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Manuela Gonzaga Aspectos da Sintaxe Do Advérbio Em Português Dissertação de Mestrado em Linguística Portuguesa Descritiva, orientada pela Professora Doutora Manuela Ambar, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Lisboa 1997 Agradecimentos À Prof ª Manuela Ambar, minha orientadora, agradeço o acompanhamento atento durante o período de elaboração desta tese. Agradeço-lhe a coragem que sempre me transmitiu e todo o entusiasmo contagiante pela sintaxe. Um agradecimento muito particular por todas as discussões, ideias e críticas que tanto contribuiram para a realização este trabalho. Agradeço ao Professor Malaca Casteleiro pois foi nos seus seminários que me comecei a interessar pelos advérbios. À Prof ª Inês Duarte agradeço as primeiras aulas de sintaxe e semântica da licenciatura em Linguística porque foi com ela que comecei a gostar de sintaxe. Agradeço também à Drª Elisa de Macedo a compreensão que sempre demonstrou permitindo que alterasse o meu ritmo de trabalho no Centro de Linguística, muito particularmente no período final deste trabalho. Também à Inês pela troca de ideias e pela ajuda com alguns juízos de gramaticalidade. À minha amiga Regina Falcão tenho que agradecer a amizade e o carinho. Finalmente, agradeço a todos os meus familiares e amigos que sofreram directa ou indirectamente com a elaboração desta tese, muito particularmente aos meus pais e ao meu irmão Nuno que nos últimos momentos sempre me apoiaram e encorajaram. Obrigado a todos ! Índice 5 1. Introdução 7 2. O advérbio na tradição gramatical portuguesa 9 2.1. Gramática da Língua Portuguesa de João de Barros 9 2.2. Grammática Philosophica de Jeronymo Soares Barbosa 11 2.3. Gramática Histórica da Língua Portuguesa de Said Ali 13 2.4. Syntaxe Historica Portuguesa de Epiphânio da Silva Dias 15 2.5. Nova Gramática do Português Contemporâneo de Cunha e Cintra 19 2.6. Conclusões 24 3. Diferentes perspectivas 29 3.1. Jackendoff (1972): As posíções típicas dos advérbios de VP e dos advérbios de frase. 29 3.2. Casteleiro (1982): “Análise gramatical dos advérbios de frase” 39 3.3. Pollock (1989): A divisão de Infl(ection) em Agr(eement) e T(ense) 42 3.4. Ambar (1989): Subida do verbo, posição do sujeito e dos advérbios 47 3.5. Belletti (1990): A subida do verbo em italiano 52 3.6. Cinque (1993): Uma hierarquia dos advérbios e respectivas posições funcionais 65 3.7. Laenzlinger (1993): O Critério-Adv e o modelo X’ com duas posições de Spec 69 3.8. Costa (1996): Posição dos advérbios ambíguos 79 3.9. Conclusões 83 4. O advérbio em português 85 4.1. Propriedades fundamentais de diferentes classes de advérbios 85 4.1.1. Advérbios que podem ocupar as três posições com alteração de significado 86 4.1.2. Advérbios que podem ocupar as três posições sem mudança de significado 98 4.1.3. Advérbios que só podem ocorrer em posição inicial e de auxiliar 105 4.1.4. Advérbios que só podem ocupar a posição de auxiliar e posição final 107 4.1.5. Advérbios que só podem ocorrer em posição final 114 4.1.6. Advérbios que só podem ocorrer em posição de auxiliar 120 4.2. O tratamento dos dados 121 4.2.1. O posicionamento teórico 121 4.2.2. Generalizações e análise 125 5. Outros advérbios - Sempre 153 5.1. Ordem e interpretação em alguns advérbios (sempre, ainda, já, logo ...) 153 5.2. Sempre 160 5.2.1. Sempre e tempo 170 5.2.2. Sempre e ordem 181 5.2.3. Sempre e clíticos 190 5.2.4. Sempre e negação 200 6. Conclusão 209 Bibliografia 213 1. Introdução Apesar do constante avanço das teorias gramaticais, o advérbio é uma categoria que continua a constituir um desafio dado o grande número de comportamentos e de dados por descrever. Neste sentido surge a necessidade de reflectir um pouco sobre tais comportamentos e de encontrar pistas que contribuam para uma análise exaustiva do advérbio. Neste espírito são basicamente três os objectivos deste trabalho: 1. em primeiro lugar analisar criticamente alguma da literatura sobre este assunto não só com o objectivo de fazer um ponto da situação, mas também para reunir dados e ideias sobre os advérbios em diferentes momentos e em diferentes línguas; 2. em segundo lugar apresentar de modo sistemático e tanto quanto possível exaustivo os diferentes tipos de advérbios considerando as propriedades sintácticas e semânticas particulares de cada tipo e a relação que mantêm com os restantes elementos da frase; 3. num terceiro momento procurar um tratamento abrangente e unificado recorrendo aos trabalhos de Laka (1990), Chomsky (1993), Zanuttini (1994) e Ambar (1996). Analisaremos a hipótese de considerar a projecção ∑P, proposta por Laka, para explicar o comportamento dos advérbios, aliando aquela proposta à perspectiva minimalista de Chomsky (1993) e (1995). Além disso, consideraremos a proposta sobre a negação de Zanuttini e a proposta de Ambar sobre o tempo objecto. 7 4. finalmente, depois de desenvolvida uma análise para os advérbios em -mente, analisaremos o caso de sempre que esperamos venha comprovar as propostas feitas. Organizaremos este trabalho em seis capítulos. O primeiro capítulo consta desta breve introdução sobre o tema a desenvolver. Num segundo capítulo apresentaremos um estudo crítico sobre a análise dos advérbios que os gramáticos tradicionais apresentam com vista à clarificação dos pontos a ter em consideração. O terceiro capítulo apresentará, na linha do anterior, uma discussão sobre a literatura mais recente feita no âmbito da teoria generativa e que referirá trabalhos de início dos anos setenta até aos mais recentes dos anos noventa. No quarto capítulo começaremos a análise dos advérbios à luz das propostas existentes, nomeadamente, com base no trabalho de Jackendoff (1972), para concluirmos com uma proposta diferente de tratamento da classe dos advérbios. O quinto capítulo consistirá na aplicação da nova proposta à análise do advérbio sempre, tratando de forma sistemática diferentes aspectos gramaticais do comportamento daquele advérbio para os quais concorrem outros fenómenos gramaticais, também aqui analisados - determinação, propriedades sintáctico-semânticas dos verbos, tempo (morfológico) e aspecto, ordem, negação. Finalmente o capítulo sexto terminará este trabalho, reunindo as principais conclusões e ideias. 8 2. O advérbio na tradição gramatical portuguesa No contexto de uma nova proposta de análise dos advérbios, impunha-se a análise dos tratamentos dados ao advérbio em algumas gramáticas tradicionais. Esta análise reveste-se de uma extrema importância não só porque nos permite recolher pistas fulcrais para uma diferente perspectiva de análise desta categoria, mas também porque nos permite entender a posição de cada um dos gramáticos consultados relativamente à classificação dos advérbios no âmbito da gramática. As análises ou descrições do comportamento do advérbio nas gramáticas tradicionais são, regra geral, muito breves e pouco esclarecedoras relativamente às várias questões que se levantam na linguística actual. Contudo, foi nosso objectivo seleccionar diferentes períodos de análise gramatical por daí advirem diferentes conceptualizações do conceito de língua e, consequentemente, diferentes interpretações da função e significado atribuídos à categoria advérbio. 2.1. Gramática da Língua Portuguesa de João de Barros Uma das primeiras observações das gramáticas tradicionais relativamente ao advérbio diz respeito à sua própria definição. Consideram-no estas gramáticas, nageneralidade, modificador do verbo por aparecer frequentemente próximo deste, sendo a etimologia da palavra advérbio um reflexo deste comportamento: ad verbum. Assim, referindo a caracterização do advérbio, João de Barros afirma: 9 “Avérbio é ua das nóve partes da òraçám que sempre anda conjunta e coseita com o vérbo e daqui tomou o nome, porque ad quér dizer çerca e, composto com verbum, fica adverbium que quér dizer àçerca do vérbo.” (João de Barros: p.345) Outro ponto importante na análise dos advérbios, também referido em João de Barros, diz respeito à função do advérbio na oração: “Foi por ésta párte mui neçessária, ca per éla se denóta a eficáçia ou remissám do verbo, porque, quando digo: Eu amo a verdáde, demóstro que simplesmente fáço a óbra de amár; mas dizendo: Eu amo muito a verdade, p[er] este advérbio muito, denóto a cantidáde do amor que tenho à cousa; e se dissér: Amo pouco a verdáde, com este pouco se diminuie o muito de çima; e: Nam amo a verdáde, desfáço toda a óbra de amár.” (idem) A grande importância atribuída ao advérbio na significação do verbo traduz-se, no exemplo do autor, na quantificação do verbo dada por advérbios como muito e pouco e na sua relação com o complemento. Esta caracterização mostra-nos o poder do advérbio quanto à avaliação quantitativa e/ou qualitativa do estado de coisas dado pelo verbo e seus complementos: “Assi que tem o avérbio este poder: acresçenta, deminuie e totalmente destruie a óbra do vérbo a que se junta, e ele é ô que dá 10 aos vérbos cantidáde ou calidáde açidental ...” (idem) Mas a observação do comportamento dos advérbios suscita outras questões que este autor não refere. Um exemplo consiste nas restrições que se estabelecem entre o verbo, o seu complemento e o advérbio. Com efeito, o exemplo do autor não resultaria se, em vez de pouco ou muito, tivesse escolhido um advérbio como imediatamente ou ontem porque a caracterização ou o conjunto de propriedades semânticas de qualquer um destes advérbios não é partilhado pelo verbo (e sua flexão) e pelo complemento deste. Uma outra questão diz respeito à posição que o advérbio ocupa efectivamente no exemplo dado e as que poderá ocupar noutros contextos. Assim, podemos, por exemplo, na forma exclamativa aceitar Muito eu amo a verdade! ou reforçar a extensão do amor pela verdade com o advérbio no fim da frase: Eu amo a verdade muito! 2.2. Grammatica Philosophica de Jeronymo Soares Barbosa A distinção entre gramática particular (própria de uma língua particular) e gramática geral (“usos e factos de todos ou da maior parte dos idiomas conhecidos” (Barbosa: p.xi)) feita por Jeronymo Soares Barbosa no início do 11 século XIX conduz-nos à expectativa de uma análise mais inovadora do advérbio. E, com efeito, a perspectiva que este gramático tem do advérbio caracteriza-se por uma tomada de posição diferente das restantes análises tradicionais ao romper com a aproximação (também ela etimológica) entre verbo e advérbio como registada em João de Barros. A sua originalidade consiste em interpretar “verbum” não só como a categoria gramatical verbo, mas também como toda e qualquer palavra passível de ser modificada. “O adverbio, pois, não modifica só os verbos, como querem os grammaticos, mas qualquer palavra susceptível de determinação (...). A etymologia da palavra adverbio, como quem diz adjunto ao verbo, não se deve entender do verbo como uma das seis partes elementares da oração, mas de qualquer palavras capaz da modificação; que isto significa o nome latino verbum em toda a sua extensão.” (Barbosa: p.235) Outro aspecto inovador nesta análise diz respeito à distinção clara entre função adverbial e natureza categorial dos advérbios. Assim, embora aceite e reconheça a existência de outros elementos que exercem funções adverbiais, nomeadamente os nomes adverbiados e as expressões adverbiais, este gramático caracteriza e define os advérbios como sendo indeclináveis e constituídos por uma só palavra. “O adverbio é uma reducção da preposição com seu complemento em uma só palavra, e essa invariável, e sem outro uso na língua. 12 (...) É uma palavra indeclinável e invariável em genero e numero, e além disto não tem outro emprego em nossa língua afóra este.” (idem) Devemos notar que do conjunto dos nomes adverbiados que o autor considera muitos são classificados como advérbios nas gramáticas contemporâneas. As referidas expressões adverbiais são classificadas, nestas últimas gramáticas, como locuções adverbiais, por exercerem função adverbial. No entanto, morfologicamente as mesmas expressões podem ser consideradas locuções prepositivas visto serem formadas pela preposição e seu complemento. 2.3. Gramatica Histórica da Língua Portugueza de M. Said Ali Numa perspectiva ou num contexto menos inovador e filosófico, a gramática histórica de Said Ali mantém uma linha de análise do advérbio bastante tradicional. Considerando o advérbio como um “vocabulo determinativo do verbo, do adjectivo ou de outro advérbio” (Said Ali: p.208) por lhes acrescentar “ o conceito de tempo, lugar, modo etc.”(idem), este autor restringe mais a definição de advérbio, não o considerando, tal como J.S. Barbosa (Barbosa: p.235) modificador de “qualquer palavra susceptível de determinação”. A descrição de Said Ali é mais tradicional na medida em que assenta principalmente numa descrição morfológica e histórica de alguns advérbios, bem como na classificação de significado dos advérbios em oito classes, algumas já anteriormente consideradas. 13 “Dividem-se os advérbios segundo a sua significação em advérbios de tempo, de lugar, de modo, de negação, affirmação, de duvida, de quantidade, de ordem. Muitos dentre eles exprimem condições e circumstancias capazes de augmento ou diminuição.” (Said Ali: p.209) Apesar do carácter tradicional da descrição apresentada para a categoria em estudo, a gramática de Said Ali é interessante em diferentes aspectos. Um exemplo é-nos dado pela motivação histórica que refere para a ocorrência em posição final de algumas conjunções que em momentos anteriores da história do português foram advérbios. “A origem adverbial de porem dá a razão da possibilidade de collocar-se esta palavra no meio e, até, no fim da oração, lugar improprio das conjunções” (Said Ali: p. 214). Relativamente à negação é interessante também a distinção de interpretação da negação dupla em diferentes camadas sociais. Assim, e de acordo com este autor, a negação dupla era entendida como um reforço da negação pelo povo. Pelo contrário, para as pessoas mais instruídas “negar o negado equivale a afirmar” excepto se o novo termo negativo não anteceder não. “Quanto à presença, dentro da mesma oração de outros termos negativos alem da palavra não, é facil de ver que não anda o 14 raciocinio dos homens cultos bem emparelhado com o sentimento popular. Para o povo, o acumulo de negativas indica reforço. Entende a gente de letras, pelo contrario, que negar o negado equivale a afirmar; mas abre excepção (...) desde que o novo termo negativo não anteceda o adverbio não.” (Said Ali: p. 228) 2.4. Syntaxe Historica de Epiphânio da Silva Dias Esta gramática é talvez a menos abrangente no contexto de todas as gramáticas analisadas. Dividindo o capítulo V, da primeira parte da gramática, dedicado ao advérbio, em duas secções, E.S. Dias considera, por um lado, os advérbios que se usam na gradação de adjectivos e de advérbios e, por outro lado, as particularidades que alguns advérbios registam em português. Relativamente aos advérbios que se usam na gradação, o autor distingue, por um lado, os do comparativo e, por outro lado, os do superlativo. O advérbio que se usa na formação do comparativo de superioridade, comorefere, é o advérbio mais, embora no caso de alguns advérbios existam formas próprias. “De comparativo (de superioridade) de grande serve maior; de bom e de bem, melhor; de pequeno, menor ( a par de mais pequeno); de máo e de mal, pior” (Silva Dias, p. 169) “De comparativo (de superioridade)de muito (adjectivo e advérbio) serve mais; de pouco (adjectivo e advérbio), menos. (idem, p. 170). 15 Relativamente ao comparativo de inferioridade e de igualdade, o autor aponta, apenas, a formação do primeiro com o advérbio menos e do segundo com os advérbios tão e tanto. “§ 226. O comparativo de inferioridade do adjectivo e do advérbio forma-se com o advérbio menos: menos prudente, menos prudentemente. § 227. O comparativo de igualdade do adjectivo e do advérbio forma-se com o advérbio tão (tanto, quando o adjectivo ou o advérbio estiverem ocultos): tão prudente, tão prudentemente.” (idem, p. 170) Também relativamente ao segundo membro da comparação o autor distingue, por um lado, o comparativo de superioridade e de inferioridade usando que ou do que, e, por outro lado, o comparativo de igualdade usando como. “§ 228. a) Com os comparativos de superioridade e de inferioridade, o segundo termo de comparação é designado por que ou do que:” “papel e tinta tem morto mais homens em o mundo que ferro e aço (Barros, Ropica, 250, 251).” “b) Com os comparativos de igualdade o segundo termo de comparação é designado por como: 16 Huma mulher tão ornada nos vestidos como desordenada na vida (Vieira, XI, 209).” (idem, p.170, 171) No que respeita à formação do grau superlativo, a breve descrição do autor destaca, em primeiro lugar, a formação do superlativo perifrástico (ou analítico) do adjectivo e advérbio através de muito; em segundo lugar, a formação de superlativo para os comparativos de superioridade e de inferioridade através dos advérbios mais e menos, respectivamente, precedidos de artigo definido. “O simples superlativo periphrastico do adjectivo e do adverbio forma-se com o adverbio muito ou mui: muito prudente, muito prudentemente. Como superlativo de muito, só se emprega muitissimo” A segunda parte deste capítulo sobre o advérbio refere, como indicámos atrás, algumas particularidades de um grupo de advérbios. Assim, o autor observa que os advérbios portadores do sufixo -mente, quando coordenados, só exibem aquele sufixo no último advérbio coordenado, à excepção de casos de ênfase onde todos o poderão receber. “curados mimosa e não radicalmente (Vieira, XI, 260). tirou a consequencia tão discreta como verdadeiramente (Id., XI, 250).” (idem, p.174) 17 Além do caso dos advérbios sufixados em -mente, os advérbios de tempo e de lugar também são considerados como possuindo algumas particularidades, nomeadamente o seu emprego substantivo quando são precedidos das preposições de, desde, para, por, até. A dimensão e o conteúdo que o capítulo do advérbio apresenta permitem- nos chegar a uma conclusão: o advérbio não é aqui considerado uma das nove partes da oração, à semelhança de outros autores já referidos, mas apenas um elemento gramatical com a função de indicar o grau. É evidente nesse capítulo a ausência de um apontamento sobre outros advérbios ou tipos de advérbios que não os de grau. Verificámos também o recurso a advérbios, nomeadamente de tempo, para exemplificar o uso dos vários tempos (na secção I da 2ª parte da sua obra) ou para apontar nuances típicas da língua, sem que a sua função seja, de algum modo, destacada. “Em segundo lugar, designa-se com o presente: (...) 2) o que se repete e costuma acontecer (presente iterativo): Elle janta habitualmente às 5 horas.” (Silva Dias, p. 184) “b) Em segundo lugar, emprega-se, quando noticiamos o que no momento em que fallamos é facto consumado (preterito absoluto) (...) Obs. 1ª Quando a enunciação de um facto que se deu, se quer apresentar como simples negação de elle ainda não se ter dado, a lingoa portuguesa, se o contexto não deixa ver claramente a 18 intenção de quem falla, ajunta o adverbio já ao pret. definido (ao passo que outras lingoas, nomeadamente a inglesa, empregam o pret. definido): Já foi a Sintra? (= já esteve em Sintra?) (em inglês: Have you been at Sintra?). (idem, p.189) 2.5. Nova Gramática do Português Contemporâneo de Cunha & Cintra Esta gramática traduz em alguns aspectos uma perspectiva linguística distinta das obras anteriormente referidas. Se em Jeronymo Soares Barboza se procura mostrar como a língua(gem) é o espelho da mente e vontade humanas, se em Said Ali e Silva Dias o percurso histórico da língua é apresentado para justificar a descrição dessa língua em momentos ou épocas precisas, a gramática de Cunha & Cintra constitui um terceiro grupo cujo objectivo primeiro é fornecer ao ensino do português um instrumento de trabalho baseado principalmente no conceito de correcção. “Esta Gramática (...) Sentímo-la como uma urgente necessidade para o ensino da língua portuguesa” “Parecia-nos faltar uma descrição do português contemporâneo que levasse em conta, simultaneamente, as diversas normas vigentes dentro do seu vasto domínio geográfico (...) e fosse, assim, fonte de informação, tanto quanto possível completa e actualizada, sobre elas; serviria simultaneamente de guia orientador de uma expressão oral e escrita que (...) se pudesse considerar «correcta» de acordo 19 com o conceito de correcção que adoptamos” (Cunha e Cintra p. XIII) O capítulo 14 dedicado ao advérbio, traduz a perspectiva descritiva e prescritiva em que os autores pretendem inscrever o seu trabalho. Aí o advérbio é classificado como preferencial modificador do verbo, podendo alguns advérbios (nomeadamente os de intensidade) reforçar adjectivos ou advérbios, e outros ainda reforçar a oração. “I. O ADVÉRBIO é, fundamentalmente, um modificador do verbo: Logo depois, recomeçara a chover. Você compreendeu-me mal. O almoço decorria agora lentamente. 2. A essa função básica, geral, certos advérbios acrescentam outras que lhe são privativas. Assim, os chamados ADVÉRBIOS DE INTENSIDADE e formas semanticamente correlatas podem reforçar o sentido de : a) de um adjectivo; b) de um advérbio. 3. Saliente-se ainda que alguns advérbios aparecem, não raro, modificando toda a oração: Infelizmente, nem o médico lhes podia valer. Possivelmente, não haverá ceia este ano. 20 Neste último emprego, vêm geralmente destacados no início ou no fim da oração, de cujos termos se separam por uma pausa nítida, marcada na escrita por uma vírgula.” (idem, pp. 537, 538) A classificação dos advérbios que os autores propõem tem na base uma perspectiva semântica. Distinguem dez subclasses: afirmação, dúvida, intensidade, lugar, modo, negação, tempo, ordem, exclusão, designação. A esta classificação semântica, não presidem critérios de análise explícitos. Igualmente não são tidos em consideração dados linguísticos suficientes que fundamentem a proposta. Pode, por isso, questionar-se por exemplo a razão de ser de advérbios como certamente e efectivamente serem considerados de afirmação e quais as circunstâncias em que também podem ser advérbios de modo dado que a classificação apresentada aí inclui “quase todos os terminados em -mente.” Definindo locução adverbial como “o conjunto de duas ou mais palavras que funcionam como advérbio”, os autores dividem-nas também em classes semânticas de afirmação, (ou dúvida), intensidade, lugar, modo, negação e tempo. A colocação dos advérbios na frase não se inspira nem reflecte directamente a divisão semântica que apresentam. Considerando a sua colocação na frase distinguem das restantes classes os advérbios que modificam adjectivos, particípios passados ou outros advérbios, os quais normalmente ocorrem antes dascategorias que modificam. 21 “Invejei o noivo, tão alegre, tão amável, a grossa gargalhada a irromper a cada instante. Muito apressado, num visível nervosismo, veio de casa até ali. - O teu pai está muito mal.” (Cunha e Cintra, p. 541) Os modificadores do verbo subdividem-se em três grupos: (i) em primeiro lugar, os advérbios que geralmente ocorrem depois do verbo: “A mãe e a irmã choravam tristemente ... Ela ouvia-o atentamente. Quatro jovens vestidas de panos escuros entram vagarosamente no local vindas dos lados dos espectadores.” (idem, p. 542) (ii) em segundo lugar, os advérbios de tempo e de lugar que, sendo mais livres, podem colocar-se antes ou depois do verbo: “De manhã, acordei cedo. Hei-de atirar com esse tipo de cá para fora.” (Idem, p.542) (iii) finalmente, o advérbio de negação, que ocorre, em português, à esquerda do verbo. Se não se nos afigura pertinente descrever aqui exaustivamente o conteúdo do capítulo dedicado ao advérbio na obra referida - que inclui a descrição do comportamento dos advérbios nos seus diferentes graus, ou de alguns 22 comportamentos particulares de certos advérbios - parece-nos porém oportuno referir algumas questões que se levantam em resultado da análise ou da descrição que este autores apresentam do advérbio. Como referímos já, a análise da colocação dos advérbios não pretende estabelecer uma relação com a classificação semântica apresentada. Assim, e dada essa análise, podemos por exemplo perguntar: (i) se muito se coloca antes do adjectivo quando com ele co-ocorre, onde se coloca quando co-ocorre com o verbo? (ii) qual a posição dos advérbios de dúvida? Além disso, no caso específico dos advérbios de tempo e de lugar, a descrição apontada pelos autores não é explícita em relação aos casos em que o advérbio ocorre antes e depois do verbo, bem como não indica se essa alternância de posição é livre e se resulta numa alteração semântica. Considerando um exemplo referido pelos autores: (1) “Aqui outrora retumbaram hinos.” onde ocorre um advérbio de lugar (aqui) e um de tempo (outrora), nada é dito relativamente à possibilidade de os referidos advérbios ocuparem distintas posições sem que daí advenham alterações relevantes de significado: (2) a. Aqui retumbaram outrora hinos. b. Aqui retumbaram hinos outrora. c. Outrora retumbaram aqui hinos. d. Outrora retumbaram hinos aqui. 23 Do mesmo modo, também nada é dito relativamente à posição preferencial que alguns advérbios de tempo exibem. Cedo, nomeadamente, é um dos advérbios de tempo que dificilmente pode ocorrer antes do verbo: (3) a. “De manhã, acordei cedo” b. Hoje, o João saiu cedo. c. O despertador tocou cedo. As observações que referímos vão no sentido de mostrar a grande necessidade de se fazer uma análise dos advérbios combinando critérios semânticos e sintácticos, o que não acontece na gramática de Cunha & Cintra. 2.6. Conclusões A análise/consulta destas cinco gramáticas tradicionais permite-nos concluir, em primeiro lugar, que não é possível, com base nelas, estabelecer uma tipologia dos advérbios considerando elementos morfológicos, sintácticos e semânticos. Além disso, nenhuma delas, independentemente da perspectiva que adopta (filosófica, histórica, didáctica ou outra), consegue estabelecer um quadro de análise mais ou menos exaustivo da classe dos advérbios. Um dos principais pontos que parecem não ficar esclarecidos em todas estas gramáticas é o de distinguir entre a classe advérbio e a função adverbial. Tomando como exemplo a gramática de João de Barros, é claro que o autor considera a classe do advérbio ao assumir que ele é uma das nove partes da 24 oração; no entanto, no mesmo parágrafo aproxima-se o nome desta categoria advérbio (adverbum) da categoria verbal por esta ser frequentemente modificada pelo primeiro. Em Soares Barbosa, por outro lado, o advérbio é encarado principalmente do ponto de vista funcional, capaz de modificar tudo o que possa ser modificado, e não como uma das seis partes da oração.1 Nas gramáticas históricas a preocupação em descrever a evolução diacrónica das formas adverbiais conduz, necessariamente, a um afastamento da distinção classe vs. função adverbial. Também na mais recente das gramáticas analisadas (Cunha & Cintra (1984)) a distinção que aqui discutimos não é apresentada como questão crucial. A categoria advérbio é caracterizada por oposição à locução adverbial. No entanto, o objectivo sempre presente de fornecer critérios de correcção conduz a uma distinção basicamente semântica de classes onde se incluem advérbios e locuções adverbiais. Em termos de função também aqui o advérbio é apresentado como um típico modificador do verbo, e potencialmente do adjectivo, de outro advérbio ou de toda a oração. O modo como estas ‘classes’ são modificadas pelo advérbio não é explicitado, no sentido de registar os diferentes comportamentos e aplicações consoante modifica um adjectivo, um advérbio ou uma oração. Dado que a função crucial do advérbio admitida pelos gramáticos é a de modificar o verbo, seria talvez de esperar que nos oferecessem uma análise em que a sintaxe e a semântica dos verbos estabelecesse uma dada relação com a dos advérbios. Da observação dessa relação resultaria, sem dúvida, um melhor conhecimento do comportamento das duas categorias implicadas, nomeadamente 1 O facto de o número de partes da oração em João de Barros e Soares Barbosa ter uma diferença aritmética de três classes, pode apontar ou ser um indício de uma perspectiva mais funcional e 25 das suas compatibilidades e restrições de ocorrência. De facto isso não acontece. Embora o verbo possua um papel de destaque na sintaxe e na semântica do advérbio, essa importância não é visível nas análises apresentadas. Sabendo-se que existem classificações que distribuem os verbos por classes sintáctico- semânticas, e sendo estes, além disso, marcados morfologicamente, nomeadamente com marcas de tempo e de aspecto, seria interessante encontrar, numa classificação dos advérbios, uma aproximação, por exemplo, entre advérbios de tempo e as várias formas temporais que um dado verbo pode adquirir; isto é, ver explicitado de alguma forma como é que o tempo dos advérbios (de tempo) se articula com o tempo das formas verbais2. Por outro lado, e aceitando uma classificação de predicados onde se distinguem estativos, eventivos, processuais, etc. (considerando também que possam existir subclasses dentro destas), deveríamos poder estabelecer como é que um verbo de uma dada classe se conjuga com um determinado advérbio3. Em suma, a análise das referidas gramáticas leva-nos a concluir que o que falta na análise dos advérbios é estabelecer clara e explicitamente de que forma(s) menos categorial em Soares Barbosa. 2 Uma análise integrada dos advérbios deveria explicar como é que os advérbios, neste caso advérbios de tempo, se articulam com os tempos verbais impedindo por exemplo que se produzam frases como: *Amanhã fui à praia. e permitindo frases como: Amanhã vou à praia. 3 Ou seja, porque é que não podemos usar um verbo que denota mudança de estado (como morrer) modificado por um advérbio de quantidade (como muito), mas podemos usar este verbo com um advérbio que denote tempo, por exemplo. (i) a. *Ele morreu muito. b. Ele morreu ontem. Contrariamente, verbos do tipo de “comer” são compatíveis com advérbios de quantidade, mas na sua forma intransitiva (sem o complemento expresso) só de forma marcada aceitam advérbios de tempo: (ii) a. Ele comeu muito. b. ??Ele comeu ontem. c. Ele comeu depressa. 26 eles interagemcom as restantes categorias lexicais ou sintácticas, ao nível do significado e da posição que ocupam na frase. O principal objectivo do capítulo seguinte é reunir análises mais técnicas, de um ponto de vista teórico, do comportamento do advérbio, sempre com o propósito de atingir uma descrição cada vez mais exaustiva e um explicação clara e unificadora dos elementos daquela classe. 27 28 3. Diferentes perspectivas Depois de analisadas várias gramáticas representativas da tradição gramatical portuguesa, e tendo constatado que as questões pertinentes, relativamente aos advérbios, não encontram em nenhuma delas resposta adequada, é talvez o momento para nos determos na apreciação de alguns trabalhos teoricamente mais sofisticados, na esperança de neles encontrar pistas para uma análise dos advérbios em português. A organização do presente capítulo é orientada por um fio cronológico que no quadro da gramática generativa corresponde a várias etapas de evolução. Começaremos por Jackendoff (1972), na fase do transformacionalismo onde as diferentes estruturas de superfície são o resultado da aplicação de distintas regras. A análise de Casteleiro (1982), a seguir, que se inscreve ainda no período do transformacionalismo. Depois com Pollock (1989), Ambar (1989) e Belletti (1990), analisaremos duas propostas enquadradas nos últimos anos da teoria do governo e da ligação, constinuada posteriormente pelo programa minimalista onde se desenvolve e enquadra a análise de Cinque (1993), Laenzlinger (1993) e Costa (1996). 3.1. Jackendoff (1972): As posições típicas dos advérbios de VP e dos advérbios de frase. Partindo da escassa literatura e pesquisa feitas, na época, sobre os advérbios, este autor tenta compreender a causa dessa situação. A variedade de 29 funções sintácticas e semânticas que os advérbios, em geral, desempenham é apontada como um dos factores responsáveis por essa situação mais grave antes da introdução de informação semântica ao nível do tratamento do léxico. A partir do momento em que a teoria linguística passa a assumir uma componente sintáctica e uma componente semântica representadas no léxico por meio de traços, a subdivisão em classes das várias categorias passa a ser feita com base em traços lexicais sintácticos e semânticos e já não por regras estruturais. Porém, tal procedimento não é simultâneo para todas as categorias e os advérbios continuam a subdividir-se em classes exclusivamente estruturais. Como referidos pelo autor, os resultados desta evolução são não só o admitir estruturas subjacentes muito distintas para adverbiais idênticos, mas também o acreditar que o advérbio é apenas uma noção de estrutura de superfície sem interferência na sintaxe e semântica da estrutura subjacente ou profunda. Com base neste estado de coisas, o objectivo do autor neste trabalho é o de mostrar as contribuições de todo o tipo de adverbiais para a interpretação semântica das frases, independentemente das diferentes regras estruturais. Assumindo o pressuposto de que todos os itens lexicais têm uma interpretação semântica, abandona a classificação dos advérbios assente em critérios apenas sintácticos, e procura mostrar que as semelhanças existentes entre a estrutura semântica de alguns advérbios e os adjectivos correspondentes resulta da partilha de propriedades lexicais idênticas. Abandona também a perspectiva transformacionalista para optar pela hipótese de que os advérbios são gerados na base. Considerando os dados do inglês, o autor propõe seis subclasses de advérbios que estabelece de acordo com a possibilidade de ocorrerem nas três 30 posições que assume - a saber: posição inicial, posição final sem pausa e posição de auxiliar, entre o sujeito e o verbo principal - , bem como de registarem ou não alterações de interpretação nas várias posições. A primeira subclasse considerada caracteriza-se por poder ocupar as três posições descritas com uma consequente mudança de significado, que pode variar entre uma interpretação de modo e uma interpretação orientada para o sujeito: (4) a. John cleverly/ clumsily dropped his cup of coffee. b. Cleverly/clumsily (,) John dropped his cup of coffee. c. John dropped his cup of coffee cleverly/clumsily. Ao contrário do inglês em português parece ser impossível a ocorrência dos advérbios correspondentes em posição inicial e final sem serem precedidos de pausa, assim como a interpretação de modo: (5) a. O João inteligentemente/desastradamente deixou cair o café. b. Inteligentemente/desastradamente *(,)o João deixou cair o café. c. O João deixou cair o café *(,) inteligentemente/desastradamente. A segunda subclasse de advérbios é caracterizada pela possibilidade de ocorrerem em todas as posições sem alteração de significado. Relativamente ao português, e embora não haja também alteração na interpretação de modo, parece, no entanto, haver diferentes domínios de escopo para o advérbio nas várias posições, que resultam numa interpretação de modo orientada para o sujeito da 31 enunciação, para o sujeito gramatical ou para a acção expressa pelo predicado verbal. (6) a. Rapidamente o João leu o livro. b. O João rapidamente leu o livro. c. O João leu rapidamente o livro. d. O João leu o livro rapidamente. A terceira subclasse de advérbios apresentada pelo autor, define-se pela possibilidade de ocorrer em posição inicial, em posição de auxiliar e posição final com pausa, de que são exemplo evidently, probably. (7) a. Evidently/probably, Horatio has lost his mind. b. Horatio has evidently/probably lost his mind. c. * Horatio has lost his mind evidently/probably. d. Horatio has lost his mind, evidently/probably. Neste caso o único contraste com o português reside no facto de, nesta última língua4, quando o advérbio ocupa uma posição entre o auxiliar e o verbo principal as frases serem mais estranhas, ao contrário do que se verifica em inglês. A quarta classe de advérbios compreende aqueles que apenas podem ocorrer em posição final e de auxiliar: completely, easily. 4 Em português, dependendo dos elementos intervenientes nos vários exemplos as frases podem ser completamente gramaticais ou marginais. No entanto, se este comportamento se verifica com frequência com os advérbios a ocuparem a posição entre auxiliar e verbo principal, o mesmo não se verifica nas restantes posições. 32 (8) a. *Completely/easily Stanley ate his wheaties. b. Stanley completely/easily ate his wheaties. c. Stanley ate his wheaties completely/easily. Mais uma vez o contraste existe com os dados do português. O advérbio facilmente pode ocorrer em posição inicial e em posição medial o que não acontece com o advérbio completamente, como em inglês. (9) a. Facilmente/ * completamente o João comeu o bolo. b. O João facilmente/ *completamente comeu o bolo. c. O João comeu facilmente/completamente o bolo. d. O João comeu o bolo facilmente/completamente. Assim, relativamente a esta quarta classe de advérbios, o português (e talvez também outras línguas) dispõe de dados que sugerem a necessidade de a dividir em mais subclasses. Com efeito, constituindo exemplos equivalentes aos exemplos do autor (3.11, 3.12 e 3.13), constatamos que, para além das diferenças já referidas, em português, ao contrário do inglês, não é possível a ocorrência de um advérbio como completamente em posição medial (entre sujeito e verbo), embora seja possível entre verbo e complemento, o que não se verifica em inglês por razões que Pollock (1989) retoma. Porém, Jackendoff não refere nem fornece dados do inglês que mostrem a possibilidade de ocorrência de advérbios como completamente nas posições 33 características desta classe no contexto de outro tipo de predicados,nomeadamente de verbos do tipo de “comprar”. Assim, aquilo que observamos em português é que não só a ocorrência do advérbio completamente é impossível entre o sujeito e o verbo, no caso do verbo “comer”, como é impossível em qualquer outra posição se o verbo for “comprar”. (10) a. O João comeu completamente o bolo b. O João comeu o bolo completamente. c. *O João comprou completamente o bolo. d. *O João comprou o bolo completamente. A quinta subclasse referida é constituída pelos advérbios que só ocorrem em posição final como well. (11) a. * Well Sam did his work. b. * Sam well did his work. c. Sam did his work well. Neste caso, o contraste com o português consiste na possibilidade de nesta língua o advérbio correspondente, bem, poder ocorrer em posição pós-verbal, mantendo-se a semelhança com o inglês relativamente às posições inicial, pós- sujeito e final. (12) a. * Bem fez o João o trabalho. 34 b. * O João bem fez o trabalho.5 c. O João fez bem o trabalho. d. O João fez o trabalho bem. Note-se, também, que a possibilidade de advérbios como bem ocorrerem em posição final em português está intimamente ligada com a complexidade do NP objecto, ou mais precisamente com o seu carácter “pesado” (“heavy NP shift”). Assim, em construções cujo complemento é modificado por uma frase, a posição preferencial do advérbio é a posição imediatamente pós-verbal. (13) a. ?? O João fez [o trabalho [que tu lhe pediste a semana passada]] bem. b. O João fez bem [o trabalho [que tu lhe pediste a semana passada]]. Finalmente, a última classe de advérbios definida em Jackendoff (1972) compreende os que apenas podem ocorrer em posição de auxiliar, como truly, merely e simply. (14) a. Albert is simply being a fool. b. * Simply is Albert being a fool. c. *Albert is being a fool simply. Também nesta subclasse se verificam contrastes com o português. Além 5 A agramaticalidade desta frase verifica-se na interpretação de modo que estamos a 35 da posição de auxiliar que caracteriza a classe, os correspondentes advérbios em português podem ocupar também a posição final se precedida de pausa. (15) a. O João é simplesmente um tolo. b. * Simplesmente o João é um tolo. c. * O João é um tolo simplesmente. d. O João é um tolo, simplesmente. Relativamente à posição de auxiliar (entre sujeito e verbo), o facto de todos os advérbios com sufixo -ly poderem aí ocorrer aponta para a possibilidade de essa ser uma posição subjacente. Além disso, com base nessa hipótese, o autor pode aproximar a relação que os referidos advérbios parecem manter com o núcleo da oração (Aux)6, da relação que em Chomsky (1970) se assume existir entre um adjectivo e o nome que ele modifica. No que respeita à posição final de advérbios sem o sufixo -ly, o autor segue Klima (1965) onde os advérbios são analisados como preposições intransitivas, sendo gerados basicamente na posição normal das preposições. Para o caso dos advérbios -ly existem, aparentemente, duas possibilidades. Uma consiste em considerar também a hipótese das preposições intransitivas, a outra consiste em postular uma transformação que mova o advérbio da posição de auxiliar para dentro do VP. A opção do autor vai ser a primeira, geração básica do advérbio em posição final, porque também dá conta de casos em que o verbo selecciona um advérbio. Por essa razão, a primeira hipótese é menos pesada para considerar, embora com uma outra interpretação a frase seja gramatical. 6 Recorde-se que na altura “Aux” compreendia aquilo que hoje denominamos de FLex. 36 o sistema transformacional. O problema que se poderá colocar é o de saber como é que semanticamente se distingue um advérbio gerado em posição final, apenas porque aí ocorre superficialmente, de um advérbio que é gerado em posição final porque é seleccionado pelo verbo. Por último, no que respeita à posição inicial, em face das duas hipóteses anteriormente referidas, o autor opta, neste caso, pela geração transformacional devido ao reduzido número de advérbios que aí ocorrem. A geração básica em posição inicial iria resultar num aumento de regras transformacionais que explicassem que a maioria dos advérbios não pode ocupar tal posição. Além das três posições assumidas, o autor reconhece também a possibilidade de alguns advérbios ocorrerem dentro do VP em posições distintas daquelas. Essas posições são explicadas recorrendo à convenção da transportabilidade proposta por Keyser (1968) que marca determinados elementos com um traço extra, [+ transportável], só aplicável a advérbios dominados por S dado que os dominados por VP são seleccionados não podendo por isso mover-se livremente. Em termos de interpretação semântica, a opinião do autor vai no sentido de considerar os advérbios orientados para o sujeito locutor ou para o sujeito da frase como dominados por S. Assim, as posições que define como típicas deste grupo são a posição inicial, a posição de auxiliar e a posição final com pausa: (16) a. Evidently John ate the beans. b. John evidently ate the beans. 37 c. John ate the beans, evidently. Relativamente aos advérbios com interpretação de modo, o autor considera-os dominados por VP podendo ocorrer em posição final sem pausa e em posição de auxiliar. Neste caso resulta uma ambiguidade estrutural entre uma interpretação de modo e uma interpretação orientada para o falante ou para o sujeito: (17) a. John ate the beans completely. b. John completely ate the beans. Quando em presença de um verbo modal ou de um verbo auxiliar, os advérbios de VP distinguem-se dos de S pela possibilidade de só os últimos ocorrerem em posição pré-auxiliar. Não havendo nenhuma restricção relativamente à posição posterior a estes auxiliares ou modais: (18) a. George probably has read the book. b. *George completely has read the book. c. George has probably read the book. d. George has completely read the book. No caso de existirem dois auxiliares ou modais a ocorrência de um advérbio de S entre eles é preferencial dada a sua propriedade de transportabilidade. Pelo contrário, quando o advérbio ocorre depois de dois 38 auxiliares apenas pode ser um advérbio dominado por VP. (19) a. George will probably have read the book. b. ?/*George will completely have read the book. c. *George will have probably read the book. d. George will have completely read the book. O trabalho de Jackendoff (1972), como pudemos observar, reveste-se de grande importância não só por apresentar a análise de um grande número de advérbios do inglês, mas também por constituir uma primeira abordagem aliando a informação lexical de cada advérbio e as características sintácticas das estruturas onde eles ocorrem. 3.2. Casteleiro (1982): “Análise gramatical dos advérbios de frase” O objectivo do trabalho deste autor é estabelecer uma classificação dos advérbios de frase. No seu entender, o que define o advérbio de frase é a possibilidade que tem de transmitir a opinião do sujeito falante. Além disso, os advérbios de frase têm a particularidade de se comportarem como predicados ou modificadores de toda a frase. Relativamente à caracterização geral que faz do grupo dos advérbios de frase, Casteleiro (1982) destaca quatro propriedades básicas: • a possibilidade de os advérbios ocorrerem em posição inicial, em posição medial e em posição final; 39 • os advérbios de frase podem constituir resposta a interrogativas totais, contrastando com advérbios locativos, temporais e processuais de modo que apenas podem constituir resposta a interrogativas parciais; (exs.(8)e (9) de Casteleiro (1982)) (20) a) - Então o sismo não provocou estragos ? - Felizmente. b) - Então o colóquio vai ser adiado ? - Provavelmente. • os advérbios de frase, ao contrário dos advérbios locativos, de tempo e de modo, não podem ocorrer em estruturas enfáticas marcadas com é que; • também por oposição aos advérbios de tempo, de lugar e de modo, estes advérbios não podem ocorrer em estruturas de foco com senão. Após a classificação geral que referímos, o autor apresenta quatro subclasses de advérbios de frase com as respectivas propriedades sintáctico- semânticas. Em primeiro lugar refere a classe dos advérbios emotivos cuja função primordial é transmitir a opinião subjectiva do falante relativamente à oração que acompanha os advérbios. Neste grupo inclui advérbios como afortunadamente, estranhamente, (in)felizmente, lamentavelmente e surpreendentemente. Estes advérbios caracterizam-se, principalmente por não ocorrerem em frases interrogativas nem imperativas. Pelo contrário, ocorrem frequentemente em estruturas exclamativas que introduzem factos reais. A segunda subclasse de advérbios que considera é a dos advérbios modais, 40 que são responsáveis por transmitir a pressuposição do falante relativamente à veracidade da proposição que introduzem. A esta classe pertencem advérbios como aparentemente, certamente, evidentemente, naturalmente, presumivelmente, possivelmente, provavelmente e verosimilmente. Relativamente às propriedades sintáctico-semânticas, estes advérbios caracterizam-se, basicamente, por não disporem de uma forma negativa correspondente, pela impossibilidade de ocorrerem em frases interrogativas, bem como pela possibilidade de ocorrerem em estruturas hipotéticas. A terceira classe, a dos advérbios pragmáticos, é a que, segundo o autor, agrupa advérbios que permitem ao falante fazer a caracterização do que diz em termos de conteúdo ou de forma. Assim, os advérbios que caracterizam o conteúdo são do tipo de francamente, honradamente, honestamente, lealmente, sinceramente e verdadeiramente. Os advérbios que caracterizam a forma são abreviadamente, brevemente, concisamente, concretamente, grosseiramente, laconicamente, lapidarmente, resumidamente, etc. No que toca às propriedades consideradas pelo autor, este terceiro grupo é caracterizado principalmente por aceitar a forma do gerúndio falando a anteceder o advérbio (falando lealmente, falando resumidamente, etc.) e por aceitar a paráfrase de um ponto de vista + adjectivo. Além disso, não aceitam as construções negativas correspondentes, como exemplificado abaixo. (ex. (56) de Casteleiro (1982)): *Desonestamente, os jornais não prestaram atenção ao assunto. 41 Finalmente considera os advérbios sectoriais que restringem a uma dada área do saber o valor da oração que introduzem. Neste grupo encontramos advérbios como psicologicamente, esteticamente, filosoficamente, geograficamente, literariamente, matematicamente, moralmente, politicamente, etc. Os advérbios deste grupo, relativamente a propriedades, também aceitam a forma do gerúndio falando, podem co-ocorrer com frases interrogativas, mas não permitem uma forma negativa. Em resumo, a análise do autor, embora se socorra de propriedades maioritariamente sintácticas, resulta numa classificação primordialmente semântica. As classes resultantes desta classificação partilham propriedades importantes que o autor ordena e organiza, pelo que nos parece ser este trabalho de grande importância como ponto de partida para uma análise sintáctica globalizante dos advérbios de frase. 3.3. Pollock (1989): A divisão de Infl(ection) em Agr(eement) e T(ense). O trabalho de Pollock (1989) consiste em mostrar como se processa o movimento do verbo em francês e inglês partindo da ideia de que os traços morfológicos tradicionalmente integrados em Infl têm naturezas diferentes, pelo que devem ocupar projecções independentes (TP e AgrP). A análise distribucional de pares de frases do francês e do inglês leva Pollock a concluir que o comportamento dos verbos, no que respeita à subida para 42 Infl, é diferente nas duas línguas em análise. Deste modo, em estrutura de superfície, a posição que um advérbio ocupa em francês, relativamente ao verbo, é oposta à que ocupa o advérbio equivalente em inglês. (21) a. Jean embrasse souvent Marie. b. *Jean souvent embrasse Marie. c. *John kisses often Mary. d. John often kisses Mary. Como mostram os exemplos de Pollock o contraste entre estas duas línguas resulta da exigência de o advérbio ocupar a posição pós-verbal e pré- verbal, respectivamente em francês e em inglês. Do mesmo modo, e se for adoptada a análise de Kayne (1975) segundo a qual os quantificadores se movem para posições adverbiais, os dados das duas línguas relativamente aos quantificadores parecem apontar para a mesma linha de análise: (22) a. *My friends love all Mary. b. Mes amis aiment tous Marie. c. My friends all love Mary. d. *Mes amis tous aiment Marie. Esta assimetria verificada nas duas línguas em contextos idênticos é 43 explicada em Pollock pela possibilidade que existe em francês de qualquer verbo subir para Infl, o que apenas está disponível em inglês para os verbos auxiliares. Em termos teóricos a explicação do autor passa por defender que o nó Agr(eement) em inglês tem um carácter mais fraco que em francês (é [- transparente] ou opaco, nos termos de Pollock) impedindo, desse modo, um verbo com grelha temática movido para Infl de atribuir papel-θ ao seu argumento interno. Por oposição, em francês, o carácter mais forte ([+transparente], menos opaco) de Agr(eement) permite a qualquer verbo atribuir papel-θ ao argumento seleccionado. Relativamente aos advérbios, assunto em análise, o trabalho de Pollock aponta para que a posição de advérbios como souvent e often (frequentemente) seja antes de VP ou em posição inicial de VP em estrutura-P para que possam resultar as seguintes ordens em superfície: V Adv em francês depois do movimento de qualquer verbo; Adv V em inglês sem movimento de verbos lexicais. Para confirmar a sua hipótese o autor recorre a exemplos com negação dupla: (23) a. Pierre n’a rien mangé. b. *Pierre n’a mangé rien. c. Pierre ne mange rien. d. *Pierre ne rien mange. 44 Assim, os exemplos mostram que num contexto de tempos compostos, rien só pode ocorrer entre o verbo auxiliar e o verbo principal, verificando-se, desse modo, o movimento do verbo auxiliar em francês. No caso de tempos simples, rien só pode ocorrer depois do verbo principal, caso em que se verifica também o movimento do verbo. O comportamento do português, em casos idênticos aos das línguas analisadas em Pollock (1989), parece apontar para a necessidade de uma explicação “mista”, quer no contexto dos advérbios, quer no contexto dos quantificadores. (24) a. O João beija frequentemente a Maria. b. O João frequentemente beija a Maria. c. Os meus amigos amam todos a Maria. d. Os meus amigos todos amam a Maria. De acordo com a análise de Pollock, em português o verbo deve poder mover-se (a e c) ou não (b e d) para Infl não havendo agramaticalidade em nenhum dos casos. A aplicação ao português da análise proposta para o inglês e o francês coloca a questão de saber então o que é que marca a opcionalidade de movimento do verbo em português. De notar, no entanto, que a estrutura mais corrente em português é aquela em que, segundo a análise de Pollock, existe movimento do V para Infl. 45 Relativamente ao inglês e francês, a estrutura de superfície com tempos compostos é idêntica: Aux Adv V • em francês porque todos os verbos podem subir; • em inglês porque só o auxiliar pode subir. A questão coloca-se, novamente, em relação ao português que não permite o advérbio entreo verbo auxiliar e o verbo principal. (25) a. ??O João tem frequentemente beijado a Maria.7 b. John has often kissed Mary. c. Jean a souvent embrassé Marie. Do mesmo modo não permite que um constituinte negativo ocorra entre o verbo auxiliar e o verbo principal em tempos compostos: (26) a. *O Pedro não tinha nada comido. b. O Pedro não tinha comido nada. c. O Pedro não comeu nada. Se, como o autor defende, rien (nada) não se pode mover para a esquerda de um verbo flexionado, então o português aponta para a existência de um terceiro padrão de línguas. Nestas, não só o auxiliar mas também o particípio passado tem 7 Relativamente à posição pós-verbo auxiliar de alguns advérbios verificamos que nem sempre é fácil decidir sobre o grau de gramaticalidade das estruturas. O juízo de gramaticalidade apresentado é pois disso resultado. 46 flexão, razão pela qual quer o auxiliar quer o verbo principal (particípio) têm obrigatoriamente de se mover nos tempos compostos. Em resumo, os três padrões de línguas serão: - o padrão do inglês em que só verbos auxiliares, como have e be, se movem para Infl dado o carácter opaco de Agr; - o padrão do francês em que apenas se movem os verbos auxiliares nos tempos compostos; - finalmente, o padrão do português onde verbos auxiliares e verbos principais, sob a forma de particípios, têm obrigatoriamente de se mover nos tempos compostos. Alternativamente, uma outra explicação para a subida do verbo e/ou para a distribuição dos advérbios tem de ser encontrada. A secção seguinte apresentará argumentos que, com base nos dados de uma língua que não o inglês ou o francês, apoiam outra explicação para este fenómeno. 3.4. Ambar (1989): Subida do verbo, posição do sujeito e dos advérbios Com base em estruturas com alteração da ordem canónica do sujeito relativamente ao verbo, a autora propõe-se apresentar argumentos a favor da ideia de que existe na gramática um movimento sistemático do verbo para a direita. A partir da análise de estruturas interrogativas qu- do tipo abaixo exemplificado (exs. (1), (2) e (5) de Ambar (1989), respectivamente) : 47 (27) a. Que prémio ganhou esse actor? b. Que prémio esse actor ganhou ? (28) a. Que ganhou esse actor ? b. *Que esse actor ganhou ? (29) a. Que tem esse actor ganho ? b. Que tem ganho essa actor ? (30) Que ofereceu o Pedro à Maria ? e assumindo que a estrutura dos constituintes qu- interrogativos inclui uma cabeça nominal, a autora defende que só a presença de uma categoria regente em Cº pode evitar a agramaticalidade de (28b). Assim, na sua análise a possibilidade de movimento cabeça a cabeça permite ao verbo ocupar a cabeça da projecção em cujo Spec ocorre o Qu- com o N vazio. Sobretudo frases como as de (29a) e (30) constituem argumento a favor da hipótese da autora na medida em que a presença do NP sujeito entre o verbo auxiliar e o particípio passado do verbo principal dificilmente pode ser explicada com base no movimento deste NP para a direita como defendido em Kayne e Pollock (1978). A existir, tal movimento teria como efeito quebrar um constituinte verbal complexo ao introduzir-se o sujeito entre o V auxiliar e o V principal., (cf. (29a), ou entre o V principal e o seu complemento (cf. (30)). 48 É assim que ganha força a ideia do movimento do verbo para uma posição superior à sua posição básica, em detrimento de um movimento do NP sujeito para uma posição abaixo daquela onde é gerado. Contudo, se as frases com interrogativas Qu-, acima exemplificadas, parecem apontar no sentido do movimento do verbo para Cº, o caso complica-se perante estruturas com um advérbio como a seguinte: (31) Penso que finalmente comprou o Pedro o jornal.8 Seguindo a proposta inicial para as interrogativas Qu-, a autora é levada a analisar a possibilidade de uma estrutura em que o advérbio ocorreria em Cº com o complementador e com o verbo movido. Vai, no entanto, rejeitar esta hipótese porque nem mesmo assumindo que complementador e verbo formam um complexo descontínuo conseguiria explicar como é que o advérbio ocorre no meio desse complexo. Da mesma forma, mas por razões diferentes, rejeita também uma segunda hipótese que faz apelo ao movimento impróprio de adjunção de categorias Xº a projecções máximas (pela adjunção do V e do advérbio a IP). Outra das hipóteses sugeridas pela autora é considerar que o advérbio é gerado em Spec de CP dado que alguns advérbios aparentemente aí são gerados (exs. (26) de Ambar (1989): (32) a. Evidentemente que o Pedro gosta de cinema. 8 A gramaticalidade desta frase depende, como refere a autora, de um valor de foco sobre o constituinte o Pedro. 49 b. Felizmente que ele não se apercebeu da situação. Mas se (32) é perfeitamente gramatical o mesmo não podemos dizer de (33). (ex. (28) de Ambar (1989)): (33) a. *Penso que evidentemente que o Pedro gosta de cinema. b. *O Pedro pensa que felizmente que ele não se apercebeu da situação. pelo que é abandonada a proposta de geração de base do advérbio em Spec de CP. Alternativa a considerar que o advérbio é gerado em Spec de CP é admitir, como muitos outros autores, que o sujeito é gerado dentro do VP como especificador. Assim sendo, a posição de Spec de TP seria uma posição disponível, por exemplo, para os advérbios e facilmente se poderia derivar a ordem de estruturas como (31) . Considerando a representação da frase proposta por Pollock (1988) (34) TP NP T’ T AGR’ AGR VP V AGR’ 50 VP V NP a autora questiona a razão de AGR não ser cabeça de uma projecção máxima e propõe assumir-se uma uniformização da teoria X’. Desta uniformização resulta que AGR passa a ser uma cabeça que projecta uma projecção máxima contemplando agora uma posição Spec disponível para o movimento do sujeito. Desta forma, e se se aceitar a necessidade de um movimento do sujeito para este Spec como explicação para o fenómeno de concordância nas línguas, ao assumir que advérbios como os de tempo ocupam a posição de Spec da categoria TP assume-se, consequentemente, a existência da mesma relação de concordância para os advérbios. Além disso, e tratando-se de uma relação prevista pela teoria, espera-se que esteja também disponível a posição de Spec de outras categorias para outros advérbios. É neste sentido, e admitindo a existência de várias subclasses de advérbios nas línguas, que a autora propõe que o advérbio seja basicamente engendrado na posição de Spec das várias categorias que modifica. Deste modo, como defende, poderíamos explicar a existência de distinções semânticas na classe dos advérbios através da relação de adjacência que eles mantêm com as cabeças que modificam. As posições naturais, que, em superfície, surgem sem pausa, são as de Spec da categoria modificada; as posições marcadas, as que, em superfície, se fazem acompanhar de pausa, são as posições de adjunção à projecção máxima cuja cabeça o advérbio modifica. 3.5. Belletti(1990): A subida do verbo em italiano. 51 O objectivo do trabalho de Belletti(1990), Generalized Verb Movement. Aspects of Verb Syntax, consiste principalmente em comprovar a necessidade da existência de movimento sistemático do verbo, como já anteriormente sugerido, por exemplo, em Pollock (1989) e Ambar (1989) para explicar alguns fenómenos sintácticos. Na primeira parte do referido trabalho a autora parte do pressuposto de que existe em italiano um movimento sistemático da cabeça verbal (verbo) para a cabeça flexional mais alta. Com esta proposta procura-se determinar a posição básica de diferentes advérbios. Em primeiro lugar, propõe uma estrutura de frase idênticaà de Pollock (1989), no sentido em que também assume a existência da divisão de Infl em AGR e T. Porém, e considerando dados do italiano, língua morfologicamente mais rica do que o inglês, Belletti (1990) defende que o movimento sucessivo do verbo deve encontrar um reflexo directo na ordem dos afixos verbais. Para isso é necessário que seja AGR a c-comandar T na estrutura da frase, uma vez que nas formas flexionadas de qualquer verbo, o último afixo (desinência) a juntar-se ao radical é o de concordância (AGR(eement)). No que respeita à posição relativa da negação, a autora distingue advérbios negativos de negação propriamente dita. As questões que se colocam relativamente à negação e aos advérbios negativos dizem respeito à posição que ocupam na estrutura da frase, quer se considere a estrutura-P quer a estrutura-S. Em Pollock (1989) é proposta a existência de uma projecção NEGP entre AGRP e TP. De acordo com os dados em análise no trabalho de Belletti a cabeça daquela projecção seria ocupada por non no italiano, da mesma forma que Pollock 52 propõe que ne a ocupe em francês. A posição de especificador dessa projecção NEGP seria a indicada para os (já referidos) advérbios negativos, pressupondo também que a cabeça da negação teria, de alguma maneira, um carácter clítico que a faz mover-se com o verbo. Depois de assumida a projecção NEGP com ne e non como cabeça e os advérbios negativos como especificadores, de acordo com Belletti (1990) o que distinguiria as duas línguas seria a possibilidade ou obrigatoriedade de preenchimento da posição de especificador de NEGP em italiano e francês, respectivamente. (35) a. Gianni non parla più. (Belletti (1990), (8)a) b. Maria non rideva ancora. (Belletti (1990), (8)b) c. Lui non diceva mai la verità. (Belletti (1990), (8)c) (35) AGRP NP AGR’ AGRº NEGP NEG T ADV NEG’ più NEGº TP mai non ancora T’ Tº VP V 53 A derivação das frases de (35) resulta, na análise da autora, de três movimentos. Um primeiro que move non para AGR, seguido do movimento de V para T e do subsequente movimento de T, incorporando o V, para AGR. Quando se trata da negação com tempos compostos, temos duas situações distintas. Por um lado, o caso em que a negação não é reforçada por um advérbio negativo e em que se verifica um comportamento idêntico ao verificado com os tempos simples (subida do Aux para AGR). Por outro lado, o caso em que a negação é composta pela partícula de negação propriamente dita e por um advérbio negativo, existem então duas situações possíveis com tempos compostos, como mostra a autora. Assim, pode resultar a ordem: (37) Aux Advneg Particípio através da subida do particípio até AgrOP e do Aux até AGRP mais alto, ocupando o advérbio uma posição entre os dois. (38) (representação (18/19) de Belletti (1990)) AGRP NP AGR’ AGRº NEGP 3 pers più NEG’ sing NEGº TP non 54 TP T’ Tº AUXP pres AUX AGRP avere AGR’ AGRº VP -t(o) VP V’ Vº parla- A alternativa seria: (39) Aux Particípio Advneg uma ordem marcada para alguns falantes do italiano. (40) a. Gianni non há parlato più. (Belletti (1990), (14)a) b. Maria non è uscita mai. (Belletti (1990), (14)ba) c. I ragazzi non hanno incontrato ancora i loro amici. (Belletti (1990), (14)c) 55 Contrastivamente, o português parece dispor apenas desta ordem com tempos compostos, como já havíamos referido em 3.3.9. Para derivar esta última ordem possível Belletti propõe duas hipóteses: - ou se verifica uma incorporação do particípio no auxiliar movendo-se ambos para AGR mais alto; - ou a posição que o advérbio negativo ocupa é outra, possivelmente em início de VP como acontece com outros advérbios. Considerando a primeira hipótese, a ordem Aux Particípio Adv será sempre possível se o advérbio ocupar uma posição abaixo de AGRO. Com a segunda hipótese, prediz-se que seja possível a ordem Aux Particípio Adv se o advérbio ocorrer numa posição abaixo de AGRO; se isto não se verificar a ordem resultante será sempre Aux Adv Particípio. De facto, a autora refere contextos do francês que apoiam a ideia de os advérbios negativos poderem ser gerados numa posição mais baixa do que Spec de NEGP. Assim, e assumindo que pas em francês ocupa a posição de Spec de NEGP que tem de ser preenchida obrigatoriamente nesta língua, os exemplos com o verbo no infinitivo mostram pelo contraste entre pas e plus que o advérbio negativo é gerado necessariamente numa posição mais baixa do que Spec de NEGP: (41) a. (?)Pierre dit ne manger plus. (Belletti (1990), (20)) b. Pierre dit ne pas manger. (Belletti (1990), (21)a.) 9 Como referímos naquela secção, na maioria dos casos não é evidente que juízo de gramaticalidade atribuir às frases. A nossa intuição, no entanto, é de que a ocorrência de um 56 c. *Pierre dit ne manger pas. (Belletti (1990), (21)b.) d. Pierre dit ne plus manger. (Belletti (1990), (22)) Os contrastes entre francês e italiano apontam também, como observado pela autora, para uma obrigatoriedade de preenchimento de Spec de NEGP em francês (pas), e para a possibilidade de preenchimento de Spec de NEGP em italiano (più, mai,...). Além disso, este comportamento distinto nas línguas em estudo aponta ainda para uma subdivisão nos adverbiais negativos em francês que não se verifica em italiano. Neste sentido, o francês dispõe de um elemento, pas, cuja distribuição se resume à posição de Spec de NEGP; por outro lado, possui elementos negativos como plus que podem ocupar a posição Spec de NEGP (como acontece em italiano com più, mai, etc.), mas que também podem ocupar uma posição mais baixa (provavelmente início de VP) à semelhança do que se verifica também em italiano. Em suma, o francês dispõe de dois tipos de advérbios negativos e o italiano de um tipo apenas. É curioso, no entanto, verificar que o italiano regista dois comportamentos diferentes, tal como acontece com os advérbios negativos em francês, mas com advérbios positivos como già, sempre, pur e ben. Assim, temos, por um lado, già e sempre que podem ocorrer em início de VP ou em Spec de NEGP: (42) a. Maria parlava sempre/già di lui. (Belletti (1990), (23)a) b. Maria ha sempre/già parlato di lui. (Belletti (1990), (23)b) c. Maria non parlava già/sempre di lui. (Belletti (1990), (29)a) d. Maria non ha già/sempre parlato di lui.(Belletti (1990), (29)b) 57 advérbio entre o auxiliar e o particípio é sempre uma opção marcada. Por outro lado, temos pur e ben que, podendo ocorrer em início de VP, não podem contudo ocorrer em Spec de NEGP: (43) a. Maria parlava pur/ben di lui. (Belletti (1990), (23)c) b. Maria ha pur/ben parlato do lui. (Belletti (1990), (23)d) c. *Maria non parlava pur/ben di lui. (Belletti (1990), (29)c) d. *Maria non ha pur/ben parlato di lui. (Belletti (1990), (29)d) De acordo com os dados acima descritos concluimos que o italiano dispõe de dois tipos de advérbios positivos: um tipo (sempre/già) que pode ocorrer seja em Spec de NEGP (adquirindo valor negativo), seja em início de VP; e um outro (pur/ben) que apenas pode ocorrer em início de VP. Com base na hipótese, avançada pela autora, de estes constituirem a contraparte positiva dos advérbios negativos, parece-nos talvez mais correcto pensar que apenas già e sempre, de entre os advérbios positivos indicados, possam desempenhar tal papel.Nesse caso, o seu valor de polaridade parece estar em relação com a presença ou não da negação na frase. Relativamente aos advérbios de frase, Belletti (1990) considera três posições possíveis: - posição inicial; - posição final antecedida de pausa; 58 - e posição pós-sujeito. De acordo com a autora (e ao contrário de Jackendoff (1972) que assume a posição pós-sujeito como a posição básica destes advérbios), a posição típica dos advérbios de frase é a posição inicial; o advérbio ocupa uma posição adjunta a AGRP (cf. representação (44)), a projecção mais alta da frase. A posição final resulta da deslocação do advérbio à direita e a posição pós-sujeito resulta da topicalização do sujeito (cf. representação (45)): (44) (representação (31) de Belletti (1990)) AGRP ADV AGRP probabilmente NP AGR’ evidentemente AGRº TP T’ Tº VP ... (45) (representação (34) de Belletti (1990)) TOPP TOP’ TOPº CP Gianni C’ Cº AGRP ADV AGRP probabilmente NP AGR’ AGRº TP telefonerà T’ Tº VP ... alle 5 59 Como verificámos na análise dos advérbios negativos, a distribuição dos advérbios de frase também apresenta contrastes importantes nas várias línguas. (46) a. Gianni probabilmente telefonerà alle 5. (Belletti (1990), (32)a.) b. John probably likes linguistics. (Belletti (1990), (36)a.) c. *Jean probablement aime la linguistique. (Belletti (1990), (36)b.) d. O João provavelmente ama a linguística. (47) a. Gianni probabilmente ha sbagliato troppe volte. b. John probably has made several mistakes. (Belletti (1990), (37)a.) c. *Jean probablement a fait plusieurs erreures. (Belletti (1990), (37)b.) d. O João provavelmente tem feito muitos erros. Ao contrário do que se admitia na análise de Pollock (1989) que justificava as diferentes posições de often e souvent em inglês e francês, respectivamente, pela ausência de subida do verbo vs. a obrigatoriedade desse movimento, nestes casos os contrastes não podem dever-se à ausência de movimento do verbo no francês, onde ele é obrigatório. Por outro lado, tal como em francês, em italiano e em português, o movimento é obrigatório e, no entanto as frases equivalentes às agramaticais francesas são, nestas línguas, gramaticais. Por isso, e não querendo recorrer à hipótese de que os advérbios se movem em determinadas condições, a autora propõe-se explicar os referidos contrastes com base noutros processos sintácticos. 60 Nesse sentido, o que parece ser factor de distinção entre francês por um lado e inglês, italiano, português por outro, é repectivamente a impossibilidade vs. possibilidade de topicalização nas línguas. Assim, segundo a autora, o parâmetro que opõe estas línguas incide sobre o processo de topicalização. A análise dos advérbios de frase com tempos compostos levanta contudo mais problemas. As posições possíveis para estes advérbios são as que estão disponíveis no contexto de tempos simples. Para além dessas, existe uma posição entre o auxiliar e o particípio passado. Para derivar esta última posição Belletti (1990) apresenta diferentes possibilidades de explicação. Excluindo a possibilidade de o advérbio ser gerado como modificador de AGRP, a cabeça da frase, posição que gerava uma ordem impossível em que più teria necessariamente que dominar ou anteceder probabilmente, o que empiricamente não se verifica, Belletti aponta para uma segunda hipótese de acordo com a qual apenas a posição inicial, adjunta a AGRP, estaria disponível para estes advérbios. Porém com esta hipótese levantam-se problemas nos casos em que o sujeito é um quantificador negativo, que não pode deslocar-se à esquerda: (48) a. Lui ha probabilmente sbagliato. b. *?Nessuno ha probabilmente sbagliato troppe volte. Finalmente, a terceira hipótese sugerida aponta para a ocorrência dos advérbios de frase em posição inicial e entre as duas cabeças funcionais mais altas. Neste caso, o advérbio só pode aí ocorrer se existir um auxiliar na frase. A autora baseia esta hipótese na possibilidade de recursividade livre de 61 AGRP, mas considerando que apenas uma das projecções AGRP é preenchida com traços morfológicos. As outras posições AGR seriam posições vazias que, provavelmente, só os auxiliares podem ocupar. No que respeita à ordem: Aux Particípio Passado Adv. a autora sugere, como já referido, duas hipóteses de análise: uma que supõe a incorporação do particípio no auxiliar e outra que assenta na ideia de os advérbios ocuparem uma posição mais baixa do que Spec de NEGP. Na análise dos advérbios negativos vimos que, se a posição final do advérbio se deve à incorporação do particípio no auxiliar, a ocorrência pós- particípio do advérbio deve ser sempre possível. Na opinião da autora os dados dos advérbios de frase são importantes por mostrarem, através da impossibilidade de o advérbio ocorrer depois do particípio, que não existe processo de incorporação em italiano. (49) a. *Lui ha sbagliato probabilmente. (Belletti (1990), (61)a) b. *Maria ha rivelato evidentemente il segreto. (Belletti(1990), (61)b) Assim sendo, a possibilidade que nos resta é a de considerar que os advérbios negativos podem ocupar também uma posição mais baixa que Spec de NEGP, provavelmente como advérbios de VP. Após a análise do comportamento dos advérbios negativos e dos advérbios 62 de frase, a autora passa a uma terceira classe de advérbios que classifica como “advérbios mais baixos”, de que são exemplo spesso e completamente. As principais características que aponta são o facto de ocorrerem numa posição mais baixa do que a negação e de tipicamente não ocorrerem em posição inicial de frase. (50) a. Non ha mai parlato spesso con te. (Belletti (1990), (66)a) b) *Non ha spesso parlato mai con te. (Belletti (1990), (66)b) Com base em dados com verbos transitivos a autora postula a posição em início de VP como a posição básica destes advérbios. (51) a. Quel medico risolverà completamente/spesso i tuoi problemi. (Belletti(1990), (67)a e b) b. Quel medico risolverà i tuoi problemi completamente/spesso. (Belletti(1990), (68)a e b) Assim, a posição pós-verbal seria o resultado directo da subida do verbo, e a posição final a consequência da adjunção do advérbio à direita do VP. Um contraste apontado pela autora e que parece opor, de algum modo, estes dois advérbios consiste na possibilidade, de que apenas spesso dispõe, de ocorrer em posição inicial de frase. (52) a. Spesso Gianni sbaglia. (Belletti(1990), (69)a) b. *Completamente Gianni sbaglia. (Belletti(1990), (69)c) 63 Também a este respeito, e não querendo fornecer mecanismos específicos para a explicação do comportamento dos advérbios, a autora atribui a propriedades de carácter lexical a impossibilidade de completamente ser topicalizado, contrariamente ao que se verifica com spesso que, quando em início de frase, para aí foi movido. Os argumentos a favor desta hipótese de topicalização do advérbio advêm-lhe de frases do italiano que com um constituinte topicalizado, nomeadamente o complemento directo, para além do advérbio, resultam em construções mal-formadas. O mesmo comportamento não se verifica quando, pelo contrário, apenas o complemento é topicalizado permanecendo o advérbio na sua posição de base. Além disso, não havendo distinção entre spesso que é passível de ser topicalizado e completamente que não é, não haveria forma de explicar porque é que apenas o primeiro destes advérbios pode ocorrer em posição imediatamente pós-sujeito. A única hipótese possível e que contraria o objectivo do trabalho da autora seria a de admitir que nem sempre existe movimento do verbo em italiano.
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