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Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 1 Curso de Reta Final Informações gerais: Cargo de Agente (Nível superior); Remuneração inicial de R$ 8.698,78; O total de vagas é de 1800; 70 questões sobre “Conhecimentos específicos”; Conteúdo programático (noções de direitos humanos): 1 Teoria geral dos direitos humanos. 1.1 Conceitos, terminologia, estrutura normativa, fundamentação. 2 Afirmação histórica dos direitos humanos. 3 Direitos humanos e responsabilidade do Estado. 4 Direitos humanos na Constituição Federal. 5 Política Nacional de Direitos Humanos. 6 A Constituição brasileira e os tratados internacionais de direitos humanos. A data prevista para aplicação da prova é o dia 18 de outubro de 2020; Banca Cebraspe (Cespe/Unb). 1. Teoria Geral dos Direitos Humanos 1.1 Conceito: Para iniciarmos este Curso Reta Final de direitos humanos para a PC-DF é de suma importância, antes de tudo, entender o que são esses “famosos” direitos humanos. Os Direitos Humanos, nada mais são que direitos essenciais para que os seres humanos possam ter uma vida digna, assim, esses direitos formam Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 2 um conjunto de normas jurídicas nacionais e internacionais que buscam assegurar um patamar mínimo de dignidade para todos os seres humanos. Para o professor André de Carvalho Ramos os direitos humanos consistem em um conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade. Os direitos humanos são os direitos essenciais e indispensáveis à vida digna1. Por isso, importante frisar que os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. Veja, não podemos afirmar que existe um rol predeterminado desse conjunto de direitos essenciais para uma vida digna, pois as necessidades humanas variam com o passar dos anos e com o contexto histórico no qual se inserem, por isso novos direitos humanos podem ser inseridos na lista desses direitos, e, em decorrência disso, serão protegidos. Assim, uma das principais características dos direitos humanos é a historicidade, ou seja, os direitos humanos não foram firmados em um único momento histórico, eles decorrem da evolução da sociedade, e, por isso, estão em constante evolução. Além disso, os direitos humanos fazem parte de um rol amplo e aberto (sempre é possível a descoberta de um novo direito humano), mas a título de exemplo, podemos citar o direito à vida, à liberdade, o direito ao trabalho e à educação, entre e muitos outros. Lembrando que: todos merecem esses direitos, sem discriminação! Falamos então que os direitos humanos representam valores essenciais, certo?! Mas onde esses direitos estão retratados? Já respondendo este questionamento, adianto – os direitos humanos estão explicitamente ou 1 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 6ª edição. São Paulo: Editora Saraivajur, 2019, p. 29. Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 3 implicitamente retratados nas Constituições e em tratados internacionais. Por isso, a fundamentalidade dos direitos humanos pode ser formal, ou seja, estão protegidos em um rol de direitos de uma Constituição ou um tratado internacional, ou pode ser material, que mesmo não expressamente codificado é considerado direito humano e indispensável para a proteção da dignidade humana. Mesmo existindo diversos direitos humanos – como os direitos à liberdade, à igualdade, ao trabalho, à educação, à vida privada, entre outros – eles possuem em comum, de forma geral, quatro ideias-chaves, quais sejam: universalidade, essencialidade, superioridade normativa e reciprocidade. Assim, como ensina o Professor André de Carvalho Ramos2, a universalidade consiste no reconhecimento de que os direitos humanos são direitos de todos, sem discriminação de qualquer espécie. Já a essencialidade implica que os direitos humanos apresentam valores indispensáveis (essenciais) e que todos devem protegê-los. Além disso, os direitos humanos são superiores as demais normas, não se admitindo o sacrifício de um direito humano em benefício de outro direito dito inferior, por isso os direitos humanos possuem superioridade normativa. Por fim, a reciprocidade impõe que, por ser direito de todos, não há o dever de tão somente o Estado (agentes públicos) proteger esses direitos, mas também é dever da coletividade como um todo. Agora, vamos para o resumo: 2 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 6ª edição. São Paulo: Editora Saraivajur, 2019, p. 30. Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 4 Lembre-se que os Direitos Humanos são o conjunto de direitos essenciais e indispensáveis à vida digna. Mas afinal, o que é dignidade humana? O estudo etimológico da palavra “dignidade” demonstra que ela advém de dignos, que ressalta aquilo que possui honra ou importância. Remontando ao passado, verifica-se que, já no século XIII, São Tomás de Aquino reconhece a dignidade humana, como a qualidade inerente a todos os seres humanos, o que separa o homem dos demais seres e objetos. Além disso, Kant3 afirma que “o homem – e, de uma maneira geral, todo o ser racional – existe com um fim em si mesmo, e não apenas como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Assim, a dignidade constitui, na visão kantiana, um valor incondicional e incomparável. Para ilustrar isso, Kant contrapõe dignidade ao preço, trazendo que quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade. Em resumo: as coisas possuem preço; os indivíduos (seres humanos) possuem dignidade. 3 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. 2003, p. 58. direitos humanos universais essenciais superiores recíprocos Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 5 Nesse sentido, dignidade humana é a ideia de que todo o ser humano tem direito de ser respeitado pelo Estado e pelos demais, pelo simples fato de sua humanidade. Sendo dever do Estado proteger a dignidade humana, respeitando-a (imposição de limites à ação estatal) e garantindo-a por meio do fornecimento de condições materiais ideais para o seu florescimento. Vale lembrar que a dignidade é um valor universal, não importando as diversidades socioculturais dos povos, como as suas diferenças físicas, intelectuais ou psicológicas ou sociais. Todas as pessoas são detentoras de igual dignidade! A dignidade possui dois pilares importantíssimos. A igualdade entre os seres humanos, ou seja, os homens devem ter os seus interesses igualmente considerados, independentemente de raça, gênero, capacidade ou outras características individuais. E a liberdade, a qual permite ao homem exercer plenamente os seus direitos existenciais, como, por exemplo, a liberdade interior, para sonhar, realizar suas escolhas, elaborar planos e projetos de vida, pensar e manifestar suas opiniões. Ingo Wolfgang Sarlet4 define muito bem o conceito de dignidade como sendo “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsávelnos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”. Importante frisar que a dignidade é um valor que identifica o ser humano como tal, entretanto o conceito de dignidade possui mais que um 4 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2001, p. 60. Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 6 significado (é polissêmico), e dentre muitos doutrinadores não há uma concretude em sua definição. Por isso o conceito de dignidade é aberto, em permanente processo de desenvolvimento e construção, se inserindo na categoria dos denominados conceitos jurídicos indeterminados. Tanto nos diplomas internacionais quanto nacionais, a dignidade humana é inscrita como princípio geral ou fundamental, o que dá unidade axiológica aos sistemas jurídicos, fornecendo um substrato material para que os direitos possam florescer. No âmbito normativo, dentre outros artigos, a Constituição de 1988 estabelece que um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito é a “dignidade da pessoa humana” (art. 1, inciso III). Já no plano internacional, dentro outros documentos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 estabelece, já no seu preâmbulo, a necessidade de proteção da dignidade humana por meio da proclamação dos direitos elencados naquele diploma, estabelecendo, em seu artigo 1º, que “todos os seres humanos nascem livres e iguais, em dignidade e direitos”. Assim, a dignidade humana não se trata de um aspecto particular da existência, mas sim de uma qualidade inerente a todo o ser humano, sendo um valor que identifica o ser humano como tal. De acordo com o professor André de Carvalho Ramos5 existem dois elementos que caracterizam a dignidade humana: o elemento positivo e o elemento negativo. 5 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 6ª edição. São Paulo: Editora Saraivajur, 2019, p. 80. Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 7 O elemento negativo consiste na proibição de se impor tratamento ofensivo, degradante ou ainda discriminação odiosa a um ser humano. Por isso a própria Constituição dispõe que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (art. 5º, III), e ainda determina que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (art. 5º, XLI). Já o elemento positivo consiste na defesa da existência de condições materiais mínimas de sobrevivência a cada ser humano. Nesse sentido, a Constituição estabelece que a nossa ordem econômica tem “por fim assegurar a todos existência digna” (art. 170, caput). Agora, vamos para o resumo: Lembre-se que, de forma geral, a dignidade humana é a ideia de que todo o ser humano tem direito de ser respeitado pelo Estado e pelos demais, pelo simples fato de sua humanidade. Principais características dos Direitos Humanos: Os direitos humanos apresentam atualmente a nova centralidade do direito constitucional e também do direito internacional, o que os colocam em Dignidade humana é um conceito aberto caracterizada por um elemento positivo e um negativo igualdade e liberdade são seus pilares Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 8 elevada posição hermenêutica em relação aos demais direitos, apresentando diversas características, entre elas: a) Universalidade: a abrangência desses direitos engloba todos os indivíduos, independentemente de sua nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção político-filosófica, ou seja, os direitos humanos destinam-se a todas as pessoas de todos os lugares. b) Indivisibilidade: Consiste no reconhecimento de que todos os direitos humanos possuem a mesma proteção jurídica, já que são essenciais para uma vida digna. Em razão disso, há o reconhecimento de que os direitos humanos apresentam uma unidade incindível em si, não sendo possível proteger apenas alguns dos direitos assegurados, devendo, portanto, o Estado investir na promoção e proteção de direitos de primeira dimensão (como, por exemplo, o direito à integridade física), como em direitos de segunda dimensão (como, por exemplo, o direito à saúde). c) Interdependência: consiste no reconhecimento de que todos os direitos humanos contribuem para a realização da dignidade humana, interagindo para a satisfação das necessidades essenciais do indivíduo. d) Não exaustividade (abertura dos direitos humanos): Consiste na possibilidade de expansão do rol de direitos humanos necessários a uma vida digna, assim o rol de direitos previsto na Constituição Federal, bem como em tratados internacionais é meramente exemplificativo, podendo ser reconhecidos novos direitos, na medida em que as necessidades sociais assim exijam. e) imprescritibilidade: Consiste no reconhecimento de que os direitos humanos não se perdem pelo decurso do tempo. Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 9 f) Inalienabilidade: Consiste na impossibilidade de se transferir os direitos humanos, seja a título gratuito, seja a título oneroso. Em razão disso não se pode atribuir dimensão pecuniária aos direitos humanos para fins de venda. g) irrenunciabilidade: Consiste na impossibilidade de o próprio ser humano – titular dos direitos humanos – abrir mão de sua condição humana e permitir a violação desses direitos. Logo, a título de exemplo, uma pessoa não poderá doar ou vender determinado órgão vital para ser transplantado no corpo de outrem, pois tal situação seria renunciar à integridade física, um direito humano fundado na dignidade da pessoa. h) proibição do retrocesso (efeito cliquet): Consiste na vedação da eliminação da concretização já alcançada na proteção de algum direito, admitindo-se somente aprimoramentos e acréscimos. Ou seja, uma vez assegurado um direito humano, ele não poderá ser suprimido. Proíbe-se que os Estados diminuam ou amesquinhem a proteção já conferida aos direitos humanos. Importante salientar que, a proibição do retrocesso não representa uma vedação absoluta a qualquer medida de alteração da proteção de um direito específico, por óbvio que não se pode suprimir um direito humano por completo, mas admite-se diminuição na proteção normativa ou fática desde que exista justificativa de estatura jusfundamental; que essa diminuição respeite o crivo da proporcionalidade; e que seja preservado o núcleo essencial do direito envolvido (que o mesmo não seja suprimido por completo). i) historicidade: os direitos humanos decorrem da formação histórica e surgem e se solidificam em decorrência da evolução da sociedade, estando eles em constante desenvolvimento. Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 10 Bom, agora que você já identificou as principais características dos direitos humanos, vamos para o esquema: 1.2 Terminologia: Ao longo da sua trajetória de estudos para concursos públicos você ficou em dúvida sobre qual expressão utilizar para se referir aos direitos essenciais dos seres humanos? Ou ainda, pôde verificar que para fazer referência a essa categoria de direitos são utilizadas variadas expressões? Em caso positivo ou negativo, vamos lá! A doutrina para fazer referência aos direitos essenciais dos indivíduos emprega várias expressões, tais como “direitos fundamentais”, “direitos humanos”, “direitos do homem”, “direitos públicos subjetivos”, “liberdades públicas”, “direitos individuais”, “liberdades fundamentais”, “direitos humanos fundamentais”, “direitos fundamentais do homem” e “direitos naturais”. Até mesmo a própria Constituição Federal de 1988 repercute essa pluralidade terminológica, utilizando as expressões: “direitos humanos” Direitos Humanos universais indivisíveis e interdependentes rol não exaustivo imprescritíveis, inalienáveis e irrenunciáveis não podem retroceder históricos Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 11 (art. 4º, II, e 7º), “direitos e garantias fundamentais” (Título II e art. 5º, § 1º), “direitos e liberdades constitucionais” (art. 5º, LXXI), “direitos e garantias individuais” (art. 60, § 4º, IV), “direitos e liberdades fundamentais” (art. 5º, XLI) e “direitos fundamentais da pessoa humana” (art. 17). No direito internacional, não é diferente. Vejamos, a título de exemplo, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948 adota, no seu preâmbulo, as locuções: “direitos do homem” e “direitos essenciais do homem”. Já a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, por seu turno, estabelece as expressões: “direitos do homem”, “direitos fundamentais do homem” e “direitos e liberdades fundamentais do homem”. Embora essas expressões sejam comumente empregadas como sinônimas, para o seu estudo é importante diferenciar o alcance das expressões direitos humanos e direitos fundamentais, vejamos: Direitos humanos: deveria ser empregada para fazer referência àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional. De fato, os direitos humanos exprimem certa consciência ética universal, e por isso estão acima do ordenamento jurídico de cada Estado, sendo a expressão “preferida” nos documentos internacionais. Direitos fundamentais: essa expressão deveria ser reservada para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado. Visto isso, você pôde observar que a distinção não remete ao conteúdo desses direitos, mas sim em relação ao plano de alcance, resumindo: Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 12 Direitos Humanos: Direitos universalmente aceitos na ordem internacional, independentemente de vinculação com determinada ordem constitucional (tratados e demais normas de direitos humanos no âmbito internacional). Direitos Fundamentais: Conjunto de direitos positivados e vinculados a ordem interna de determinado Estado (país). Importante ressaltar que para parte da doutrina6 essa distinção está ultrapassada, em razão da maior penetração dos direitos humanos no plano nacional, com a incorporação doméstica dos tratados, inclusive, no caso brasileiro, com a possibilidade de serem equivalentes à Emenda Constitucional; e em razão da força vinculante dos direitos humanos, graças ao reconhecimento da jurisdição de órgãos como a Corte Interamericana de Direitos Humanos. 1.3 Estrutura normativa dos direitos humanos: Quanto a estruturação normativa dos direitos humanos, antes de tudo é importante relembrar que o direito se expressa por meio de normas jurídicas e, estas ultimas, são compostas de regras e princípios. As regras disciplinam uma determinada situação; quando ocorre essa situação, a regra tem incidência; quando não ocorre, não tem incidência. Assim, as regras são enunciados jurídicos tradicionais, que preveem uma situação fática e, se essa ocorrer, haverá uma consequência jurídica. Para as regras vale a lógica do tudo ou nada, quando duas colidem, fala-se em 6 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 6ª edição. São Paulo: Editora Saraivajur, 2019, p. 53. Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 13 “conflito” e no caso concreto somente uma delas será aplicada. No direito brasileiro podemos citar como exemplo de regra o disposto no artigo 121 do código penal (matar alguém) – se um indivíduo mata alguém responderá pelas penalidades do citado artigo. Já os princípios são as diretrizes gerais de um ordenamento jurídico (ou de parte dele), sua abrangência é muito mais ampla que a das regras. Entre os princípios pode existir “colisão” e não conflito. E quando colidirem, não se excluirão. Assim, os princípios, segundo ensinamentos de Robert Alexy, são denominados de “mandados de otimização”, uma vez que impõem que “algo se realize na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes”. No direito brasileiro podemos citar como exemplo o princípio do devido processo legal, esculpido no artigo 5º, inciso LIV da Constituição Federal, pelo qual ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Esse é um princípio, e não há aqui definição de quais situações específicas ele será considerado, devendo ele ser utilizado para balizar uma infinidade de situações. Bom, agora que você já relembrou o que são regras e princípios, no que tange aos direitos humanos você deve tem em mente que a estrutura normativa dos Direitos Humanos é formada principalmente por um conjunto de princípios, ou seja, possui maior incidência de princípios do que de regras, por isso a estrutura normativa dos direitos humanos é aberta. 1.4 Os fundamentos dos direitos humanos: •estrutura normativa aberta Direitos Humanos Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 14 Você sabe qual é o fundamento dos direitos humanos? Em relação a esse assunto temos três principais teorias que tentam justificá-lo, as quais são: Teoria jusnaturalista, Teoria positivista e Teoria moralista ou de Perelman. Fundamento Jusnaturalista: A teoria jusnaturalista fundamenta os direitos humanos em uma ordem superior universal, imutável e inderrogável. Por essa linha de pensamento, os direitos humanos fundamentais não são criação dos legisladores, tribunais ou juristas, e, consequentemente, não podem desaparecer da consciência dos homens. Por isso, os direitos humanos são um conjunto de normas vinculantes anteriores e superiores ao sistema de normas fixadas pelo Estado (direito posto). Na história já é possível identificar a influência do jusnaturalismo na Antiguidade, em que se afirmava que as leis dos homens não podem sobrepor-se às leis eternas dos deuses. Na idade média, podemos citar São Tomás de Aquino, o qual impunha que a lei humana deve obedecer à lei natural, esta última, fruto da razão divina, mas perceptível aos homens. No plano internacional, Hugo Grócio (século XVI) sustentava a existência de um conjunto de normas ideais, decorrente da razão humana. Há também a corrente jusnaturalista contratualista, que foi sedimentada pelos iluministas, em especial Locke e Rousseau, onde a razão é fonte de direitos inerentes ao ser humano, confirmando a prevalência dos direitos dos indivíduos em face do Estado. Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 15 Além disso, essa corrente jusnaturalista é visível nas primeiras declarações de direitos: na Inglaterra, o Habeas Corpus Act (1679) e o Bill of Rights (1689); nos Estados Unidos, a Declaração da Virgínia (1776); e na França, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Em resumo, e segundo André de Carvalho Ramos o “traço marcante da corrente jusnaturalista (de origem religiosa ou contratualista) de direitos humanos é o seu cunho metafísico, pois se funda na existência de um direito preexistente ao direito produzido pelo homem, oriundo de Deus (escola de direito natural de razão divina) ou da natureza inerente do ser humano (escola de direito natural moderno)”.7 Além disso, é importante você entender que para essa teoria há uma crítica, já que os direitos humanos decorrem da evolução histórica da sociedade. A história mostra que os direitos humanos são direitos conquistados, sendo possível a consagração de novos direitos humanos, decorrentes da evoluçãoda sociedade. Em que pese o reconhecimento da historicidade dos direitos humanos, a fundamentação jusnaturalista é visível até hoje no próprio Supremo Tribunal Federal, como em documentos internacionais de direitos humanos, a exemplo da Declaração de Viena de 1993 e da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Fundamento Positivista Já a teoria positivista, de forte influência ao longo dos séculos XIX e XX, fundamenta a existência dos direitos humanos fundamentais na ordem normativa, enquanto legítima manifestação da soberania popular. Desta 7 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 6ª edição. São Paulo: Editora Saraivajur, 2019, p. 85. Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 16 forma, somente seriam direitos humanos aqueles expressamente previstos no ordenamento jurídico positivado (direito posto). Assim, os direitos humanos se justificam graças a sua validade formal e sua previsão no ordenamento jurídico positivado, e, para serem exigíveis é necessária a sua prescrição em normas internas. Para essa teoria há também uma crítica, pois, os direitos humanos não são somente aqueles positivados no ordenamento jurídico, e se o fossem a proteção dos direitos humanos estaria enfraquecida, já que a imperfeição das regras legais ou constitucionais de respeito aos direitos humanos revela a manutenção de injustiças ou a criação de novas. Fundamento Moralista Também chamado de Teoria de Perelman, fundamenta a existência dos direitos humanos na própria experiência moral de um determinado povo, estando relacionados diretamente aos valores morais da coletividade humana (formação de uma consciência social sedimentada). Acredita-se então, que o fundamento dos direitos humanos se encontra na consciência moral do povo, configurando o denominado “espíritu razonable”.8 Para essa corrente, os direitos humanos são direitos subjetivos originários de princípios, e independem da existência de regras prévias, por isso, a teoria moralista impõe que há um conteúdo ético na fundamentação dos direitos humanos, que são reconhecidos através da consciência moral de necessidade alheia. Por fim, é importante que você entenda que nenhuma das teorias acima resumidas consegue explicar a incomparável importância dos direitos humanos fundamentais. Fato é que essas teorias se complementam e 8 REIS, Jair Teixeira. Direitos Humanos. 4ª edição. São Paulo: LTr, 2014, p. 56-57. Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 17 coexistem, pois, é somente através da formação de uma consciência social (fundamento moralista), principalmente baseada em valores atinentes a uma ordem superior, universal e imutável (fundamento jusnaturalista) que o Estado encontra substrato político e social para o reconhecimento dos direitos fundamentais, para assim, positivá-los (fundamento positivista). Agora que você já identificou as três principais teorias que tentam fundamentar os direitos humanos, vamos para o esquema: Assim, chegamos ao final da Teoria Geral sobre os direitos humanos, na sequência estudaremos um pouquinho sobre as fases precursoras da proteção atual (evolução histórica) desses direitos essenciais. Vamos lá! 2. A afirmação histórica dos direitos humanos: Lembra que falamos que uma das principais características dos direitos humanos é a historicidade?! Então você se recorda que os direitos humanos decorrem da evolução da sociedade, assim sendo, conforme se passam os anos novos direitos e melhoramentos vão sendo concebidos. Fundamentos dos Direitos Humanos Jusnaturalista ordem superior, universal, imutável e inderrogável Positivista expressamente previstos no ordenamento jurídico positivado Moralista formação da consciência social de determinado povo Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 18 Em razão disso não existe um ponto exato que delimita o nascimento da disciplina dos direitos humanos, mas o que podemos concluir é que o cerne dos direitos humanos é a luta contra a opressão e busca do bem-estar do indivíduo, assim, podemos observar que o conteúdo dos direitos humanos vem se edificando desde o surgimento das primeiras comunidades humanas. Nesse contexto, a proteção atual desses direitos essenciais nem sempre foi a mesma, são mais de 28 séculos rumo à afirmação universal dos direitos humanos, que tem como cume a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Por isso, nesse tópico iremos estudar as fases precursoras da universalização dos direitos humanos (que ainda é uma obra inacabada), ou seja, vamos estudar sobre os principais acontecimentos e documentos históricos que culminaram no processo de afirmação histórica dos direitos humanos. Vale ressaltar que, essas diversas fases conviveram, em sua época respectiva, com institutos ou posicionamentos que hoje são repudiados, tais como a escravidão, a perseguição religiosa, a exclusão das minorias, a submissão da mulher, a discriminação contra as pessoas com deficiências, o absolutismo, e outras formas de organização do poder e da sociedade ofensivas ao entendimento atual da proteção dos direitos humanos. Mas, mesmo assim, o estudo do passado é indispensável para detectar regras que já existiam em sistemas jurídicos, e que já expressavam o respeito a valores relacionados a concepção atual dos direitos humanos. Então vamos lá! Idade Antiga (4.000 a. C a 476 d. C): Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 19 Na Suméria antiga (século XVIII a. C), mesmo diante da ausência de discussão sobre a limitação do poder do Estado, foi editado o famoso Código de Hammurabi, no qual 282 leis foram talhadas em uma rocha em letras cuneiformes. Esse código previa dentre outras normas, o direito à vida, à propriedade, à honra (em casos de injúria e difamação). Além disso, o código ficou famoso, pois impunha a reciprocidade no trato de ofensas, em que o ofensor deveria receber a mesma ofensa proferida. Na Pérsia, por volta do século VI a. C., temos o famoso Cilindro de Ciro, que foi uma declaração do Rei Persa, Ciro II, “O Grande”, em que foi permitido que os povos exilados da Babilônia regressassem às suas terras de origem, sendo considerada a primeira declaração de direitos humanos. Já na antiguidade clássica, temos a herança grega na afirmação dos direitos humanos, a qual é expressiva no que tange a participação política dos cidadãos (direitos políticos). O Século de Péricles (século V a.C.) testou a democracia direta em Atenas, com participação dos cidadãos homens da pólis grega nas principais escolhas da comunidade. Porém, vale lembrar que a democracia ateniense tinha seus limites, pois só podiam participar da Assembleia os cidadãos (homens livres, nascidos em Atenas e com mais de 18 anos), já as mulheres, os estrangeiros e os escravos não tinham direito a participação política. Sobre a “herança dos gregos” podemos citar também Platão que em sua obra “A República” (400 a. C.) defendeu a igualdade e a noção do bem comum, buscando definir o conceito de Justiça. E Aristóteles, na obra “Ética a Nicômaco” (367 a. C), na qual a felicidade é a finalidade última do ser humano, salientando a importância do agir com justiça, para o bem de todos da pólis, mesmo em face de leis injustas. Ainda na idade antiga, o direito romano teve sua contribuição para o processo de afirmação histórica dos direitos humanos, em que podemos Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 20 citar a famigerada Lei das Doze Tábuas (462 a. C.), a qual versava sobre organização e procedimento judicial, normas para os inadimplentes, poder pátrio, sucessão e tutela, propriedade, servidões, delitos, direito público e direito sagrado, além dealguns assuntos complementares. Estabeleceu como regente das condutas a lei escrita (sedimentação do princípio da legalidade), consagrando vários direitos, entre eles o direito à liberdade e à personalidade jurídica. Sobre a contribuição dos romanos podemos citar também Marco Túlio Cícero, em sua obra “A república” (51 a. C.), na qual retoma a defesa da razão reta, salientando que a verdadeira lei é a lei da razão, inviolável mesmo em face da vontade do poder. Além de obra “De legibus” – Sobre as Leis (52 a. C), onde sustentou que, apesar das diferenças (raças, religiões e opiniões), os homens podem permanecer unidos caso adotem o “viver reto”, que evitaria causar o mal a outros. No plano da afirmação histórica dos direitos humanos a religião também contribuiu para esse processo, defendendo a igualdade espiritual. Em que pese ser notória a influência do Antigo e do Novo Testamento, bem como do Cristianismo, importante lembrar que eles conviveram no passado, com severas violações de direitos humanos, como a escravidão e a servidão. O Antigo Testamento (1000-1500 a. C.) preconiza a solidariedade e preocupação com o bem-estar de todos, anunciando também sobre a necessidade de respeito a todos, em especial aos vulneráveis (mulheres viúvas e órfãos). Já no Novo Testamento (Cristianismo) existem vários trechos da bíblia que pregam a igualdade e solidariedade com o semelhante. No âmbito da filosofia, Santo Agostino de Hipona (364 a 430 d. C.), maior representante da escola Patrística, centrou no homem e na questão de seu destino pessoal a sua grande preocupação, revelando-se a grande importância da valorização da dignidade humana. Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 21 Em resumo, sobre a Idade Antiga e a afirmação histórica dos direitos humanos, vamos para o esquema: Idade Média (476 d. C a 1.453): Na Idade Média Europeia, o poder dos governantes era ilimitado, ante a sua fundamentação na vontade divina, entretanto por volta do Século XI, surgem os primeiros movimentos de reivindicação de liberdades, em que podemos citar a Declaração das Cortes de Leão (1.188), a qual consistiu em uma manifestação que consagrou a luta dos senhores feudais contra a centralização e o nascimento futuro do Estado Nacional. Na área da filosofia, São Tomás de Aquino, em sua obra “Suma Teológica” (1.273) defendeu a igualdade dos seres humanos e a aplicação justa da lei. Para ele aquilo que é justo é aquilo que corresponde a cada ser humano na ordem social (justiça social). Assim, durante a Idade Média, atuou como defensor dos Direitos Humanos combatendo a discriminação (preconceito) e a violência, representando a Filosofia Escolástica. Idade Antiga Suméria e Pérsia Antiga Código de Hammurabi e Cilindro de Ciro Grécia Antiga "Século de Péricles", Platão e Aristóteles Roma Antiga Lei das Doze Tábuas e Marco Tulio Cícero Religião Antigo Testamento, Novo Testamento e Santo Agostinho de Hipona Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 22 Na sequência, como resultado dos movimentos reivindicatórios de liberdades, podemos citar a famosa Magna Carta (1215) na Inglaterra, a qual continha um catálogo de direitos dos indivíduos contra o Estado (mesmo que com caráter elitista). Trouxe a ideia de governo representativo, bem como os direitos de ir e vir em situação de paz; direito de ser julgado pelos seus pares (devido processo legal); acesso à justiça; e proporcionalidade entre crime e pena. Ressalta-se que a Magna Carta deixou implícito pela primeira vez na história política medieval que o rei se achava vinculado pelas próprias leis que editava. Em resumo, sobre a Idade Média e a afirmação histórica dos direitos humanos, vamos para o esquema: Idade Moderna (1.453 a 1.789): No período compreendido entre os anos de 1.628 a 1.789, que permeiam a Idade Moderna, ocorreram as chamadas “revoluções liberais” - inglesa, americana e francesa. As respectivas Declarações de Direitos dessas revoluções marcaram a primeira clara afirmação histórica dos direitos humanos. a) Revolução Inglesa: A chamada “Revolução Inglesa” foi a mais precoce das revoluções liberais, pois tem como marco a Petition Of Right (1.628) e o Bill of Rights (1.689) que, sobretudo, consagraram a supremacia do Parlamento (em relação ao Idade Média Documentos Declaração de Cortes de Leão e Magna Carta Filosofia/Religião São Tomás de Aquino Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 23 rei) e o império da lei (legalidade, o monarca estava subordinado às leis que editava). Nesse contexto, a Petition of Right (1.628), a qual representou uma Declaração de Liberdades Civis, foi marco no desenvolvimento dos direitos humanos, e objetivou limitar a arbitrariedade e os abusos do Rei, estabelecendo o dever do Rei de não cobrar impostos sem a autorização do Parlamento, bem como reafirmou que “nenhum homem livre podia ser detido ou preso ou privado dos seus bens, das suas liberdades e franquias, ou posto fora da lei e exilado ou de qualquer modo molestado, a não ser em virtude de sentença legal dos seus pares ou da lei do país (devido processo legal). Continuando, temos ainda a Lei do Habeas Corpus (Habeas Corpus Act 1.679) que surgiu na Inglaterra e estabelecia que, por meio de reclamação ou requerimento escrito de algum indivíduo ou a favor de algum indivíduo detido ou acusado da prática de um crime, o lorde chanceler ou, em tempo de férias, algum juiz dos tribunais superiores poderia conceder o Habeas Corpus. No seu texto, havia ainda a previsão do dever de entrega do “mandado de captura” ao preso ou seu representante, representando mais um passo para banir as detenções arbitrárias (garantia processual penal). Comentando sobre a Lei do Habeas Corpus, Fábio Konder Comparato9 traz que a importância histórica do habeas corpus, consistiu no fato de que essa garantia judicial, criada para proteger a liberdade de locomoção, tornou- se a matriz de todas as que vieram a ser criadas posteriormente, para a proteção de outras liberdades fundamentais. Por fim, após a chamada “Revolução Gloriosa”, a Declaração Inglesa de Direitos “Bill of Rights” (1689) reduziu de forma significativa o poder absoluto dos reis ingleses, constando nela, basicamente, a afirmação da vontade da lei sobre a vontade absolutista do rei (princípio da legalidade 9 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 12ª Edição. São Paulo: Editora Saraivajur, 2019,p.99. Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 24 em sentido amplo). Esse documento também garantia a liberdade pessoal, a propriedade privada, a segurança pessoal, o direito de petição, a proibição de penas cruéis, e etc. Estabelecendo assim uma nova forma de organização do Estado, cuja função precípua é a proteção dos direitos da pessoa humana. b) Revolução Americana: Por sua vez, a “Revolução Americana” retratou o processo de independência das colônias britânicas da América do Norte (1776), e a criação da primeira Constituição do mundo, a Constituição norte- americana de 1787, que foi emendada em 1.791. Em 1.776 foi editada a Declaração de Independência dos Estados Unidos (escrita em grande parte por Thomas Jefferson) que marcou o direito político de autodeterminação dos seres humanos, que são governados a partir de sua livre escolha. Essa Declaração estipulou, já no seu início, que “todos os homens são criados iguais, sendo-lhes conferidos pelo seu criador certos Direitos inalienáveis, entre os quais se contam a Vida, a Liberdade e a busca pela Felicidade, e que, para garantir estes Direitos, são instituídos Governos entre os Homens, derivando os seus justos poderes do consentimento dos governados. Na sequência foi criada a primeira Constituição do mundo, a Constituiçãonorte-americana de 1787, a qual não possuía um rol de direitos, e que somente passou a ter em 1791, quando foram aprovadas 10 emendas que introduziram um rol de direitos na Constituição norte-americana, dentro do qual estão os direitos à liberdade de religião, expressão, reunião e petição; direito de propriedade; proibição da escravidão, inviolabilidade de domicílio; garantias processuais, direitos políticos, entre outros. c) Revolução Francesa: Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 25 O Estado francês antes da Revolução Francesa era ineficiente e incapaz de organizar a economia a fim de atender as necessidades de uma população cada vez maior. Essa situação, somada a crescente insatisfação popular culminou na autoproclamação de uma “Assembleia Nacional Constituinte”, em junho de 1789. Já em 12 de junho de 1789, iniciaram-se os motins populares em Paris que resultaram, em 14 de julho de 1789, na tomada da Bastilha, cuja queda é, até hoje, o símbolo maior da Revolução Francesa. Na sequência, em 27 de agosto de 1789, a Assembleia Nacional Constituinte adotou a “Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão”, que consagrou a igualdade e liberdade como direitos inatos a todos os indivíduos. O impacto na época foi imenso, pois aboliram-se os privilégios, direitos feudais e imunidades de várias castas, em especial da aristocracia de terras. Essa declaração foi inspirada nos pensamentos iluministas, bem como na própria Revolução Americana (1776), sendo muito importante, pois definiu os direitos individuais e coletivos dos homens como universais – é a primeira com vocação universal. Essa Declaração, símbolo da Revolução Francesa, proclamou os direitos humanos impondo que todos os homens nascem livres e com direitos iguais (influência jusnaturalista). É composta por 17 artigos, que acabaram sendo adotados como preâmbulo da Constituição Francesa de 1791 e que condensavam várias ideias, como, por exemplo: soberania popular; sistema de governo representativo; igualdade de todos perante a Lei; presunção de inocência; direito à propriedade; à segurança; liberdade de consciência, de opinião e pensamento; bem como o dever do Estado Constitucional de garantir os direitos humanos. Em resumo, sobre a Idade Moderna e a afirmação histórica dos direitos humanos, vamos para o esquema: Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 26 Idade Contemporânea (1.789 até os dias atuais): a) Socialismo e constitucionalismo social: Já no final do século XVIII, os jacobinos franceses (representantes da burguesia) defendiam a ampliação do rol de direitos da Declaração Francesa para abarcar também os direitos sociais (direitos de segunda dimensão), como o direito à educação e assistência social. Mesmo depois das revoluções liberais da idade moderna a miséria persistiu entre as camadas populares, e por isso foi percebida a necessidade da implementação dos direitos sociais aptos a garantir condições materiais mínimas de sobrevivência, surgindo assim os movimentos socialistas na Europa do século XIX. Entre os documentos que corroboraram para a afirmação dos direitos sociais, está a obra de Karl Marx, “A questão judaica” de 1843, que questionou os fundamentos liberais da Declaração Francesa de 1789, defendendo que o homem não é um ser abstrato, isolado das engrenagens sociais. Para Marx, os direitos humanos até então defendidos eram focados no indivíduo voltado para si mesmo, para atender seu interesse particular egoístico dissociado da comunidade. Assim, não seria possível defender Idade Moderna Revoluções Liberais Americana "Petition of Right", "Habeas Corpus Act" e "Bill of Rights" Inglesa Declaração de Independência dos Estados Unidos e Constituição norte- americana de 1787 Francesa Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 27 direitos individuais em uma realidade na qual os trabalhadores eram fortemente explorados. Nessa linha também é possível citar o Manifesto do Partido Comunista, em 1848, de Marx e Engels, no qual são defendidas novas formas de organização social, de modo a atingir o comunismo, forma de organização social na qual seria dado a cada um segundo a sua necessidade e exigido de cada um segundo a sua possibilidade. No plano político, houve várias revoluções malsucedidas, até o êxito da Revolução Russa em 1917, que, pelo seu impacto (foi realizada no maior país do mundo), estimulou novos avanços na defesa da igualdade e justiça social. No plano do constitucionalismo, houve a introdução dos chamados direitos sociais – que pretendiam assegurar condições materiais mínimas de existência – em diversas constituições, tendo sido pioneiras a Constituição do México (1917) – passou a garantir direitos individuais com fortes tendências sociais, a exemplo dos direitos trabalhistas – a Constituição de Weimar (1919) da Alemanha – previa direitos relacionados à vida social, religião e econômica - e, no Brasil, a Constituição de 1934 – previa diversos direitos sociais, a exemplo dos direitos trabalhistas. E, no plano internacional, ao término da Segunda Guerra Mundial (1919), foi criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT), voltada à melhoria das condições dos trabalhadores, constituindo um dos precedentes históricos do processo de internacionalização dos direitos humanos. b) O início da internacionalização dos direitos humanos: Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 28 Até a criação da OIT, em meados do século XX, poucos foram os diplomas de âmbito internacional que proclamaram direitos humanos, pois, até então, a proteção desses direitos essenciais permeavam os planos domésticos dos Estados (países). Contudo, a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) inicia-se uma nova organização da sociedade internacional, face às barbáries decorrentes das grandes guerras. Nesse contexto começa-se o processo de internacionalização dos direitos humanos, que tem marco, a criação da Organização das Nações Unidas, por intermédio da Carta de São Francisco (Carta da ONU), no ano de 1945. A partir de então foi editada a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e diversos tratados internacionais de direitos humanos, tendo como consequência a criação de uma estrutura global de proteção dos direitos humanos. Em resumo, sobre a Idade Contemporânea e a afirmação histórica dos direitos humanos, vamos para o esquema: Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 29 Para finalizar este tópico sobre a afirmação histórica dos direitos humanos, é de suma importância que você tenha observado que, ao longo da história, a contribuição de todos os eventos e documentos que ensejaram a atual proteção dos direitos humanos ocorreu por meio de quatro premissas, são elas: indícios de respeito à dignidade humana e igualdade entre os seres humanos; indícios de reconhecimento de direitos fundados na própria existência humana; reconhecimento da superioridade normativa mesmo em face do Poder do Estado; e reconhecimento de direitos voltados ao mínimo existencial. 3. Direitos humanos e responsabilidade do Estado Conceito: Idade Contemporânea Socialismo Karl Marx e Engels Política Revolução Russa Documentos Constuição Mexicana (1.917); Alemã (1.919) e Brasileira (1.934) Plano Internacional OIT, Carta da ONU e DUDH Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 30 A responsabilidade do Estado é a imputação a este último de efeitos do ordenamento jurídico, quando sucede determinado acontecimento (ilícito). Assim a responsabilidade do Estado na seara dos Direitos Humanos surge quando da omissão ou ação do Estado em relação a atos atentatórios a esses direitos, acarretando ao ente violador o dever de repararos prejuízos decorrentes de sua conduta. A responsabilidade do Estado em face de violação de uma norma de direitos humanos é objetiva, ou seja, responde independentemente de culpa, bastando apenas a comprovação do nexo causal entre a conduta e o dano. 3.2 Proteção dos Direitos Humanos: 3.3 Responsabilidade internacional do Estado: O Brasil, ao ratificar tratados internacionais de direitos humanos, dada a teoria geral da responsabilidade internacional do Estado, tem a obrigação internacional de respeitar e garantir direitos humanos devendo zelar que os atos do poder executivo, as decisões do poder judiciário e as normas constitucionais legais sejam compatíveis com os direitos elencados nesses tratados. Proteção dos Direitos Humanos âmbito doméstico Constituição Federal demais Leis brasileiras âmbito internacional Sistema Global (ONU) Sistema Interamericano (OEA) Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 31 Quando ocorre uma violação de direitos humanos impõe-se primeiramente a responsabilidade interna do Estado (primária), entretanto quando há omissão ou demora na solução do litígio o Estado pode ser responsabilizado internacionalmente. Por isso a responsabilização internacional do Estado é subsidiária, ou seja, só caberá quando o Estado falhou internamente. Para que um Estado seja responsabilizado internacionalmente faz-se necessária a existência de um comportamento em violação de um dever internacional, sempre imputável a um ou mais Estados, denominado ilícito internacional (ação ou omissão); um dano físico ou moral; e a omissão ou demora interna na solução do litígio. 3.3.1 Finalidades da Responsabilização: a) Preventiva (coagir os Estados a observar as obrigações assumidas); b) Repreensão (busca reparar atos ilícitos praticados pelos Estados); c) Limitativa (busca impor limites à atuação violadora de direitos humanos por parte dos Estados). 3.3.2 Sujeitos: a) Estado (sujeito ativo); b) Pessoas ou comunidades atingidas pela violação (sujeito passivo). Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 32 Atente-se que a responsabilidade sempre é do Estado-União, não importando o ente federativo que deu ensejo a violação. 3.3.3 Consequências: Na proteção aos direitos humanos busca-se a responsabilização internacional do Estado a fim de reparar o dano sofrido pelo indivíduo. A consequência maior dessa responsabilização é a reparação, ou seja, toda e qualquer conduta do Estado infrator para eliminar as consequências do fato internacionalmente lícito, o que compreende uma série de atos, dentre eles: a) Indenização; b) Pedido de desculpas; c) Admissão da responsabilidade internacional do Estado; d) Garantia de não repetição; e) Mudanças legislativas; 3.4 A Competência da Justiça Federal nas hipóteses de grave violação de direitos humanos: Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 33 A famosa Emenda Constitucional nº 45/2004 também introduziu um novo §5º no artigo 109 da Constituição Federal, vejamos: Art. 109, § 5º - Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. A partir disso, para assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos no Brasil, ficou constituído o IDC (Incidente de Deslocamento de Competência), com seis elementos principais, a saber: 1) legitimidade exclusiva de propositura do Procurador-Geral da República; 2) competência privativa do Superior Tribunal de Justiça, para conhecer e decidir, com recurso ao STF (recurso extraordinário); 3) abrangência cível ou criminal dos feitos deslocados, bem como de qualquer espécie de direitos humanos (abarcando todas as gerações de direitos) desde que se refiram a casos de “graves violações” de tais direitos. 4) permite o deslocamento na fase pré-processual (inquérito policial ou inquérito civil público) ou já na fase processual. 5) relaciona-se ao cumprimento de obrigações decorrentes de tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil. Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 34 6) fixa a competência da Justiça Federal e do Ministério Público Federal para atuar no feito deslocado. O IDC decorre da internacionalização dos direitos humanos e, em especial, do dever internacional assumido pelo Estado brasileiro de estabelecer recursos internos eficazes e de duração razoável. Além disso, o deslocamento da competência deverá ser deferido quando: i) ocorrer grave violação aos direitos humanos; ii) estiver evidenciada uma conduta das autoridades estaduais reveladora de falha proposital ou por negligência, imperícia, imprudência na condução de seus atos, que vulnerem o direito a ser protegido, ou ainda que revele demora injustificada na investigação ou prestação jurisdicional; iii) existir o risco de responsabilização internacional do Brasil, por descumprimento de suas obrigações internacionais de direitos humanos. Atente-se, não basta que ocorra uma “grave violação de direitos humanos”, é necessário que a conduta da autoridade estadual revele comportamento reprovável que coloque em risco as obrigações internacionais de direitos humanos assumidas pelo Brasil. Além disso, o deferimento do deslocamento do feito para a Justiça Federal será definido de acordo com as demais peculiaridades do caso, observando-se todas as demais regras constitucionais e legais de competência, por exemplo, em caso de crime doloso contra a vida, a competência do Tribunal do Júri Estadual será deslocada para o Tribunal do Júri Federal. Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 35 Sobre o IDC, vamos ao esquema: 4. Direitos Humanos na Constituição Federal: Agora vamos estudar sobre a Carta de 1988 e suas principais implicações na esfera dos direitos humanos. Primeiramente é bom que você saiba que a CF/88 demarca, no âmbito jurídico, o processo de democratização do Estado brasileiro, já que consolidou a ruptura com o regime autoritário militar, instalado em 1964, fato este que ensejou considerável impacto na esfera dos direitos fundamentais. A Carta Magna de 1988 coloca-se entre as Constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito ao campo dos direitos e garantias fundamentais. Ela introduziu avanço na consolidação legislativa das garantias e direitos fundamentais e na proteção de setores vulneráveis da sociedade brasileira. A partir dela, os direitos humanos ganham relevo extraordinário. Ela é uma constituição cidadã, pois teve ampla participação popular em sua elaboração e especialmente porque se volta decididamente para a plena realização da cidadania. E na esfera dos direitos humanos, a CF/88 IDC quem propõe é o PGR quem decide é o STJ em casos de grave violação de direitos humanos se deferido, o feito é deslocado para a JF evita responsabilização internacional do Brasil Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 36 possibilitou um progresso significativo no reconhecimento de obrigações internacionais no âmbito dos direitos humanos. Fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil: O artigo 1º da Constituição Federal estabelece os fundamentos da República Federativa do Brasil, nos seguintes termos: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito etem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Somente pela leitura do artigo 1º da CF/88 você já pode concluir que os fundamentos da República convergem para a proteção dos direitos humanos, que são indispensáveis para o Estado Democrático de Direito brasileiro. A soberania, a cidadania, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político fundamentam a República, e são importantíssimos na proteção e implementação dos direitos humanos. Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 37 Em que pese esses fundamentos, para o nosso estudo o mais importante é o fundamento da dignidade da pessoa humana. Você deve lembrar que o núcleo fundamental dos direitos humanos é a própria dignidade humana, a qual é qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano, que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa, bem como assegura condições materiais mínimas de sobrevivência. Trata-se de atributo que todo indivíduo possui, e indispensável para uma vida digna, pautada na liberdade e na igualdade. Assim, pode-se concluir que a pessoa é fundamento da República Federativa do Brasil, impondo-se o valor da dignidade da pessoa humana como núcleo básico e informador de todo o ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração para orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional. Assim, seja no âmbito internacional, seja no âmbito interno, a dignidade da pessoa humana é princípio que unifica e centraliza todo o sistema normativo, assumindo especial prioridade. Então, lembre-se que além de outros, a dignidade da pessoa humana é fundamento da República. Vamos ao esquema: Fundamentos da República soberania cidadania dignidade da pessoa humana valores sociais do trabalho e da livre iniciativa pluralismo político convergem para a proteção dos direitos humanos Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 38 Em relação aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, o artigo 3º da CF/88 dispõe: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Nessa linha, verifica-se também que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil se relacionam com a proteção de direitos humanos, pois são finalidades da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; o desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e a marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais; e ainda a promoção do promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Esses objetivos valem como base para as prestações positivas que venham a concretizar a democracia econômica, social e cultural, a fim de efetivar na prática a dignidade da pessoa humana. Por isso, é dever do Estado brasileiro guiar suas condutas com base nesses objetivos para o fim de obter uma sociedade livre, justa e solidária, atacando a pobreza e desigualdades. Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 39 Princípio da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais: A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo 4º, inciso II, que a República Federativa do Brasil deve reger as suas relações internacionais com base no “princípio da prevalência dos direitos humanos”. A Carta de 1988 foi a primeira das Constituições brasileiras a elenca-lo como princípio fundamental a reger o Estado nas relações internacionais. Nesse sentido, explica a professora Flávia Piovesan10 que “a prevalência dos direitos humanos, como princípio a reger o Brasil no âmbito internacional, não implica apenas o engajamento do País no processo de elaboração de normas vinculadas ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, mas sim a busca da plena integração de tais regras na ordem jurídica interna brasileira. Implica, ademais, o compromisso de adotar uma posição política contrária aos Estados em que os direitos humanos sejam gravemente desrespeitados”. 10 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 18ª edição. São Paulo: Editora Saraivajur, 2018, p. 118. Objetivos da República construir uma sociedade livre, justa e solidária garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais promover o bem de todos, sem preconceitos convergem para a proteção dos direitos humanos Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 40 Além disso, com o respaldo da prevalência dos direitos humanos nas suas relações internacionais, o Brasil reconhece a existência de limites e condicionamentos à sua soberania estatal. Assim, a soberania do Estado brasileiro está submetida a regras jurídicas, tendo como parâmetro obrigatório a prevalência dos direitos humanos. Em resumo, rompe-se com a concepção tradicional de soberania estatal absoluta, reforçando a sua flexibilização em prol da proteção dos direitos humanos. Importante mencionar também que o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) em seu artigo 7º estabelece o dever do Brasil de propugnar pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos, reforçando ainda mais esse perfil favorável da CF/88 aos direitos humanos. Em resumo, o princípio da prevalência dos direitos humanos instituído pela CF/88 passou a situar o homem como destinatário do direito internacional. Mas não se esqueça, existem mais princípios que regem as relações internacionais do Brasil, sendo eles: Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 41 Abertura da Constituição aos Direitos Humanos: No que tange aos Direitos Humanos, a Constituição de 1988, trouxe robusto rol desses direitos em seu texto. Essas normas são obrigatórias e superiores as demais, independentemente do grau de abstração que possuam, já que são direitos essenciais para todos os indivíduos. Ademais, a constituição elenca, como fundamento da República, a dignidade humana (art. 1º, III). Os direitos humanos encontram-se espaçados pela Constituição, e os princípios fundamentais (artigos. 1º ao 4º) revelam a grande preocupação do legislador constituinte em adequar o texto constitucional brasileiro à realidade internacional dos Direitos Humanos. Além disso, a enumeração de direitos e garantias dispostas na CF/88 não é exaustiva, uma vez que o seu artigo 5º, §2º, ela prevê o princípio da não Princípios que regem as relações internacionais do Brasil independência nacional prevalência dos direitos humanos autodeterminação dos povos não intervenção igualdade entre Estados defesa da paz solução pacífica dos conflitos repúdio ao terrorismo e ao racismo cooperação entre povos para o progresso da humanidade concessão de asilo político Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 42 exaustividade dos direitos fundamentais, também denominado abertura da Constituição aos direitos humanos, dispondo que os direitos nela previstos não excluem outros decorrentes do regime, princípios da constituição e em tratados celebrados pelo Brasil. Em resumo, podemos dizer que os direitos humanos não se esgotamnaqueles previstos no texto constitucional, devendo ser aplicados e protegidos aqueles também elencados em tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Classificação dos direitos humanos adotada pela Constituição Federal de 1988: A Constituição de 1988 dividiu os direitos fundamentais, com base no seu Título II, denominado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, em cinco categorias, quais sejam: a) direitos e deveres individuais e coletivos (art.5º); b) direitos sociais (art. 6º ao 11); c) direitos de nacionalidade (art. 12 e 13); d) direitos políticos (art. 14 ao 16); e e) partidos políticos (art. 17). Lembrando que essa enumeração não é exaustiva, pois o artigo 5º, §2º da Constituição Federal prevê o princípio da não exaustividade dos direitos fundamentais, dispondo que os direitos previstos não excluem outros decorrentes do regime e princípios da Constituição, além dos que estão mencionados no restante do texto da Constituição e em tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil. Importante frisar que o texto da CF/88 inova ao alargar a dimensão dos direitos e garantias, incluindo no catálogo de direitos e garantias fundamentais não apenas os direitos civis e políticos, mas também os sociais. É nessa linha que analisando o texto constitucional podemos verificar que a Constituição acolhe a indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, já que não há direitos fundamentais sem que os direitos sociais sejam respeitados. Por isso, o valor da liberdade se conjuga com o valor da igualdade, não havendo como divorciar os direitos de liberdade dos direitos de igualdade. Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 43 Bom, quanto aos direitos humanos na Constituição Federal de 1988, vamos ao resumo: 5. Política Nacional de Direitos Humanos: Atualmente, os direitos humanos ainda não se concretizaram para todos os brasileiros, já que muitos não possuem direitos básicos, como acesso à educação fundamental, saúde de qualidade, moradia, segurança, entre outros. Por isso, podemos dizer que no Brasil a desigualdade social impera de forma impactante no cotidiano de muitos brasileiros, o que pode ser observado pela má classificação do Brasil em um dos indicadores mais respeitados sobre a existência de uma vida digna, que é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma unidade de medida utilizada para aferir o grau de desenvolvimento de uma determinada sociedade nos quesitos de educação, saúde e renda. Nesse sentido, o IDH é uma referência numérica que varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo de Classificação dos direitos humanos na CF/88 direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º) os direitos individuais são de aplicação imediata (art. 5º, §1º) e clásulas pétreas (art. 60, §4º, IV) direitos sociais (art. 6º a 11) direitos de nacionalidade (art. 12 e 13) direitos políticos (art. 14 e 16) partidos políticos (art.17) Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 44 zero, menor é o indicador para os quesitos de saúde, educação e renda. Quanto mais próximo de 1, melhores são as condições para esses quesitos. O indicador educação refere-se à quantidade média de anos de estudo de uma população. Na variável saúde, avalia-se basicamente a taxa de expectativa de vida dos cidadãos de cada país participante. E, por fim no quesito renda, mede-se o valor médio do rendimento dos cidadãos. O Brasil, em 2019/2020, ficou em 79º lugar (de 189 países), com índice de 0.761, o que contrasta com o quilate econômico geral do País (uma das 10 maiores economias do mundo). Nessa linha, diante da desigualdade social que assola o Brasil desde os primórdios, há a necessidade de uma política pública de direitos humanos ativa, para que todos os brasileiros possam ter acesso aos seus direitos essenciais, e para que, ao menos, consigamos equiparar o desenvolvimento econômico do Brasil com qualidade de vida para todos os seus habitantes. Fato é que quando existe uma política ativa na promoção dos direitos humanos há o aumento dos índices de desenvolvimento humano. Para que isso ocorra, ou seja, para a concretização de uma política pública de promoção dos direitos humanos o primeiro passo é a elaboração de programas nacionais de direitos humanos. Essa orientação consta da Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena (1993), organizada pelas Nações Unidas que recomendou aos Países que fizessem um plano de ação nacional para promover e proteger os direitos humanos. Seguindo a orientação da Conferência Mundial, o Brasil adotou, até hoje, três programas de direitos humanos, os quais datam de 1996, 2002 e 2009. Atualmente, está vigente o III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), aprovado pelo Decreto nº 7.037, de 2009. Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 45 Em resumo, os Programas Nacionais de Direitos Humanos são mecanismos da Política Nacional de Direitos Humanos. Já a Política Nacional de Direitos Humanos é o instrumento que busca a promoção ativa de direitos humanos, estabelecendo o patamar e orientando as ações governamentais quanto à efetivação dos Direitos Humanos. Assim todas as ações relacionadas com essa política deverão ser exercidas respeitando as diretrizes do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). Conforme abordado acima, o Brasil desenvolveu três programas nacionais de direitos humanos visando consolidar a Política Nacional de Direitos Humanos: Importante ressaltar, que a sigla PNDH é utilizada pelos documentos oficiais brasileiros para se referir ao Programa Nacional de Direitos Humanos e não a Política Nacional de Direitos Humanos. Programas Nacionais de Direitos Humanos (PNDH): Como foi estudado acima, a orientação de elaborar programas de direitos humanos consta da Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena (organizada pela ONU) de 1993, que recomendou a cada Estado que fizesse um plano de ação nacional de Programas Nacionais de Direitos Humanos PNDH2 de 2002 PNDH3 de 2009 PNDH1 de 1996 Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 46 promoção e proteção dos direitos humanos. Assim sendo, o PNDH é resultado de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil em relação à temática dos direitos humanos. No Brasil, de acordo com o artigo 23 da Constituição Federal de 1988, a competência administrativa de realizar políticas públicas de implementação dos direitos humanos é comum a todos os entes federados (plano federal, estadual e municipal), em razão disso, é possível termos programas de direitos humanos no plano federal, estadual e municipal. Em relação aos Programas Nacionais de Direitos Humanos, a missão principal deles é dar visibilidade aos problemas referentes aos direitos humanos no Brasil e, simultaneamente, estipular e coordenar os esforços para a superação das dificuldades e implementação dos direitos. Assim, pode ser observado nos PNDHs uma dupla lógica: a lógica de identificação dos principais obstáculos à promoção e defesa dos direitos humanos, bem como a lógica da execução, a curto, médio e longo prazos, de medidas de promoção e defesa desses direitos. Além disso, como bem ensina André de Carvalho Ramos11 “o PNDH não possui força vinculante em si, pois é mero Decreto Presidencial editado à luz do artigo 84, IV, da Constituição, visando fiel execução das leis e normas constitucionais. Porém, serve como orientação para as ações governamentais, podendo ser cobrado de determinado agente do governo federal os motivos pelos quais sua conduta (ação ou omissão) é incompatível com o Decreto que instituiu o PNDH. Quanto as ações que incumbem aos Poderes Legislativo, Judiciário e ao Ministério Público, o PNDH é, novamente, apenas um referencial”.11 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 6ª edição. São Paulo: Editora Saraivajur, 2019, p. 551. Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 47 Resumindo, o PNDH é orientação para as ações governamentais, e, como consequência, para a Política Nacional dos Direitos Humanos. a) I Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH1-1996): Esse PNDH foi o primeiro do Brasil e terceiro do mundo, tendo sido criado em 13 de maio de 1996, por intermédio do Decreto Presidencial nº 1.904/1996. O Decreto dispôs em seu art. 1º, sua meta de realizar um diagnóstico da situação dos direitos humanos no país e medidas para a sua defesa e promoção. Mas, antes da edição do Decreto Presidencial, é importante ressaltar que a elaboração desse PNDH contou com a articulação do governo e sociedade civil, na forma de consulta e debate prévio mediante seminários regionais e conferência nacional. Instituído no governo do Ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, o PNDH1 voltou-se à garantia de proteção dos direitos civis, com especial PNDH é resultado de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil a competência administrativa para criá-lo é da União, dos Estados e dos Municípios sua missão é dar visibilidade aos problemas e estipular e coordenar esforços para superá-los não possui força vinculante em si, mas serve como orientação para as ações governamentais faz parte da Política Nacional de Direitos Humanos Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 48 foco no combate à impunidade e à violência policial, adotando ainda, como meta a adesão brasileira a tratados de direitos humanos. Além disso, eram objetivos desse PNDH1: i) a identificação dos principais obstáculos à promoção e defesa dos diretos humanos no Brasil; ii) a execução, a curto, médio e longo prazos, de medidas de promoção e defesa desses direitos; iii) a implementação de atos e declarações internacionais, com a adesão brasileira, relacionados com direitos humanos; iv) a redução de condutas e atos de violência, intolerância e discriminação, com reflexos na diminuição das desigualdades sociais; v) a observância dos direitos e deveres previstos na Constituição, especialmente os dispostos em seu art. 5°; vi) a plena realização da cidadania. As ações relativas à execução e ao apoio do PNDH deveriam ser prioritárias, de acordo com o artigo 3º do Decreto que o instituiu, e a responsabilidade de coordená-lo ficou a encargo do Ministério da Justiça, com a participação e apoio dos órgãos da Administração Pública Federal. Sobre os avanços obtidos nos seis anos de vida do PNDH-1, podemos citar a adoção de leis sobre: i) reconhecimento das mortes de pessoas desaparecidas em razão de participação política (Lei nº 9.140/95), pela qual o Estado brasileiro reconheceu a responsabilidade por essas mortes e concedeu indenização aos familiares das vítimas; ii) a transferência da justiça militar para a justiça comum dos crimes dolosos contra a vida praticados por policiais militares (Lei nº 9.299/96); Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 49 iii) a tipificação do crime de tortura (Lei 9.455/97); iv) e a proposta de emenda constitucional sobre a reforma do Poder Judiciário, na qual se incluiu a chamada “federalização” dos crimes de direitos humanos (incidente de deslocamento de competência). b) II Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH2 - 2002): Já o PNDH2 foi aprovado pelo Decreto Presidencial nº 4.229 de 13 de maio de 2002 no final do segundo mandato do Ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso na mesma linha do PNDH-1, mas agora com ênfase nos direitos sociais em sentido amplo. O PNDH2 também foi fruto de seminários regionais, com ampla participação de órgãos governamentais e de entidades da sociedade civil (até mesmo por meio de consulta pública na internet). O PNDH-2 possuía 518 tipos de ações governamentais. Os objetivos gerais do 2º Programa Nacional de Direitos Humanos foram dispostos no artigo 2º do Decreto nº 4.229/2002, sendo eles: PNDH1 instituído pelo Decreto nº 1.904/1996 do Governo FHC meta de realizar um diagnóstico e medidas para defesa e promoção dos direitos humanos voltou-se à garantia de proteção dos direitos civis Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 50 i) a promoção da concepção de direitos humanos como um conjunto de direitos universais, indivisíveis e interdependentes, que compreendem direitos civis, políticos, sociais, culturais e econômicos; ii) a identificação dos principais obstáculos à promoção e defesa dos diretos humanos no País e a proposição de ações governamentais e não- governamentais voltadas para a promoção e defesa desses direitos; iii) a difusão do conceito de direitos humanos como elemento necessário e indispensável para a formulação, execução e avaliação de políticas públicas; iv) a implementação de atos, declarações e tratados internacionais dos quais o Brasil é parte; v) a redução de condutas e atos de violência, intolerância e discriminação, com reflexos na diminuição das desigualdades sociais; e vi) a observância dos direitos e deveres previstos na Constituição, especialmente os inscritos em seu art. 5º. O acompanhamento da implementação do PNDH2 era de responsabilidade da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, com a participação e o apoio dos órgãos da Administração Pública Federal. Esse PNDH, além de mencionar o direito à vida, liberdade e outros direitos civis, o PNDH-2 lançou ações específicas referentes aos direitos sociais, como o direito à educação, à saúde, à previdência e a assistência social, ao trabalho, à moradia, a um meio ambiente saudável, à alimentação, à cultura e ao lazer, assim como propostas voltadas para a educação e sensibilização de toda a sociedade brasileira para a sedimentação de uma cultura de respeito aos direitos humanos. Atente-se que enquanto o PNDH1 se concentrou nos direitos civis, o PNDH2 preferiu focar em temas sociais e de grupos vulneráveis, como os Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 51 direitos dos afrodescendentes, dos povos indígenas, de orientação sexual, consagrando assim, o multiculturalismo. c) 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3 – 2009): Finalmente, em 2009, foi aprovado o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, já quase no final do segundo mandato do governo do Presidente Lula. Vale ressaltar que o PNDH3 é o que ainda está em vigor, os anteriores foram revogados. Como os anteriores, o PNDH3 também foi resultado de um processo de consulta e discussão, que foi finalizado na 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos em dezembro de 2008, com participação da sociedade civil e do poder público. Vale ressaltar que o documento final da Conferência não foi totalmente seguido pelo Governo Federal, mas serviu de base aos trabalhos coordenados pela antiga Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), que levaram à elaboração do PNDH-3. Assim, o Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009 oficializou o programa. O PNDH3 é organizado em Eixos Orientadores, os quais são subdivididos em diretrizes, que são segmentadas em objetivos estratégicos, que por sua vez são subdivididos em ações programáticas. Para você entender melhor, veja o esquema: PNDH2 instituído pelo Decreto nº 4.229/2002 do Governo FHC voltou-se à garantia de proteção dos econômicos, sociais e culturais focou em temas sociais e de grupos vulneráveis Direitos Humanos | Janaina Silva focusconcuros.com.br 52 Sobre os Eixos Orientadores, que ao total são seis, eles centralizam grandes áreas de preocupação na promoção e implementação dos direitos humanos, vejamos: Ei xo s O rie ta do re s I - Interação democrática entre Estado e sociedade civil II - Desenvolvimento
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