a forma de operar dentro 
dessa democracia mais atuante pode 
estar comprometida. 
Frente a isso, devemos reivindi-
car uma ética da informação capaz de 
lidar com nosso novo habitat, tal como 
aponta Luciano Floridi (2013). Segun-
do o autor, existem questões éticas que 
não podem ser tratadas conforme os 
antigos manuais de ética. Problemas 
como manipulação de dados, leitu-
ras comportamentais com intuito de 
abrir mercados, infl uência em proces-
sos eleitorais através de redes sociais 
exigem uma nova abordagem.
Todos os apontamentos lança-
dos congregam para a aceitação de 
que introjetamos as TIC como parte 
e estamos, de fato, na infosfera. Os 
moldes da esfera pública se modifi -
caram e agora a esfera públicainter-
conectada experimenta a participação 
dos atores de forma mais vigorosa, 
contudo toda essa nova ambiência 
traz novos conteúdos que suscitam 
novas refl exões, sob o risco de acre-
ditar estarmos dentro da infosfera 
quando, no fi m, estamos aprisionados 
em uma “bolhasfera”.
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RE
FE
RÊ
N
C
IA
S
DOSSIE.indd 71 17/05/2019 19:59
Grupo Único PDF PaD
FILO ORIENTAL por andré bueno
72 • ciência&vida
E
xiste uma estraté-
gia perfeita para lidar 
com as coisas? Num 
episódio amplamente 
comentado na história da Chi-
na antiga, em torno do século 
7 a.C., o duque do Estado de 
Song foi dar combate às tropas 
de outro Estado, Chu, e che-
gou ao local da batalha antes. 
Nesse momento, as forças de 
Chu atravessavam um rio, e 
estavam em posição total-
mente desvantajosa. Mes-
mo tendo a oportunidade 
de atacar, o duque de 
Song resolveu esperar que 
as forças de Chu saíssem 
da água e se alinhassem, 
pois atacá-las de outro 
modo não seria nobre 
nem cavalheiresco. O 
resultado: as tropas de 
Song foram vencidas, o 
duque ferido e os ofi-
ciais liquidados. 
Nessa passagem pro-
blemática, contada no li-
vro Primaveras e outonos, 
o duque de Song agiu como 
um cavalheiro, e perdeu. Mas 
não seria um cavalheiro o mes-
mo que um buscador da sabe-
doria e dos princípios morais? E, 
sendo assim, não deveria ele ter 
ganho a batalha?
No livro Lunyu [Analec-
tos] de Confúcio está escrito: 
“Zilu perguntou: ‘Se tivésseis 
o comando das Três Armas, 
quem tomaríeis como vosso 
lugar-tenente?’ O Mestre 
disse: ‘Para meu lugar-te-
nente, não escolheria um 
homem que luta com ti-
gres ou que atravessa os 
rios a nado sem temer a 
morte. Ele deveria estar 
cheio de apreensão an-
tes de entrar em ação 
e sempre preferir uma 
vitória alcançada por 
meio da estratégia’”.
A proposta de Con-
fúcio é clara: o melhor 
estrategista é que 
vence a guerra, 
e infelizmente, 
após o início de 
um conflito, é di- IM
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A melhor 
estratégia
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Grupo Único PDF PaD
André Bueno é professor 
adjunto na UERJ. Atua nos 
temas: Pensamento chinês, 
Confucionismo, História e 
Filosofia antiga, diálogos 
e interações culturais 
Oriente-Ocidente. É 
membro da Ass. Europeia 
de Estudos Chineses 
e da Ass. Europeia de 
Filosofia Chinesa; membro 
do grupo Leitorado 
Antiguo [UPE]; membro 
do Alaada; membro da 
Rede Iberoamericana 
de Sinologia [Ribsi]; 
membro da International 
Confucian Association; 
membro do 
Laphis/Unespar.
 www.portalespacodosaber.com.br• ciência&vida • 73
já falava tanto de preparação para 
o combate: “O Caminho significa 
aquilo que faz com que o povo es-
teja em harmonia com o seu gover-
nante, de modo que o siga aonde 
for, sem temer por sua vida, nem de 
se expor a qualquer perigo”.
Outro pensador, Shang Yang [sé-
culo 4 a.C.], dedicou capítulos intei-
ros a isso, e mesmo Mozi [século 5 
a.C.], um renomado pacifista, se pre-
ocupou com os métodos e histórias 
da guerra. Confúcio, pois, não pode-
ria eximir-se do problema. Em passa-
gem pelo Estado de Wei, quando o 
duque Ling quis que ele fosse um pla-
nejador militar, o Mestre desculpou-
-se e foi embora, prevendo confusões 
para o seu lado. Isso porque, começa-IM
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CORTESIA, COMPAIXÃO E HUMANISMO 
EXIGEM UMA FORÇA DE CARÁTER 
INCRÍVEL, E DEVEM SER ADMINISTRADOS 
COM CUIDADO. MELHOR QUE 
SE EVITE A GUERRA – MAS SE ELA 
É INEVITÁVEL, QUE SE FAÇA DA 
MANEIRA MENOS DESTRUTIVA
fícil manter a moralidade e o huma-
nismo. O que o Mestre notou aqui 
é simples, porém objetivo e pragmá-
tico: podemos tentar ser bons, mas 
isso não significa sabedoria. Pode-
mos praticar o caminho, mas ainda 
não sermos sábios. Por fim, não se 
deve confundir alhos com bugalhos; 
ninguém, pelo simples fato de ser 
bom, irá vencer uma guerra – ou fazer 
qualquer coisa bem apenas porque é 
bom. É como se um médico, após ter 
salvado milhares de vidas, pedisse a 
Deus o “dom” de tocar um instru-
mento musical – e fosse automatica-
mente atendido, tocando de imediato 
melodias delirantes e dificílimas.
Por causa disso, o conhecido es-
pecialista na arte da guerra, Sunzi, 
Filo_ORIENTAL.indd 73 17/05/2019 21:04
Grupo Único PDF PaD
FILO ORIENTAL por andré bueno
74 • ciência&vida
UM SÁBIO 
CONTROLA
SEU POVO 
DENTRO DOS 
MAIS ALTOS
PRINCÍPIOS E 
O GOVERNA 
COM RETIDÃO,
ESTIMULA-O 
COM RITUAIS E
SOSSEGA-O COM 
TRATAMENTO 
HUMANO
um erro terrível. Melhor que se 
evite a guerra – mas se ela é ine-
vitável, que se faça de maneira 
menos destrutiva e raciocinada.
Por isso está escrito no Lunyu: 
“Zigong perguntou sobre gover-
no. O Mestre disse: ‘Alimento 
suficiente, armas suficientes e a 
confiança do povo’. Zigong dis-
se: ‘Se tivésseis de chegar a bom 
termo sem um desses três, qual 
descartaríeis?’. ‘As armas.’ ‘Se 
tivésseis de chegar a bom ter-
mo sem um dos dois restantes, 
qual descartaríeis?’ ‘O alimen-
to; em última instância, todo 
mundo acaba morrendo um dia. 
Mas, sem a confiança do povo, 
nenhum governo se mantém’”. 
Confúcio resumiu suas ideias 
sobre conflito, ainda, nesse 
pequeno trecho: “Em pen-
dengas eu sou tão bom em 
decidir quanto os outros; 
o melhor mesmo é que 
elas não ocorram”.
Como podemos 
perceber, a confiança 
nos líderes é o funda-
mento de tudo. Essa 
confiança tem que 
ser mútua, do contrá-
rio nenhum governante 
pode ir a uma guerra. 
Mais do que isso, porém, 
numa sociedade em que 
prevalecem os valores 
da cultura, e que a 
ordem se encon-
tra instaurada, as 
pessoas lutam 
pelo seu país, 
por suas famí-
lias e pelo seu 
modo de vida. 
Por isso, o 
ideal não são os 
grandes exércitos, 
mas boas escolas; 
a melhor estra-
tégia é propor-
cionar bem-estar ao povo, e fazer 
com que ele acredite no que de-
verá defender. Quando isso ocor-
re, os exércitos servem ao povo, 
e não contra ele; defendem a 
pátria, são bem treinados, bem 
cuidados e lhes dão meios para 
que possam reagir às ameaças 
vindas de fora – isso porque um 
povo que ama seu país se dispõe 
a defendê-lo; mas não se pode 
esperar, igualmente, que apenas 
o ardor mova as pernas dos sol-
dados. Do contrário, estaríamos 
cometendo o mesmo erro do du-
que de Song. A melhor estratégia 
é se preparar, em tudo; o melhor 
conflito, aquele que se resolve 
pela discussão e pelo acordo; a 
melhor guerra, a que não ocorre. 
Wuzi, outro estrategista do sécu-
lo 5 a.C., disse: “É por isso que 
um sábio controla seu povo den-
tro dos mais altos princípios e o 
governa com retidão, estimula-o 
com rituais e sossega-o com tra-
tamento humano. Quando essas 
quatro virtudes são praticadas, o 
povo floresce; quando são esque-
cidas, desvanece”. 
da uma guerra, é a estratégia que 
prevalece, tentando maximizar 
os ganhos e atenuar ao máximo 
as perdas. Cortesia, compaixão 
e humanismo exigem uma força 
de caráter incrível, e devem ser 
administrados com cuidado – sob 
o risco de ocorrer o mesmo que 
se deu com o duque Song que, 
cheio de pudores, ou tentando 
representar, de modo equivoca-
do, valores maiores que buscava 
compartilhar, acabou cometendo 
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Renovação
A hora da renovação na vida das pessoas é um dos momentos 
mais difíceis e agudos, pois é necessário saber lidar com a perda, com 
o medo, entre outros sentimentos. No vídeo intitulado Sabemos reno-
var? Como renascer a cada ciclo?, a Nova Acrópole apresenta 16 dicas 
filosóficas para serem utilizadas em 2019, por intermédio de palestra 
da professora voluntária Lúcia Helena Galvão.
youtube.com/watch?v=I_MPUXavo48
REFilo
A Revista Digital de Ensino de Filo-
sofia (REFilo) é uma publicação digital, 
semestral, vinculada ao Departamento 
de Metodologia do Ensino, Centro de 
Educação, Universidade Federal de 
Santa Maria, Rio Grande do Sul. A 
publicação é organizada em sessões, 
como Demanda Contínua, Resenha 
e Entrevista, e destina-se à publica-
ção de trabalhos inéditos na área 
de ensino de Filosofia. A Revista
não aceita trabalhos encaminhados 
simultaneamente para outras revistas 
ou para livros. Tem 
como público-alvo 
professores, estudantes 
e pesquisadores da área 
da Educação e Filosofia, 
com ênfase no ensino 
de Filosofia. Foi criada 
em 2015.
periodicos.ufsm.br/refilo/
about
Universidade de Uberlândia
O site do Laboratório de Filosofia do Departamento de 
Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas 
Gerais, apresenta material ligado a assuntos relacionados 
com cinema, literatura, imagem, televisão, música, além de 
planos de aula, artigos, comunicações e ensaios. É um espaço 
de produção de material de alunos da graduação, objetivan-
do o desenvolvimento da pesquisa de Filosofia e, também, 
aplicando as reflexões em sala de aula, para que se estenda 
à comunidade em geral.
laefi.defil.ufu.br/index.html
Filosofias e infâncias
O Núcleo de Estudos de Filosofias e Infâncias (Nefi) é um 
espaço de ensino, pesquisa e extensão vinculado à Universida-
de Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Viabilizado por professores-
-estudantes interessados em pensar Filosofia, educação e infância, 
oferece as seguintes ativid ades: pesquisas e outras experiências 
que articulam Filosofias e infâncias; grupo de estudos, elaboração, 
produção e tradução de textos, bem como publicações internas e 
externas; organização de colóquios, encontros e cursos nacionais 
e internacionais, que pretendem consolidar um novo espaço de 
formação e intercâmbio com universidades e outras instituições, 
como escolas, entre Filosofia, educação e infância.
filoeduc.org/
FILO NA WEB
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76 • ciência&vida
RESENHA
Muito além 
do “opa!”
A OBRA-PRIMA DE KEN WILBER – 
A EVOLUÇÃO DO UNIVERSO 
NA OBRA DE KEN WILBER
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 É completamente estranho que algo – qualquer 
coisa – esteja acontecendo. Não existia nada, de re-
pente, um Big Bang, e aqui estamos todos nós. Isto é 
extremamente esquisito. 
Sempre houve duas respostas gerais para a arden-
te pergunta de Schelling: “Por que existe algo em vez 
de nada?” A primeira poderia ser chamada de filo-
sofia do “opa”. O universo simplesmente acontece; 
não existe nada por trás; ele é, no final das contas, 
acidental ou fortuito; basicamente, ocorre – opa! A 
filosofia do opa, não importa quão sofisticada e ma-
dura possa, às vezes, parecer – seus nomes e números 
modernos vão do positivismoao materialismo cientí-
fico, da análise linguística ao materialismo histórico, 
do empirismo ao naturalismo – sempre chega à mes-
ma resposta básica: “não pergunte”. 
A pergunta em si (Por que algo está acontecendo? 
Por que eu estou aqui?) – a pergunta em si é consi-
derada confusa, patológica, absurda ou infantil. Parar 
de fazer tais perguntas tolas ou obscuras é, afirmam, 
um sinal de maturidade, um indício de crescimento 
neste cosmos. 
Eu não penso assim. Acho que a “resposta” dada 
por essas disciplinas “modernas e maduras” – isto 
é, opa! (e, portanto, “não pergunte!”) – é, possivel-
mente, a mais infantil que a condição humana pode 
oferecer. 
A outra resposta geral que tem sido proposta é 
que alguma outra coisa está ocorrendo: por trás do 
drama casual há um padrão, ordem ou inteligência 
mais profunda, mais elevada ou mais ampla. Existem, 
SEXO, ECOLOGIA, ESPIRITUALIDADE
Autor: Ken Wilber
Editora: Vida Integral
Ano: 2019
claro, muitas variedades dessa “ordem mais profun-
da”: o Tao, Deus, Geist, Maat, formas arquetípicas, 
razão, Li, Mahamaya, Brahman, Rigpa. E, embora 
essas inúmeras variações da ordem mais profunda 
discordem entre si em muitos pontos, todas elas 
concordam em um: o universo não é o que parece. 
Alguma outra coisa está ocorrendo, algo bastante di-
ferente de opa... 
Este livro é sobre “tudo diferente de opa”. 
Assim o autor começa sua obra monumental. 
Ken Wilber, polímata, filósofo e místico norte-
-americano, desenvolveu a metateoria integral, que 
tem como um de seus propósitos procurar enfrentar 
os problemas atuais da humanidade usando diferen-
tes perspectivas, partindo do princípio de que cada 
uma dessas perspectivas apresenta uma verdade par-
cial que precisa ser levada em conta na resolução do 
problema. Foi através de Sexo, ecologia, espiritualida-
de (SEE) que Wilber apresentou ao mundo pela pri-
meira vez sua metateoria. 
Para tanto, Wilber estudou inúmeras áreas do 
conhecimento humano, tais como: ciências físicas e 
biológicas, ecociências e sustentabilidade, teoria do 
caos, ciências sistêmicas e da complexidade, política, 
economia, sociologia, negócios, filosofia ocidental e 
oriental, psicologia, matemática, antropologia, mito-
logia, escolas contemplativas e místicas ocidentais 
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Metaforicamente, 
Ken Wilber trata da 
evolução como sendo 
o “espírito em ação”. 
Espírito no sentido 
de Deus, porque, 
de acordo com sua 
visão, tudo o que existe 
no universo é uma 
manifestação do divino
e orientais, artes, entre outras, criando 
uma estrutura que integra as verdades 
parciais de cada uma delas, a saber, a 
metateoria integral. 
Sexo, ecologia, espiritualidade trata, 
em essência, da evolução, o que é ex-
presso em seu subtítulo “O espírito da 
evolução”. O livro é dividido em duas 
partes, sendo que a primeira mostra 
como essa evolução se deu, ou está 
se dando, ao longo desses 15 bilhões 
de anos, desde o Big Bang até os dias 
atuais, em todos os domínios: matéria, 
vida, mente e espírito. 
Na primeira parte, Wilber nos pro-
põe uma descrição do processo evo-
lutivo embasada em conhecimentos 
científicos, filosóficos e das tradições de 
sabedoria. São oito capítulos que tra-
tam da teia da vida e suas limitações, 
dos princípios básicos que regem a evo-
lução, da evolução exterior individual e 
coletiva, da evolução interior individual 
e coletiva, da evolução da consciência 
humana, das fronteiras da natureza hu-
mana e dos domínios transpessoais. 
A segunda parte do livro trata especi-
ficamente das coisas que, de uma certa 
maneira, deram errado, principalmente 
nos períodos moderno e pós-moderno, 
e de como nós podemos redirecionar a 
evolução para novos caminhos que le-
vem a uma melhoria da situação do pla-
neta, enfocando problemas éticos, cul-
turais, econômicos, sociais, ecológicos e 
espirituais contemporâneos. São seis ca-
pítulos que tratam dos caminhos ascen-
dente e descendente, do deus ou deusa 
das diferentes tradições, da dignidade e 
do desastre da modernidade e dos acer-
tos e erros da pós-modernidade. 
Há também as notas de cada ca-
pítulo; na verdade, elas podem ser 
consideradas como um livro separado. 
Muitas das ideias mais importantes 
de Sexo, ecologia, espiritualidade são 
mencionadas e desenvolvidas somen-
te nas notas (por exemplo, a intuição 
moral básica), bem como em grande 
parte do diálogo com diversos eru-
ditos (Heidegger, Foucault, Derrida, 
Ari Raynsford é 
doutor em Engenharia 
Nuclear pelo 
Massachusetts 
Institute of 
Technology (MIT). 
Estudioso da obra 
de Ken Wilber há 
27 anos, nos últimos 
19 anos tem se 
dedicado a divulgá-la, 
ministrando 
cursos e palestras, 
coordenando 
grupos de estudo 
e traduzindo 
livros e artigos. 
Habermas, Parmênides, Fichte, Hegel, 
Whitehead, Husserl) e com teorizado-
res alternativos atuais (Grof, Tarnas, 
Berman, Spretnak, Roszak).
Metaforicamente, Ken Wilber tra-
ta da evolução como sendo o “espírito 
em ação”. Espírito no sentido de Deus, 
porque, de acordo com sua visão, tudo 
o que existe no universo é uma mani-
festação do divino; a criação divina (in-
volução) nada mais seria do que Deus 
se esquecendo de si mesmo – o nível 
material é Deus mais esquecido de si. 
A evolução – o espírito em ação – é o 
processo de rememoração de Deus, 
partindo da matéria para a vida, para 
a mente, para a alma, para o espírito. 
Essa visão não dualista tem como essên-
cia que a evolução é o retorno das ma-
nifestações divinas (o Deus imanente) 
ao Deus transcendente, de tal maneira 
que, ao final (se é que esse final existe) 
nós chegaremos à realização de que só 
há Deus, de que só há o espírito. 
Minha experiência na tradução des-
ta obra foi inefável. Mais do que uma 
tradução, foi um profundo mergulho 
em domínios totalmente desconhecidos 
para mim. Foram quatro anos em que 
viajei por mundos maravilhosos. E cor-
roborando as palavras do próprio Ken: 
foi “uma viagem e tanto”. 
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78 • ciência&vida
Aneurologista Suzanne O’Sullivan escreveu: “‘Sei que está sofren-do, Matthew. Não que-
ro menosprezar esse sofrimento. 
Você está sofrendo e algo precisa 
ser feito. Mas você não tem es-
clerose múltipla.’ Falei sobre o 
diagnóstico de distúrbio neuro-
lógico funcional, que a paralisia 
das pernas não podia ser expli-
cada por uma doença neurológi-
ca. Embora não tivesse chegado a 
ponto de chamar sua paralisia de 
psicossomática, eu lhe disse que 
estava pensando em uma causa 
psicológica”.
Por favor, considere isso: a 
pessoa vai ao médico, está em 
uma cadeira de rodas; por mais 
que se empenhe, não consegue 
andar, e ouve do médico que 
nada existe em seu corpo que a 
impeça de caminhar.
O’Sullivan prossegue: “Esse 
novo diagnóstico não gerava 
apenas confusão: ele também 
desnorteava sua ideia de como 
poderia melhorar. Com um diag-
nóstico de esclerose múltipla, 
Matthew sabia o que esperar, 
mas agora precisava aprender a 
desistir de uma certeza e, no lu-
gar, aceitar uma verdade difícil. 
Eu o colocara em uma posição 
difícil. O que ele diria aos amigos 
sobre sua enfermidade? E a seu 
empregador? Como eles recebe-
riam a notícia?”.
Qual a reação de alguém que 
é comunicado sobre tal situação? 
O’Sullivan tem uma opinião: “Da 
mesma forma que descartamos a 
esclerose múltipla em uma série 
de exames, uma avaliação psico-
lógica precisa ser apenas outro 
exame exploratório. Infelizmen-
te, muitos pacientes acham difícil 
dar esse passo final no processo 
investigativo. Para alguns, con-
sultar o psiquiatra parece aban-
donar a doença física e, assim, 
perder toda a validação de seu 
sofrimento”.
Em Filosofia Clínica, fenô-
menos como esses aparecem 
ocasionalmente. O que é mais 
frequente, no entanto, diz respei-
to a pessoas que possuem “saú-
de imaginária”. Uma das formas 
de iniciar esse estranhoevento é 
acreditar que a vida se divide en-
tre doença e saúde e em seguida 
se empenhar em estar saudável: 
academia, alimentação, cuidados 
com a pele, vitaminas, medita-
ção. Tudo isso em doses consis-
tentes, frequentes, e um repúdio 
a qualquer evento que possa 
conduzir a inflamações, dores, 
desgostos, ansiedades. Muitos 
adoecem de “saúde imaginária”. 
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Doenças 
imaginárias
FILOSOFIA CLÍNICA por lúcio packter 
HÁ UM REPÚDIO A QUALQUER
EVENTO QUE POSSA CONDUZIR
A INFLAMAÇÕES, DORES, DESGOSTOS,
ANSIEDADES. MUITOS ADOECEM 
DE “SAÚDE IMAGINÁRIA”
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Lúcio Packter 
é sistematizador 
da Filosofia Clínica 
no Brasil. Graduado 
em Filosofia pela 
PUC-Fafimc, Porto 
Alegre. Coordenador 
do Instituto 
Packter. E-mail:
luciopackter@uol.com.br 
Acreditando que estão perfeitamente 
saudáveis, estão perfeitamente doen-
tes, segundo os próprios critérios que 
utilizam para a diferenciação desses 
fatores. Geralmente, não sabem dis-
so. O “saudável imaginário” cumpre 
rotinas, protocolos, padecimentos, 
angústias, privações para ser saudá-
vel. Voltarei a este assunto em breve; 
aqui fiz apenas a introdução.
Os não lugares – você tem 
certeza sobre onde está?
Vamos a um trecho da obra Não 
lugares: introdução a uma antropologia 
da supermodernidade, de Marc Augé: 
“A supermodernidade é produtora de 
não lugares, isto é, de espaços que não 
são em si lugares antropológicos e que, 
contrariamente à modernidade baude-
lairiana, não integram os lugares anti-
gos: estes, repertoriados, classificados 
e promovidos a ‘lugares de memória’, 
ocupam aí um lugar circunscrito e es-
pecífico. Um mundo onde se nasce 
numa clínica e se morre num hospital, 
onde se multiplicam, em modalidades 
luxuosas ou desumanas, os pontos de 
trânsito e as ocupações provisórias 
(as cadeias de hotéis e os terrenos in-
vadidos, os clubes de férias, os acam-
pamentos de refugiados, as favelas 
destinadas aos desempregados ou à 
perenidade que apodrece), onde se 
desenvolve uma rede cerrada de meios 
de transporte que são também espaços 
habitados, nos quais o frequentador 
das grandes superfícies, das máquinas 
automáticas e dos cartões de crédito 
renovado com os gestos do comércio 
‘em surdina’, um mundo assim pro-
metido à individualidade solitária, à 
passagem, ao provisório e ao efêmero, 
propõe ao antropólogo, como aos ou-
tros, um objeto novo cujas dimensões 
inéditas convém calcular antes de se 
perguntar a que olhar ele está sujeito”.
Agora uma tradução do que pro-
põe Augé, uma tradução para os ele-
mentos da clínica, do consultório. Um 
aeroporto, uma rodoviária, um hotel, 
estes são alguns dos prováveis “não 
lugares” em nossos dias. Os espaços, 
objetos, criaturas, coisas que habitam 
uma rodoviária são em princípio dis-
tantes e frios em relação ao ambiente, 
acolhimento, interseção que a maio-
ria das pessoas vive em seu trabalho, 
em sua casa. A rodoviária é um “não IM
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lugar”, nossas casas são lugares. 
No entanto, Augé instiga com a 
questão ao antever que talvez 
este fenômeno possa ser amplo 
e exceder os parâmetros das de-
finições. Um casamento, a pessoa 
com quem vivemos, nossa peque-
na cidade, eles podem ser “não 
lugares”? Uma resposta é que, por 
vezes, sim. Por vezes pode ser in-
dicado, aconselhável que alguns 
vivenciem sua proximidade dessa 
forma. Algumas pessoas conse-
guirão viver o amor, os cuidados 
familiares, as atenções domésti-
cas se estiverem à vontade e em 
paz como ocasionalmente vivem 
ALGUMAS 
PESSOAS 
CONSEGUIRÃO
VIVER O AMOR, 
OS CUIDADOS
FAMILIARES, 
AS ATENÇÕES 
DOMÉSTICAS
SE ESTIVEREM À 
VONTADE E EM
PAZ COMO 
OCASIONALMENTE 
VIVEM
EM OUTROS 
LOCAIS, ÀS VEZES 
PÚBLICOS
pois os não lugares medeiam todo 
um conjunto de relações consigo e 
com os outros que só dizem res-
peito indiretamente a seus fins: 
assim como os lugares antropoló-
gicos criam um social orgânico, os 
não lugares criam tensão solitária”.
Como isso é em Filosofia Clí-
nica? Assim como apontou Augé, 
algumas vezes encontramos tais 
fenômenos, ainda que em outras 
vestes. Há elementos híbridos, 
indistintos, excludentes, entre ou-
tros. Exemplo: a pessoa entende 
como “não lugar” sua relação fa-
miliar, mas compreende de outra 
maneira o modo como vivencia a 
relação com o marido. O marido é 
“não lugar” somente na experiên-
cia na qual ele é parte da família, 
mas é “lugar” na relação afetiva 
com a esposa. As sensações sub-
jetivas em torno disso podem oca-
sionar conformações curiosas para 
os nossos padrões de época.
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quando estão em uma barbearia 
de rodoviária lendo um jornal; 
para alguns, assim será.
Escreve Marc Augé: “Vê-se 
bem que por ‘não lugar’ designa-
mos duas realidades complemen-
tares porém distintas: espaços 
constituídos em relação a certos 
fins (transporte, trânsito, comércio, 
lazer) e a relação que os indivídu-
os mantêm com esses espaços. Se 
as duas relações se correspondem 
de maneira bastante ampla e, em 
todo caso, oficialmente (os indiví-
duos viajam, compram, repousam), 
não se confundem, no entanto, 
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LIVROS
Prática interventiva
Henri Wallon e a prática psicopedagógica
Autor: Leon Denis
Editora: FiloCzar, 88 págs.
A psicopedagogia se estruturou, ao longo dos anos, como 
uma área que se alimenta das mais diversas áreas do conhe-
cimento. Assim também aconteceu com a Psicologia genética 
desenvolvida por Henri Wallon. Ambas procuram analisar, interpretar, refletir e intervir 
na dificuldade de aprendizagem que acomete uma parcela considerável da população. 
Em Henri Wallon e a prática psicopedagógica, o filósofo e psicopedagogo Leon Denis 
lembra aos leitores que a aprendizagem, na visão de Wallon, não se realiza por apenas 
um dos domínios funcionais, nem está fechada em um único estágio do desenvolvi-
mento psíquico e, muito menos, é composta por apenas uma área do conhecimento. A 
teoria e a prática psicopedagógica walloniana interdisciplinar, crítica e autocrítica, têm 
capacidade e força indispensáveis para a prática interventiva do psicopedagogo atual. 
O ser humano no mundo
Manual de Antropologia Filosófica
Autor: Wolfgang Pleger
Editora: Vozes, 440 págs.
O Manual de Antropologia Filosófica oferece uma apresen-
tação compacta e histórico-sistemática dos principais conceitos 
antropológicos da história europeia. O professor de Filosofia, 
Wolfgang Pleger, analisa a problemática do posicionamento do 
ser humano no mundo, tal como exposta na mitologia antiga e na narrativa bíblica, na 
qual o homem aparece como criação de Deus e, respectivamente, como mortal, ou 
ainda na antropologia materialista, em que o homem é pensado a partir da sua materia-
lidade e determinação. Dos antigos aos modernos, de Homero a Sartre, cada conceito 
é analisado a partir de três posições de pensadores importantes. Operando a partir de 
uma base interdisciplinar, a obra também oferece, ao lado da abordagem filosófica, 
exemplos a partir da poesia, bem como da ciência da religião, ciências sociais e naturais.
Ameaça à democracia
A inclusão do outro. Estudos de teoria política
Autor: Jurgen Habermas
Editora: Unesp, 576 págs.
Ao observar os acontecimentos recentes, tanto no cenário 
nacional quanto internacional, não há dúvida de que o mundo 
está assistindo, em diversas sociedades, por mais distintas que 
sejam, à ascensão de atitudes e políticas que ameaçam seria-
mente ideias fundamentais presentes na base das sociedades 
democráticas. É possível observar o reaparecimento de posições nacionalistas xenó-
fobas, autoritárias e racistas em todas as partes do mundo, quenão poucas vezes se 
traduzem em atitudes de grave discriminação de pessoas e formas de vida culturais 
diversas e divergentes. Em face desse panorama desafiador, o livro A inclusão do outro. 
Estudos de teoria política procura contribuir de forma marcante para o diagnóstico das 
sociedades contemporâneas e para a reflexão sobre as questões teóricas e normativas 
que dele emergem.
COORDENAÇÃO EDITORIAL: Jussara Goyano
RELAÇÕES INSTITUCIONAIS E PESQUISA: Marina Werneck 
EDIÇÃO DE ARTE E DIAGRAMAÇÃO: Monique Bruno Elias.
Colaboraram nesta edição: Paula Felix e Fabio A. G. Oliveira 
(curadoria); Fabio Gabriel (texto e edição); Aline Cristina 
Oliveira do Carmo, Ana Haddad, André Bueno, André Stuchi de 
Almeida, Ari Raynsford, Diogo Mochcovitch, João Teixeira de 
Fernandes, Letícia Maria Passos Corrêa, Lucas Vasques, Monica 
Aiub, Príscila Carvalho, Rachel Souza Martins, Renato Janine 
Ribeiro, Renato Nunes Bittencourt, Victor Santanna de Araújo, 
Walter Cézar Addeo (texto); Jussara Lopes (revisão); Marisa 
Corazza (diagramação).
(Textos informados pelos editores / edição parcial de Lucas Vasques)
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DIRETORA EDITORIAL 
Ethel Santaella
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ANO 13 - EDIÇÃO 151
JUNHO 2019
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OLHO GREGO por renato janine ribeiro
82 • ciência&vida
O
que é liberdade de 
expressão, o que 
é liberdade de im-
prensa? A impren-
sa se organiza em empresas de 
mídia bem capitalizadas porque 
precisa de um parque industrial 
ou, ao menos, de acesso intenso 
à internet. Por isso sempre esteve 
ligada ao poder econômico e, por 
que não, político. Já a liberdade 
de expressão é mais ampla. Qua-
se todos a temos hoje, graças às 
redes sociais. 
Expandir a liberdade de ex-
pressão é positivo. Mas é mes-
mo? As redes sociais expandiram 
as fake news. A imprensa contra-
-ataca, vendo seu império sob 
ameaça. Contra as mentiras que 
saem nas redes sociais, a im-
prensa brande a checagem dos 
fatos. Mas o ideal é não perder 
essa multiplicação de vozes que 
a internet permitiu – somando 
a democratização da palavra a 
um compromisso sério com a 
verdade.
E aí entra outro problema. A 
liberdade, de expressão ou im-
prensa, sempre teve uma relação 
conturbada com a verdade. Se 
só for lícito publicar a verdade, 
quem julga se você não mentiu? 
Esse juiz terá um poder enorme 
na sociedade. Daí que nas de-
mocracias se prefira pecar do 
lado da mentira que do lado da 
repressão. Daí o que ouvi de um 
conhecido, que “liberdade de 
expressão é sem-
pre liberda-
de de dizer 
merda”: queria 
dizer que não se 
deve controlá-la.
Só que ele errou. A liber-
dade de expressão é uma con-
quista do Iluminismo, das Luzes. 
A Enciclopédia foi uma aposta 
no conhecimento de qualidade, 
entendido como emancipador. 
As pessoas seriam mais felizes, 
a sociedade mais rica, graças à 
ciência e à Filosofia. Não devido 
à merda ou à mentira. Se a men-
tira tem lugar na liberdade de ex-
pressão, é como efeito colateral 
inevitável, não como princípio 
ativo desejado. 
Uma sociedade será mais 
próspera, um Estado mais demo-
crático se a mentira e o ódio que 
convergem nas fake news (por-
que elas não são apenas falsida-
de: são armas de guerra contra 
o outro, o diferente) forem sen-
sivelmente mais fracos do que a 
disposição a procurar a verdade 
e a respeitar os direitos humanos. 
Como gerar essa sociedade, 
esse Estado? Não é vigiando e pu-
nindo, embora isso seja necessá-
rio – e países exemplares por sua 
democracia, como a França e a 
Alemanha, criminalizam respecti-
vamente a negação do Holocaus-
to e a defesa do nazismo. Mas o 
eixo principal é um compromisso 
com a educação e com a verdade. 
Se o Brasil 
chegou a esse 
fundo do poço 
em que hoje está foi porque 
esse compromisso foi quebrado. 
A mentira circulou, esses anos, 
descontrolada. Muitos preferiram 
vencer a curto prazo em vez de 
pensar no futuro. Hoje, temos 
que reconstruir. Isso significa, 
antes de mais nada e pensando 
em nós, que lemos esta revista, 
fortalecer o saber científico e fi-
losófico. A educação e a pesqui-
sa são uma base difícil, pouco 
conhecida, demorada, mas sólida 
para uma ação que democratize 
o Estado e a sociedade. 
Renato Janine Ribeiro, ex-ministro 
da Educação, é professor titular 
de Ética e Filosofia Política na 
Universidade de São Paulo (USP).
www.renatojanine.pro.br
A liberdade 
de expressão 
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