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2 Ministério da Saúde - MS Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães – CPqAM Departamento de Saúde Coletiva - NESC MARCÍLIO SANDRO DE MEDEIROS POLUIÇÃO AMBIENTAL POR EXPOSIÇÃO À POEIRA DE GESSO: IMPACTOS NA SAÚDE DA POPULAÇÃO Dissertação de mestrado para obtenção do grau de mestre em Saúde Pública, realizado no CPqAM/NESC sob a orientação da Profª. Drª. Lia Giraldo da Silva Augusto Recife, Março/2003. 3 Catalogação na Fonte: Biblioteca do Centro de Pesqu isas Aggeu Magalhães 504.05 M488p Medeiros, Marcílio Sandro de. Poluição ambiental por exposição à poeira de gesso: impactos na saúde da população/Marcílio Sandro de Medeiros; orientadora: Lia Giraldo da Silva Augusto. -- Recife, 2003. 200 f.: il.; tabs., graf., quadros, mapas, croquis, e foto. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública)- Departamento de Saúde Coletiva, Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz. 1. Saúde Ambiental 2. Impactos ambientais 3. Poluição ambiental 4. Poeira 5. Sulfato de Cálcio 6. Impactos na saúde 7. Zona semi-árida 8. Mineração 9. Epidemiologia. I Augusto, Lia Giraldo da Silva, orientadora II. Título 4 Folha de Aprovação 5 DEDICATÓRIA A Deus, por iluminar sempre o meu caminho. A minha mãe (Amara), tia (Lucinda), irmãs (Zulma e Kátia), sobrinhos (João, Manoel e Mariana) e cunhado (Fábio). 6 AGRADECIMENTOS A Dra Lia Giraldo pela confiança depositada nesse projeto e no meu trabalho. Ao Professor Henrique Câmara pelas orientações. Aos Geógrafos Caio, Mauro, Mota e Santana pela iniciação científica. Aos Professores Idê, Domício e Warney pelas informações. Aos companheiros do LASAT: Evânia, Regina e Fernando. Aos meus colegas de turma: Andréa, Anchieta, Odair, Conceição, Luiza e Betise. Aos meus amigos: Adiene e Ana pela ajuda e troca de idéias. A Solange e Mircia pelos momentos de alegrias mesmo nos períodos de intenso trabalho. A Secretaria Municipal de Saúde de Araripina em especial a Dra. Simone Granja. Enfim, a todos que de forma direta ou indireta contribuíram para a realização desta pesquisa. 7 RESUMO O pólo gesseiro de Pernambuco é responsável por 90% da produção de gipsita do país. Estima-se que essa atividade gesseira, formada por empresas de mineração, calcinação e fábricas de pré-moldados gere na região cerca de 12 mil empregos, constituindo a principal atividade econômica do Sertão do Araripe. A pesquisa objetivou conhecer as características sócio-ambientais da região e estimar as prevalências das queixas de saúde da população. Trata-se de um estudo de morbidade referida que analisou a população do principal distrito gesseiro do município de Araripina-PE através de amostra representativa dos 2.486 habitantes residentes no perímetro urbano do Distrito de Morais. Realizou-se observação direta da paisagem geográfica através de técnicas de vivência na região, como também pesquisas em dados secundários. Os impactos sócio-ambientais observados foram: a intensificação da degradação da vegetação de Caatinga, utilizada como principal fonte energética no processo de calcinação do gesso; o êxodo rural provocado pela substituição de antigas áreas de produção agrícola por lavras de gipsita; a poluição do ar, do solo e das águas oriundas do processo de calcinação e destinação dos resíduos sólidos dos processos produtivos; e na saúde. Observou-se na saúde que 30% da população tem queixas respiratórias, sendo a tosse a principal manifestação (28%). 43% referiram irritação na conjuntiva ocular e 37% sangramento nasal. As principais referências de repercussões pulmonares da população exposta a poeira de gesso foram: pneumonia (27%); bronquite (14%); e Asma (10%). Concluiu-se que há evidências de que a poluição ambiental por poeira de gesso seja um fator desencadeador de distúrbios no trato respiratório superior e inferior, na mucosa ocular e nasal. Trata-se de um relevante problema de saúde pública para a região. Há necessidade de instituir uma vigilância ambiental e epidemiológica, dirigida a esta problemática regional, para melhor compreender os efeitos na saúde e propor medidas de prevenção. 8 ABSTRACT ENVIRONMENTAL POLLUTION FOR EXHIBITION TO PLASTER D UST: IMPACTS IN THE POPULATION’S HEALTH Pernambuco’s plaster industry is responsible for 90% of the country’s gypsum production. It is estimated that this plaster activity, constituted by mining calcinations companies and of prefabricated concrete blocks factories generate 12 thousand jobs and is the main economical activity of the Interior of the Araripe. The research aimed to know the socio-environmental characteristics of the area and to esteem the prevalence of the population’s health complaints. It is a referred morbidity study that analyzed the population of the main plaster district of the municipal district of Araripina-PE through representative sample the population in 2.486 inhabitants. A direct observation of the geographical landscape, through techniques existing in the area, took place as well as a research in secondary data. These were the socio- environmental impacts observed: intensification of Savanna vegetation degradation, used as main energy source in the process plaster calcinations; rural exodus provoked by the substitution of old areas of agricultural production for gypsum plowings; air, soil and waters pollution caused by the calcinations process and destination of the residues solids of the productive processes; and in health. It was observed that 30% of the population has breathing complaints, cough being the main manifestation (28%). 43% referred to ocular conjunctive irritation and 37% to nose bleeding. These were the main references of lung repercussions of the population exposed to plaster dust: pneumonia (27%); bronchitis (14%); and Asthma (10%). The conclusion reached was that there are evidences that the environmental plaster dust pollution is an unleashing factor of disturbances in the superior and inferior breathing system and in the ocular and nasal mucous membrane. It is a important public health problem in the area. For a better understanding of the health effects and to propose prevention measures it is necessary to institute an environmental and epidemic surveillance focused on this regional problem. 9 SUMÁRIO ERRATA FOLHA DE APROVAÇÃO DEDICATÓRIA AGRADECIMENTOS RESUMO ABSTRACT LISTA DE ILUSTRAÇÕES LISTA DE ABREVIATURAS 1. APRESENTAÇÃO 15 2. INTRODUÇÃO 17 3 DESENVOLVIMENTO 18 3.1 Poluição Ambiental por poeira de gesso 18 3.2 A produção de gesso no sertão da Chapada do Araripe 20 3.3 Impactos do pólo gesseiro de Pernambuco 25 3.4 O ambiente Araripense 26 3.5 Impactos ambientais: conceitos e aplicação para prevenção em saúde 29 3.6 A Vigilância à saúde relacionada ao ambiente e as atividades produtivas 30 3.7 Investigações científicas sobre a poluição do ar 32 3.8 Estudos de prevalência de sintomáticos respiratórios na população 34 3.9 Fatores sócio-ambientais potencializares dos efeitos da poluição na saúde 35 4. MÉTODOS 37 4.1 Desenho do Estudo 37 4.2 Unidades de Análises 37 4.2.1 Unidades de análises de contexto 37 4.2.2 Unidades de análises de ancoragem 38 4.2.3 Unidades de análises de subtexto 38 4.3 População de Estudo 38 10 4.4 Plano de Análise 39 4.4.1 Análise Qualitativa 39 4.4.2 Análise Quantitativa 39 4.4.2.1 Plano tabular de análise das variáveis 41 4.4.3 Triangulação 42 4.4.4 Amostragem 43 4.4.4.1 Critérios de seleção dos indivíduos 43 4.4.4.2 Critérios de exclusão 43 4.5 Fonte de dados 44 4.5.1 Dados primários 44 4.5.2 Dados secundários 45 4.6 Problemas metodológicos, controle de viés e de fatores de confusão 45 4.7 Considerações éticas 46 5. RESULTADOS 47 5.1 Caracterização sócio-demográfica e ambiental da região 47 5.1.1 Um olhar de contexto 49 5.1.2 Caracterização sócio-demográficada população do Distrito de Morais 55 5.1.3 A calcinação do gesso 59 5.1.4 As manufaturas de gesso 63 5.1.5 A atividade mineralógica e seus contrastes com a economia agrária 66 5.1.6 As perspectivas formais para o desenvolvimento da região gesseira do Araripe e suas implicações sócio-ambientais. A questão ambiental e as várias concepções de desenvolvimento sustentável da região 70 5.2 Aspectos de interesse do perfil epidemiológico no município de Araripina 72 5.2.1 Morbidade referida da população do Distrito de Morais 73 5.2.2 Características aos óbitos 75 5.2.3 Características dos serviços de saúde 76 11 6. DISCUSSÃO 78 7. CONCLUSÃO 83 8. RECOMENDAÇÕES 86 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 87 APÊNDICE 91 ANEXOS 103 12 LISTA DE ILUSTRAÇÕES TABELAS Tabela 01 - População urbana residente no Distrito de Morais – Ano 1996 39 Tabela 02 - Freqüência de queixas de poeira de gesso dentro de casa, tosse, aperto no peito, falta de ar e tabagismo. 43 Tabela 03 - População de Araripina segundo Distrito – Ano 2000 49 GRÁFICOS Gráfico 01 - Produção mundial de gipsita em 1999 22 Gráfico 02 - Produção brasileira de gipsita em 1999 23 Gráfico 03 - Precipitação (em mm) e temperatura (ºC) de Araripina 27 Gráfico 04 - Pirâmide etária da população do município de Araripina em 2000 48 Gráfico 05 - Ano de estudo da população de Morais 57 Gráfico 06 - Principais ocupações da população de Morais 58 Gráfico 07 - Número de minas de gipsita em Pernambuco: comparativo entre os anos de 1981 e 1995 67 Gráfico 08 - Casos das internações, segundo capítulos CID10 no município de Araripina – Ano 2001 73 Gráfico 09 - Morbidade referida da população urbana do Distrito de Morais 74 Gráfico 10 - Doenças respiratórias referidas pela população do Distrito de Morais 74 Gráfico 11 - Causa morte segundo capítulos CID10 no município de Araripina – Ano 2001 76 QUADROS Quadro 01 - Composição química média para os depósitos de gipsita de Araripe 21 Quadro 02 - Distribuição espacial das unidades de produção do pólo Gesseiro de Pernambuco, por Municípios - 1995 24 Quadro 03 - Freqüência de sintomas respiratórios baseados em estudos realizados no Brasil 35 Quadro 04 - Sistemas de informação consultados 38 13 Quadro 05 - Banco de dados explorados 40 Quadro 06 - Variáveis, indicadores, base de cálculo e fontes utilizadas 42 MAPAS Mapa 01 - Unidades geoecológica da chapada do Araripe 28 Mapa 02 - O município de Araripina e as principais atividades econômicas e outros aspectos de interesse sócio-ambiental 51 Mapa 03 - Perímetro urbano do Distrito de Morais e aspectos das unidades fabris de produção do gesso 56 CROQUIS Croquis 01 - Aspetos de uma fábrica de placas de gesso no Distrito de Morais 64 FOTOGRAFIAS Foto 01 - A Barragem de Lagoa do Barro 50 Foto 02 - Aspectos ambientais de uma área sendo preparada para plantio com técnicas agrícolas rudimentares (coivara) 52 Foto 03 - O entorno do manancial d’água do Distrito de Nascente e aspectos da ocupação urbana desordenada 53 Foto 04 - Depósitos de resíduos do gesso em via pública 54 Foto 05 - Casa de farinha adaptada para calcinar gesso 60 Foto 06 - Aspecto de uma calcinadora equipada com forno rotativo para queimar óleo BPF, mas que continuam queimando lenha 63 Foto 07 - Etapas de produção das placas de gesso 66 Foto 08 - Aspectos ambientais do processo de extração de gipsita em Araripina 69 14 ABREVIATURAS Nome completo Abreviaturas Área de Proteção Ambiental APA Associação Brasileira de Normas Técnicas ABNT Banco Interamericano para Desenvolvimento BID Center for Diease Control CDC Companhia Pernambucana do Meio Ambiente CPRH Conselho de Desenvolvimento de Pernambuco CONDEPE Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde DATASUS Departamento Nacional de Produção Mineral DNPM Empresa Pernambucana de Pesquisa Agropecuária IPA Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho FUNDACENTRO Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBAMA Ministério da Saúde MS Ministério de Minas e Energia MME Núcleo Tecnológico do Araripe CT-Araripina Oficina Internacional del Trabajo OIT Óleo Combustível derivado do petróleo BPF Organização Mundial da Saúde OMS Organization For Economic Cooperation Development OECD Partículas Menores PM População Economicamente Ativa PEA Programa Agente Comunitário da Saúde PACS Programa Saúde da Família PSF Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente SECTMA Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SENAI Serviço Social da Industria SESI Sistema Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SEBRAE Sistema de Informação de Atenção Básica SIAB Sistema de Informação de Mortalidade SIM Sistemas de Internação Hospitalar SIH Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste SUDENE Universidade Regional do Cariri URCA 15 1. APRESENTAÇÃO A idéia da pesquisa intitulada “Poluição Ambiental por Exposição à Poeira de Gesso: Impactos na Saúde da População” surgiu em 1998 após um importante estágio de elaboração de vídeo documentário sobre os Sertões Pernambucano no curso de graduação em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco. Entre as diversas constatações sobressaia-se que o Sertão Nordestino vinha sendo resumido às secas periódicas e aos grandes projetos de agricultura irrigada, onde a natureza tornava-se catástrofe e o sertanejo miserável, no nosso imaginário simbólico. Ao rever a obra de Euclides da Cunha (Os Sertões), conclui-se que tais constatações, trata-se de recorrências euclidianas estereotipadas que difundem ser este espaço hostil, rude e até mesmo inadequado à existência humana. Por trás desses estereótipos, esconde-se o grande drama sócio-ambiental que o novo modelo econômico, das duas últimas décadas, impôs ao ecossistema sertanejo. Durante as excursões, na região que corresponde ao Sertão Pernambucano da Chapada do Araripe, o que esperava-se encontrar nesta paisagem, baseava-se nos estudos do professor Mario Lacerda de Melo, na década de 1980, que era uma população que vivia ainda da roça no cultivo da mandioca para produção da farinha. A surpresa e grandiosidade das atividades industriais de produção do gesso em larga escala foram ofuscadas pelo cenário de degradação ambiental se comparadas às outras realidades ambientais dos sertões da Bahia e de Pernambuco, excursionadas durante o processo de elaboração do vídeo documentário. Os inúmeros focos de fumaça, oriundos dos processos de coivara e calcinação do gesso, bem como os diversos caminhões transportadores de lenha da caatinga, resíduos de gesso depositados inadequadamente em beiras de estradas e enormes campos secos desmatados, foram os motivos pelos quais aguçaram o nosso interesse pela região e o assunto. São poucos os estudos sobre o assunto, e os que existem, são generalizações pontuadas, descomprometidas em aprofundar a discussão dos impactos da produção de gesso na região. Portanto, a dificuldade inicial em estabelecer o melhor desenho de estudo sobre o assunto justifica-se pelo 16 “ineditismo” que os efeitos da poluição ambiental por exposição à poeira de gesso podem causar a saúde humana. Das inquietações iniciais chega-se aos resultados desta Dissertação de Mestrado em Saúde Pública realizada no Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães em Recife-PE. Os impactos das atividades de produção do gesso na qualidade de vida da população do município de Araripina são decorrentes das transformações na economia rural oriundas das modificações na estrutura fundiária e agrária e da degradação ambiental das terras provocada pelo extrativismo vegetal. Especificamente na saúde da população, a poluição ambiental por exposição à poeira de gesso contríbui para um quadro epidemiológico de altaprevalência de sintomáticos respiratórios, irritação das conjuntivas oculares e irritação de pele. Os propósitos e achados da pesquisa têm como principal objetivo rediscutir os processo de produção do gesso do Araripe Pernambucano. Trata-se de uma das principais economias do Sertão do Nordeste do Brasil. O redirecionamento dessa atividade é urgente e necessário diante do quadro ambiental insustentável. Repensá-la não quer dizer acabar, e sim estabelecer bases que garantam o futuro da produção sem prejuízos à economia agrícola, ao meio ambiente e principalmente à qualidade de vida dos sertanejos. 17 2. INTRODUÇÃO A atividade gesseira do Sertão do Araripe Pernambucano é responsável por mais de 90% da produção de gesso do país. O município de Araripina concentra mais de 50% das atividades do “pólo gesseiro de Pernambuco”, que é constituído de três segmentos econômicos: mineração, calcinação e manufatura. Estima-se que o setor gesseiro empregue na região cerca de 12 mil pessoas, tratado-se de uma das principais atividades econômicas do Sertão do Araripe Pernambucano. Entre os estudos sobre a atividade gesseira, são poucos os que abordam os impactos sócio-ambientais e, até o momento, nenhum estudo sistemático foi realizado para avaliar os efeitos da poluição ambiental por poeira de gesso na saúde da população. A hipótese inicial é que os processos sócio-técnicos-ambientais envolvidos na cadeia produtora gesseira, composta pelas atividades de mineração, calcinação e manufatura, no contexto do Semi-Árido e, particularmente, no município pernambucano de Araripina, impactam a saúde humana, contribuíndo para um quadro epidemiológico desfavorável à qualidade de vida das populações expostas à poeira do gesso, entre outros fatores ambientais. O questionamento condutor do presente trabalho é como caracterizam-se as queixas respiratórias de uma população exposta à poeira oriunda dos processos sócio-técnicos-ambientais envolvidos na cadeia produtora de gesso, no contexto sócio-ambiental do município de Araripina, no Sertão de Pernambuco. Para isso, objetiva-se caracterizar o perfil sócio-ambiental e os impactos na saúde humana oriundos das atividades produtoras de gesso no município pernambucano de Araripina. A partir da descrição dos processos de produção da atividade gesseira, das características sócio-ambientais da população exposta à poeira de gesso e das queixas de saúde da população que habita o entorno das unidades de produção do gesso, propõe-se apresentar subsídios para a vigilância em saúde ambiental, em áreas sujeitas à poluição ambiental por poeira de gesso. 18 3. DESENVOLVIMENTO 3.1. Poluição Ambiental por poeira de gesso A poeira é toda partícula sólida de qualquer tamanho, natureza ou origem, formada por trituração ou outro tipo de ruptura mecânica de um material original sólido, suspensa ou capaz de se manter suspensa no ar. O nome partícula refere-se a uma unidade simples da matéria, tendo, geralmente, uma densidade próxima da densidade intrínseca do material original. Essas partículas geralmente têm formas irregulares e são maiores que 0,5 µm (SANTOS, 2001). A poluição atmosférica caracteriza-se pela presença de materiais ou formas de energia no ar que impliquem risco, dano ou moléstia grave às pessoas e bens de qualquer natureza (ARÁNGUEZ et al., 2001). Os processos de dispersão da poluição atmosférica por partículas de poeira mineral, foram observados em uma calcinadora de produção da cal proveniente do calcário e limitam-se, geralmente, às vizinhanças da fonte emissora. A observação de uma indústria de calcário que emite diariamente precipitação de 3,17 g/m2 de pó constata que nas vizinhanças distantes 1 km há precipitações de 1,74 g/m2 e a uma distância de 2 km a precipitação é de 0,27 g/m2. O processo de dispersão das partículas de poeira depende das correntes aéreas fortes. Há casos em que a poeira atinge elevadas altitudes de 4 a 8 km, podendo formar nuvens de pó (FELLENBERG, 1997). Quanto aos impactos da poluição ambiental sobre o clima, segundo Fellenberg (1997), não se tem certeza de quantos fatores climáticos são afetados pelo aumento crescente da quantidade de poeira na atmosfera. Algumas consequências são certas, tais como: a diminuição da intensidade de radiação do sol, estimada em cerca de 0,4% por ano e perdas de energia que não se refletem somente numa diminuição geral da temperatura, mas, eventualmente, também na velocidade e direção dos ventos (FELLENBERG, 1997). 19 O mesmo autor descreve a ação da poeira sobre as plantas, na medida em que o pó é depositado sobre as folhas. Segundo ele, a poeira contendo CaO, proveniente das indústrias de calcários forma uma cobertura de ação fortemente alcalina (foram medidos valores de pH de 8 a 12) sobre a vegetação. Isso faz com que as plantas percam água, prejudicando o citoplasma das células do vegetal. Observa-se ainda que a ação do pó das indústrias de cimento reage com a umidade atmosférica (quando esta atinje valores elevados) formando uma camada contínua de silicatos de cálcio sobre as folhas das plantas. Com isto, fecham-se os estômatos necessários para as trocas gasosas, reduzindo a respiração e a fotossíntese da planta. Considera-se também que as folhas empoeiradas tornam-se mais aquecidas que as folhas limpas, podendo comprometer o metabolismo e o equilíbrio hídrico dessas plantas. A recuperação da planta pode se dar com as chuvas removendo a cobertura de poeira (FELLENBERG, 1997), mas nas regiões semi-áridas, onde os índices pluviométricos são baixos, esse reparo celular fica bastante comprometido. Outros estudos em plantas da espécie Tradescantia observaram mutações da estrutura celular quando exposta às altas concentrações de poluentes (ANDRÉ et al., 2000) A exposição à poluição ambiental é considerada quando o fator de risco encontra-se imediatamente próximo às vias de ingresso do organismo do indivíduo, ou seja, da respiração, alimentação, pele, placenta, etc (BRASIL,2001). No caso da exposição a um poluente interessa suas características: toxicológicas (capacidade de transformação, persistência ambiental e vias de penetração no organismo); características indivíduais dos expostos a esse poluente; e aspectos sócio-ambientais do local da exposição (magnitude, duração e frequência, etc.) (BRASIL, 2000). 20 3.2. A produção de gesso no sertão da Chapado do Ar aripe Estudos recentes vêm alertando sobre os danos à saúde humana que são causadas pelos impactos ambientais das atividades mineralógicas em pequena escala nos países em desenvolvimento (JENNINGS, 1999). Segundo estudos, nos últimos cinco anos, o crescimento médio desta atividade em 35 países da África, Ásia e América Latina, foi de mais 20% (JENNINGS, 1999). Foi também constatado que mais de 80% de todo processo mineralógico não é regulamentando, ou seja, desrespeita as legislações ambientais e trabalhistas. Essa modalidade de atividade mineralógica emprega diretamente cerca de 13 milhões de trabalhadores que contribuem com 15 a 20% da produção mundial de pedras preciosas, materiais de construção e minerais no mundo (JENNINGS, 1999). Estima-se que, em todo o mundo a subsistência de 80 a 100 milhões de pessoas depende das baixas remunerações geradas por esta atividade. Esses números são aproximadamente iguais aos empregos gerados pela atividade mineralógica regulamentada dos países desenvolvidos (JENNINGS, 1999). No Brasil, nas duas últimas décadas, a atividade industrial de mineração de gipsita desenvolvida no Sertão do Araripe Pernambuco é responsável por mais de 90% da produção de gesso, onde estima-se que seja a maior reserva em volume de gipsita do país (CONSELHO DE DESENVOLVIMENTO DE PERNAMBUCO - CONDEPE, 1966). O gesso é um dos mais antigos materiais de construção fabricados pelo homem. Sua obtenção é relativamente simples e consisteno aquecimento a uma temperatura não muito elevada (cerca de 160o C) e, posterior redução a pó, de um mineral relativamente abundante na natureza: a gipsita (PERES et al., 2001). Os termos “gipsita”, “gipso” e “gesso” são usados freqüentemente como sinônimos. A denominação “gipsita”, no entanto, é mais adequada ao mineral em 21 estado “in natural”, enquanto “gesso” indicaria os produtos calcinados (PEREIRA, 1973) A gipsita é uma rocha sedimentar e origina-se da remoção e acumulação dos produtos resultantes do intemperismo físico e/ou químico de qualquer tipo de rocha, bem como da deposição de qualquer material proveniente da atividade animal e vegetal (BIGARELLA et al., 1994). Esse mineral não-metálico é encontrado na natureza em cinco variedades em todo mundo: (1) “rocha de gesso”; (2) “gipsita” (uma forma terrosa e impura); (3) “alabastro” (uma variedade translúcida de granulação fina e massiva — rocha pouco dura e muito branca, translúcida, finamente granulada, constituída de gipsita); (4) calcita fibrosa (uma forma sedosa fibrosa) e; (5) “selenita” (cristais transparentes). Raramente é encontrado puro e do contrário, os depósitos de gipsita podem conter quartzo, piritas, carbonatos, material argilosos e material betominoso (OFICINA INTERNACIONAL DEL TRABAJO-OIT, 1989). A composição química da gipsita em estado puro corresponde à fórmula de SO4Ca.2H2O, distribuindo-se percentualmente nos compostos CaO (32,60%), SO3 (46,50%) e H2O (20,90%) (COSTE, 1966). Entre as propriedades físicas, é um mineral higroscópico que tem grande afinidade pelo vapor de água, sendo capaz de retirá-lo da atmosfera ou eliminá-lo de uma mistura gasosa. Quadro 01 - Composição química média para os depósi tos de gipsita do Araripe. Determinações Valores (%) Umidade (a 60ºC) 0,08 Água combinada (a 200ºC) 19,58 Perda ao Fogo (1.000ºC) 1,62 Resíduos Insolúveis 0,28 Sílica (em SiO2) 0,32 Ferro e Alumínio (em R2O3) 0,20 Cálcio (em CaO) 32,43 Magnésio (em MgO) 0,31 Sulfatos (em NaCl) 0,15 Teor de Gipsita 93,65 Fonte: PERES et al, 2001, p. 20) 22 Os Estados Unidos da América são o maior produtor e consumidor de gipsita. A produção em 1999 foi da ordem de 19,4 milhões de toneladas, conforme mostra o gráfico abaixo (BRASIL. Ministério de Minas e Energia – BRASIL-MME, 2000). Gráfico 01 - Produção mundial de gipsita em 1999 Em termos mundiais, a indústria cimenteira é a maior consumidora de gesso, usado como retardador do “tempo de pega” do cimento. Nos países desenvolvidos a indústria de gesso e derivados absorve a maior parte da gipsita produzida. Entretanto, tem-se verificado o largo emprego desse mineral nas indústrias químicas e de construção civil e na agricultura (PERES et al, 2001). No Brasil encontram-se reservas de gipsita em quase todas as regiões.No entanto, as jazidas do Araripe despontaram no cenário nacional, no início da década de 1960, como uma das mais importantes (CONDEPE, 1966). Com efeito são as maiores reservas do país e fazem parte da seqüência sedimentar Cretácea, conhecida como Chapada do Araripe, que corresponde aos Estados de Pernambuco, Ceará e Piauí (PERES et al., 2001). 27.444 9.000 9.000 8.200 7.400 7.100 5.300 1.456 19.400 4.500 9.200 0 5 .000 10.000 15 .000 20 .000 25.000 30.000 Outros país es Es tados U nidos C h ina Irã Ta ilând ia C anadá Es panha México Japão França Bras il (e m tone las ) Fonte: BRASIL -MME, 2000. 23 Fonte: BRASIL-MME, 2000 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 MG TO BA AM MA CE PE UF Produção (%) As reservas pernambucanas, por apresentarem melhores condições, especialmente no que concerne ao teor e facilidade de exploração (a céu aberto), logo ganharam destaque e, atualmente, são responsáveis por cerca de 90% da produção de gipsita do País (Gráfico 02) (CONDEPE, 1966). Gráfico 02 - Produção brasileira de gipsita em 1999 No chamado “pólo gesseiro de Pernambuco” a mineração é feita a céu aberto, com frentes de lavra em forma de anfiteatro e bancadas variando em torno de 15 m de espessura (PERES et al., 2001). O gesso produzido da gipsita (Sulfato de Cálcio Bi-hidratado, ou seja, CaSO42H2O) é obtido através dos processos de: (1) britagem: consiste na fragmentação de blocos do minério (matacões) sendo, normalmente, utilizados britadores de mandíbulas e rebritadores de martelo; (2) moagem: dependendo do tipo de forno a ser utilizado, a gipsita britada pode ser moída em moinhos de martelo antes de ser enviada para a etapa seguinte; (3) peneiramento: a depender da existência de plantas de calcinação, como fornos de tipos diferentes, a gipsita moída pode ser peneirada, em peneiras vibratórias, e separadas em frações para usos específicos; (4) calcinação: operação na qual a gipsita se transforma em gesso (sulfato de Cálcio semi-hidratado, isto é CaSO41/2H2O) pela ação do calor, podendo ser realizada à pressão atmosférica ou equipamentos fechados e sob pressão; (5) pulverização: o gesso, após a calcinação, é normalmente triturado em moinho de 24 martelo, moagem fina, para obtenção de granulometria final especificada pelas normas brasileiras da ABNT; (6) estabilização: a depender das condições de calcinação, o gesso pode passar por um período de ensilamento ou estabilização, com a finalidade de obter-se maior homogeneidade na composição final; e (7) embalagem: o gesso é normalmente embalado em sacos multifoliados de papel, contendo 20 ou 40 kg. Opcionalmente, o gesso pode ser comercializado em "Big Bags", sacos plásticos que contêm 1.000kg ou outras embalagens predefinidas (PERES et al., 2001). Resumidamente, costuma-se classificar a atividade em três segmentos econômicos, que em 1996 estavam distribuídas espacialmente nos municípios pernambucanos localizados na Microrregião de Araripina, conforme quadro abaixo (Quadro 02) (SANTOS; SARDOU, 1996). Quadro 02 - Distribuição espacial das unidades de p rodução do Pólo Gesseiro de Pernambuco, por Município - 1995 Unidades de Produção de Gesso do Pólo Gesseiro de Pernambuco Segmentos da Cadeia Produtiva do Gesso Total Araripina Ipubi Trindade Ouricuri Bodocó Minas em atividade 23 12 16 1 6 4 Calcinadoras 47 18 7 20 2 0 Fábricas de pré-moldados 125 74 26 13 7 5 Total 204 104 49 34 15 9 Fonte: SANTOS e SARDOU, 1996, p.8. Destes municípios, Araripina, além de concentrar maior parte da atividade gesseira, abriga o maior contingente de mão-de-obra da atividade, com 1.500 empregos, ou seja, 47% do total de empregos locais gerados em 1996 (SANTOS; SARDOU, 1996). 25 3.3. Impactos ambientais e na saúde do pólo gesseir o de Pernambuco Sobral (1997), em artigo apresentado no “Encontro Nacional da Gipsita no ano de 1997”, adverte para as implicações da racionalização da atividade gesseira na região do Araripe. Admite-se que a racionalização resultaria no afastamento de um número significante de pessoas do processo produtivo, gerando um novo desemprego na região. A autora descreve sucintamente que entre os recursos naturais explorados para produção de gesso, a extração da madeira para ser utilizada como lenha é a que se apresenta com situação mais crítica. A autora adverte que a região já não é mais auto-suficiente para o consumo energético gerado da lenha, onde já se observa a importação desta fonte energética vinda de outros estados, como por exemplo do Piauí, acarretando importantes impactos sobre a vegetação de caatinga. O estudo ainda critica a atuação dos órgãos públicos federais (IBAMA) e estaduais (CPRH) na fiscalização e controle do desmatamento (SOBRAL, 1997). Sobre a degradação do solo, o Plano Estadual de Controle da Desertificação de Pernambuco estabelece os níveis de ocorrência de degradação ambiental em muito graves, graves e, áreas susceptíveis. Este documento, oficialmente, resume a problemática ao classificar a região do Araripe como “área com problemas ambientais” (PERNAMBUCO, 1995). Atéo momento, nenhum estudo sistemático foi realizado na região para avaliar o impacto dessa atividade produtiva para a saúde humana na situação de exposição à poeira do gesso (SOBRAL, 1997). Na saúde, a poeira de gesso tem uma ação irritante na membrana da mucosa do trato respiratório e dos olhos, desencadeando afecções tais como: conjuntivite, rinites crônicas, laringites, faringites, perda da sensação do olfato e do paladar, hemorragias de nariz e reações das membranas da traquéia e brônquicas dos trabalhadores expostos. Outros experimentos feitos com animais expostos à poeira do gesso evidenciaram o desenvolvimento de pneumonia e pneumoconiose intersticial, produzindo alterações na circulação sangüínea e linfática a nível pulmonar (OIT, 1989). 26 As características físicas do mineral (fibras resistentes com diâmetros < 0,5 µm a >10 µm) determinam o local de deposição das partículas, mas é a composição química da fibra que determina sua capacidade de produzir doenças (OIT, 1989). Entre os poucos estudos publicados sobre o assunto, está um resumo de trabalho referente a uma inspeção realizada pela Secretaria de Saúde de Pernambuco, que constata várias irregularidades no que diz respeito à segurança no ambiente de trabalho. Por exemplo: excesso de poeira, calor e ruído, principalmente nas empresas pequenas. Em relação aos diagnósticos das patologias decorrentes dessa exposição não há dados significativos, pois não há serviços de saúde voltados para o atendimento do trabalhador na região e os registros disponíveis são de péssima qualidade e de difícil acesso (COUTINHO et al., 1994). Segundo o único diagnóstico da atividade gesseira em Pernambuco realizada em 1995 as principais causas de falta ao trabalho são: bebidas alcoólicas (38%), “doenças comuns” (35%) e atividades agrícolas (22%). Entre as denominadas doenças comuns referidas, as que mais induzem à falta ao trabalho foram as do aparelho respiratório 50% (entre os trabalhadores das fábricas de pré-moldados representa 66% das faltas) e as de coluna 30% (entre os trabalhadores das mineradoras representa 74% das falta) (SANTOS e SARDOU, 1996). 3.4. O ambiente Araripense Do ponto de vista científico, as reservas de gipsita encontradas no Sertão do Araripe permitem reconstituir eventos da história geológica da Terra como, por exemplo, determinar quais foram as condições paleoambientais ou paleoclimáticas em que se deu a deposição das diversas sequências de sedimentos. Daí a sua importância paleontológica para o mundo (BIGARELLA et al, 1994). As condições climáticas e geográficas que originaram os atuais depósitos de gipsita do Araripe possivelmente não correspondem às atuais condições de clima do semi-árido mesotérmico (Dd'B'4a' classificação climática de Thorntwaite (1948)), (BARROS et al., 1994). 27 Dados climatológicos da estação agrometeorológica de Araripina (coordenada geográfica da estação: 7º 29' S; 40º 36' W e 816 metros de altitude) revelam que a precipitação pluviométrica média anual de Araripina é em torno de 752 mm. Setenta por cento destas chuvas se concentram nos meses de janeiro a abril, com pequeno ou nenhum excesso de água. As temperaturas médias mensais oscilam entre 21,2 e 25,0ºC, registrando durante os meses de outubro a dezembro as temperaturas mais elevadas: 31,2 e 31,7ºC. A unidade relativa do ar varia entre 42 e 80%, sendo registrada as menores baixas no decorrer da tarde. A velocidade do vento é mais intensa durante os meses de julho e agosto, com valores próximos a sete metros por segundo. A direção dos ventos é predominantemente de sudeste, no entanto, observa-se na série histórica ventos de nordeste, sul, norte e noroeste durante os meses do ano (BARROS et al, 1994). Gráfico 03 – Precipitação (mm) e temperatura (ºC) d e Araripina Observação: gráfico construído das médias de precipitação e temperatura referente dados coletados estação agrometeorológica de Araripina observada durante 42 anos. Estudos da SUDENE na década de 1980 sobre os municípios de Araripina e Ipubi destacam que a morfologia agrária destes espaços sertanejos é tipicamente agropastoril, diferenciando-se apenas na distribuição espacial das atividades — ora é mais importante a agricultura, ora a pecuária (bovino, caprino e ovino) e às vezes um misto — nos três subespaços (unidades geoecológicas) regionais identificados (Figura 01): (1) unidade geoecológica da Chapada, localizada ao norte: Havia uma importante área produtora de mandioca integrada ao sistema agrícola de feijão de corda - caju - gado (área de pastejo durante parte do ano), onde encontrava-se um 19 20 21 22 23 24 25 26 J F M A M J J A S O N D 0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 PRECI TEMP Fonte: BARROS et al., 1994 28 grupo de pequenos agricultores proprietários de terra e donos de casa de farinha em melhores condições de existência; (2) unidade geoecológica sopé da Chapada (pé de serra): Havia um ambiente de transição influenciado pela chapada, sendo as melhores áreas da região e as mais produtivas, onde predominava o sistema gado- pequena lavoura. É também neste subespaço que se encontram as imensas jazidas de gipsita; (3) unidade geoecológica pediplanada, localizada ao sul da região: (menos favorecida pelas chuvas) área na qual são desenvolvidas lavouras de curto ciclo (temporárias), tais como feijão de arranque e milho (MELO,1988). Mapa 01 – Unidades geoecológicas da Chapada do Arar ipe Tal configuração revela uma estrutura da produção rural de Araripina, onde a participação relativa da produção agrícola (subextensiva) é de 76,3%, seguida da produção pecuária (semi-extensiva) de 23,1% — predominando a criação de bovinos e conforme acentuação da semi-aridez, surgem os caprinos e/ou ovinos (MELO, 1988). Outro aspecto destacado deste estudo refere-se à estrutura fundiária, a qual não se apresenta entre as mais desequilibradas em comparação àquela encontrada na zona sertaneja pernambucana. Os imóveis rurais muito pequenos representam 29 23,4% (menos de 10ha), ocupando 2,8% das terras cadastradas, enquanto os pequenos constituem 53,4% (10 a menos de 50ha) e ocupam 31,2% das terras. Os imóveis rurais médios representam 14,6% (50 a menos de 100ha) e ocupam 24,0% das terras; os grandes representam 8,0% (100 a menos de 500ha) e ocupam 33,4% das terras e os grandes representam 0,6% (500 e mais de 500ha) e ocupam 8,7% das terras (MELO, 1988). Esse estudo conclui que a soma dos subespaços resulta em arranjos sócio- espaciais condicionados pelos elementos naturais e humanos provenientes das combinações agropastoris, arranjos estes bastante adaptados (MELO, 1988). 3.5. Impactos ambientais: conceitos e aplicação par a prevenção em saúde. Segundo alguns estudos, tem sido reclamado por pessoas esclarecidas do mundo inteiro um esforço de aprofundamento dos estudos de impactos ambientais e sociais decorrentes das atividades produtivas. Técnicos, cientistas e líderes ambientais do mundo defendem a idéia de estender a exigência destes estudos em projetos industriais, agrários e urbanísticos ditos desenvolvementistas, considerados ecologicamente insustentáveis, independentemente de sua dimensão, desde que haja um reconhecido potencial de periculosidade (MÜLLER-PLANTENBERG; AB'SÁBER, 1998). O termo impacto vem do latim impactu que significa choque ou colisão. Na terminologia do direito ambiental a palavra aparece também com o sentido de choque ou colisão de substâncias (sólidas, líquidas ou gasosas), de radiações ou de formas diversas de energia, decorrentes de realização de obras ou atividades com danosa alteração do ambiente natural, artificial, cultural ou social. Portanto, o termo impacto é entendido como efeitos nocivos (MILARÉ, 1998). Segundo este estudo, impacto ambiental é qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada porqualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: (1) a saúde, a segurança e o bem estar da população; (2) as 30 atividades sociais e econômicas; (3) a biota; (4) as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; (5) a qualidade dos recursos ambientais (MILARÉ, 1998). O impacto na saúde, na maioria das vezes, é muito difícil definir em um doente, isto é, quem teve sua saúde afetada pelo fator ambiental a ser estudado. Normalmente apresenta-se por meios de sinais e sintomas inespecíficos, podendo o quadro clínico ficar completo muito tempo após a fase inicial da exposição. Isso se explica porque nas primeiras fases de uma investigação epidemiológica é muito comum a existência de casos suspeitos que podem posteriormente ser confirmados, ou não. A Epidemiologia deve valorizar os sinais e sintomas precoces das doenças, uma vez que as ações de vigilância nesta fase são mais efetivas e podem evitar o desenvolvimento completo da doença (BRASIL. Ministério da Saúde. BRASIL-MS, 2001). 3.6. A Vigilância à saúde relacionada ao ambiente e às atividades produtivas Na concepção moderna e abrangente de Vigilância à Saúde o objeto das ações de saúde caminha no sentido dos riscos ambientais (e não dos efeitos à saúde), sendo os contextos sociais e os modos de vida relevantes para o julgamento. A forma de organização desse modelo privilegia tanto a construção de políticas públicas, como a atuação intersetorial, e as intervenções particulares e integradas de promoção, prevenção e recuperação, em torno de problemas e grupos populacionais específicos, tendo por base as análises da situação de saúde nos territórios para o planejamento de ações (BRASIL-MS, 2001). Esta tendência recente da saúde pública desloca o enfoque da doença para o enfoque da saúde. Isto implica em uma abordagem mais coletiva dos problemas epidemiológicos observados na população (BRASIL-MS, 2001). O conceito de Vigilância Ambiental em Saúde busca tratar os fatores ambientais que afetam a saúde de maneira contextualizada nos espaços de desenvolvimento humano. O ambiente é determinado pelas atividades antrópicas 31 decorrentes das tecnologias produtivas e, por esta razão, o ambiente se modifica com a dinâmica social. A Vigilância Ambiental configura-se como: Um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento e a detecção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes do meio ambiente que interferem na saúde humana, com a finalidade de identificar as medidas de prevenção e controle dos fatores de riscos e das doenças ou outros agravos à saúde relacionados ao ambiente e às atividades produtivas (BRASIL-MS, 2001, p. 44). Na busca de um modelo baseado na idéia de promover a vigilância da saúde, a concepção de sítios sentinelas é a que mais se aproxima da abordagem que se quer para o estudo dos impactos produzidos pela cadeia produtora de gesso na saúde das populações expostas. O termo "sentinela" emprega-se com diversas acepções e é aplicado a diversos substantivos como, por exemplo, sítios sentinelas, eventos sentinelas, e populações sentinelas. Em comum, todos eles fazem alusão implícita a um microcampo de informação de sensibilidade suficiente para monitorar um certo universo de fenômenos (SAMAJA, 1996). A concepção de sítio sentinela, segundo Samaja (1996), é aplicada originalmente em sociedades com sistemas estatísticos deficitários. Constitui-se de um complemento importante para o monitoramento das condições de vida da sociedade. É orientado para diagnósticos de problemas de saúde e seu monitoramento para programação e reprogramação continuada das ações (SAMAJA, 1996). Segundo o mesmo autor, o objetivo central desta proposta consiste em deixar para trás as amostras e avançar no estudo da morfologia das populações integradas por unidades sócio-espaciais que constituem a maneira mais legítima de analisar os componentes de uma dada formação social complexa (SAMAJA, 1996). 32 3.7. Investigações científicas sobre a poluição do ar As investigações cientificas e sistemáticas sobre os efeitos da poluição atmosférica na saúde humana só começaram no século XX como resultado de uma série de acidentes ambientais, provocando o aumento significante na taxa de morbidez e mortalidade (ANDRÉ, 2000). Dentre as técnicas de pesquisas aplicadas nestes estudos destacam-se os estudos epidemiológicos que representaram um papel importante no entendimento dos efeitos dos poluentes do ar em todos os tipos de ambientes fechados e abertos (ANDRÉ, 2000). Apesar dos avanços técnicos e metodológicos nas décadas recentes, há limitações inerentes aos estudos epidemiológicos, como por exemplo: descontam eventos passados, quando o dano já foi feito; limitações financeiras; requer amostras significantes, nem sempre acessíveis em estudos com seres humanos; limitações éticas podem impedir a aquisição de dados; e inferência causal, um ponto crucial nos estudos epidemiológicos (ANDRÉ, 2000). A inferência causal tem sido alvo de inúmeros esforços para reafirmar a confiança em um modo de ligar a exposição aos efeitos à saúde. Este problema vem aumentando desde que os primeiros estudos populacionais foram usados na saúde ambiental e ocupacional. A necessidade de distinguir entre explanações causais e não causais levou pesquisadores a definir um grupo de critérios causais os quais, quando satisfeitos, poderiam certificar a validez dos resultados (ANDRÉ, 2000). ANDRÉ et al. (2000) destacam que durante a década de 1960 o Sir Austin Hill (1965) propôs o seguinte grupo de critérios: • Força da associação: associações fortes, as quais permanecem estatisticamente significantes mesmo após controle, são mais prováveis de serem causais; • Consistência: resultados similares feitos por observadores em populações diferentes e sob circunstâncias diferentes; 33 • Especificidade: uma causa deve estar associada a uma única doença a um único grupo de doenças. A poluição atmosférica está associada a doenças respiratórias (os poluentes do ar também têm sido associados a doenças cardiovasculares e oftalmológicas); • Temporalidade: a exposição deve preceder a doença para reforçar a inferência causal; • Gradiente biológico: a presença de uma associação dependente da dose entre exposição e efeito com maiores exposições levando a maiores efeitos; • Plausibilidade biológica: baseada em conhecimento anterior sobre a patofisiologia da doença e os mecanismos pelos quais os poluentes podem levar a efeitos adversos à saúde. • Coerência: significa que uma relação causal não pode ter conflito com a história natural da doença, apesar de que informações aparentemente conflitantes não invalidam uma inferência causal; • Provas experimentais: uma vez demonstrada a associação, uma intervenção que remova a causa deve atenuar ou eliminar o efeito observado. Por exemplo, o episódio em Utah relatado por Pope III (1989): uma greve fechou uma velha fábrica de aço, que era principal fonte de partículas poluentes. Durante aquele período tanto os níveis de partícula da matéria, quanto às admissões hospitalares pediátricas foram reduzidas pela metade; • Julgamento da analogia: se poluentes ambientais em estudos experimentais provam-se capazes de induzir alterações inflamatórias e imunológicas no trato respiratório de animais, eles devem induzir alterações similares em seres humanos.(ANDRÉ et al, 2000) 34 3.8. Estudos de prevalência de sintomáticos respira tórios na população A prevalência de sintomáticos respiratórios em uma população de risco, ou não, é indicadora indireta de doenças respiratórias agudas e crônicas, bastante confiável sob o ponto de vista epidemiológico. Esta prevalência está associada a uma gama de fatores, tais como: variável ambiental (aspectos geográficos, condições de temperatura e umidadedo ar, características sociais e culturais), variáveis ligadas ao próprio indivíduo (sexo, idade, hábito tabágico, história ocupacional e patológica pregressa), entre outras (PEVETTA; BOTELHO, 1997). A utilização de inquéritos epidemiológicos é bastante generalizada em estudos do tipo transversal ou de prevalência, possivelmente devido a sua simplicidade e baixo custo (PEVETTA; BOTELHO, 1997). Através deste método é possível obter informações a respeito da exposição de pessoas a eventuais fatores de risco, a variáveis potenciais de confusão ou modificadores de efeitos, ou mesmo para avaliar a ocorrência de síndromes ou determinadas doenças de interesse. Com a utilização de questionários obtém-se o conhecimento acerca da prevalência de sintomáticos respiratórios, servindo como instrumento epidemiológico importante de diagnóstico e também da evolução das afeccções pulmonares em diferentes grupos populacionais (PEVETTA; BOTELHO, 1997). Numa amostra populacional não-selecionada é importante não esperar que esta seja composta de indivíduos assintomáticos do ponto de vista respiratório. Ao contrário, provavelmente entre um quarto e metade dos indivíduos apresentam um ou mais dos principais sintomas respiratórios (tosse, expectoração, chiado, dispnéia). Esse tema deve ser analisado distinguindo-se adultos de crianças (LIMA; LEMLE, 1993). No Brasil, estudos em ambientes urbanos (grandes cidades) demonstraram que o problema de sintomáticos respiratórios é importante para diversas categorias profissionais e para residentes de cidades (Quadro 03) (LIMA; LEMLE, 1993). 35 Quadro 03 - Freqüência de sintomas respiratórios ba seados em estudos realizados no Brasil Autor N Amostra F T E C D ZOUVI, 1982 38 Burocratas 55,0 13,2 5,3 — 28,9 ARAÚJO, 1986 264 Funcionários Hospital 48,8 18,3 14,8 23,3 38,5 BOTELHO, 1989 345 Habitantes cidades 39,7 41,4 32,7 24,9 25,7 LIMA e LEMLE, 1993 100 Funcionários Universidade 38,0 18,0 21,0 25,0 5,0 Fonte: LIMA; LEMLE, 1993, p. 80 Legenda: F= fumante; T= tosse; E= expectoração; C= chiado; D= dispnéia 3.9. Fatores sócio-ambientias potencializadores dos efeitos da poluição na saúde Alguns estudos indicam que as doenças respiratórias são mais susceptíveis nos grupos populacionais de crianças menores de cinco anos e velhos maiores de 65 anos procedentes de áreas urbanas e suburbanas. O inverno e o confinamento em dormitório encontram-se entre os fatores predisponentes dos agravos respiratórios, enquanto que o tabagismo dos pais e os combustíveis domésticos, a lenha e o querosene, são fatores importantes no desencadeamento desses agravos (BENGUIGUI, 1999) O conhecimento dos poluentes e das fontes de emissão não é suficiente para explicar o complexo processo da contaminação atmosférica. As características estruturais e as dinâmicas da atmosfera e as características morfológicas do relevo são também importantes elementos da dispersão dos poluentes no espaço e de sua evolução (ARÁNGUEZ et al, 2001). Por exemplo, as diferenças de temperatura e da umidade do ar podem influenciar na composição da mistura dos poluentes e, conseqüentemente, nos efeitos sobre a saúde humana (GOUVEIA; FLETCHER, 2000) 36 As pesquisas também indicam, que os efeitos na saúde humana também são verificados quando em concentrações de poluentes estão abaixo dos limites legais toleráveis (ANDRÉ et al, 2000). 37 4. MÉTODOS 4.1. Desenho do Estudo O desenho de estudo é descritivo, de cunho exploratório que utiliza instrumentos de coleta de dados qualitativos e quantitativos. As informações foram obtidas através da triangulação metodológica dos dados para uma melhor compreensão da realidade sócio-ambiental do objeto da pesquisa. A descrição, registro, análise e interpretação dos fenômenos ou situação de um determinado espaço-tempo são essenciais para esse desenho de estudo, pois tem como finalidade desenvolver hipóteses e aumentar a familiaridade do pesquisador com o ambiente, objetivando utilizar os resultados para propor solução do problema. Nestes estudos utiliza-se uma variedade de procedimentos de coleta de dados como, por exemplo, entrevistas, observação, análise de dados e conteúdos disponíveis (MARCONI e LAKATOS, 1999). 4.2. Unidades de Análise 4.2.1. Unidade de análise de contexto Para melhor caracterização dos processos de produção do gesso e manufaturas que impactam o ambiente e a saúde, analisaram-se o contexto sócio- ambiental do município pernambucano que concentra mais de 50% da atividade gesseira. O município de Araripina, situado na Microrregião de Araripina e Mesorregião do Sertão de Pernambuco, localiza-se a cerca de 692 km de Recife em uma área de 1.914,4 km2 (corresponde 17,3 da Microrregião de Araripina e 1,9% do Estado de Pernambuco) que faz fronteira ao norte com os municípios de Padre Marcos (PI), Fronteira (PI), Campos Sales (CE) e Ipubi (PE); ao sul: com Trindade (PE), Ouricuri (PE) e Simões (PI); a leste: com Ipubi (PE) e Trindade (PE); e a oeste: como Simões (PI) (Ver Mapa em Apêndice A). 38 4.2.2. Unidade de análise de ancoragem. A unidade de análise de ancoragem foi Distrito de Morais, localizado a 12 km a sudeste da sede municipal. Foi selecionado após levantamento realizado em conjunto com a Secretaria de Saúde de Araripina, da localidade que melhor representasse a configuração sócio-técnico-ambiental de funcionamento da atividade gesseira em Araripina. Nesse Distrito funcionam atualmente seis calcinadoras de porte médio e 19 fábricas de placas de gesso em perímetro urbano residencial. Este local funcionou como sítio sentinela para o estudo de morbidade referida. 4.2.3. Unidade de análise de subtexto A unidade de análise de subtexto foram os indivíduos domiciliados em área de exposição à poeira de gesso do Distrito de Morais que participaram do inquérito epidemiológico. 4.3. População de Estudo A população de estudo sofreu variação conforme o sistema de informação consultado, apresentado no quadro abaixo: Quadro 04 – Sistemas de informação consultados Sistema de Informação População Período SIM Óbitos 2001 SINASC Nascimento 2001 SIH Internação 2001 SIAB Atenção básica à saúde 2002 Censo Demográfico Setor censitário 1996 Censo Demográfico população 2000 (preliminar) 39 A população de referência para cálculo da amostra para o inquérito epidemiológico foi baseada no Censo Demográfico do IBGE de 1996, por ser este o último recenseamento que disponibilizava dados da população por setor censitário. Tabela 01 - População urbana residente no Distrito de Morais - Ano 1996. Setores Censitários Urbanos Especificação Setor Censitário 1 Setor Censitário 2 Total Habitantes (Nº) 1.480 1.006 2.486 Homem (Nº) 729 512 1241 Mulher (Nº) 751 494 1245 Domicílios (Nº) 350 150 500 Fonte: IBGE, 1996 4.4. Plano de Análise 4.4.1. Análise Qualitativa A análise qualitativa foi realizada com base na observação direta da paisagem geográfica, pela vivência do autor e entrevistas no local. Esta etapa é fundamental para a compreensão do processo de desenvolvimento local e sua relação com a cadeia produtora gesseira. Nesse sentido, foram considerados também os aspectos culturais e de percepção social dos habitantes da área, relacionando-os com o problema do estudo. Também foram utilizadas pesquisas documentais. A ilustração mediante fotografias, mapas e croquis são ferramentas de uso freqüente nas pesquisas geográficas que permitem ao leitor aproximar-se melhor dos cenários pesquisados e observados na pesquisa. 4.4.2. Análise Quantitativa A análise quantitativa foi baseada nas informações obtidas pelo questionário e pelo banco de dados do IBGE e Ministério da Saúde, nos quais foram coletados na 40 exploração dos arquivos abaixo descriminado, disponíveis em cd roow produzidos pelo DATASUS/MS. Quadro 05 – Banco de dados explorados Sistema de InformaçãoArquivo SIM DOPE2001.DBF SINASC DNPE2001.DBF SIH RDPE200101A12.DBC SIAB SIAB2002.DBF Censo Demográfico do IBGE SETOR1996.DBF Os dados informatizados foram explorados com os recursos do Tabwin versão 3.2 do DATA-SUS/MS e do EPINFO versão 6.0 do Center for Diease Control -CDC. Os resultados foram analisados através de medidas de tendência central, apresentados em tabelas e gráficos de distribuição da freqüência absoluta e relativa. 41 4.4.2.1. Plano tabular de análise das variáveis As variáveis e as bases de cálculos utilizadas para constituição dos indicadores foram utilizadas conforme apresentado em quadro abaixo: Quadros 06 - Variáveis, indicadores, base de calcul o e fonte utilizadas VARIÁVEL INDEPENDENTE INDICADOR CARACTERÍSTICAS BASE DE CALCULO FONTE sexo masculino ou feminino proporções IBGE idade 0 a 4; 5 a 9; 10 a 14; 15 a 19; 20 a 24; 25 a 29; 30 a 34; 35 a 39; 40 a 44; 45 a 49; 50 a 54; 55 a 59; 60 a 64; 65 a 69; 70 a 74; 75 a 79; 80 a 84; 85 a 89; 90 a 94; 95 a 99; > 100 proporções IBGE escolaridade já foi a escola; anos de estudo proporções INQUÉRITO hábitos tabagismo e alcoolista proporções INQUÉRITO ocupação doméstica; agricultura; comércio; funcionário público; construção civil; gesso; outros proporções INQUÉRITO características individuais condições de trabalho no gesso tempo que trabalha no gesso; atividade; função; exame médico; epi; contrato; salário; horas de trabalho; folga; turno; salário. proporções INQUÉRITO situação de domicílio urbana ou rural proporções IBGE tempo de moradia nº anos INQUÉRITO distância da residência da fábrica de gesso < 100m; 100m a 500m; 500 a 1000m; > 1000m. proporções INQUÉRITO localização da residência em relação à fábrica de gesso norte, sul, leste, oeste proporções INQUÉRITO pessoas por residência nº de indivíduos freqüência INQUÉRITO tipo da residência tijolo; adobe; taipa; taipa não revestida proporções SIAB quantidade de dormitórios nº de quartos freqüência INQUÉRITO número de pessoas que dormem por quarto 1 a 2; 3; 4; > 5 proporções INQUÉRITO tipo de fogão gás ou lenha proporções INQUÉRITO tipo de piso cimentada; não cimentada proporções INQUÉRITO uso de inseticida ou veneno sim ou não. proporções INQUÉRITO poeira de gesso dentro de casa sim ou não; pouco ou muita proporções INQUÉRITO características sócio-ambientais da residência origem da água consumida encanada; poço; cacimba; açude proporções SIAB 42 destino dos dejetos fossa; via pública proporções SIAB destino do lixo coletado; via pública; queimado proporções SIAB VARIÁVEIS DEPENDENTES INDICADOR CARACTERÍSTICAS CALCULO tosse faixa etária; gênero; sim ou não; tempo que tosse; tipo da tosse proporções INQUÉRITO escarra ao acordar faixa etária; gênero; sim ou não proporções INQUÉRITO escarra sangue faixa etária; gênero; sim ou não proporções INQUÉRITO sangramento nasal faixa etária; gênero; sim ou não proporções INQUÉRITO aperto no peito faixa etária; gênero; sim ou não proporções INQUÉRITO falta de ar faixa etária; gênero; sim ou não; em que condições proporções INQUÉRITO já foi ao médico ou hospital por doenças respiratórias faixa etária; gênero; sim ou não; qual doença; foi internado; proporções INQUÉRITO irritação nos olhos faixa etária; gênero; sim ou não, tipo da irritação proporções INQUÉRITO sintomas de irritação de pele faixa etária; gênero; sim ou não, tipo da irritação; partes do corpo proporções INQUÉRITO internações por doença respiratória capítulos do cid10 proporções SIH faixa etária das internações por doença respiratória <1; 1 a 4; 5 a 9; 10 a 14; 15 a 19; 20 a 39; 40 a 59; 60 a 69; 70 a 79; > 80 proporções SIH óbitos por doença respiratória capítulos do cid10 proporções SIM faixa etária dos óbitos por doença respiratória <1; 1 a 4; 5 a 9; 10 a 14; 15 a 19; 20 a 39; 40 a 59; 60 a 69; 70 a 79; > 80 proporções SIM morbidade e mortalidade natureza da unidade hospitalar público; privado proporções SIH 4.4.3. Triangulação A triangulação dos dados quantitativos e qualitativos objetiva estabelecer ligações entre descobertas obtidas por diferentes fontes, ilustrá-las e torná-las mais compreensível. NEVES (1996), ao revisar o assunto utilizam a expressão triangulação simultânea para as pesquisas que usam ao mesmo tempo instrumentos quantitativos e qualitativos. Ressalta que, na fase de coleta de dados, a interação entre os dois métodos é reduzida, mas, na fase de conclusão, eles se complementam (1996). 43 4.4.4. Amostragem O cálculo do tamanho da amostra levantou em consideração os setores censitários do IBGE e a prevalência de 30% do sintomático tosse como indicador de maior representatividade dos sintomáticos respiratórios, encontrada no inquérito piloto realizado em julho de 2001 na área de estudo, garantindo um intervalo de confiança de 95%. Tabela 02 - Freqüências de queixas de saúde e polui ção referidas em inquérito epidemiológico piloto. Poeira % Tosse % Aperto no peito % Falta de ar % 13 15 62 74 36 43 25 30 Obs: resultado do inquérito piloto realizado em 26 de julho de 2001 no Distrito de Morais, onde se vis itou 68 residências e entrevistou-se 84 pessoas. 4.4.4.1. Critérios de seleção dos indivíduos Em cada domicílio selecionado foram entrevistados diretamente todos os moradores com idade superior a dez anos. Os menores de dez anos de idade foram entrevistados indiretamente, ou seja, representados no inquérito por um adulto responsável de preferência à mãe. A revisita ao domicílio selecionado durante os finais de semana objetivou entrevistar os domiciliados ausentes da primeira visita por motivos de trabalho. 4.4.4.2. Critérios de exclusão Quando a residência selecionada estava fechada ou quando houver recusa de participação, foi selecionada a residência subseqüente (vizinha imediata). Após a coleta de dados foram excluídos os questionários de indivíduos que referiram patologias pulmonares já diagnosticadas, tais como: tuberculoses, enfisema pulmonar, câncer e outras patologias pulmonares crônicas de origem não ambiental. 44 4.5. Fontes de Dados 4.5.1. Dados Primários Os dados primários coletados para pesquisa foram baseados na observação direta da paisagem geográfica, entrevistas abertas utilizando-se de roteiro semi- estruturado durante estágio de vivência no município do estudo e inquérito epidemiológico de queixas de saúde através de questionário com roteiro semi- estruturado (Ver em Apêndice B e C). Para observação e descrição da paisagem geográfica foi realizado o "diagnóstico ambiental rápido e participativo" baseado em Paulo Pertersen (1995). Resumidamente, significa o diagnóstico ambiental da área em estudo através das observações e interpretações da paisagem e principalmente do conhecimento da população na caracterização e diferenciação dos geofatores sócio-ambientais encontrados e desenvolvidas nas localidades visitadas. Aplicaram-se também as "Técnicas de Convergência" do Professor Mauro Resende [199-], que trata-se de procedimentos utilizados para levantamento de informações, através de entrevistas de campo com os agricultores, moradores e trabalhadores do gesso. O inquérito epidemiológico de queixas de saúde mediante questionário semi- estruturado foi aplicado em cada domicílio selecionado por seis pessoas devidamente treinados em duas etapas: • 1ª Etapa: delimitação, planejamento, treinamento dos entrevistadores e aplicação do questionário – período de 13 a 17 de março de 2002; • 2ª Etapa: aplicação do questionário e avaliação final – período de 31 de maio a 02 de junho de 2002. Foram visitados 148 domicílios e entrevistadas 462 pessoas nos setores censitários urbanos 1 e 2 do Distrito de Morais (Ver Apêndice D). 45 4.5.2. Dados Secundários Os dados secundários foram provenientesde pesquisa documental dos registros, atas, anais, regulamentos, circulares, ofícios, fotos e mapas temáticos da pesquisa, coletados em livros, revistas, jornais e vídeos, nas principais instituições e bancos de dados do CPqAM, FUNDACENTRO, IBGE e Ministério da Saúde. Deve- se ressaltar a opção pelo Sistema de Informação Hospitalar (SIH) e Sistema Informação de Mortalidade (SIM) do DATA-SUS para a caracterização de aspectos de interesse do estudo do perfil epidemiológico da população de Araripina, que devido a grande número de sub-registros e sub-notificações dos outros sistemas (SINAN, SIA, SIAB) limitava a qualidade da análise. 4.6. Problemas Metodológicos, Controle de Viés e de Fatores de Confusão Houve dificuldade de integração da equipe de campo que aplicou o questionário, ficando alguns questionários sem o preenchimento correto de todas as variáveis. Durante a aplicação do inquérito epidemiológico observou-se que a população ficou apreensiva em participar, possivelmente desconfiada em considerar a pesquisa uma ameaça ao emprego na atividade gesseira. O pequeno número de indivíduos que referiram trabalhar no gesso (N=24) talvez seja maior, apesar dos esclarecimentos sobre os objetivos da investigação. Algumas variáveis sócio-ambientais intra-domiciliar e hábitos individuais são consideradas fatores de confusão na interpretação dos dados. Por exemplo, uso de praguicidas, lenha para cozinhar e o tabagismo promovem irritações no trato respiratório e outras manifestações. No caso dos indivíduos que referiram hábito de fumar foi minimizado com o controle da variável, após comparação de sub-grupos (fumantes e não fumantes). 46 4.7. Considerações Éticas Foram solicitados aos indivíduos participantes no inquérito epidemiológico o consentimento informado e esclarecido para a permissão por escrito em três vias com base na informação completa, fornecida aos mesmos do objetivo da pesquisa, seus direitos e acesso aos resultados (Ver Apêndice C). Foi garantido o princípio da privacidade das informações adquiridas no estudo. Realizou-se seminário no local para esclarecimento dos objetivos da pesquisa, com a presença de autoridades governamentais municipais e representantes das instituições de ensino e pesquisa, do setor empresarial, dos trabalhadores e da sociedade civil organizada. Os resultados da pesquisa serão informados aos participantes através de um texto didático, contendo as conclusões do estudo e suas recomendações. Os indivíduos sintomáticos identificados serão encaminhados para os serviços médicos de referência indicados pela secretaria municipal de saúde, para que sejam garantidas à devida assistência. Será firmado convênio com o Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães e Ministério da Saúde para capacitar a rede de saúde municipal para diagnosticar o tratamento de sintomatologias respiratórias da população exposta. Em anexo o parecer de aprovação da Comissão de Ética do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães – CpqAM de registro de nº CEP/CEPqAM/FIOCRUZ 41/02 de 10 de setembro de 2002. 47 5. RESULTADOS 5.1. Caracterização sócio-demográfica e ambiental d a região A Chapada do Araripe constitui um extenso planalto (meseta) arenítico de cerca de 700 m de altitude acima do nível do mar, cujo subsolo é rico em fóssies, reservas de água e jazidas de gipsita que hoje são responsáveis por mais de 90% da produção de gesso do país. A área de influência da Chapada abrange vários municípios dos estado de Pernambuco, Ceará e Piauí onde vivem mais de 1.200.000 pessoas beneficiadas pela grande diversidade do ponto de vista natural, social e econômico da região, entre os quais destacam-se: (a) o setor agropecuário: produção da farinha e pecuária semi-extensiva, onde atualmente a região do Cariri no Estado do Ceará apresenta um maior dinamismo, haja vista as melhores condições ecológicas; (b) o extrativismo vegetal: produção de lenha e carvão que é a principal matriz energética do pólo gesseiro; (c) a indústria mineral: gipsita, cimento, argila e pedras ornamentais, sendo o gesso a principal atividade econômica do Sertão do Araripe Pernambucano; (d) o setor terciário: o desenvolvimento de atividades comerciais e de serviços alavancadas pelo turismo cultural, arqueológico e religioso nos municípios de Pernambuco (Exú) e Ceará (Crato, Juazeiro do Norte e Nova Olinda). No lado pernambucano, o município de Araripina destaca-se como o principal produtor de gesso de toda a região. O município de Araripina, localizado a 692 km da capital pernambucana, possui uma população total de 70.898 habitantes distribuídas pelo território de 1.914,4 km2, onde 51% da população é do sexo feminino e 51% residem na zona rural (Ver Apêndice E). A pirâmide etária da população de Araripina no ano de 2000 possui uma estrutura clássica, alargada na base, o que caracteriza uma população jovem, na qual as faixas etárias de menores (0 a 19 anos) representam a maioria (48,2%). A população adulta jovem (20 a 49 anos de idade) representa 37,5% e as faixas maiores de 50 anos apenas 14,3%. 48 40 00 30 00 35 00 25 00 20 00 15 00 50 00 40 00 30 00 35 00 25 00 20 00 15 00 10 00 50 00 50 00 10 00 50 0 0 0 a 4 >100 45 a 49 50 a 54 55 a 59 60 a 64 65 a 69 70 a 74 75 a 79 80 a 84 85 a 89 90 a 94 95 a 99 5 a 9 10 a 14 15 a 19 40 a 44 35 a 39 30 a 34 25 a 29 20 a 24 Faixa Etária (em anos) População FemininaPopulação Masculina Gráfico 04 - Pirâmide etária da população do municí pio de Araripina em 2000 A população economicamente ativa (PEA), composta pela população 10 a 49 anos, representa 61,4% do total, exercendo sobre o município e região uma forte demanda por trabalho. Há pouca variabilidade percentual entre os gêneros em todas as faixas etárias analisadas. No entanto, observa-se uma diferença na distribuição de gênero quanto à situação de domicílio. O sexo masculino está ligeiramente mais representado na zona rural (50,5%) e o sexo feminino na zona urbana (53%). Segundo entrevista com escritor local, na década de 1970, com a instalação das indústrias têxtil no município, houve uma maior migração de mulheres da área rural para a urbana, o que explicaria o maior contingente de mulheres residindo à sede do município. A densidade demográfica no município é de 37,0 hab./km2, no entanto sua distribuição não é homogênea. A maior concentração de habitantes é observada 49 na área urbana da sede do município que detém 65% da população. Nos demais distritos, a população encontra-se residindo na zona rural, conforme é mostrado na tabela abaixo. Tabela 03 – População de Araripina segundo distrito s – Ano 2000 URBANA RURAL TOTAL UNIDADE GEOGRÁFICA Nº % Nº % Nº % ARARIPINA 34.571 100 36.018 100 70.589 100 Araripina 27.638 60 18.308 40 45.946 65 Nascente 2.838 30 6.525 70 9.363 13 Lagoa do Barro 1.420 23 4.853 77 6.273 9 Morais 1.712 30 4.064 70 5.776 8 Bom Jardim do Araripe 963 30 2.268 70 3.231 5 Fonte: IBGE RECIFE/SINOPSE PRELIMINAR 2000 As sedes dos distritos não têm grande expressão demográfica. Embora a população rural seja maioria, observa-se que a agricultura tem perdido espaço, e em algumas localidades não é mais a principal atividade produtiva. 5.1.1. Um olhar de contexto A atividade agropastoril desenvolvida nessa região, com suas características peculiares de produção, gerou impacto negativo no meio ambiente. A prática da extração da madeira para lenha e carvão, provocando o desmatamento da região, que já é vulnerável pela semi-aridez, com vegetação de espécies da Caatinga, foi certamente a maior responsável pela degradação do solo em processo de desertificação. As regiões dos distritos de Lagoa do Barro e Nascente são testemunhas deste cenário de degradação ambiental. O distrito de Lagoa do Barro, localizado a 34 km da sede do município, é uma região aplainada onde a agriculturaextensiva do feijão, milho e mandioca são ainda as principais fontes de renda. A atividade gesseira nesse local é pouco expressiva, apenas cinco fábricas de placas de gesso funcionam, sem atividade de calcinação. Nesse distrito encontra-se a principal barragem que abastece a sede municipal. O 50 desmatamento verificado comprometeu substancialmente este recurso hídrico dessa área. Araripina sofre continuamente com a falta de água para abastecimento. Foto 01 – A Barragem de Lagoa do Barro Foto: Marcílio Medeiros, 51 Marcolândia-PI Exú-PE Trindade-PE Ouricuri-PE Feira Nova CEARÁ Li m ite s da ár ea d m un o icí pi o pe rte nc en A t - e A a A P rar ipe Área menos agricultável do Município. Última reservar de madeira da região que está sendo devastada Área abandonada do Município Área melhor beneficiada pelos recursos hídricos Área de produção agrícola Área de domínio de produção farinha de mandioca PIAUI PIAUI Lagoa de Dentro SUPER GESSO LAFARGE Bom Jardim do Araripe Sítio Flamengo Adutora do Oeste-COMPESA Jardim Sítio Ponta da Serra Morais Lagoa do Barro Gergelim Nascente Araripina Fonte: Baseado no mapa do Censo Demográfico IBGE de 2000 57’00º 9136 48’00º 39’00º 30’00º Serraria I 39’00º 21’00º Distrito Industrial de Araripina POLÍGONO DO GESSO DE ARARIPINA E strada do G esso 2000 2000 60004000 0 BR-316 PE-585 21’00ºN Mapa 02 – O Município de Araripina e as principais atividades econômicas e outros aspectos de interesse sócio-ambiental. 52 Nos Sítios de Catolé e Lagoinha é possível também observar o dano ambiental provocado pelo extrativismo vegetal. Na região as atividades agropastoris não são mais suficientes em manter a população vivendo das rendas oriundas destas economias. O esgotamento do solo é também causado por práticas agrícolas rudimentares, como, por exemplo, a limpa e broca através da queimada (coivara). A desertificação induzida pela atividade agrária é intensificada pela atividade do pólo gesseiro, como se verá adiante. Mapa 02 – O Município de Araripina e as principais atividades econômicas e outros aspectos de interesse sócio-ambiental. A área de Gergelim, próximo do distrito de Nascente, já constitui terras do sertão seco propriamente dito. O solo litólico e fazendas cada vez maiores têm como alternativa agrícola, em tempos de seca, a plantação de palma para alimentação animal. Aqui destacam-se as estratégias dos sertanejos diante das carências hídricas na maior parte do ano. O sistema de açudagem foi à política instituída pelos governos para o enfretamento da seca, desde o inicio do século XX. O distrito de Nascente, 42 km distante da sede municipal, apresenta um certo dinamismo econômico que anima a sociedade local para um processo emancipatório. A comercialização do feijão de corda é a principal cultura agrícola deste distrito, e atualmente movimenta o seu perímetro urbano. Nessa área, o lençol Foto: Marcílio Medeiros, novembro de 53 freático oferece boas reservas de água, mesmo durante as secas, auxiliando o abastecimento da população na região. No entanto, por falta de saneamento, essas reservas de água transformam-se em fontes de contaminação e transmissão de doenças veiculadas pelas águas. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde de Araripina a diarréia é um dos principais agravos de saúde nessa área. Nesse distrito, apesar das características rurais, já apresentam sinais de ocupação desordenada do solo, principalmente no entorno das cacimbas e açudes comprometendo a qualidade da água utilizada para consumo humano. Como observa-se na foto abaixo, os reservatórios não possuem mata ciliar protetora e as habitações invadem suas margens. Foto 03 – O entorno do manancial d’água do Distrito de Nascente e aspectos da ocupação urbana desordenada Beirando o pé de serra da Chapada do Araripe, a sudoeste de Araripina, na direção do antigo distrito de Rancharia, hoje chamado de Bom Jardim do Araripe, está o Sítio Lagoa Redonda. Nesta área, esqueletos de antigas moradias abandonadas testemunham o forte êxodo rural que ainda não tinha sido observado em outras localidades do município, necessitando serem melhor investigadas as verdadeiras causas. Foto: Marcílio Medeiros, novembro de 2002 54 Nesse local, as mudanças na geofísica da paisagem são indicados pela rochas “in natura”, que extraídas em blocos, são deixadas pelas estradas que dão acesso ao distrito. Esta paisagem marca o início das minas de gipsita que compõem a região gesseira de Araripina. Em Bom Jardim do Araripe 29,8% da população reside no entorno de um grande açude, o qual recebe os dejetos domiciliares e os resíduos das fábricas de gesso, constituido-se uma grande cloaca urbana, oferecendo riscos para a saúde da população. Aqui constata-se a substituição da economia agrícola pela atividade gesseira, sendo esta a principal fonte de renda da população, com duas grandes calcinadoras exportadoras de gesso e diversas fábricas manufatureiras. Os problemas oriundos do processo de produção do gesso e manufatura são referidos pela população, principalmente relacionados à poeira oriunda dos resíduos despejados nas proximidades das residências. É prática freqüente a utilização desses resíduos no recapeamento das vias de acesso, o que faz deles fontes de emissão adicionais de poeira de gesso, como é ilustrado na foto. Foto 04 – Depósitos de resíduos do gesso em via púb lica Foto: Marcílio Medeiros, novembro de 2002 55 Assim, o pólo gesseiro de Araripina está distribuído principalmente pelas localidades do Distrito de Morais, Sítio Flamengo, Sítio Ponta da Serra, Distrito de Bom Jardim do Araripe; e Sítio Lagoa de Dentro. Nelas estão localizadas as principais jazidas, lavras, calcinadoras e fábricas manufaturas de gesso, configurando um polígono de produção industrial. 5.1.2. Caracterização sócio-demográfica da populaçã o Distrito de Morais A história de constituição de Araripina está ligada a Vila de São Gonçalo, criada em 1892. Essa vila pertencia ao município de Ouricuri até 1927, quando houve a emancipação de Araripina que a incorporou. Foi a partir desse momento que foram criados os diversos distritos como hoje conhecemos, entre eles Morais. O distrito de Morais, situado às margens da BR-316 à 12 km a sudeste de Araripina, é de localização próxima e de fácil acesso tanto para a sede, quanto para os demais municípios da região. As primeiras moradias localizavam-se numa baixa de várzea do leito de um riacho a cerca de 1 km a nordeste da atual BR-316, onde hoje está construída a Igreja de São Sebastião. Segundo relatos, em meados da década de 1960, após um inverno que destruiu várias residências, sua reconstrução se deu nas áreas mais altas e afastadas da várzea, onde hoje observa-se uma expansão das habitações e unidades fabris de placas de gesso. Há nesta localidade uma infraestrutura de serviços municipais de educação, saúde e comércio razoáveis. No entanto, as condições de saneamento não diferem das já descritas para outras localidades de Araripina, caracterizando-se pela precariedade. Na sede desse distrito reside cerca de 30% da população, em mais de 500 domicílios, onde 10% das moradias são de taipa não revestida. Boa parte das moradias têm piso em cimento (78,6%), 2 quartos de dormir (64,8%) ocupados por até 3 pessoas por dormitório. 49,0% tem cozinha servida por gás e o restante (51%) utilizam carvão ou madeira para cozimento dos alimentos. Esta prática constituí-se em uma fonte adicional de poluição intra-domiciliar. 56 Mapa 03 – Perímetro urbano do Distrito de Morais e aspectos das unidades fabris de produção do gesso Muitas vezes, a lenha e/ou carvão são apenas utilizados no preparo dos alimentos que exigem maior tempo de cozimento. No entanto, pelo baixo poder aquisitivo e o elevado preço do gás de cozinha, esta população faz pressão sobre
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