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1 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS Consciência ESCALA DE GLASGOW E JOUVET ESCALA DE COMA DE GLASGOW Se a alteração de consciência é mais pronunciada, mas o paciente ainda é despertado por estímulos mais fortes, tem movimentos espontâneos e abre os olhos, caracteriza-se o estupor ou torpor. Se não há despertar com essa estimulação, e o paciente está sem movimentos espontâneos, ocorre o estado de coma. Atualmente, tem-se evitado usar as expressões citadas anteriormente pelo fato de, eventualmente, vários observadores terem noções diferentes sobre cada uma delas. Desse modo, tem sido utilizada a escala de coma de Glasgow (EG), que foi empregada inicialmente para avaliação de traumatizados, porém, hoje, é usada em outras situações que se acompanham de alterações de nível de consciência. Ressalte-se a importância da experiência do examinador na aplicação da EG, pela possibilidade de variações na pontuação entre vários observadores. Tal avaliação consiste na análise de três parâmetros (abertura ocular, resposta verbal e reação motora), obtidos por vários estímulos, desde a atividade espontânea e estímulos verbais até estímulos dolorosos (de preferência, estímulos dolorosos provocados por lápis ou caneta que comprimem o leito ungueal; o estímulo doloroso supraorbital pode provocar fechamento dos olhos). A aplicação da ECG é aparentemente simples e deve ser feita com base no exame do paciente 6 horas após o trauma.20 O intervalo de 6 horas foi recomendado por seus autores, tendo em vista que durante as primeiras horas pós- trauma muitos pacientes são sedados para serem intubados, ou para alívio da dor, o que pode interferir na pontuação obtida e na avaliação global do nível de consciência.26 Cada componente dos três parâmetros recebe um escore, variando de 3 a 15, sendo o melhor escore 15 e o menor 3.23 Pacientes com escore 15 apresentam nível de consciência normal. Pacientes com escores menores que 8 são considerados em coma, representando estado de extrema urgência. É importante identificar em tempo hábil os pacientes com causa reversível e potencial para um resultado favorável.24 O escore 3 é compatível com morte cerebral, no entanto, para a confirmação de morte cerebral, há a necessidade de avaliar outros parâmetros. O TCE é classi+cado em leve, moderado e grave, de acordo com a pontuação do nível de consciência, mensurado pela ECG. O TCE leve é de+nido como um dé+cit neurológico transitório resultante das forças de aceleração e desaceleração.4 O paciente apresenta história de náusea, vômito, cefaleia ou tontura, acompanhados de alteração ou perda da consciência, amnésia pós-traumática com duração inferior a 15 minutos. Os pacientes com TCE moderado, que representa aproximadamente 75% dos TCE, obedecem a ordens simples, porém estão confusos ou sonolentos, podendo apresentar déficit neurológico focal como hemiparesia.27 Cerca de 10% a 20% dos pacientes com TCE moderado evoluem para coma e devem ser tratados como potencial TCE grave.10 O protocolo de avaliação e tratamento para o grupo de pacientes com TCE é considerado controverso.4 Durante muito tempo o TCE era classificado em leve se apresentasse escore entre 15 e 13 na ECG; os pacientes com escore entre 12 a 9 eram classificados como TCE moderado; os pacientes com TCE grave apresentavam escore de nível de consciência abaixo de 9. Nos últimos anos, alguns autores propuseram que pacientes com pontuação na ECG igual a 13 fossem incluídos como portadores de trauma moderado, em virtude de apresentarem prognóstico e risco de lesões intracranianas semelhantes aos apresentados pelos pacientes acometidos por trauma moderado. Assim, a interpretação da escala muda para 15 a 14 em TCE leve, 13 a 9 em TCE moderado e 8 a 3 em TCE grave. A nova Escala foi sistematizada em 4 passos que estão no esquema abaixo: 2 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS A primeiro passo é o VERIFIQUE que tem o objetivo de checar fatores que interferem com a comunicação, capacidade de respostas e outras lesões. Deve-se avaliar se o paciente apresenta algum fator que impossibilite a aplicação da escala. O segundo ponto é OBSERVE. Nesse ponto o profissional de enfermagem observa 3 critérios: 1. Abertura ocular; 2. Conteúdo do Discurso; e 3. Movimentos do Hemicorpos direito e esquerdo. É válido ressaltar que a escala de Glasgow pode ser aplicada em apenas algumas das variáveis. Isso se dá porque alguns fatores podem impossibilitar a avaliação, por exemplo: 1) Fatores pré-existentes a. Linguagem ou diferenças culturais b. Défice intelectual ou neurológico c. Perda auditiva ou impedimento de fala 2) Efeitos do tratamento atual a. Intubação ou traqueostomia b. Sedação 3) Efeitos de outras lesões ou lesões a. Fratura orbital/craniana b. Disfasia ou hemiplegia c. Dano na medula espinhal É necessário individualizar o paciente quando houver algum dos fatores limitantes determinados acima. Bom, vamos entender o que é individualizar o paciente. Se houver, por exemplo, hemiplegia, impossibilitando a movimentação de um dos lados do corpo, deve-se avaliar a outro. Caso haja, por exemplo, edema na região do arco supraorbitária, este vai inviabilizar que o profissional realize a aplicação do item “abertura ocular”. Gente, agora a novidade que esta atualização trouxe: se houve uma impossibilidade de aplicar algum dos estímulos, não se informar um número e sim “NT”, ou seja, “não testado”. Além disso, houve mudança no termo “dor” para “pressão”, isso porque em um paciente em coma há incerteza sobre a sua sensação de dor. Partimos estão para o Terceiro Passo: ESTIMULE. Nesse pronto Será feita: 1) Estimulação sonora com ordem em tom de voz normal ou em voz alta; 2) Estimulação física com pressão na extremidade dos dedos, trapézio ou incisura supraorbitária. Um dos destaques da atualização é que invés do estimulo doloroso, será feita uma pressão no leito ungueal (dedo), um pinçamento do músculo trapézio por 10 segundos e uma incisura no arco supraorbitária por 10 segundos, por exemplo, e após, a cada componente atribuir um valor de melhor encaixe. Após esta estimulação partimos para a parte final que é o PONTUE. Nesse passo será feita atribuição de uma numeração a partir da resposta observada. A Nova escala também modificou a forma de representação da pontuação que veremos a seguir. 3 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS Comparativamente à tabela anterior, na “abertura ocular” houve mudança quanto a pontuação “2”, como já citado anterior, na mudança do termo “dor” por “pressão”, e neste mesmo, conseguimos perceber em, critérios: “estimulação da extremidade dos dedos” que pode ser feita com uma caneta no leito ungueal. Na “resposta verbal”, houve mudança na pontuação “3” com mudanças do termo “palavras inadequadas” por apenas “palavras”. Além da alteração de “palavras incompreensíveis” por apenas “sons”, na pontuação “2”. Na “melhor resposta motora”, devemos ficar atentos logo no comecinho, quando na pontuação “6”, nos critérios para tal está especificando 2 ações, ou seja, ao fazer a análise vai ser pedido que ele movimente uma das mãos e depois a perna. Outra modificação foi sobre os termos “flexão normal” e “flexão anormal”, que podem causar dúvidas. A “flexão anormal”, entre outras diferenças, 4 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS podemos esclarece-la como uma flexão mais tímida, ou seja, mais próxima da região torácica, com menos movimentação da mão. Na escala anteriormente era chamada de decorticação. Já a “extensão”, na tabela, substituiu o termo “descerebração”, que está situado na pontuação “2”. Alémdisso, preconiza-se que registre em forma de gráfico, para que possamos observar a evolução do paciente a cada anotação, mais uma vez, facilitando o entendimento do próximo profissional a respeito do nível de saúde do paciente. ESCALA DE COMA DE JOUVET Foi criada para avaliação de consciência em pacientes em estado vegetativo persistente, todavia algumas pesquisas mostraram a utilização da ECJ em estados agudos. É ideal para acompanhamento de pacientes em recuperação funcional após quadros neurológicos graves. A ECJ é bastante sensível e avalia flutuações do nível de consciência em estados próximos do normal. A ECJ avalia as funções corticais (a consciência) e as funções do tronco cerebral. As funções corticais são verificadas por meio da perceptividade, um marcador clínico +dedigno, prático, não invasivo. As funções do tronco cerebral são avaliadas por meio da reatividade específica, inespecifica e autônoma.28 A consciência pode ser verificada pela presença ou não do refexo de blinking, que consiste no piscamento dos olhos em resposta a uma ameaça (estímulos visuais externos). A positividade do re;exo de blinking é um sinal favorável para o prognóstico do paciente. Uma investigação realizada na cidade de São Paulo mostrou que 37,74% dos pacientes avaliados pela ECJ apresentaram alteração de consciência, enquanto entre os avaliados pela ECG demonstrou alteração em apenas 23,58%. 5 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS Os parâmetros relacionados com perceptividade variam de lúcido a ausência de piscamento à ameaça (P1-P5); a reatividade inespecífica observa resposta a estímulos verbais (R1-R3); a reatividade específica, à dor (D1-D4); e a reatividade autonômica observa a presença de sintomas autonômicos (V1- V2). Como a maioria das escalas que avaliam as funções corticais e do tronco cerebral, trata-se de uma escala de difícil execução. Necessita-se que o profissional enfermeiro seja capacitado para realizá-la. Para avaliar perceptividade, pede-se ao paciente que obedeça a uma ordem por escrito ou verbal: perguntar onde, em que dia, mês e ano o paciente está. A reatividade inespecífica é testada por meio da orientação dos olhos e abertura ocular. Se o paciente tem os olhos abertos, o examinador diz em voz alta o nome do paciente, e espera-se que o paciente siga com os olhos e a cabeça na direção do som. Se o paciente está com os olhos fechados, o examinador deve chamar o nome do paciente em voz alta e observar se há abertura ocular. A reatividade autonômica fornece uma avaliação da resposta do paciente à dor. A frequência cardíaca pode aumentar ou diminuir, e há mudanças vasomotoras frequentes, causando rubor e sudorese ou midríase. A escala se propõe a ser utilizada de modo descritivo, sem pontuações,muito embora alguns autores atribuam pontuações somando os números após as letras para cada parâmetro avaliado. A pontuação geral varia entre 4 (P1R1D1V1) e 14 (P5R3D4V2). A escala também pode ser descrita como: P4 - R2 - D4 a D6-V1 = Estado vegetativo persistente; P5 - R3 - D6 - V1 = Coma 3 pontos não apneico; P5 - R3 - D6 - V2 = Coma 3 pontos apneico (sugestivo de morte encefálica). NIVEIS DE CONSCIÊNCIA E TRONCO ENCEFÁLICO: ANATOMOFISIOLOGIA NÍVEIS DE CONSCIÊNCIA O termo consciência inclui dois conceitos distintos: estados de consciência e experiências conscientes. O primeiro conceito refere-se aos níveis de estado de alerta, tais como estar acordado, sonolento ou dormindo. O segundo refere-se às experiências de que 6 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS uma pessoa está ciente – pensamentos, sentimentos, percepções, ideias, sonhos, raciocínio – durante qualquer um dos estados de consciência. O estado de consciência de um indivíduo é definido de duas maneiras: (1) pelo comportamento, abrangendo o espectro desde máxima atenção até o coma; e (2) pelo padrão de atividade cerebral que pode ser registrado eletricamente. Este registro, conhecido como eletroencefalograma (EEG), retrata a diferença de potencial elétrico entre diferentes pontos na superfície do couro cabeludo. O EEG é uma ferramenta tão útil na identificação de diferentes estados de consciência que começaremos com ele. Do ponto de vista comportamental, o estado de vigília está longe de ser homogêneo, refletindo a ampla variedade de atividades em que você pode estar envolvido em qualquer dado momento. O padrão de ondas mais proeminente no EEG de um adulto acordado, relaxado, cujos olhos estão fechados é uma oscilação de 8 a 12 Hz, conhecido como o ritmo alfa (Figura 8.3A). O ritmo alfa é mais bem registrado nos lobos parietal e occipital e está associado à diminuição dos níveis de atenção. Quando ritmos alfa são gerados, os indivíduos comumente relatam que se sentem relaxados e felizes. No entanto, as pessoas que normalmente apresentam mais ritmo alfa do que o habitual não demonstraram ser psicologicamente diferentes daqueles com menos ritmo alfa. Quando as pessoas estão atentas a um estímulo externo ou estão pensando seriamente sobre algo, o ritmo alfa é substituído por oscilações de maior frequência (> 12 Hz) e menor amplitude, o ritmo beta (Figura 8.3B). Essa transformação, conhecida como o despertar do EEG, está associada ao ato de prestar atenção a um estímulo, em vez do ato de percepção em si. Por exemplo, se as pessoas abrem os olhos em um quarto completamente escuro e tentam enxergar, o despertar no EEG ocorre mesmo que não percebam nenhum aporte visual. Com a atenção reduzida a estímulos repetitivos, o padrão de EEG é revertido para o ritmo alfa. O padrão do EEG muda profundamente no sono, como demonstrado na Figura 8.4. À medida que uma pessoa torna- se cada vez mais sonolenta, seu padrão de onda faz a transição de um ritmo beta para um ritmo predominantemente alfa. Quando o sono efetivamente ocorre, o EEG desloca-se em direção a padrões de onda de menor frequência e maior amplitude, conhecidos como o ritmo teta (4 a 8 Hz) e o ritmo delta (mais lento que 4 Hz). O relaxamento da postura, diminuição da facilidade de despertar, aumento do limiar para os estímulos sensoriais e diminuição das eferências de neurônios motores acompanham essas alterações no EEG. Existem duas fases do sono, os nomes dos quais dependem se os olhos se movem ou não por trás das pálpebras fechadas: sono NREM (movimento não rápido dos olhos) e sono REM (movimento rápido dos olhos). A fase inicial do sono – sono NREM – é subdividida em três estágios. Cada estágio sucessivo é caracterizado por um padrão EEG com uma frequência menor e maior amplitude do que o anterior. No estágio N1 do sono, as ondas teta começam a ficar intercaladas entre o padrão alfa. No estágio N2, salvas de alta frequência denominadas fusos do sono e complexos K de grandes amplitudes, ocasionalmente interrompem o ritmo teta. As ondas delta surgem primeiro, juntamente com o ritmo teta no estágio N3 do sono; à medida que esse estágio continua, o padrão dominante torna-se um ritmo delta, algumas vezes referido como um sono de ondas lentas. O sono inicia com a progressão do estágio N1 para o estágio N3 do sono NREM, que normalmente leva 30 a 45 min. O processo então muda; o EEG adquire finalmente um padrão assincrônico de pequena amplitude e alta frequência, que parece muito similar ao estado de vigília e alerta. Em vez de a pessoa acordar, contudo, as características 7 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS comportamentais do sono continuam neste momento, mas este sono também inclui o movimento rápido dos olhos (REM). O sono REM também é denominado sono paradoxal, pois mesmo que uma pessoa esteja adormecida e tenha dificuldade para despertar, seu padrão de EEG mostraatividade intensa que é semelhante ao observado no estado de alerta e vigília. De fato, o consumo de O2 cerebral é mais elevado durante o sono REM do que durante o NREM ou estados de vigília. Quando acordados durante o sono REM, os indivíduos frequentemente relatam que eles estavam sonhando. Isso é verdadeiro, mesmo em pessoas que geralmente não se lembram de estar sonhando quando despertam por conta própria. Se ininterruptos, os estágios do sono ocorrem de modo cíclico, tendendo a se mover dos estágios NREM, N1 ao N2 ao N3, em seguida, retornando ao N2 e depois, para um episódio de sono REM. Registros contínuos em adultos mostram que o sono noturno total em média compreende de quatro a cinco ciclos, cada um durando 90 a 100 min (Figura 8.5). Significativamente mais tempo é gasto em NREM durante os primeiros poucos ciclos, mas o tempo gasto no sono REM aumenta no final de uma noite sem perturbação. Em adultos jovens, o sono REM constitui 20 a 25% do tempo total de sono; essa fração tende a declinar progressivamente com a idade. Inicialmente, quando você transita da sonolência para o estágio N1 do sono, há uma considerável tensão nos músculos posturais, além de breves contrações musculares, denominadas espasmos hípnicos, que por vezes, ocorrem. Eventualmente, os músculos tornam-se progressivamente mais relaxados enquanto o sono NREM progride. Indivíduos que dormem e despertam durante o sono NREM relatam estarem sonhando com menos frequência do que aqueles que são despertados durante o sono REM. Os sonhos REM também tendem a parecer mais “reais” e ser mais emocionalmente intensos do que aqueles que ocorrem no sono NREM. O termo coma descreve uma redução extrema na função mental causada por comprometimento estrutural, fisiológico ou metabólico do cérebro. Uma pessoa em coma exibe perda persistente da capacidade de estimulação excitatória, mesmo em resposta à estimulação vigorosa. Não há expressão comportamental externa de qualquer função mental, os olhos geralmente estão fechados e os ciclos de sono-vigília desaparecem. O coma pode resultar de lesão extensa no córtex cerebral; dano nos mecanismos excitatórios do tronco encefálico; interrupções das conexões entre o tronco encefálico e as áreas corticais; disfunções metabólicas; infecções cerebrais ou superdosagem de alguns fármacos, tais como sedativos, hipnóticos, narcóticos ou etanol. O coma pode ser reversível ou irreversível, dependendo do tipo, da localização e da gravidade do dano cerebral. Experimentos utilizando matrizes de alta densidade no EEG em alguns pacientes em coma sugerem que, mesmo que não exibam comportamentos ou respostas aos estímulos externos, eles podem ter algum nível de consciência. Os pacientes em um coma irreversível frequentemente entram em um estado vegetativo persistente no qual os ciclos de sono-vigília estão presentes mesmo que o paciente não tenha noção do ambiente ao seu redor. Indivíduos em estado vegetativo persistente podem sorrir, chorar ou parecem reagir a elementos de seu ambiente. No entanto, não há evidências definitivas de que possam compreender esses comportamentos. Um coma – mesmo quando irreversível – não é equivalente à morte. Ficamos, então, com a seguinte questão: 8 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS Quando uma pessoa está realmente morta? Essa questão muitas vezes tem consequências médicas, legais e sociais urgentes. Por exemplo, com a necessidade de tecidos viáveis para o transplante de órgãos, torna-se importante saber quando o doador está legalmente morto para que os órgãos possam ser removidos o quanto antes logo após a morte. A morte cerebral é atualmente aceita, pelas instituições médicas e jurídicas, como o critério para a morte, apesar da viabilidade de outros órgãos. A morte cerebral ocorre quando o cérebro já não funciona e parece não ter possibilidade de funcionamento novamente. O problema agora se torna prático. Como sabemos quando uma pessoa (p. ex., alguém em coma) está em morte cerebral? Embora haja alguma variação em como os diferentes hospitais e médicos determinam a morte cerebral, os critérios listados no Quadro 8.2 apresentam as normas de concordância geral. Vale mencionar que a causa de um coma tem de ser conhecida, porque os comas em decorrência do envenenamento por fármacos ou outras condições são frequentemente reversíveis. Também, os critérios especificam que não haja evidências de tecidos neurais funcionais acima da medula espinal, porque fragmentos de reflexos espinais podem persistir por várias horas ou mais, depois que o cérebro está morto. Os critérios para ausência de respiração espontânea (apneia) precisam ser avaliados com precaução. Os respiradores têm de ser desligados e a gasometria arterial monitorada cuidadosamente Embora o aumento dos níveis de dióxido de carbono arterial tenha de ser permitido acima de um ponto crítico para o teste ser válido, logicamente, não é aconselhável permitir que os níveis de oxigênio arterial diminuam demais, devido ao perigo de dano cerebral adicional. Portanto, testes de apneia geralmente são limitados a uma duração de 8 a 10 min. TRONCO ENCEFÁLICO O tronco encefálico interpõe-se entre a medula e o diencéfalo, situando-se ventralmente ao cerebelo. Na sua constituição entram corpos de neurônios que se agrupam em núcleos e fibras nervosas que, por sua vez, se agrupam em feixes denominados tratos, fascículos ou lemniscos. Estes elementos da estrutura interna do tronco encefálico podem estar relacionados com relevos ou depressões de sua superfície, os quais devem ser identificados pelo aluno nas peças anatômicas com o auxílio das figuras e das descrições apresentadas neste capítulo. O conhecimento dos principais acidentes da superfície do tronco encefálico, como aliás de todo o sistema nervoso central, é muito importante para o estudo de sua estrutura e função. Muitos dos núcleos do tronco encefálico recebem ou emitem fibras nervosas que entram na constituição dos nervos cranianos. Dos 12 pares de nervos cranianos, 10 fazem conexão no tronco encefálico. A identificação destes nervos e de sua emergência do tronco encefálico é um aspecto importante do estudo deste segmento do sistema nervoso central. Convém lembrar, entretanto, que nem sempre é possível observar todos os nervos cranianos nas peças anatômicas rotineiras, pois frequentemente alguns são arrancados durante a retirada dos encéfalos. O tronco encefálico se divide em: bulbo, situado caudalmente; mesencéfalo, situado cranialmente; e ponte, situada entre ambos. A seguir será feito o estudo da morfologia externa de cada uma destas partes. O BULBO O bulbo ou medula oblonga tem a forma de um tronco de cone cuja extremidade menor continua caudalmente com a medula espinhal (Figura 4.1 ). Não existe uma linha de demarcação nítida entre medula e bulbo. Considera-se que o limite entre eles está em um plano horizontal que passa imediatamente acima do filamento radicular mais cranial do primeiro nervo cervical, o que corresponde ao nível do forame magno do osso occipital. O limite superior do bulbo se faz em um sulco horizontal visível no contorno ventral do órgão, o sulco bulbo- pontino, que corresponde à margem inferior da ponte (Figura 5.1 ). A superficie do bulbo é percorrida longitudinalmente por sulcos que continuam com os sulcos da medula. Estes sulcos delimitam as áreas anterior (ventral), lateral e posterior (dorsal) do bulbo que, vistas pela superficie, aparecem como uma continuação direta dos funículos da medula. Na área ventral do bulbo (Figura 5.1), observa-se a fissura mediana anterior, e de cada lado dela existe uma eminência alongada, a pirâmide formada por um feixe compacto de fibras nervosas descendentes que ligam as áreas motoras do cérebro aosneurônios motores da medula, o que será estudado com o nome de trato corticoespinhal. Na parte caudal do bulbo, fibras deste trato cruzam obliquamente o plano mediano em 9 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS feixes interdigitados que obliteram a fissura mediana anterior e constituem a decussação das pirâmides (Figura 5.1 ). Entre os sulcos lateral anterior e lateral posterior temos a área lateral do bulbo. onde se observa uma eminência oval, a oliva (Figura 5.1 ), formada por uma grande massa de substância cinzenta, o núcleo olivar inferior, situado logo abaixo da superfície. Ventralmente à oliva (Figura 5.1) emergem, do sulco lateral anterior. os filamentos radiculares do nervo hipoglosso, XII par craniano. Do sulco lateral posterior emergem os filamentos radiculares, que se unem para formar os nervos glossofaringeo (IX par) e vago (X par), além dos filamentos que constituem a raiz craniana ou bulhar do nervo acessório (XI par), a qual se une com a raiz espinhal, proveniente da medula (Figura 5.1). A metade caudal do bulbo ou porção fechada do bulbo é percorrida por um estreito canal. continuação direta do canal central da medula. Este canal se abre para formar o IV ventrículo. cujo assoalho é, em parte, constituído pela metade rostral, ou porção aberta do bulbo (Figura S.2). O sulco mediano posterior (Figura 5.2) termina a meia altura do bulbo. em virtude do afastamento de seus lábios. que contribuem para a formação dos limites laterais do IV ventrículo. Entre este sulco e o sulco lateral posterior está situada a área posterior do bulbo. continuação do funículo posterior da medula e, como este, dividida em fascículo grácil e fascículo cuneiforme pelo sulco intermédio posterior (Figura 5.2). Estes fascículos são constituídos por fibras nervosas ascendentes. provenientes da medula, que terminam em duas massas de substância cinzenta, os núcleos grácil e cuneiforme, situados na parte mais cranial dos respectivos fascículos, onde determinam o aparecimento de duas eminências, o tubérculo do núcleo grácil. medialmente, e o tubérculo do núcleo cuneiforme, lateralmente (Figura 5.2). Em virtude do aparecimento do IV ventrículo, os tubérculos do núcleo grácil e do núcleo cuneiforme afastam-se lateralmente como os dois ramos de um V e gradualmente continuam para cima com o pedúnculo cerebelar inferior formado por um grosso feixe de fibras que fletem dorsalmente para penetrar no cerebelo. Na Figura 5.2, o pedúnculo cerebelar inferior aparece seccionado transversalmente ao lado do pedúnculo cerebelar médio, que é parte da ponte. A PONTE Ponte é a parte do tronco encefálico interposta entre o bulbo e o mesencéfalo. Está situada ventralmente ao cerebelo e repousa sobre a parte basilar do osso occipital e o dorso da sela túrcica do esfenoide. Sua base, situada ventralmente, apresenta estriação trans versai em virtude da presença de numerosos feixes de fibras transversais que a percorrem. Estas fibras convergem de cada lado para formar um volumoso feixe, o pedúnculo cerebelar médio, que penetra no hemisfério cerebelar correspondente. No limite entre a ponte e o pedúnculo cerebelar médio, emerge o nervo trigémeo, V par craniano (Figura 5.1). Esta emergência se faz por duas raízes, uma maior, ou raiz sensitiva do nervo trigémeo, e outra menor, ou raiz motora do nervo trigémeo. Percorrendo longitudinalmente a superficie ventral da ponte existe um sulco, o sulco basilar (Figura 5.1 ), que aloja a artéria basilar (Figura 10.1 ). A parte ventral da ponte é separada do bulbo pelo sulco bulbo-pontino, de onde emergem de cada lado, a partir da linha mediana, o VI, o VII e o VII pares cranianos (Figura 5.1). O VI par, nervo abducente, emerge entre a ponte e a pirâmide do bulbo. O VIII par, nervo vestíbulo- coclear, emerge lateralmente, próximo a um pequeno lóbulo do cerebelo, denominado flóculo. O VII par, nervo facial, emerge medialmente ao VIII par, com o qual mantém relações muito íntimas. Entre os dois, emerge o nervo intermédio, que é a raiz sensitiva do VII par, de identificação às vezes dificil nas peças de rotina. A presença de tantas raízes de nervos cranianos em uma área relativamente pequena explica a riqueza de sintomas observados nos casos de tumores que acometem esta área, levando à compressão dessas raízes e causando a chamada síndrome do ângulo ponto-cerebelar. A parte dorsal da ponte não apresenta linha de demarcação com a parte dorsal da porção aberta do bulbo, onstituindo, ambas, o assoalho do IV ventrículo. MESENCÉFALO O mesencéfalo interpõe-se entre a ponte e o diencéfalo (Figura 2. 7). É atravessado por um estreito canal, o aqueduto cerebral (Figura 5.3 e 8.5). que une o III ao IV ventrículo. A parte do mesencéfalo situada dorsalmente ao aqueduto é o teto do mesencéfalo (Figura 5.3); ventralmente ao teto estão os dois pedúnculos cerebrais que, por sua vez, se dividem em 10 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS uma parte dorsal, predominantemente celular, o tegumento, e outra ventral, formada de fibras longitudinais, a base do pedúnculo (Figura 5.3). Em uma secção transversal do mesencéfalo, vê-se que o tegumento é separado da base por uma área escura, a substância negra, formada por neurônios que contêm melanina. Correspondendo à substância negra na superficie do mesencéfalo, existem dois sulcos longitudinais: um lateral. sulco lateral do mesencéfalo, e outro medial, sulco medial do pedúnculo cerebral. Estes sulcos marcam, na superfície, o limite entre base e tegumento do pedúnculo cerebral (Figura 5.3). Do sulco medial emerge o nervo oculomotor par craniano {Figura 5.1) Em vista dorsal, o teto do mesencéfalo apresenta quatro eminências arredondadas, os colículos superiores e inferiores (Figura S.2). Caudalmente a cada colículo inferior emerge o IV par craniano, nervo troclear, muito delgado e por isto mesmo facilmente arrancado com o manuseio das peças. O nervo troclear, único dos pares cranianos que emerge dorsalmente, contorna o mesencéfalo para surgir ventralmente entre a ponte e o mesencéfalo. Os colículos se ligam a pequenas eminências ovais do diencéfalo, os corpos geniculados, através de estruturas alongadas que são feixes de fibras nervosas denominados braços dos colículos. O colículo inferior se liga ao corpo geniculado medial pelo braço do colículo inferior e faz parte da via auditiva. O colículo superior se liga ao corpo geniculado lateral pelo braço do colículo superior e faz parte da via óptica. Ele tem parte do seu trajeto escondido entre o pulvinar do tálamo e o corpo geniculado medial e faz parte da via auditiva (Figura S.2). O corpo geniculado lateral nem sempre é fácil de ser identificado nas peças; um bom método para encontrá-lo consiste em procurá-lo na extremidade do trato óptico. Vistos ventralmente, os pedúnculos cerebrais aparecem como dois grandes feixes de fibras que surgem na borda superior da ponte e divergem cranialmente para penetrar profundamente no cérebro (Figura 5.1 ). Delimitam, assim, uma profunda depressão triangular, a fossa interpeduncular; limitada anteriormente por duas eminências pertencentes ao diencéfalo, os corpos mamilares. O fundo da fossa interpeduncular apresenta pequenos orifícios para a passagem de vasos e denomina- se substância perfurada posterior. Como já foi exposto, do sulco longitudinal situado na face medial do pedúnculo, sulco medial do pedúnculo, emerge de cada lado o nervo oculomotor. 11 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS As principais vias ascendentes e descendentes se projetam pelo tronco encefálico. Além disso, o tronco encefálico contém núcleos dos nervos cranianos III-X e XII) e o núcleo da formação reticular.Apenas ramificações colaterais do nervo craniano II (nervo óptico) se projetam para os núcleos do tronco encefálico. Nervos cranianos I (nervo olfatório) e XI (nervo espinal acessório) não têm projeções para os núcleos do tronco encefálico. O tronco encefálico recebe entrada sensorial de ramificações co- laterais de vias ascendentes da medula espinal e dos axônios de nervos cranianos II (visão), V (sensação tátil da face, cavidade nasal e cavidade oral), VII (gustação), VIII (audição e equilíbrio), IX (gustação e sensação tátil na garganta) e X (gustação, sensação tátil na laringe e sensação visceral no tórax e abdome). Nervos cranianos V, VII, VIII, IX e X possuem núcleos sensoriais no tron- co encefálico. Muitos desses núcleos estão envolvidos nos sentidos especiais. Os núcleos do tronco encefálico associa- dos com o nervo craniano II estão envolvidos em reflexos visuais. Como observado anteriormente, as fibras dos tratos espinotalâmicos passando pelo tronco encefálico são unidas por fibras do trato trigeminotalâmico. Esses tratos carregam informações táteis como dor e temperatura, diferenciação de dois pontos e tato fino da face, da cavidade nasal e da cavidade oral, incluindo os dentes. Difundido pelo tronco encefálico está um grupo de núcleos coletivamente chamados de formação reticular, que está envolvi- do em regular as funções motoras cíclicas. Ramificações colaterais dos neurônios do trato trigeminotalâmico se projetam para a formação reticular, onde estimulam a vigília e consciência incluindo o ciclo sono- vigília. Essa parte da formação reticular e suas conexões constituem o sistema reticular ativador (SRA). Também se projetando para o SRA são ramos colaterais dos nervos cranianos II (ótico), V (trigêmeo) e VIII (vestibulococlear); vias sensoriais táteis ascendentes; e neurônios descendentes do cérebro. Estímulo visual e acústico, assim como atividades mentais, estimulam o SRA para manter o alerta e a atenção. Um estímulo como lampejo súbito ou luz intensa, despertador de relógio, cheiro de café ou uma pluma tocando a face podem despertar a consciência (Fig. 14.19). A remoção de estímulos auditivos, visuais, e outros podem levar a sonolência ou sono. Por exemplo, considere o que acontece com os alunos durante uma palestra monótona em uma sala de aula escura. O SRA controla o nível do cérebro de estímulo ou consciência. Danos às células do SRA da formação reticular podem resultar em perda de consciência ou coma. 12 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS Certos fármacos podem deprimir ou estimular o SRA. Anestésicos gerais e muitos tranquilizantes deprimem esse sistema. Por outro lado, amônia (sais com odor) e outros irritantes estimulam as terminações nervosas trigeminais no nariz. Por isso, potenciais de ação viajam para a formação reticular e para o córtex cerebral para despertar um paciente inconsciente. O tronco encefálico é um importante local de integração para vias motoras descendentes e reflexos. Como discutido anteriormente, as vias descendentes diretas se originam no córtex cerebral e passam diretamente pelo tronco encefálico (tratos corticospinais) ou fazem sinapse nos núcleos motores dos nervos cranianos para iniciar movimentos na cabeça, como movimentos dos olhos (trato corticobulbar). Outros fazem sinapse com os núcleos do tronco encefálico, que então enviam fibras descendentes para a medula espinal (vias indiretas). Fibras descendentes da formação reticular constituem uma das vias motoras mais importantes do corpo. Fibras da formação reticular são críticas no controle de muitas funções, como movimentos respiratórios e ritmos cardía- cos. Nervos cranianos III, IV, V, VI, VII, IX, X e XII possuem núcleos motores no tronco encefálico. Funcionalmente, a saída motora que se projeta pelo tronco encefálico pode ser classificada em duas categorias: motora somática e parassimpática. ́ ́ Os nervos cranianos III (oculomotor), IV (troclear) e VI (abducentes) podem ser controlados pelo cérebro para dirigir o movi- mento dos olhos. Potenciais de ação que chegam ao colículo superior do cérebro estão envolvidos no acompanhamento visual de objetos em movimento. O acompanhamento visual com os dois olhos para a direita envolve o músculo reto medial e nervo abducente do olho direito e músculo reto medial e nervo oculomotor do olho esquerdo. Coordenação desses dois nervos e músculos requer núcleos da formação reticular. Os músculos dos olhos, junto com os músculos do pescoço (principalmente o trapézio e o esternocleidomastóideo, inervados pelo nervo craniano IX), podem também estar envolvidos nos reflexos que são iniciados no colículo superior em resposta a estímulos visuais e auditivos. Ramificações colaterais do trato óptico (II) fazem sinapse no colículo superior do mesencéfalo. Axônios do colículo superior se projetam para os núcleos dos nervos cranianos III, IV e VI e para parte superior cervical da medula espinal (neurônios motores do XI), onde estimulam os neurônios motores envolvidos no movi- mento dos olhos e cabeça na direção do estímulo visual. De modo similar, o colículo superior também recebe entrada de vias auditi- vas, que pode iniciar um reflexo que move os olhos e a cabeça em direção a um som repentino. Axônios da via espinomesencefálica da medula espinal (ver Tab. 14.3) também se projetam para o colículo superior. Entradas dessa via iniciam um reflexo que move os olhos e a cabeça em direção ao estímulo tátil no corpo. 13 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS Fibras motoras do nervo craniano V (trigêmeo) inervam os músculos da mastigação e controlam a mastigação; entretanto, uma vez que o ciclo de mastigação é iniciado, a formação reti- cular regula o ciclo. Mesmo que a iniciação da mastigação possa estar sob o controle consciente, a presença de comida na boca inicia um reflexo entre os núcleos sensoriais e núcleos motores do nervo craniano V, assim iniciando o ciclo de mastigação. Outros reflexos no sistema do nervo trigêmeo detectam o quão duro ou macio um item é na boca e ajustam a mordida de acor- do. Reflexos entre os núcleos trigêmeos sensoriais e o núcleo do nervo craniano XII (hipoglosso) controlam a língua para auxiliar na posição da comida entre os dentes para mastigar, enquanto mantém a língua fora de locais perigosos. O nervo craniano VII (facial), que inerva os músculos da expressão facial, é controlado pelo cérebro e é muito importante na comunicação Fibras motoras somáticas dos nervos cranianos IX (glosso- faríngeo) e X (vago) abastecem os músculos da faringe e laringe associados com a deglutição e linguagem. Deglutição, uma vez iniciada sob controle consciente, continua como reflexo. Os músculos faríngeos da deglutição são grandemente inervados pelo nervo vago e, em menor escala, pelo nervo glossofaríngeo. Ao contrário da deglutição, que é em grande parte um reflexo, a linguagem é altamente controlada pelo cérebro. O nervo vago inerva os músculos da laringe responsáveis pela produção da voz e controla a maior parte dos músculos faríngeos e palatinos responsáveis pelo movimento do palato mole durante a fala. Os movimentos complexos da língua durante a fala são controlados pelo nervo hipoglosso (XII), que inerva quase todos os músculos da língua. ́ ́ A constrição da pupila envolve estimulação parassimpática por meio do nervo oculomotor (III). Os reflexos visuais que resultam em constrição da pupila são coordenados pelos núcleos na for- mação reticular. Esses reflexos também são coordenados por uma região nuclear no diencéfalo chamada de área pré-tectal (assim chamada porque está em frente ao tecto, o teto do mesencéfalo). As entradas sensoriais táteisda cavidade nasal pelo nervo tri- gêmeo (V) podem iniciar o reflexo de espirro. Entrada sensorial tátil da cavidade oral pelo nervo trigêmeo informa ao cérebro que a comida ou algum objeto está na boca. A presença de algum objeto na boca – mesmo um item que não seja alimento, como mármore – estimula um reflexo entre os núcleos trigêmeos sensoriais e o núcleo motor dos nervos faciais (VII) e glossofaríngeo (IX), que inervam as glândulas salivares para estimular a salivação. Entrada sensorial do nervo glossofaríngeo (IX) transmite informação tátil da parte de trás da língua, do palato mole e da garganta (faringe) para o tronco encefálico. Estimulação mecâ- nica dessas áreas pode iniciar um reflexo de vômito, enquanto outra estimulação da garganta pode iniciar um reflexo de tosse. Entradas sensoriais do nervo vago (X) transmitem informação tátil da laringe (caixa de voz) e vísceras torácicas e abdominais. Entrada tátil da laringe também pode iniciar um reflexo de tosse. Além disso, o nervo vago (X) está envolvido em muitos reflexos complexos associados com funções vitais, como a frequência car- díaca, respiração e digestão. Muitos desses envolvem a formação reticular e são discutidos posteriormente em outros capítulos. Muitas funções vitais, como frequência cardíaca, pressão arterial e respiração, são reguladas pelos núcleos do tronco encefálico. Em uma pessoa envolvida em um acidente sério ou que está extremamente doente, essas funções vitais podem ser afetadas. Sendo assim, muitos procedimentos de emergência médica são designados para avaliar a função do tronco encefálico. 14 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS COGNIÇÃO E AS FUNÇÕES CORTICAIS Estudos em seres humanos mostraram que áreas corticais cerebrais distintas têm funções diferenciadas. A Figura 57-3 mapeia algumas dessas funções como determinadas pela estimulação elétrica do córtex, em pacientes acordados ou durante exame neurológico dos pacientes após a remoção de partes do córtex. Os pacientes que foram eletricamente estimulados relataram seus pensamentos evocados pela estimulação e, algumas vezes, eles apresentaram movimentos. Algumas vezes, eles espontaneamente emitiram sons ou mesmo uma palavra ou apresentaram algum sinal associado à estimulação. O uso das várias informações combinadas com as encontradas em diversas fontes da literatura permite-nos construir mapa mais geral, como mostrado na Figura 57-4. Essa figura mostra as principais áreas primária e secundária pré-motoras e áreas motoras suplementares do córtex, bem como as principais áreas primárias e secundárias sensoriais para a sensação somática, a visão e a audição, todas discutidas em capítulos anteriores. As áreas motoras primárias mantêm conexões diretas com grupamentos musculares específicos, com o objetivo de causar movimentos musculares isolados. As áreas sensoriais primárias detectam sensações específicas —visual, auditiva ou somática — transmitidas dos órgãos sensoriais periféricos diretamente para o cérebro. As áreas secundárias integram e dão significado aos sinais recebidos das áreas primárias. Por exemplo, as áreas motora suplementar e pré-motora funcionam juntas com o córtex motor primário e os gânglios da base para fornecer “padrões” de atividade motora. Do lado sen-sorial, as áreas sensoriais secundárias, localizadas a poucos centímetros das áreas primárias, começam a analisar os significados dos sinais sensoriais específicos, como (1) interpretação do formato ou textura de um objeto em uma das mãos; (2) interpretação de cor, intensidade da luz, direção das linhas e ângulos e outros aspectos da visão; e (3) interpretações dos significados dos tons sonoros e sequência de sons, nos sinais auditivos. A Figura 57-4 também mostra grandes áreas do córtex cerebral que não se encaixam nas rígidas categorias de áreas motoras e sensoriais primárias ou secundárias. Essas áreas são chamadas áreas associativas, por receberem e analisarem sinais simultâneos de múltiplas regiões, tanto dos córtices motores e sensoriais, quanto das estruturas subcorticais. No entanto, até mesmo as áreas associativas têm suas especializações. As áreas associativas importantes incluem (1) a área associativa parieto-occipitotemporal,(2) a área associativa pré-frontal e (3) a área associativa límbica. A seguir, estão as explicações das funções dessas áreas. → Área Associativa Parieto-occipitotemporal. Essa área associativa fica no grande espaço parieto-occipital, limitado à frente, pelo córtex somatossensorial, abaixo pelo córtex visual e ao lado pelo córtex auditivo. Como seria de se esperar, ela fornece alto nível de interpretação para os sinais de todas as áreas sensoriais adjacentes. Entretanto, mesmo a 15 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS área associativa parieto-occipitotemporal tem suas próprias subáreas funcionais, mostradas na Figura 57-5. 1) Análise das Coordenadas Espaciais do Corpo A área que se inicia no córtex parietal posterior e se estende até o córtex occipital é capaz de realizar análise contínua das coordenadas espaciais de todas as partes do corpo, bem como do seu entorno. Essa área recebe informação sensorial visual do córtex occipital, situado posterior e, simultaneamente, informação somatossensorial do córtex parietal situado à sua frente. Com todas estas informações, essa região é capaz de calcular as coordenadas visuais, auditivas e da que circunda o corpo 2) A Área de Wernicke – Compreensão da linguagem A principal área envolvida, na compreensão da linguagem, chamada área de Wernicke, se localiza atrás do córtex auditivo primário, na parte posterior do giro superior do lobo temporal. Discutiremos, adiante, essa área com muito mais detalhes; ela é a região mais importante de todo o cérebro que está envolvida com a função intelectual superior, uma vez que quase todas as funções intelectuais são baseadas na linguagem. 3) A Área do Giro Angular - Processamento Inicial da Linguagem Visual (Leitura) Atrás da área de compreensão da linguagem, localizada principalmente na região anterolateral do lobo occipital, fica a área associativa visual que supre informação visual, na forma de palavras lidas em livro, à área de Wernicke, a área de compreensão da linguagem. Essa área, chamada giro angular, é necessária para dar significado às palavras percebidas visualmente. Em sua ausência, a pessoa pode ainda ter excelente compreensão da linguagem pela audição mas não pela leitura. 4) A Área para a Nomeação de Objetos Na parte mais lateral da região anterior do lobo occipital e da região posterior do lobo temporal fica a área responsável pela nomeação dos objetos. Esses nomes são aprendidos, principalmente, pela audição, enquanto a natureza física dos objetos é aprendida em sua maior parte pela visão. Por sua vez, os nomes são essenciais para a compreensão das linguagens visual e auditiva {funções realizadas pela área de Wernicke, localizada imediatamente superior à região auditiva de “nomeação” e anterior à área de processamento visual da palavra). → Área Associativa Pré-frontal a área associativa pré-frontal funciona em íntima associação com o córtex motor, para planejar padrões complexos e sequências de movimentos. Para ajudar nesta função, ele recebe muitas informações por meio de feixe subcortical maciço de fibras nervosas que conectam a área associativa parieto-occipitotemporal com a área associativa pré-frontal. Por esse feixe, o córtex pré-frontal recebe muitas informações sensoriais pré-analisadas, especialmente informações sobre as coordenadas espaciais do corpo que são necessárias para o planejamento dos movimentos efetivos. A maior parte da eferênciada área pré-frontal, para o sistema de controle motor, passa pela porção do caudado, envolvida com o circuito de feedback gânglios da base-tálamo, responsável por muitos dos componentes paralelos e sequenciais do movimento. A área associativa pré-frontal é, também, essencial para executar os processos “mentais” da mente. Isso, presumivelmente, resulta de algumas das mesmas capacidades do córtex pré-frontal que o permitem planejar as atividades motoras. Ele parece ser capaz de processar tanto informação não motora quanto motora, de áreas disseminadas do cérebro e, consequentemente, realizar tipos de pensamentos não motores, bem como tipos motores. De fato, a área associativa pré-frontal é, com frequência, descrita simplesmente como sendo importante para a elaboração dos pensamentos e é dita armazenar, a curto prazo, as “memórias de trabalho” que são usadas para 16 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS combinar novos pensamentos, enquanto eles estão sendo processados no cérebro. A Área de Broca Contém o Circuito Neural Necessário para a Formação das Palavras. A área de Broca, mostrada na Figura 57-5, fica localizada, em parte, no córtex pré-frontal posterolateral e em parte na área pré-motora. É aí, onde ocorre o planejamento dos padrões motores, para a expressão de palavras individuais ou, até mesmo, onde frases curtas são iniciadas e executadas. Essa área também atua em associação íntima com o centro de compreensão da linguagem de Wernicke, no córtex associativo temporal, como discutiremos adiante neste capítulo. Descoberta especialmente interessante é a seguinte: quando a pessoa já aprendeu uma língua e então aprende nova língua, a área do cérebro onde a nova língua é armazenada é ligeiramente removida do local onde foi armazenada a primeira língua. Se ambas as línguas forem aprendidas simultaneamente elas são armazenadas juntas, na mesma área do cérebro. → Área Associativa Límbica As Figuras 57-4 e 57-5 mostram, ainda, outra área associativa chamada área associativa límbica.Essa área está presente no polo anterior do lobo temporal, na porção ventral do lobo frontal, e no giro cingulado, na profundidade da fissura longitudinal, na superfície mediai de cada hemisfério cerebral. Ela se ocupa primariamente com comportamento, emoções e motivação. Vamos discutir, no Capítulo 58, que o córtex límbico é parte de sistema muito mais extenso, o sistema límbico, que inclui a rede complexa de estruturas neuronais, nas regiões médio basais do cérebro. Esse sistema límbico é responsável pela maioria dos impulsos emocionais que ativam outras áreas do encéfalo, fornecendo comando motivacional para o próprio processo de aprendizado. → Área para Reconhecimento de Faces Tipo interessante de anormalidade cerebral, chamada prosofenosia, éa incapacidade de reconhecer faces. Ocorre em pessoas que têm lesão extensa nas superfícies inferiores mediais de ambos os lobos occipitais, juntamente com as superfícies médio ventrais dos lobos temporais, como mostrado na Figura 57-6. A perda dessas áreas de reconhecimento facial, muito estranhamente, resulta em outras pequenas anormalidades das funções cerebrais. Pode-se perguntar por que parte tão grande do córtex cerebral deve ser reservada para a simples tarefa de reconhecimento facial. A maioria de nossas tarefas diárias envolve associações com outras pessoas e, assim, pode-se perceber a importância dessa função intelectual. A porção occipital dessa área de função de reconhecimento facial é contígua com a do córtex visual, e a porção temporal está em íntima associação com o sistema límbico que está envolvido com as emoções, a ativação cerebral e controla a resposta comportamental ao ambiente. As áreas associativas somática, visual e auditiva se juntam, todas, na parte mais posterior do lobo temporal superior, como mostrado na Figura 57-7, região em que os lobos temporal, parietal e occipital se unem. Esse local de confluência das diferentes áreas interpretativas sensoriais é muito desenvolvido, particularmente no lado dominante do cérebro —o lado esquerdo em quase todas as pessoas destras —e tem o papel mais importante do que qualquer outra parte do córtex cerebral, em participar das mais abrangentes funções superiores, que chamamos inteligência. Em função disso, essa região tem sido chamada por diferentes nomes, sugestivos de área que tem importância quase global: área interpretativa geral, área gnóstica, área do conhecimento, 17 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS área associativa terciária e assim por diante. Ela é melhor conhecida como área de Wernicke em homenagem ao neurologista que primeiro descreveu seu significado especial nos processos intelectuais. Após graves danos na área de Wernicke, a pessoa pode ouvir perfeitamente bem e até mesmo reconhecer diferentes palavras mas, ainda assim, será incapaz de agrupar essas palavras em pensamento coerente. De forma análoga, a pessoa pode ser capaz de ler palavras de páginas impressas mas ser incapaz de reconhecer o pensamento nelas contido. A estimulação elétrica na área de Wernicke de pessoa consciente ocasionalmente promove a formação de pensamentos muito complexos. Isso é particularmente verdadeiro quando o eletródio estimulatório é inserido na profundidade do cérebro o suficiente para se aproximar das áreas correspondentes de conexão com o tálamo. Os tipos de pensamentos que podem ser experienciados incluem cenas visuais complicadas da infância, alucinações auditivas, na forma de peça musical específica, ou, até mesmo, frase dita por outra pessoa. Por essa razão, acredita-se que a ativação da área de Wernicke pode reativar padrões complicados de memória que envolvem mais de uma modalidade sensorial, mesmo que a maioria das memórias individuais seja guardada em outros lugares. Essa crença está de acordo com a importância da área de Wernicke de interpretar os significados complicados dos diferentes padrões das experiências sensoriais. → Giro Angular – Interpretação da Informação Visual O giro angular é a porção mais inferior do lobo parietal posterior localizada imediatamente atrás da área de Wernicke, fundindo-se, em sua parte posterior, às áreas visuais do lobo occipital. Se essa região for destruída enquanto a área de Wernicke permanecer intacta no lobo temporal, o indivíduo pode, ainda, interpretar experiências auditivas, mas o fluxo de experiências visuais que passam pela área de Wernicke, vindas do córtex visual, fica na maioria das vezes bloqueado. Consequentemente, a pessoa pode ser capaz de ver as palavras e até mesmo saber que são palavras, mas não será capaz de interpretar seu significado. Essa condição é chamada dislexiaou cegueira de palavras. Vamos enfatizar novamente a importância global da área de Wernicke para o processamento da maioria das funções intelectuais do cérebro. A perda dessa área no adulto em geral leva, daí para diante, a vida em estado de quase demência. → Papel da Linguagem na Função da Área de Wernicke e nas Funções Intelectuais A maior parte de nossas experiências sensoriais é convertida, em seu equivalente linguístico, antes de ser armazenada nas áreas de memória do cérebro e antes de ser processada para outros propósitos intelectuais. Por exemplo, quando lemos um livro não guardamos as imagens das palavras impressas mas, em vez disso, armazenamos as próprias palavras ou os pensamentos transmitidos por elas, muitas vezes em forma de linguagem. A área sensorial do hemisfério dominante para a interpretação da linguagem é a área de Wernicke, e está em íntima associação com as áreas auditivas primária e secundária do lobo temporal. Essa relação muito íntima provavelmente resulta do fato de que a primeiraintrodução da linguagem é pela audição. Tardiamente na vida, quando a percepção visual da linguagem pela leitura se desenvolve, a informação visual transmitida pelas palavras escritas é, então presumivelmente canalizada pelo giro angular, a área associativa visual, para a já desenvolvida área de interpretação da linguagem de Wernicke, no lobo temporal dominante. 18 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS Quando a área de Wernicke no hemisfério dominante de pessoa adulta é destruída, a pessoa usualmente perde quase todas as funções intelectuais, associadas à linguagem ou ao simbolismo visual, como a capacidade de ler, a capacidade de realizar operações matemáticas e, até mesmo, a capacidade de decifrar problemas lógicos. No entanto, muitos outros tipos de capacidades interpretativas, algumas das quais usam o lobo temporal e o giro angular do hemisfério oposto, são mantidas. Estudos psicológicos em pacientes com danos no hemisfério não dominante sugeriram que esse hemisfério pode ser especialmente importante para entender e interpretar música, experiências visuais não verbais (especialmente padrões visuais), relações espaciais entre a pessoa e seus arredores, o significado da “linguagem corporal” e entonações da voz e, provavelmente, muitas experiências somáticas relacionadas ao uso dos membros e mãos. Então, mesmo embora falemos do hemisfério “dominante” isso se refere, primariamente, às funções intelectuais baseadas na linguagem; o hemisfério chamado não dominante pode realmente ser dominante para outros tipos de inteligência. Por muitos anos, acreditou-se que o córtex pré-frontal era o local da “inteligência superior” do ser humano, principalmente porque a maior diferença entre os cérebros de macacos e dos seres humanos é a proeminente área pré- frontal nos humanos. Entretanto, os esforços para mostrar que o córtex pré-frontal é mais importante para as funções intelectuais superiores do que outras porções do cérebro ainda não obtiveram sucesso. Certamente, a destruição da área de compreensão da linguagem, na parte superior do lobo temporal (área de Wernicke) e o giro angular adjacente, no hemisfério dominante, causa muito mais dano ao intelecto do que a destruição das áreas pré-frontais. As áreas pré-frontais têm, entretanto, funções intelectuais próprias, menos definidas mas nem por isso menos importantes. Essas funções podem ser mais bem explicadas pela descrição do que ocorre com os pacientes nos quais as áreas pré-frontais foram lesadas, como se segue. Décadas atrás, antes do advento de fármacos modernos para tratar condições psiquiátricas, foi descoberto que alguns pacientes poderiam receber alívio significativo de depressão psicótica grave, pelo dano das conexões neuronais entre as áreas pré-frontais e o restante do cérebro, o procedimento chamado lobotomia pré-frontal. Ela é realizada pela introdução de lâmina fina, sem corte, por pequena abertura, na região laterofrontal do crânio, em cada lado da cabeça, para seccionar o tecido cerebral de cima a baixo na parte posterior do lobo pré-frontal. Estudos subsequentes nesses pacientes mostraram as seguintes alterações mentais: Os pacientes perderam sua capacidade de resolver problemas complexos. Ficaram incapazes de encadear tarefas sequenciais, para atingir objetivos complexos. Ficaram incapazes de aprender a fazer diversas tarefas paralelas, ao mesmo tempo. Seu nível de agressividade estava geralmente reduzido, algumas vezes, de forma pronunciada, e em geral perderam suas ambições. Suas respostas sociais eram em geral inapropria- das para a ocasião, com frequência incluindo perda da moral e das restrições à atividade sexual e às excreções. Os pacientes ainda podiam conversar e compreender a linguagem mas eram incapazes de acompanhar longas linhas de raciocínio e seu humor variava rapidamente da doçura para a raiva, de estar de bem com a vida a atitudes de loucura. Os pacientes ainda podiam realizar a maioria dos padrões usuais de função motora que já realizavam antes, mas geralmente sem propósito. → Elaboração do Pensamento, Prognósticos e Desempenho das Funções Intelectuais Superiores pelas Áreas Pré-frontais Outra função que tem sido associada às áreas pré-frontais é a elaboração de pensamentos.Isto significa, simplesmente, aumento da profundidade e de abstração dos diferentes pensamentos organizados de múltiplas fontes de informação. Testes psicológicos já mostraram que animais 19 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS lobectomizados, quando em contato com diversos fragmentos sucessivos de informações senso-riais, não são capazes de seguir a sequência, mesmo como memória temporária, provavelmente por serem tão facilmente distraídos que não podem manter as informações por tempo suficiente para que ocorra o armazenamento da memória. Essa capacidade da área pré-frontal de manter presentes simultaneamente diversos fragmentos de informação sequencialmente apresentados, e levar ao resgate dessa informação instantaneamente, assim que ela for necessária para pensamentos subsequentes, é chamada “memória de trabalho”. Isso pode explicar muitas funções cerebrais que habitualmente associamos à inteligência superior. De fato, estudos mostraram que as áreas pré-frontais são divididas em segmentos separados para armazenar tipos diferentes de memória temporária como, por exemplo, a área para armazenar a forma de um objeto ou uma parte do corpo e outra para armazenar movimento. Combinando todos esses fragmentos temporários de memória de trabalho, temos as capacidades de (1) fazer prognósticos; (2) planejar o futuro; (3) retardar a ação em resposta a sinais sensoriais que chegam de tal forma que a informação sensorial possa ser avaliada até se decidir a melhor forma de resposta; (4) considerar as consequências de ações motoras, antes que sejam executadas; (5) resolver problemas complicados, matemáticos, legais ou filosóficos; (6) correlacionar todas as vias de informações, no diagnóstico de doenças raras; e (7) controlar nossas atividades, de acordo com leis morais. → Função do Cérebro na Comunicação Uma das diferenças mais importantes entre seres humanos e animais inferiores é a facilidade com que os seres humanosse comunicam entre si. Além disso, como testes neurológicos podem facilmente avaliar a capacidade da pessoa se comunicar com outras, sabemos mais sobre os sistemas sensoriais e motores relacionados à comunicação do que sobre qualquer outro segmento funcional do córtex cerebral. Por isso revisaremos, com a ajuda dos mapas anatômicos neurais na Figura 57-8, a função do córtex na comunicação. Partindo disso, poder-se-á ver imediatamente como os princípios da análise sensorial e do controle motor se aplicam a essa arte. Existem dois aspectos da comunicação: primeiro, o aspecto sensorial(aspecto aferente da linguagem), envolvendo os ouvidos e olhos, e segundo, o aspecto motor(aspecto eferente da linguagem), envolvendo a vocalização e seu controle. Aspectos Sensoriais da Comunicação Notamos previamente neste capítulo que a destruição de porções das áreas associativas auditivasou visuaisdo córtex pode resultar em incapacidade de entender a palavra falada ou escrita. Esses Figura 57-8 Vias neurais (acima)necessárias para a percepção da palavra ouvida e, então, dizer a mesma palavra e (abaixo) percepção da palavra escrita e então dizer a mesma palavra. (Redesenhada de Geschwind N: Specializations of the human brain. Sei Am 241:180,1979. ® 1979 by Scientific American, Inc. Todos os direitos reservados.) efeitos são chamados, respectivamente, de afasia receptiva auditivae afasia receptiva visual,ou, mais comumente, de surdez de palavrase cegueira de palavras(também chamadadislexia). Afasia de Wernicke e Afasia Global. Algumas pessoas são capazes de entender tanto apalavra falada, quanto a palavra escrita mas são incapazes de interpretar o pensamento que é expresso. Isto resulta, mais frequentemente, quando a área de Wernicke, na parte posterior do giro temporal superior, no hemisfério dominantefor danificada ou destruída. Consequentemente, esse tipo de afasia é chamado afasia de Wernicke. Quando a lesão na área de Wernicke for ampla e se estender (1) para trás, na região do giro angular, (2) para baixo, nas áreas mais inferiores do lobo temporal e (3) para cima, naborda superior da fissura de Sylvius, a pessoa tem maior probabilidade de ficar quase totalmente incapacitada para a compreensão da linguagem ou comunicação e, consequentemente, isso é chamado afasia global. Aspectos Motores da Comunicação Os processos mentais da fala envolvem dois estágios principais: (1) formação dos pensamentos que serão expressos, bem como a escolha das palavras que serão usadas, e, então, (2) controle motor da vocalização e o ato de vocalizar em si mesmo. 20 PERCEPÇÃO, CONSCIÊNCIA E EMOÇÃO | TUTORIA | MED UNIT P3 | RAYSSA OLIVEIRA SANTOS A formação de pensamentos e mesmo a escolha da maioria das palavras são funções das áreas associativas sensoriais do cérebro. Novamente, é a área de Wernicke, na parte posterior do giro temporal superior é a mais importante para a expressão dessa capacidade. Consequentemente, a pessoa tanto com afasia de Wernicke, como com afasia global, é incapaz de formular os pensamentos que devem ser comunicados. Ou, se a lesão é menos grave, a pessoa pode ser capaz de formular os pensamentos mas ser incapaz de organizá-los em sequências apropriadas de palavras para expressar esse pensamento. A pessoa, algumas vezes, é até fluente com as palavras mas confusas e desorganizadas. A Perda da Área de Broca Causa Afasia Motora. Algumas vezes, a pessoa é capaz de decidir o que ela quer dizer, mas não consegue fazer com que o sistema vocal emita palavras em vez de ruídos. Esse efeito, chamado afasia motora, resulta de danos na área da fala de Broca ,localizada na região pré- frontal e pré-motora facial do córtex cerebral —situada aproximadamente, em 95% das vezes, no hemisfério esquerdo, como mostrado nas Figuras 57-5 e 57-8. Consequentemente, os padrões motores sutis para o controle da laringe, lábios, boca, sistema respiratório e outros músculos acessórios da fala são todos iniciados por essa área. Articulação. Finalmente, temos o ato da articulação, que significa os movimentos musculares da boca, língua, laringe, cordas vocais, e assim por diante, que são responsáveis pelas entonações, ordenação e mudanças rápidas nas intensidades dos sons sequenciais. As regiões facial e laríngea do córtex motor ativam esses músculos, e o cerebelo, os gânglios da base e o córtex sensorial ajudam a controlar a sequência e as intensidades das contrações musculares, fazendo amplo uso dos mecanismos de feedback do cerebelo e dos gânglios da base.
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