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EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Kevin Daniel dos Santos Leyser CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Ivan Tesck Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz Prof.ª Tathyane Lucas Simão Prof. Ivan Tesck Revisão de Conteúdo: Graciele Alice Carvalho Adriano Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2018 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 370.7 L685e Leyser, Kevin Daniel dos Santos Leyser Educação integral e educação comparada / Kevin Daniel dos Santos Leyser. Indaial: UNIASSELVI, 2018. 227 p. : il ISBN 978-85-69910-91-6 1.Educação, Estudo e Ensino. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. Impresso por: Kevin Daniel dos Santos Leyser Possui graduação em Psicologia com Licenciatura Plena, Bacharelado e Formação pela Universidade Comunitária Regional de Chapecó (2005), em Filosofi a com Licenciatura Plena pela Universidade Comunitária Regional de Chapecó (2004), em Teologia com Bacharelado pela Faculdade de Educação Teológica Logos (2002). É especialista em Psicopedagogia e Práticas Pedagógicas e Gestão Escolar pela Faculdade de Administração, Ciências, Educação, Letras (FACEL) (2007). Mestre em Educação pela Universidade Regional de Blumenau (FURB) (2011). Trabalha há 11 anos no Ensino Superior, atualmente é professor na FAMEG/UNIASSELVI em Guaramirim (SC) e no Centro Universitário Leonardo da Vinci/UNIASSELVI em Indaial (SC). Faz parte do grupo de pesquisa em Filosofi a da Educação (EDUCOGITANS). Tem experiência na área de Filosofi a, com ênfase em epistemologia, pragmatismo e educação; na área de Psicologia, com ênfase em psicoterapias fenomenológico-existenciais, processos cognitivos, aprendizagem sócio emocional e educação; na área e Teologia, com ênfase em fi losofi a e epistemologia da religião. Na EAD, publicou: Filosofi a Geral e da Religião; Psicologia Geral e da Religião; Filosofi a Política e Ética e Profi ssão. Sumário APRESENTAÇÃO ..........................................................................01 CAPÍTULO 1 Fundamento Epistemológico e Desenvolvimento da Educação Comparada .............................................................11 CAPÍTULO 2 Mapeando o Discurso Intelectual Sobre “Educação Comparada” ...................................................................................49 CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4 CAPÍTULO 5 Educação Comparada, Campos Relacionados e sua Definição ................................................................................91 Globalização, Internacionalização e a Educação ................137 Educação Integral: Cosmovisões e Conceitos .....................183 APRESENTAÇÃO Caro pós-graduando, este livro tem como objetivo sistematizar os elementos básicos da disciplina de Educação Comparada e Educação Integral, o qual proporcionará um contato com os principais tópicos, autores e obras da área, além dos instrumentos necessários, não apenas para acompanhar a disciplina ofertada, mas também para os estudos autônomos posteriores. Apesar da sua história ter mais de um século, as questões sobre a identidade e a natureza da educação comparada foram e continuam a ser criadas na literatura, particularmente tendo em vista uma expansão na gama de atividades que foram rotuladas de "educação comparada". Paradoxalmente, o campo foi instituído em cursos universitários e sociedades profissionais em várias partes do mundo, e tem suas próprias publicações especializadas em livros e periódicos. Que o campo é institucionalizado como uma área separada de inquérito em muitos países - alguns mais fortes do que outros - não implica, necessariamente, muito menos justifica, a sua legitimidade intelectual como campo independente. Os praticantes no campo debatem a questão de saber se a educação comparada é uma disciplina, uma quase-disciplina, um campo multidisciplinar, um método ou simplesmente uma perspectiva diferente na educação. O debate sobre essas grandes questões diminui quando os membros do campo se tornam convencidos de que não há, nem tem de haver, respostas universais finais. Todavia, o debate continua, e se resume em uma única questão: o que é educação comparada? Este livro, especificamente os três primeiros capítulos, gira essencialmente em torno de dois temas centrais: as infraestruturas institucionais da educação comparada e seus contornos e substâncias intelectuais. Neste livro, procuramos elucidar o que a educação comparada é - intelectualmente e institucionalmente -, como essas duas facetas se relacionam entre si e, acima de tudo, por que suas trajetórias divergem. Abordamos, assim, as questões sobre o que é a educação comparada e como ela foi construída como um campo. Utilizando análise sociológica e argumentação filosófica, buscamos elucidar a formação institucional e intelectual da educação comparada por fatores associados à epistemologia, estrutura, agência e discurso. Afirmamos que a educação comparada existe e se perpetua institucionalmente como um campo distinto, apesar dos debates contínuos sobre sua legitimidade intelectual, porque é um corpo de conhecimento construído não puramente fora de uma lógica interna baseada em critérios cognitivos, mas também como resultado de uma sociedade envolvente de discursos (Foucault) e a interação das relações de poder localizadas tanto nas estruturas sociais como na agência humana (Bourdieu). Na construção de suas infraestruturas institucionais e de suas definições intelectuais, as relações de poder incorporadas em discursos, estruturas sociais e agência humana intervêm em conjunto com os princípios cognitivos. No primeiro capítulo, traçamos as raízes intelectuais - formas de conhecimento aceitas - subjacente ao trabalho dos educadores comparativos. Isso serve de base para a compreensão das definições e redefinições do campo por educadores comparativos nos próximos capítulos. Assim, no capítulo 2 e 3, tentamos responder à pergunta - o que é educação comparada? - com base nas definições intelectuais oferecidas pelos comparativistas, analisando-os de uma perspectiva realista e de construção. Não só procuramos esclarecer o debate sobre se a educação comparada é uma disciplina ou um campo ou método, mas também procuramos estabelecer o que diferencia a educação comparada de estudos educacionais e áreas afins. Ao examinar o discurso que distingue a educação comparada dos campos relacionados, elucidamos algumas relações entre essas definições intelectuais (por exemplo, entre educação internacional e educação comparada) e as histórias institucionais e as homologias encobertas com o mundo do poder. O objetivo nesta parte do livro é entender como os fatores associados à epistemologia, estrutura-agência e discurso constroem o campo da educação comparada. Procuramos oferecer alguns pontos de vista críticos sobre as noções assumidas ao conceder a educação comparada como um campo. Uma suposição particular que procuramos criticar é a noção de que o conhecimento incorporado na forma de disciplinas ou campos acadêmicos - neste caso, o campo da educação comparada - está isolado das influências do poder. No capítulo 4, saímos do terreno delimitado da Educação Comparada e adentramos o território da Globalização na Educação. Aqui, apresentamos aos leitores as teorias sobre a globalização da educação e os modelos mundiaisde educação. Fazemos isso diferenciando a educação global da educação comparada, introduzindo teorias dos fluxos e redes globais, da cultura educacional mundial, do sistema mundial e teorias pós-coloniais e críticas, das perspectivas culturalistas, do modelo mundial de capital humano, entre outras teorias e suas influências na educação. Finalmente, no capítulo 5 introduzimos o tema da educação integral. Neste capítulo percorremos várias cosmovisões que influenciam e influenciaram a educação (tradicional, moderna, pós-moderna), para culminar na cosmovisão integral. O intuito é que a partir desta compreensão mais abrangente, os conceitos operacionais e as propostas educacionais inerentes à educação integral ganhem mais sentido. Boa jornada, rumo à edificação acadêmica, professional e pessoal, e sucesso frente aos desafios intelectuais, éticos e pessoais proporcionados pelo estudo da Educação Comparada e da Educação Integral. Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser CAPÍTULO 1 Fundamento Epistemológico e Desenvolvimento da Educação Comparada A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Compreender os fundamentos epistemológicos da educação comparada. Identifi car as correntes teóricas e metodológicas em educação comparada. Comparar os temas importantes da educação comparada. Distinguir as histórias intelectuais alternativas da educação comparada. 12 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA 13 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 ConteXtualização Erwin H. Epstein (2013, p. 11) afi rma que duas características fundamentais identifi cam a educação comparada como campo acadêmico. A primeira delas se baseia em plataformas epistemológicas discerníveis e veneráveis que se desenvolveram no século XIX e que defi niram seus limites. Num segundo momento, desde o século XX, teve um número crescente de estudiosos, professores e profi ssionais que se identifi caram com este campo e incorporaram uma consciência coletiva sobre este empreendimento. Além disso, o autor prossegue com as plataformas epistemológicas, as quais servem de base para a formação da identidade e associação coletiva, na medida em que, sem a apreensão das maneiras aceitas de conhecer a realidade educacional na educação comparada, delineia seus limites através de meios institucionais ou outros será superfi cial. Assim, exploraremos neste capítulo as histórias intelectuais do campo. Uma compreensão das origens intelectuais do campo da educação comparada estabelece o enquadramento para a compreensão de sua natureza e modelagem intelectual (GARCÍA GARRIDO, 1996), assunto que discutiremos no próximo capítulo. O propósito deste capítulo é delinear uma história intelectual (e, possivelmente, histórias em vez de uma história) do campo da educação comparada a partir do século XIX até o presente. Procuraremos integrar um exame das bases epistemológicas da educação comparada com a aceitação de orientações teóricas e disciplinares correlativas. O capítulo contém, portanto, uma revisão da literatura sobre as raízes epistemológicas, o desenvolvimento teórico e os perfi s temáticos da educação comparada. Para essas seções, as principais fontes são Epstein (2008), Paulston (1994) e Cowen (2003), respectivamente. Em uma quarta seção, introduziremos algumas literaturas publicadas sobre a educação comparada e apresentaremos histórias alternativas a essas interpretações anteriores. Limites Epistemológicos da Educação Comparada Epstein (2013, p. 11) argumenta que os estudos sistemáticos de educação comparada dependem de plataformas ou correntes epistemológicas que defi nem seus limites - "as ‘visões’, os focos, em torno das quais os estudiosos possam se reunir sistematicamente para estudar questões internacionais de educação e compartilhar suas ideias e descobertas com outros". Ele as chama de "marcos referenciais epistemológicos" para conotar sua característica normativa na formação Os estudos sistemáticos de educação comparada dependem de plataformas ou correntes epistemológicas que defi nem seus limites. 14 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA dos enquadramentos conceituais no campo. Em um trabalho relacionado, Epstein (2008) afi rma que a educação comparada tem três plataformas epistemológicas – o positivismo, o relativismo e o funcionalismo histórico –, cada uma das quais pode ser atribuída a três estudiosos do século XIX: Marc-Antoine Jullien (1817) da França, K. D. Ushinsky (1857) da Rússia e Wilhelm Dilthey (1888) da Alemanha, respectivamente. Há uma tradução da obra de Marc-Antoine Jullien, Esquisse et vues préliminaires d’un ouvrage sur l’éducation comparée, para o português: JULLIEN, M. A. Esboço e perspectivas preliminares de uma obra de educação comparada. Coimbra, s.e., 1967. (Obra original de 1817). Em primeiro lugar, Epstein (2008) posiciona o positivismo de Jullien como a epistemologia fundadora. Epstein faz uma distinção entre uma "fundação" e um "começo". Um começo ou antecedente nunca é preciso em qualquer campo, refere-se às suas sementes. Uma fundação, ao contrário, marca um único evento, um momento decisivo pelo qual um campo se torna um campo de estudo profi ssional (ou sistemático). Para muitos estudiosos do campo, começando com Brickman (1960, 1966), a publicação do Esquisse et vues préliminaires d'un ouvrage sur l’éducation comparée (As visualizações do esboço e preliminares de um livro sobre educação comparada) de Marc-Antoine Jullien em 1817, marca a fundação da educação comparada como campo de estudo. A abordagem positivista que Jullien inaugurou é, portanto, a epistemologia fundadora, segundo Epstein, a primeira plataforma epistemológica da educação comparada. O positivismo (ou cientifi cismo) é a fi losofi a que explica os fatos físicos por eles mesmos, verifi cáveis através da observação. De acordo com Auguste Comte (1830, apud EPSTEIN, 2008), o positivismo vê os fenômenos como sujeitos a leis invariáveis. Jullien, que estava à frente de Comte por mais de uma década, propôs uma observação sistemática dos fenômenos educacionais para descobrir princípios de lei (uma abordagem nomotética) para melhorar os sistemas públicos de educação. Como Jullien afi rma em seu Esquisse (apud PALMER, 1993, p. 171): A educação, como todas as outras artes e ciências, é composta por fatos e observações. Parece, portanto, ser necessário produzir para esta ciência, como foi feito para outros ramos do conhecimento, coleções de fatos e observações organizadas A abordagem positivista que Jullien inaugurou é, portanto, a epistemologia fundadora, a primeira plataforma epistemológica da educação comparada. 15 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 em tabelas analíticas, para que esses fatos e observações possam ser comparados e determinados princípios e regras defi nidas deduzidas deles, para que a educação possa tornar- se uma ciência quase positiva [...]. Para este fi m, Jullien projetou tabelas com seis categorias principais de educação e um questionário em duas séries: "A" para o Ensino Fundamental (120 perguntas) e "B" para o Ensino Médio (146 perguntas) (PALMER, 1993, p. 171). O questionário, no entanto, nunca foi implementado e logo foi esquecido. Não deixou rastro na literatura educacional da época, até sua "redescoberta" na década de 1940 por Ferenc Kamény, que o doou em 1935 ao Escritório Internacional de Educação em Genebra, em que Pedro Roselló o levou à fama internacional através de sua publicação em 1943 e 1962, respectivamente (PALMER, 1993). García Garrido (1996) sustenta que o Esquisse de Jullien não era um estudo teórico sobre a aplicação do método comparativo à educação, nem estava lançando as bases de uma nova ciência sistemática chamada "educação comparada". Era umesquema prático, um relatório preliminar, uma proposta de trabalho para criar sob a proteção dos Estados soberanos uma Comissão Especial de Educação encarregada de coletar dados sobre as instituições e métodos de educação em diferentes Estados europeus e compará- los. Os dados educacionais nacionais deveriam ser agrupados e justapostos em tabelas para discernir tendências e classifi car seu desempenho, bem como determinar suas causas subjacentes e identifi car quais práticas recomendadas podem ser transferidas para outros países. Mas o trabalho de Jullien ofereceu características científi cas (em seu estudo sistemático das causas) e características práticas à educação comparada e dotou-a de autonomia epistemológica: agora tinha um objeto e método apropriado (positivista) de estudo e um propósito prático de informar e reformar a educação. Ofereceu uma orientação clara, empírica e positivista à ciência da educação em geral e à educação comparada em particular. García Garrido, no entanto, discorda daqueles que designam Jullien como o "pai" ou "fundador" da educação comparada (1996, p. 36-37). Ele afi rma que o título, "pioneiro", de um campo científi co deve ser reservado para aqueles que realmente iniciaram tal empreendimento com tenacidade e com a consciência clara de seu papel fundamental. Este não foi o caso de Jullien, que não lutou por sua causa nem procurou alguns discípulos. Depois de 1817, Jullien fi cou absorvido com outros esforços, inclusive concorrendo à eleição para a Câmara dos Deputados e participando da fundação de um periódico, Le Constitutionnel, um órgão importante do pensamento liberal (PALMER, 1993). Seu Esquisse foi O título, “pioneiro”, de um campo científi co deve ser reservado para aqueles que realmente iniciaram tal empreendimento com tenacidade e com a consciência clara de seu papel fundamental. 16 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA esquecido até sua "redescoberta" um século depois. Assim, García Garrido tende a considerar Jullien como precursor não tanto da educação comparada em geral (ou da educação comparada moderna, de acordo com Noah e Eckstein [1970]), mas de uma ramifi cação particular dentro do campo: a ramifi cação positivista, como sugere Epstein (1983, p. 27). Este não é um mérito pequeno por parte de Jullien, que estava à frente do tempo em termos do pensamento positivista. Em qualquer caso, a plataforma positivista de Jullien ganhou domínio no campo nas décadas de 1950 e 1960, particularmente na América do Norte, como afi rmam Noah e Eckstein (1970), e ganhou maior destaque na Avaliação Internacional de Realização Educacional (International Evaluation of Educational Achievement - IEA) (HUSÉN, 1967). Atividade de Estudos : 1) Qual foi a contribuição de Marc-Antoine Jullien para a Educação Comparada? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ A segunda plataforma epistemológica de Epstein (2008) para o campo é o relativismo. Sucede o positivismo, mas não o supera, e continua em uma linha paralela em justaposição com o positivismo. Esta forma de relativismo, que incorporou o conceito de "caráter nacional", tornou-se dominante em torno da segunda metade do século XIX. K. D. Ushinsky da Rússia e Michael Sadler da Inglaterra são autores notáveis desta epistemologia relativista na educação comparada. O artigo de Ushinsky, intitulado "Carácter nacional da educação pública" (1857) e o discurso em uma conferência de Sadler (1900), “Até onde podemos aprender qualquer coisa de valor prático no estudo de sistemas de educação estrangeiros?”; são considerados textos paradigmáticos (EPSTEIN, 2008). Ambos os autores professaram uma abordagem ideográfi ca para o estudo dos sistemas educacionais, enfatizando seu "caráter nacional". A educação estava inextricavelmente ligada ao seu contexto social e cultural, e o conhecimento derivado do seu estudo não era transferível para outros contextos. O avanço de Sadler em comparação a Ushinsky, afi rma Epstein (2008), está em sua proposta Compreender com espírito de simpatia um sistema de educação estrangeiro para entender mais profundamente nossa própria educação. 17 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 de compreender com espírito de simpatia um sistema de educação estrangeiro para entender mais profundamente nossa própria educação. Os principais representantes das abordagens relativistas do "caráter nacional" na educação comparada incluem Mallinson (1957), E. King (2012) e Masemann (1990). Uma terceira plataforma epistemológica, de acordo com Epstein, é o funcionalismo histórico, que apresenta na educação comparada uma síntese do positivismo e do relativismo e é atribuível ao historiador e fi lósofo alemão do fi nal do século XIX, Wilhelm Dilthey (embora ele mesmo tenha negado que fosse um relativista histórico). Tanto Friedrich Schneider (1961) quanto Isaac Kandel (1933) inauguraram esta plataforma na educação comparada, inspirando-se em Dilthey (EPSTEIN, 2008). Epstein defi ne o funcionalismo histórico como uma fusão da história (relativista) e da macrossociologia (positivista). Tal plataforma examina a educação como "inter-relacionada com outras instituições sociais e políticas; e pode ser mais bem entendida se for examinada em seu contexto social" (KAZAMIAS; MASSIALAS, 1982, p. 309). Epstein explica que essa relação inextricável entre educação e outras instituições sociais, vistas de uma perspectiva macrossociológica, como demonstrada por Archer (2013) em 1979, apresenta características universalmente generalizáveis, ou "leis de composição" (EPSTEIN, 2008, p. 9). Mas os funcionalistas históricos argumentariam que tais leis positivistas que governam a educação podem ser melhor compreendidas no contexto histórico (e, portanto, relativista). Epstein afi rma, portanto, que a epistemologia funcionalista histórica na educação comparada sintetiza a generalização transnacional positivista - para mostrar a universalidade das teorias sobre educação -, compreensão relativista em profundidade do "caráter nacional" e a infl uência mútua entre a educação e seu contexto sócio-histórico. Essa abordagem diverge das histórias que retratam a educação comparada em desenvolvimento evolutivo e incremental ao longo de estágios ou fases, como em Noah e Eckstein (1970) e Phillips e Schweisfurth (2006). Essas outras histórias, afi rma Epstein, demonstram a importância das correntes epistemológicas subjacentes ao desenvolvimento intelectual do campo. Em vez disso, ele postula que a educação comparada "não evoluiu como um campo unitário, mas como uma unidade solta de correntes separadas embora prósperas" (EPSTEIN, 1983, p. 28). Mais recentemente, ele afi rma que o campo se desenvolveu ao longo de linhas paralelas, não por um estágio, eclipsando outro, mas pelo posicionamento de estruturas conceituais em justaposição e em tensão (EPSTEIN, 2008). Assim, a abordagem positivista de Jullien perdura ao lado dos métodos relativistas de Ushinsky, bem como do funcionalismo histórico de Dilthey. Esses marcos de referenciais epistemológicos normativos oferecem uma estrutura de generalização, mas eles veem a realidade através de diferentes lentes e, portanto, levam a diferentes abordagens. A epistemologia funcionalista histórica na educação comparada sintetiza a generalização transnacional positivista, compreensão relativista em profundidade do “caráter nacional” e a infl uência mútua entre a educação e seu contexto sócio- histórico. 18 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Atividade de Estudos : 1) Qual foi a contribuição de Marc-Antoine Jullien para a Educação Comparada? ____________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ____________________________________________________ Correntes Teóricas e Metodológicas em Educação Comparada Epstein (2008) demonstra de forma convincente as raízes epistemológicas da educação comparada que remonta ao século XIX. Para esta posição, Paulston (2004) teria reiterado sua crítica às obras anteriores de Epstein, como "tentativa de policiar o discurso da educação comparada usando um cânone exclusivo de textos supostamente fundamentais “[...], [alegando que tal] perspectiva canônica ortodoxa defende a necessidade de uma lógica linear fechada de binários patriarcais excludentes" (PAULSTON, 2004, p. 1). Essa contestação entre Epstein e Paulston é um exemplo da construção dinâmica do campo intelectual através da interação discursiva entre posições opostas no campo, como Pierre Bourdieu o concebe. Embora se possa não concordar com a acusação de Paulston sobre a posição de Epstein como uma linearidade fechada, pode-se alegar que Paulston responde adequadamente às teorias e paradigmas que se ramifi caram das três epistemologias-raiz que Epstein identifi cou e suas inter-relações dinâmicas. Epstein reconhece isso, mas ele segue imediatamente com uma crítica detalhada das fraquezas epistemológicas da abordagem fenomenológica de Paulston como uma forma de relativismo extremo e de sua cartografi a como uma rígida reifi cação e distorção das plataformas intelectuais que categoriza (EPSTEIN; CARROLL, 2005, p. 81). Com uma abordagem semelhante à de Epstein, pode-se considerar o trabalho de Paulston com uma expressão explícita de desacordo com sua posição epistemológica ultrarrelativista e não essencialista. Concretamente, a linha que se segue neste capítulo, na descrição e enquadramento epistemológico da educação comparada, não compartilha da visão subjetivista de alguns pensadores pós- modernos. Nesse sentido, ecoa a crítica de Epstein e Carroll aos defensores da 19 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 "cartografi a" e escritores pós-modernos que afi rmam que a realidade é redutível a "invenções de linguagem e representações mentais [... e que] todos os conceitos e o próprio processo de conceitualização são fl uidos e incognoscíveis" (EPSTEIN; CARROLL, 2005, p. 69-70). O que se consegue extrair do trabalho de Paulston são os paradigmas-raiz dominantes e suas teorias ramifi cadas à medida que se tornam salientes em períodos históricos particulares. O que Paulston e outros estudiosos – que não se vinculam explicitamente aos pressupostos de mapeamento de Paulston, por exemplo, Kubow e Fossum (2003) – contribuem de forma complementar aos marcos epistemológicos tri-lineais de Epstein, as dimensões da estrutura- agência, macro-micro e sociedade-indivíduo e como estas se relacionam com a estabilidade e a mudança, e com o consenso e o confl ito (funcionalismo e humanismo e seus opostos radicais/formas críticas). Eles abordam a aceitação das grandes teorias sociais na educação comparada e dentro dessas grandes teorias, de teorias de médio alcance como a modernização, a teoria do capital humano e assim por diante. Brevemente, serão apresentadas essas teorias antes de descrever seu impacto na educação comparada. Aceitação das grandes teorias sociais na educação comparada e dentro dessas grandes teorias, de teorias de médio alcance. Mudanças nas Visões do Mundo Filosófico e Sociológico Kubow e Fossum (2003, p. 27-28) distinguem as grandes teorias sociais que procuram descrever fenômenos humanos e sociais amplos e teorias de médio alcance que aplicam essas premissas teóricas mais amplas e impulsionam tentativas mais específi cas ao contexto para organizar o pensamento e a ação. Ambos os enquadramentos teóricos, originários principalmente da sociologia e da fi losofi a, infl uenciam a formação intelectual da educação comparada. Uma outra classifi cação importante é entre as perspectivas modernistas e pós-modernistas. Do ponto de vista modernista, um agrupamento posterior engloba duas grandes teorias sociais: o funcionalismo estrutural (ou funcionalismo) e teoria do confl ito marxista. Antes da década de 1970, prevaleceu uma visão modernista do mundo e do conhecimento do mundo. Esta perspectiva vê o conhecimento como inerentemente progressivo e linear no tempo. O conhecimento era certo, racional, objetivo, autônomo e orientado para a busca da verdade universal (GRENZ, 1996). Mas a publicação em 1979 da obra A Condição Pós-Moderna, de Jean-François Lyotard, marcou um novo desafi o epistemológico. A mudança pós-moderna na década de 1970 introduziu teorias sociais construtivistas, antiessencialistas e contra- ontológicas. Pode-se dizer que uma perspectiva pós-moderna rejeita qualquer 20 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA visão de mundo única e, em vez disso, celebra a diferença e a localização. A razão e o conhecimento são mantidos em suspeita. O conhecimento é entendido principalmente como condicionado historicamente e culturalmente. A verdade e a realidade são relativas e o tempo não é linear, mas descontínuo (GRENZ, 1996). Paralelamente a essas mudanças epistemológicas (e talvez informadas por elas), ocorreram as transformações nas visões de mundo dominantes predominantes nas ciências sociais, que eram a teoria funcionalista, as teorias dos confl itos de inspiração marxista e as teorias interpretativas. Os debates nessas teorias sociais oscilam entre a determinação estrutural e a agência individual. A teoria funcionalista explica os fenômenos sociais em termos de sua contribuição para as operações de um fenômeno, instituição ou sociedade social maior. As instituições educacionais e seus diversos componentes organizacionais, portanto, evoluem em resposta ou em função das necessidades da sociedade em geral. Metaforicamente, tipicamente compara a sociedade com um organismo biológico ou sistema composto por muitas partes interdependentes e cooperativas. A escola é vista como um "órgão" da sociedade (FEINBERG; SOLTIS, 2004). O funcionalismo vê a sociedade de forma otimista como um sistema unitário que busca normas e valores compartilhados e assume que o consenso e o equilíbrio são estados preferidos. A teoria funcionalista baseia- se na visão iluminista elevada da racionalidade humana, tal como ilustrada pela perspectiva modernista descrita acima. O funcionalismo estava em seu ponto mais alto nas décadas de 1960 e 1970, até que foi desafi ado pelas teorias do confl ito e as teorias interacionistas na virada dos anos 70 (TURNER; MITCHELL, 1997). A teoria do confl ito enfatiza os efeitos das estruturas educacionais (macro) na manutenção da desigualdade e da estratifi cação social. Assume pelo menos duas formas principais: a teoria do confl ito neomarxista e a teoria do confl ito neoweberiana. Elas diferem quanto ao grau em que as estruturas e os processos escolares correspondem, refl etem ou reproduzem as relações de produção. Embora a teoria do confl ito de inspiração marxista assuma uma conexão relativamente estreita entre a subestrutura e a superestrutura, os teóricos neoweberianos veem a classe como um fenômeno multidimensional que envolve mais do que relações de produção. Na perspectiva neoweberiana, os limites que separam os grupos de status são mais permeáveis e menos duradouros do que as classes sociais na perspectiva marxista (TURNER; MITCHELL, 1997). As teorias do confl ito marxista enfatizam o papel da estrutura, principalmente A teoria funcionalista explica os fenômenos sociais em termos de sua contribuição para as operações de um fenômeno, instituição ou sociedade social maior. 21 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 a estrutura econômica, como o enquadramento explicativo geral para a sociedade. Isso signifi ca que as instituições educacionais e o conhecimento são vistos comosítios para a manutenção das relações de poder existentes ou de resistência a eles. A escola é considerada como um "instrumento" de dominação de classe (FEINBERG; SOLTIS, 2004). A teoria marxista, ao contrário do funcionalismo, questiona a autenticidade do consenso assumido e a própria possibilidade de um consenso autêntico e afi rma que o confl ito, em vez do equilíbrio, é o catalisador primordial para a mudança social (KUBOW; FOSSUM, 2003, p. 28). A teoria interpretativa de inspiração weberiana oferece uma explicação alternativa aos modelos mecanicistas e deterministas encontrados em certas formas de teorias marxistas e funcionalistas. Concentra-se no papel da agência humana, particularmente na observação e na interpretação teórica dos "estados de espírito" subjetivos dos atores humanos. A teoria interpretativa vê o mundo social como constituído por atores com propósitos que adquirem, compartilham e interpretam um conjunto de signifi cados, regras e normas que tornam possível a interação social. As forças sociais operando são signifi cados compartilhados e indivíduos interpretadores que interagem em contextos sociais particulares (FEINBERG; SOLTIS, 2004). Atividade de Estudos: 1) Cite e descreva brevemente as mudanças nas visões do mundo fi losófi co e sociológico que infl uenciaram a educação comparada. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 22 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Mudanças Teóricas na Educação Comparada Essas mudanças nas cosmovisões fi losófi cas e sociológicas tiveram seu eco na educação comparada, mas com algum tempo de atraso (PAULSTON, 1994). Paulston postula três períodos principais na história intelectual do campo: • a ortodoxia do funcionalismo e do positivismo nas décadas de 1950 e 1960; • a heterodoxia entre funcionalismo, humanismo e suas respectivas contrapartes radicais durante os anos 70 e 80; • a heterogeneidade desde a década de 1990, com a aceitação da complementaridade de diferentes paradigmas e seu entrelaçamento eclético (PAULSTON, 1994, p. 923). Paulston chegou a esta classifi cação de mudanças de representação do conhecimento por meio de análise e interpretação textual. Sua classifi cação pode ser questionada com base na representatividade da literatura pesquisada e na objetividade de sua interpretação textual e classifi cação dessas obras, mas sua estrutura será sufi ciente como um esquema de trabalho sujeito a verifi cação e elaboração. Foi reproduzido no Quadro 1 duas colunas (paradigmas- raiz e "teorias” ramifi cadas) de sua tabela de uma taxonomia heurística das perspectivas de conhecimento em textos de educação comparada e internacional e inserimos três domínios - epistemologia, orientação, enfoques - retirados de seu macromapeamento desses paradigmas. Quadro 1 – Taxonomia de Paulston dos paradigmas-raiz e das teorias ramifi cadas na educação comparada Episte- mologia Orientação Enfoque Paradigmas- -Raiz/Cosmovi- sões “Teorias” Ramifi cadas R ea lis ta -O bj et iv is ta Equilíbrio Es tru tu ra Ortodoxia Fun- cionalista das décadas de 1950-60 Modernização/Capital Hu- mano Neofuncionalista Escolha racional/micro-ma- cro Teoria do Confl ito Dependência Transforma- ção Hetorodoxia Fun- cionalista Radical da década de 1970 Materialista histórico Neomarxista/pós-marxista Racionalização Cultural 23 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 Id ea lis ta -S ub je tiv is ta Equilíbrio Ag ên ci a Heterodoxia Hu- manista da déca- da de 1970 Etnográfi co/Etnológico Fenomenográfi co/ Etnometodológico Transforma- ção Heterodoxia Hu- manista Radical da década de 1980 Teoria crítica/etnográfi ca crítica Feminista (1990...) Pós-estruturalista/ Pós-modernista Interacionismo pragmático Fonte: Extraído de tabelas e fi guras em Paulston (1994, p. 924, 928, 931). Em relação à coluna “enfoques”, Paulston (1994) não usou os termos “estrutura” e “agência”. Em vez disso, ele usou os termos “estrutura e sociedade’ e “consciência e cultura”. De acordo com Paulston (1994), o período das décadas de 1950 e 1960 testemunhou o domínio dos paradigmas positivistas e funcionalistas na educação comparada. Particularmente, na América do Norte, cada vez mais infl uenciados por abordagens das ciências sociais e naturais na busca de generalizações transnacionais similares às leis, tal como se vê em Torsten Husén (1967) e Noah e Eckstein (1970). Bereday (1972) divergiu em sua defesa de uma metodologia comparativa indutiva a partir de ciências não sociais, embora ainda dentro de um enquadramento positivista. No fi nal da década de 1960, o planejamento educacional e a ajuda ao desenvolvimento de países recém-independentes ganharam ascendência em alguns países. Nesse sentido, as teorias da modernização e do capital humano prosperaram como aplicações de alcance médio dos pressupostos do funcionalismo em relação ao consenso e à estabilidade, na tentativa de explicar questões de mudança e desenvolvimento. A teoria da modernização assume fortes ligações causais entre processos de modernização e desenvolvimento nacional (FÄGERLIND; SAHA, 1989). Prescreve a educação dos indivíduos em valores, atitudes e comportamentos desejados pelas pessoas "modernas" como um meio necessário para alcançar o progresso social. A teoria do capital humano, a partir da economia, também assume uma relação direta e funcional entre educação e desenvolvimento. Assume uma relação causal entre investimento e As teorias da modernização e do capital humano prosperaram como aplicações de alcance médio dos pressupostos do funcionalismo em relação ao consenso e à estabilidade, na tentativa de explicar questões de mudança e desenvolvimento. 24 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA educação dentro de uma sociedade funcional e harmoniosa, e elabora métodos econométricos com fórmulas e cálculos de retornos sobre o investimento (SCHULTZ, 1963; PSACHAROPOULOS, 1973). No início da década de 1970, o domínio do funcionalismo estava recuando, quando as teorias do confl ito e as teorias interacionistas desafi aram a adequação da análise funcional (TURNER; MITCHELL, 1997). Paulston (1994) agrupa a teoria do confl ito neoweberiana e a teoria da dependência sob o funcionalismo, mas classifi ca a teoria do confl ito inspirada no marxismo (por exemplo, posições neomarxistas, pós-marxistas e materialista- históricas) sob o funcionalismo radical. No entanto, poder-se-ia discordar da classifi cação de Paulston sobre as teorias de confl ito e dependência estarem sob o funcionalismo, já que o funcionalismo vê as instituições em uma cooperação harmoniosa e orgânica. Em contrapartida, as teorias de confl itos criticam essas instituições como envolvidas em um confl ito sobre recursos limitados e como agentes de reprodução de desigualdades sociais. A este respeito, poder-se-ia concordar com Gottlieb (2000), que diverge da taxonomia de Paulston e, em vez disso, classifi ca tais teorias – de confl ito, de dependência e de inspiração marxista – sob um estruturalismo radical. Esta posição vê a educação como parte da estrutura de dominância pelo Estado e pela economia. De acordo com Gottlieb (2000, p. 162), exemplos desse gênero de trabalho na educação comparada incluem Carnoy (1974), Altbach (1977) e Arnove (1980). Paulston (1994) sugere que os neomarxistas americanos tendem a se concentrar na abordagem do confl ito macrossociológico, enquanto seus homólogos britânicos, por exemplo, Bernstein (1977), se concentraram em estudos interpretativistas microssociológicos. Isso se relaciona com a teoria interacionista, outro ataque contra-ortodoxo ao funcionalismo, que começou entre o fi nal dadécada de 1940 e a década de 1970 fora da educação comparada (SAUSSURE, 2006; LEVI-STRAUSS, 1953; YOUNG, 1971). O interacionismo concentra-se na análise de nível médio e micro do comportamento individual dentro das confi gurações educacionais. Paulston denomina este paradigma de "humanista" e destaca o importante trabalho de Berger e Luckmann (1985), A construção social da realidade, como um texto fundacional que introduz uma orientação humanista e subjetivista para o conhecimento. A forma inicial do construcionismo social de Berger e Luckmann postula que o mundo social externo aos atores individuais é criado por signifi cados constituídos intersubjetivamente e por atividades práticas cotidianas que, como se tornam habituais, tornam-se "objetivadas" como nossa realidade adquirida: são reais porque foram defi nidas como tal e podem, através do hábito e da história, tornar-se institucionalizadas. Berger e Luckmann não negam que existe um mundo objetivo, mas argumentam que essa realidade é realizada através O interacionismo concentra-se na análise de nível médio e micro do comportamento individual dentro das confi gurações educacionais. 25 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 da atividade humana. Gottlieb sustenta que, estritamente falando, o trabalho comparativo (embora pequeno) é feito dentro do paradigma interpretativo, já que "o interpretativista procura entender como os atores de uma cultura experimentam e compreendem seu próprio mundo social" (2000, p. 164), e não teorizar usando categorias transculturais. No entanto, Paulston (1994, p. 926-927) fornece alguns exemplos de textos paradigmáticos que defendem a perspectiva humanista na educação comparada, incluindo Heyman (1979), que defendeu abordagens etnográfi cas e etnometodológicas, e Clignet (1981). Paulston também, na mesma passagem, cita a pesquisa etnográfi ca de Avalos (1986) e Gibson e Ogbu (1991). No início dos anos 80, um marxismo mais humanista, ou humanismo radical (PAULSTON, 1994, p. 926), emergente do movimento intelectual da teoria crítica, começou a ganhar presença na educação comparada. Gottlieb descreve o humanismo radical como o posicionamento de um estado de "humanidade completa" como ponto de partida para criticar o estado atual da educação como um estado de alienação (2000, p. 164). A título de pano fundo, a teoria crítica traça suas raízes na Escola de Frankfurt, década de 1930, como uma renovação do marxismo. Habermas liderou uma segunda geração de teóricos críticos na década de 1960. Por "crítico", ele quis dizer o desmascaramento da intrusão ilegítima da ciência (ideológica) no domínio das normas sociais. Naquela época, a teoria tradicional (que a teoria crítica pretendia criticar) buscava conhecimento sobre fenômenos sociais sob a forma de generalizações explicativas semelhantes à lei, inspiradas nas ciências naturais. Em contrapartida, a teoria crítica considera as condições sociais e históricas do conhecimento. Ela examina criticamente como categorias e ideias emergem e apoiam a ordem social. A obra Conhecimento e Interesse, de Habermas (1982), é uma forma de teoria crítica que oferece uma síntese de ordem superior para criticar o positivismo como reducionista e o interpretativismo como relativista. Habermas abordou essas defi ciências alocando as ciências empírico-analíticas (ciências naturais) e as ciências histórico-hermenêuticas para os seus próprios domínios de objeto, mutuamente exclusivos, dotados de suas respectivas metodologias. Uma terceira ordem de conhecimento, as ciências críticas, é orientada pelo objetivo da emancipação social (LAKOMSKI, 1997). Gottlieb (2000, p. 164) sugere que a Education for Critical Consciousness (Educação para Consciência Crítica), de Paulo Freire (1973), serviu como um texto paradigmático de conscientização entre os educadores comparativos sobre as condições opressivas da educação entre populações pobres. Paulston (1994, p. 929) lista alguns proeminentes comparativistas americanos que projetaram uma perspectiva humanista radical, por exemplo, ele cita Kelly e Nihlen (1982) e Stromquist (1989). Abordagens alternativas à teoria crítica são representadas por Pierre Bourdieu e Michel Foucault. Bourdieu elaborou uma teoria autorrefl exiva sobre a reprodução das desigualdades sociais em diferentes campos sociais (BOURDIEU, 1992). 26 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Com Foucault, as teorias interpretativas, como o construcionismo social, assumem uma virada linguística na década de 1970, com foco nas relações de poder-discurso, que produzem a razão, o sujeito e as sociedades bem ordenadas. As formas pós-estruturalistas do construcionismo social substituem o mundo objetivo anterior pelo discurso com a formação regular de objetos que emergem apenas no discurso (FOUCAULT, 2008). As perspectivas pós-estruturalistas e pós-modernas começaram a ganhar atenção na literatura da educação comparada na década de 1990, conforme documentado por Ninnes e Burnett (2003). Entre os primeiros exemplos de textos deste gênero identifi cados por Paulston (1994, p. 930) estão Cherryholmes (1988) e Rust (1991). Assim, Paulston caracteriza a forma intelectual da educação comparada até o fi nal da década de 1980 e na década de 1990 como distanciando-se da heterodoxia para uma nova etapa de heterogeneidade, refl etindo o ar penetrante do ceticismo das grandes teorias e paradigmas nas ciências sociais, em parte provocado pelo pós-modernismo. Uma mudança paralela de interesse dos estudos macroestruturais para as análises interpretativas de microagências é notável na literatura na década de 1990 (PAULSTON, 1994, p. 928). Embora os estudos baseados na teoria funcionalista permaneçam, Paulston observa que as versões neofuncionalistas manifestam uma abertura às perspectivas hermenêuticas e interpretativas, como se vê em Adams (1988), e a adoção da teoria da escolha racional, como assumido por Turner (1987). As teorias funcionalistas radicais (estruturalistas radicais) também se deslocaram para uma postura neomarxista ou pós-marxista menos determinista, particularmente após o colapso do comunismo em 1989 na Europa Oriental, como observamos em Carnoy e Samoff (1990). Com respeito ao paradigma interpretativo humanista, Paulston (1994) aponta para o surgimento de estudos fenomenográfi cos na educação comparada sob a forma de mapas conceituais com base em análise textual. Estes visam "caracterizar como os pesquisadores veem, apreendem e pensam sobre constructos do conhecimento como ‘paradigmas e teorias’ em diferentes momentos e em diferentes culturas e subculturas do conhecimento" (PAULSTON, 1994, p. 932). Ao invés de um mapeamento das coisas "como elas são", as análises fenomenográfi cas - tal como o mapa de Paulston - apresentam maneiras de pensar sobre o mundo. Na virada do século XXI, um crescente entrelaçamento de paradigmas, abordagens disciplinares, níveis macro e micro de análise, metodologias quantitativas e qualitativas, teoria e práxis, passou a ser defendido por comparativistas e começou a ganhar destaque na literatura. Ao invés de visualizar as posições como declarações dualistas, dicotômicas e disputantes "ou-ou", há uma mudança notável para visualizar posições como descentradas e localizadas ao longo de As formas pós- estruturalistas do construcionismo social substituem o mundo objetivo anterior pelo discurso com a formação regular de objetos que emergem apenas no discurso Ao invés de um mapeamento das coisas “como elas são”, as análises fenomenográfi cas - tal como o mapa de Paulston - apresentam maneiras de pensar sobre o mundo. 27 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 um continuum, permitindo diferentes graus de interação entre duas polaridades. Provavelmente, um texto paradigmático é o Bridging Cultures and Traditionsin the Reconceptualisation of Comparative and International Education (Construindo pontes entre culturas e tradições na reconceitualização da Educação Comparada e Internacional), de Michael Crossley (2000). Temas Importantes da Educação Comparada Nas seções anteriores deste capítulo, consideram-se o trabalho de Epstein (2008), que demonstrou as plataformas epistemológicas-raiz da educação comparada, e de Paulston (1994), que elucidou as inter-relações dinâmicas entre as teorias e perspectivas dominantes que caracterizaram o campo. O que falta nessas discussões é uma classifi cação tipológica dos temas "abrangentes" ou paradigmáticos que atraíram educadores comparativos ao longo do tempo. Noah e Eckstein (1970), Ferrán Ferrer (2002), Crossley e Watson (2003), Cowen (2003) e Phillips e Schweisfurth (2006) oferecem diversas leituras da história do campo. A visão geral esquemática de Cowen dos temas dominantes no campo serve como um meio útil para reunir os vários aspectos da história intelectual do campo discutidos neste capítulo. Serão considerados em primeiro lugar, e depois a revisão das leituras alternativas. Temas Paradigmáticos de CoWen Cowen (2003, p. 6-7) defi ne "questões paradigmáticas" como tendo três características: • uma agenda de atenção específi ca, que delimita a dimensão social, defi ne algum processo educativo como mais importante do que outros e detalha a escolha entre as muitas possíveis relações sociais e educacionais que podem ser analisadas; • uma mega-unidade de análise comparativa; • uma atração de grandes corpos de descrição comparativa substantiva. Ele então postula quatro temas paradigmáticos que produziram um discurso substantivo na educação comparada. Estes são Sadler, as Escolas de Chicago/New York, os Discursos do Desenvolvimento e as Tendências. Resumidos, contam os principais pontos no Quadro 2. Quatro temas paradigmáticos que produziram um discurso substantivo na educação comparada. Estes são Sadler, as Escolas de Chicago/New York, os Discursos do Desenvolvimento e as Tendências. 28 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA A posição dominante na década de 1960 do que Cowen chamou de "Escolas de Chicago/Nova York" para se referir à relevância das ciências sociais empíricas na educação comparada eclipsou grande parte do valioso trabalho histórico- culturalista e interpretativo nos anos 1930-1950. Para citar Cowen (1996, p. 152): Tradições alternativas disponíveis na literatura foram rejeitadas, ignoradas e marginalizadas. Assim, o trabalho de Hans e Schneider, centrado na história, não foi refutado: foi simplesmente evitado na busca de uma ciência relevante. Da mesma forma, o motivo culturalista na obra de Ulich (1964), Lauwerys (1967), Nash et al. (1965), Halls (1973), Mallinson (1975) e King (1979), fi cou sobrecarregado com a busca por rigor científi co e precisão. O paradigma dominante, para pesquisa, tornou-se a economia positivista e a sociologia positivista, particularmente nos EUA. Phillips e Schweisfurth (2006) ecoam esta observação de Cowen. Concretamente, eles criticam a rejeição de Gottlieb (2000, p. 155) das abordagens históricas valiosas na tradição de Kandel e Hans, descrevendo-as como "simplistas, subjetivas e totalistas". Essas críticas à marginalização das tradições disciplinares alternativas podem se estender ao eclipsamento de histórias disciplinares alternativas da educação comparada. O próprio Robert Cowen (2002) reconhece isso, ressaltando que essas histórias não são sufi cientemente universais e não oferecem uma análise sustentada do "Gestalt teórico (forma inconfundível) da educação comparada" (2002, p. 414). Crossley e Watson (2003) fazem eco desta crítica sobre a defi ciência, desde uma perspectiva transcultural, de fases ocidentais genéricas que afi rmam representar a história global do campo. Esses autores também apontam as limitações de tais periodizações históricas na simplifi cação excessiva da realidade. Crossley e Watson (2003, p. 21), no uso das quatro fases históricas da educação comparada de Brickman (1966), apontam que esses tipos de demarcação mascaram o fato de que essas fases não são "necessariamente lineares ou consistentes ao longo do tempo, culturas ou indivíduos". Uma crítica similar poderia aplicar-se ao modelo de ênfase histórica de Phillips e Schweisfurth na análise comparativa (2006, p. 28). Com base nos cinco estágios de desenvolvimento da educação comparada de Noah e Eckstein (1970), Phillips e Schweisfurth propõem uma cadeia sequencial de sete linhas de ênfases históricas em análises comparativas, cada uma das quais começa em um ponto histórico defi nido e continua paralelamente às ênfases já existentes, interagindo com elas. Embora tais enquadramentos sejam úteis para uma ampla compreensão das mudanças Phillips e Schweisfurth propõem uma cadeia sequencial de sete linhas de ênfases históricas em análises comparativas 29 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 no pensamento intelectual, as perspectivas foucaultianas apontam suas limitações para projetar um progresso histórico linear, suave, unidirecional e aparentemente universal. Isso leva à importância de explorarmos "outras" histórias intelectuais da educação comparada. Quadro 2 – Temas paradigmáticos na educação comparada Sadler Escolas de Chi- cago e New York Discurso do De- senvolvimento Tendências Te xt os P ar ad ig m át ic os Sadler (1900). Vertente da Con- vergência: • Halsey et al. (1965); • Anderson e Bow- man (1966) Arnove (1980) Carnoy (1974) Altbach e Kelly (1978) Jullien (1817) Rosselló (1960) • Vertente do Con- trole: Noah e Eckstein (1970). Ag en da d e At en çã o Forças impalpá- veis: - histórica, cultu- ralista; - caráter nacio- nal. Convergência da Economia, educa- ção e sociedade: mundo econômico (modernização e capital humano) e funções seletivas dos sistemas edu- cacionais. Educação e de- senvolvimento: te- oria da dependên- cia neomarxista: • desigualdades sociais; • identidades subordinadas nos processos educa- cionais; • interpretações feministas e antro- pológicas; • pós-colonia- lismo, gênero e raça. Tendências educacionais Controle e ciência: análise quantita- tiva. M eg a- u- ni da de d e co m pa ra çã o Sociedade-na- ções Convergência: imperativo tecno- lógico. Sistemas-mundiais em termos neo- marxistas. Tendências educacionais. Controle: resulta- dos educacionais. 30 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA D is cu rs o su bs ta nt iv o Acadêmico, baseada na uni- versidade: por exemplo Kandel (1933), Hans (1950); Sch- neider (1964); Lauweyrs (1965); Mallinson (1957); E. King (1968) Conhecimento politicamente útil sobre efi ciência educacional. Conhecimento emancipatório e posicional: por exemplo Burns e Welch (1992). Informações úteis para a me- lhoria da educa- ção: relatório do Banco Mundial e do Bureau Internacional de Educação (IBE). Por exemplo, Banco Mundial (1995). Convergência: Inkeles e Smith (1974). Controle: Estudos IEA. Fonte: Cowen (2003). Ferrán Ferrer (2002, p. 33-36) classifi ca ainda mais este paradigma interpretativo histórico em três ramifi cações: uma histórica interpretativa; uma interpretativa-antropológica; e uma interpretativa- fi losófi ca. Ferrán Ferrer também citou alguns autores típicos que Cowen não citou, por exemplo, Kandel (1933) e Schneider (1964). Cowen mencionou que Rosselló levantou essa questão em 1920, mas não deu a referência completa. Referimos, portanto, a obra de Rosselló de 1960. Atividade de Estudos: 1) Quais são os quatro temas paradigmáticos postulados por Cowen que produzem um discurso substantivo na educação comparada? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ____________________________________________________ 31 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 Histórias Intelectuais: Alternativas da Educação Comparada Nesta seção, serão destacados as "outras" histórias que desafi am os discursos dominantes sobre a história intelectual da educação comparada, conforme discutido anteriormente. Serão limitados às constelações do discurso a partir do século XX. Para citar Crossley e Watson (2003, p.140), a educação comparada talvez seja melhor visualizada como uma "constelação de campos criativa e multidisciplinar", ou o que Cowen (1990, p. 333) chamou de educações comparadas. Podem-se extrair da tese de Cowen que uma descontinuidade fortemente visível na literatura (mudança paradigmática de Kuhn) só resulta quando uma combinação da leitura interna da episteme (defesa de uma forma disciplinar) e uma leitura externa do cosmos (um mundo social e espaço-tempo global específi co) faz sentido para uma geração de estudiosos em um determinado local. Cowen, provavelmente, aplicou essas lentes a uma leitura ocidental de educações comparadas em um mundo ocidental, como se podem ver em suas obras de 1996 e 2002. Mas, como afi rma Schriewer (2003, p. 279), “diferenças signifi cativas se manifestam não só entre diversas comunidades de discursos linguísticos” (por exemplo, chinesa, espanhola, russa), mas também dentro de cada uma dessas constelações discursivas, infl uenciadas por transformações radicais em seus sistemas políticos e ideologias dominantes. Essas constelações diversas não são apenas separadas entre si por barreiras linguísticas, mas também por muros estruturais de natureza política, ideológica, disciplinar e econômica. Isso ecoa o conceito de Foucault (2008) de uma formação discursiva que permite e restringe o que pode ser dito ou pensado em uma episteme particular ou período histórico. Da mesma forma, a partir de uma perspectiva bourdieuiana, pode-se dizer que essas constelações discursivas estavam operando em epistemes distintas, tendo em conta os diferentes constrangimentos estruturais dentro dos quais os agentes (comparativistas) poderiam atuar no campo intelectual da educação comparada. Pode-se, assim, visualizar comunidades de estudiosos excluídos dos discursos opostos mapeados por Paulston (1994) durante o período de heterodoxia nas décadas de 1970 e 1980, como se fossem "espectadores de uma luta de boxe" entre funcionalistas e suas críticas radicais, ou mesmo deixados sem o conhecimento que tais contestações estavam ocorrendo. Até certo ponto, o trabalho de documentar uma história global e inventariar a educação comparada foi realizado por Halls (1990). Este volume editado apresenta relatórios regionais sobre a Europa Ocidental (Holmes), países socialistas (Hofmann e Malkova), a América do A educação comparada talvez seja melhor visualizada como uma “constelação de campos criativa e multidisciplinar” O trabalho de documentar uma história global e inventariar a educação comparada foi realizado por Halls (1990). 32 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Norte (Lawson), América Latina (Oliveros), Ásia e o Pacífi co (Kobayashi, Burns), África (Fafunwa) e os Estados Árabes (Benhamida). Mas o mundo sociopolítico mudou dramaticamente desde então. Uma das principais mudanças geopolíticas é o colapso do comunismo e o fi m da Guerra Fria em 1989. Assim, um exemplo é um capítulo nesse livro sobre os países socialistas (HOFMANN; MALKOVA, 1990), que retrata principalmente a situação do campo da Educação Comparada na União Soviética como um todo, enquanto as "vozes individuais" dos países ocupados pelos soviéticos são "silenciadas". Aqui, será uma tentativa de expandir e atualizar o discurso, aplicando as “lentes duplas” de leitura de Cowen para uma leitura mais nacional/local da educação comparada, por vozes, nacionais/locais de comparativistas falando sobre sua própria história local. Nisto, serão usadas tanto literaturas publicadas quanto entrevistas publicadas com estudiosos da educação comparada que atuaram como líderes das sociedades profi ssionais da educação comparada em todo o mundo. CHina Continental Bray (2001) contrasta a representação da história do campo da educação comparada na obra de Noah e Eckstein (1998), “Fazendo educação comparada: três décadas de colaboração”, e obra de Gu Mingyuan (2001), “Educação na China e no exterior: perspectivas de uma vida em educação comparada”. O trabalho de Noah e Eckstein abrangeu o período da década de 1960 até a década de 1990, baseado principalmente em uma América do Norte industrializada e, em sua maior parte, no contexto político da Guerra Fria. Este também é o principal contexto dentro do qual os escritores ocidentais citados anteriormente, particularmente Epstein (2008), Cowen (2003) e Paulston (1994), rastrearam a história intelectual "global" da educação comparada. Noah e Eckstein e outros estudiosos anglo-americanos, na década de 1950 e 1960, pareciam estar absortos por debates metodológicos sobre uma ciência positivista da educação comparada e estar orientados para o mundo industrializado – fato que se pode também ver em Bray (2015) e Bray e Gui (2001) –, e se eles se concentraram no mundo "em desenvolvimento", era para oferecer prescrições educacionais para alcançar o desenvolvimento nacional. Isso foi em parte impulsionado pelo trabalho de organizações nacionais e internacionais nos países industrializados, que ofereceram ajuda ao desenvolvimento de países mais pobres, infl uenciados pelas teorias de modernização e capital humano. Em contraste, Gu (2001) estava começando seus estudos universitários em um mundo comunista que operava no quadro da ideologia marxista-leninista. A educação comparada como um campo de estudo na China, no período da revolução comunista de 1949, foi abolida (como foi em muitos países sob o bloco soviético), apenas para A educação comparada como um campo de estudo na China, no período da revolução comunista de 1949, foi abolida. 33 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 ser posteriormente retomada durante a Política de Portas Abertas desde 1979. Passando do período da década de 1960 para a década de 1970, que Paulston caracterizou como estágio da heterodoxia em seu "mapa global", o funcionalismo e o consequente domínio das ciências sociais empíricas foram desafi ados por teorias estruturalistas e interpretativistas radicais. O discurso de desenvolvimento estava em ascensão, em que os teóricos neomarxistas criticaram as teorias orientadas para o funcionalismo e as economias capitalistas pelas desigualdades no sistema mundial. A literatura acadêmica anglo-americana projetou uma sensação de crise no campo da educação comparada. Em contraste, a década de 1980 testemunhou um renascimento da educação comparada na China. Em 1986, por exemplo, Gu ressaltou que o "objetivo fi nal" da pesquisa educacional comparada na China "é promover o desenvolvimento educacional e a reforma em nosso próprio país" (GU, 2001, p. 221), e que “não devemos realizar pesquisas pela própria pesquisa". Ele elaborou ainda mais sobre a metodologia de pesquisa: Devemos adotar uma atitude positiva em relação à aplicação da metodologia de pesquisa em ciências naturais na pesquisa comparada sobre educação. Devemos considerar seriamente como analisar os fenômenos educacionais contemporâneos de forma científi ca e efetiva [...]. No entanto, temos que enfatizar aqui que, não importa qual método empreguemos, não devemos abandonar a metodologia de pesquisa mais básica – os princípios marxista-leninistas (GU, 2001, p. 224-225). Um artigo posterior de Gu explica o funcionamento da ideologia marxista na pesquisa de educação comparada chinesa: "O sistema educacional de um país não pode ser separadode sua economia política e tradições culturais [...] o nível mais profundo é a ideologia [...]”, e ele continua, “a ideologia pertence ao domínio da superestrutura e refl ete a base econômica e o clima político. [...] Se ignorarmos esse aspecto (ideologia), a pesquisa será defi nitivamente superfi cial” (GU, 2001, p. 233). No mesmo ano, ele exortou os comparativistas chineses a romper com as metodologias de pesquisa eurocêntricas e a construir uma educação comparada com características chinesas que se baseassem nas doutrinas socialistas de Karl Marx e Mao Zedong como fundamentos metodológicos (GU, 2001). Uma década depois, e em vista do clima político em mudança na China, as alusões às doutrinas marxistas e maoístas estavam menos presentes no trabalho dos estudiosos. Estas citações bastante longas de Gu Mingyuan, uma das principais fi guras da educação comparada na China, têm como objetivo enfatizar que as fases históricas das mudanças paradigmáticas na educação comparada, representadas, por exemplo, pelo "mapa global" de Paulston (1994), não correspondem à imagem da realidade global. A educação comparada na China é um exemplo. Assim, enquanto as representações pós-Segunda Guerra Mundial do campo retratavam As fases históricas das mudanças paradigmáticas na educação comparada, representadas, por exemplo, pelo “mapa global” de Paulston (1994), não correspondem à imagem da realidade global. 34 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA uma educação comparada "científi ca", o campo de estudo estava, por assim dizer, "morto" na China. E, quando o domínio das ciências sociais empíricas na educação comparada passou a ser criticado e parcialmente corroído no discurso anglo- americano, é na mesma e sucessiva década defendida no campo na China, mas dentro de um enquadramento marxista. A este respeito, há alguma convergência entre o funcionalismo radical (ou o estruturalismo radical) identifi cado por Paulston nas décadas de 1970 e 1980 com a epistemologia dominante na China. Para os educadores comparativos, baseados em um contexto "capitalista", um enquadramento (neo)marxista era um dos vários enquadramentos em um mundo epistemologicamente pluralista, mas na China, a epistemologia marxista era a epistemologia. Em termos foucaultianos, era a formação discursiva operando dentro dessa episteme. Outra divergência é a de que, enquanto os debates teóricos e metodológicos absorveram as energias dos estudiosos da América do Norte, partes da Europa, da Austrália e do Canadá, as pesquisas teóricas eram de menor importância para os homólogos chineses, cujo principal objetivo, na época, era a pesquisa para o desenvolvimento educacional e a reforma em seu país de origem. Zhao (2005 apud MANZON, 2011, p. 145), ecoando Gu Mingyuan (2003), afi rma que “a pesquisa de educação comparada anglo-americana atende a um propósito acadêmico, enquanto a pesquisa de educação comparada chinesa é para aplicação”. Isso, no entanto, não foi o caso nas sociedades chinesas próximas, como em Hong Kong e Taiwan, onde um impulso teórico e acadêmico se desenvolveu ao lado do trabalho aplicado (BRAY; GUI, 2001). Europa Oriental Socialista Hofmann e Malkova (1990) explicaram o papel e o estado da educação comparada nos países socialistas que formavam a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Quase três décadas se passaram desde as mudanças políticas em 1989 e a ruptura da União Soviética. Neste capítulo, portanto, será observado a literatura mais recente (WOLHUTER et al., 2013; MASEMANN et al., 2007) sobre as histórias da educação comparada em alguns países que anteriormente compunham o bloco soviético. Nestes dois volumes recentes, vários capítulos são dedicados aos países agora independentes, antes da ocupação soviética (por exemplo, Bulgária, República Tcheca, Hungria, Cazaquistão, Polônia), além da Rússia e da Alemanha unida (então dividida entre o Oriente e o Ocidente). O período da década de 1940 testemunhou a anexação de partes da Europa Oriental pelo regime soviético. Isso restringiu a atividade de educação comparada existente nos países ocupados pelos soviéticos. Como Manzon e Bray (2007) observam, este contexto político disruptivo silenciou o trabalho comparativo na 35 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 Bulgária, na Tchecoslováquia, na Alemanha Oriental, na Hungria, na Polônia e na Rússia. A década de 1930 testemunhou o surgimento do regime totalitário na URSS e a designação do leninismo como único fundamento epistemológico para todas as ciências (BOREVSKAYA, 2007). Na Bulgária, comentou Popov, a "segunda metade da década de 1940 e a década de 1950 foram os anos mais sombrios. O menor interesse pela educação nos países ocidentais era considerado uma provocação e até mesmo um crime" (2007, p. 271). Para a então Checoslováquia, ocorreu um processo disruptivo semelhante em 1968, que testemunhou a censura de membros que eram líderes de sua sociedade profi ssional de educação comparada após sua crítica pública à ideologia predominante (WALTEROVÁ, 2007). Uma semelhança entre esses países era o monismo epistemológico sob uma ideologia marxista-leninista. Para citar Walterová (2007, p. 257): A bipolaridade política do mundo se refl etiu na "educação socialista" da década de 1950 até a década de 1980: uma orientação forte e acrítica para o Oriente e uma superestimação da educação soviética e uma crítica unilateral da educação ocidental. Uma unifi cação epistemológica sob a guarda ideológica do marxismo-leninismo não permitiu o desenvolvimento de pesquisas comparativas objetivas e metodologicamente transparentes. Assim, o mundo por trás da Cortina de Ferro foi poupado dos debates metodológicos e teóricos ativos que sitiavam seus homólogos ocidentais. Nesse sentido, a educação comparada em grande parte da Europa era mais parecida com a China, do que com os homólogos europeus e norte-americanos. AmÉrica do Sul Os eventos políticos, sob a forma de nacionalismo, intervieram em vários países. Isso signifi cava o isolamento político do país em questão, e seu corolário, a interrupção dos contatos internacionais, uma vez que a infl uência estrangeira era vista pelo governo como uma forma de imperialismo cultural. Esta situação de encerramento político impactou a interrupção da atividade de educação comparada existente. As comunidades de comparativistas foram assim excluídas do discurso global, não por diferenças linguísticas ou monismo epistemológico: o trabalho comparativo foi limitado pelas ideologias políticas predominantes que se fi ltraram para as universidades. No Brasil, Marta L. Sisson de Castro (2007) relata que, após a deposição de seu regime político autoritário, que governou o país durante duas décadas (1964-1985), no país recentemente democratizado "tudo tinha que ser preto A educação comparada em grande parte da Europa era mais parecida com a China, do que com os homólogos europeus e norte- americanos. O trabalho comparativo foi limitado pelas ideologias políticas predominantes que se fi ltraram para as universidades. 36 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA ou branco, esquerdista ou de direita" (p. 241). Anteriormente, isto é, na década de 1930, a educação comparada era uma matéria obrigatória na formação de professores. No entanto, em 1969, foi excluída do currículo nacional (SISSON DE CASTRO; GOMES, 2013). Na década de 1980, a politização dos círculos acadêmicos na nação recém-democratizada marginalizou ainda mais a educação comparada, observando com suspeita sua prática de empréstimos de políticas de outras nações. Foi visto como um instrumento do “imperialismo e colonização norte-americana” (NOGUEIRA, 2004 apud MANZON, 2011, p. 49). Como afi rma Verhine (2004 apud MANZON, p. 147), “a conotação não nacionalista da educação comparada contrastava com a corrente nacionalista atual no Brasil”.Nesse contexto, a política de empréstimos não estava em voga. A educação comparada foi ainda desinstitucionalizada dos programas de pós-graduação das universidades brasileiras em meados da década de 1990. Uma descontinuidade semelhante devido ao nacionalismo ocorreu na história da educação comparada no Chile. Em 1967, a educação comparada foi ministrada em universidades do país. No entanto, foi retirada dos currículos universitários durante a ditadura militar (1973-90), durante a qual o país estava fechado à infl uência ideológica estrangeira (RODRÍGUEZ, 2013). Padrões Europeus Uma visão alternativa do mapa global de Paulston vem da observação de diferenças epistemológicas entre comparativistas britânicos e americanos. Embora a literatura tenha sido dominada por estudiosos anglo-americanos, essas duas comunidades também diferem em suas epistemologias (COWEN, 1980) e, em seus próprios grupos nacionais, ocorrem novas divergências (CROSSLEY; WATSON, 2003). Cowen (1980, p. 108) estabelece uma distinção entre comparativistas europeus e americanos no período pós-Segunda Guerra Mundial: A defi nição intelectual da educação comparada europeia é bem diferente daquela da educação comparada americana. Os principais fundadores da educação comparada europeia de meados dos anos vinte estavam trabalhando em temas que eram compreensíveis em termos de Durkheim, Weber e Marx. A busca de novas abordagens metodológicas nos Estados Unidos e a confi ança que os educadores comparativos americanos tiveram em técnicas positivistas derivadas de outras ciências sociais signifi caram que um campo de estudo com um nome comum divergiu fortemente. 37 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 Na mesma linha, Waterkamp (2007) afi rma que os métodos historiográfi cos tendiam a dominar a pesquisa comparativa na Alemanha, até que essa hegemonia foi questionada no fi nal da década de 1960 por estudiosos que enfatizaram a importância das teorias sociológicas, políticas e econômicas. García Garrido (2005) também afi rma que os educadores comparativos espanhóis adotaram abordagens histórico-culturalistas e muito menos posições sociológicas positivistas ou posições humanistas radicais. Isto é parcialmente evidenciado pelos resultados de uma análise de conteúdo da Revista Española de Educação Comparada (MARTÍNEZ; VALLE, 2005), que revela que a maioria dos estudos é de natureza qualitativa, na forma de análise de documentos e revisões de literatura, e minimamente, aqueles sob a forma de estudos etnográfi cos. Ferrán Ferrer (2002) ressalta que a diferença na tradição histórica e na barreira do idioma é uma das razões pelas quais os comparativistas espanhóis geralmente não participaram nas conferências da British Association for International and Comparative Education (BAICE) e Comparative and International Education Society (CIES). Mitter (2007), no entanto, afi rma que ao longo do tempo, as diferenças entre os comparativistas europeus e norte-americanos tornaram-se menos "nítidas", como quando Cowen escreveu seu artigo em 1980. Para citar Mitter, "a metodologia empírica tem adquirido acesso à teoria da educação comparada e pesquisas em universidades e institutos de pesquisa europeus, enquanto as teorias sociais exerceram seu impacto na educação comparada nos EUA" (2007, p. 126). O trecho anterior mostra que, por um lado, o mapeamento de Paulston afasta as divergências, não só nas teorias e paradigmas dominantes em subcomunidades de comparativistas, mas também em termos do período histórico em que eram dominantes. Através da interação e do diálogo entre essas comunidades divergentes, suas diferentes abordagens tenderam a se interpenetrar mutuamente entre os limites teóricos uns dos outros, como Mitter descreveu anteriormente. Ao longo do tempo, as diferenças entre os comparativistas europeus e norte-americanos tornaram-se menos “nítidas” Alguns países da África e da Ásia, seja devido ao seu conservadorismo cultural ou à atenção prestada a necessidades mais básicas da educação, prestaram menos atenção às críticas pós-modernistas e aos debates metodológicos em seus discursos. África e Ásia Um argumento fi nal envolve a penetração desigual das perspectivas pós-modernas na comunidade acadêmica de comparativistas em todo o mundo. Pode-se afi rmar que, alguns países da África e da Ásia, seja devido ao seu conservadorismo cultural ou à atenção prestada a necessidades mais básicas da educação, prestaram menos atenção às críticas pós-modernistas e aos debates metodológicos em seus discursos. Pode-se apoiar este argumento com uma análise dos 38 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA objetivos e livros didáticos utilizados no ensino de educação comparada em alguns países africanos e asiáticos perfi lados em Wolhuter et al. (2013). Na Ásia, eles incluem China, Japão, Cazaquistão, Coreia, Malásia, Omã e Tailândia. Na África, eles compreendem Burundi, Egito, Tanzânia e Uganda. A seleção desses países é infl uenciada pela crítica de Cowen (1996, p. 165-166) sobre a possibilidade de um apelo universal do pós-modernismo. Ele argumenta que: O corpus de escrever sobre o pós-estruturalismo e pós- modernismo atraiu a atenção internacional, mas as contribuições para esse corpus de conhecimento têm necessariamente trajetórias locais [...] O pós-modernismo, em suas dimensões comparativas, é impressionantemente paroquial: não refl ete ou lê as condições socioeconômicas estruturais, projetos ideológicos, sistemas educacionais ou questões de identidade das autossociedades no Japão, Taiwan ou Coreia do Sul e, ainda menos, na China. Não pode ser facilmente alargado para compreender os projetos estatais para a construção da identidade islâmica na Argélia, no Irã, na Malásia ou no Paquistão e parece ter pouco a dizer sobre a crise da legitimação estatal e da reforma educacional na Europa Central e Oriental. Talvez isso seja porque grande parte da escrita sobre o pós-modernismo se inclinou muito na direção de perguntar sobre a destruição do self do "iluminismo", o indivíduo autônomo [...]. Este comentário analítico encontra um eco nos dados empíricos sobre a posição atual da educação comparada nas universidades. Com relação aos objetivos do ensino da educação comparada, o foco no Cazaquistão, onde a retomada da atividade comparativa é bastante recente, e para um objetivo preditivo: identifi car as tendências futuras e os resultados das reformas educacionais em outros países (KUSSAINOV; MUSSIN, 2013). Na China, na Malásia, em Omã e na Tailândia, os propósitos informativos e reformadores da educação comparada são de maior interesse do que os objetivos teóricos, como se pode ver nos trabalhos de Al-Harthi (2013), Manzon (2013) e Mohd Meerah e Halim (2013). Em termos de livros didáticos, como se pode observar em Wolhuter et al. (2013), vários países estão limitados ao uso de livros estrangeiros antigos e/ ou artigos de periódicos, por exemplo, Burundi, Malásia, Tanzânia, Tailândia e Uganda. Os trabalhos datam desde Kandel (1933), sendo os mais recentes os trabalhos de Altbach e Kelly (1990) e Halls (1990). Um dos motivos, e digno de nota, é que estes são clássicos. Mas, um fator restritivo, em alguns casos, é recursos fi nanceiros. Anangisye (2013) e Ocheng Kagoire (2013) observam a limitação das bibliotecas universitárias na Tanzânia e Uganda, respectivamente, deixando estudiosos com pouca escolha para recursos de pesquisa e ensino. Sheldon Weeks (2004 apud MANZON, 2011, p. 150) identifi cou uma restrição semelhante ao desenvolvimento da educação comparada na Zâmbia, no Zimbabwe e no Malawi, em particular devido ao colapso do sistema de bibliotecas 39 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 após a independência dos países. Tal como Anangisye (2013) destaca, não só os materiais estão desatualizados,