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UNIÃO ESTÁVEL COM ESTRANGEIRO NO BRASIL Larissa Coutinho Conforme amplamente debatido, a união estável no Brasil se caracteriza pela convivência duradoura, pública e contínua, conforme dispõe o art. 1º da Lei nº 9278/96. Pois bem, o enquadramento desse modelo familiar por brasileiros é muito comum e seu reconhecimento pode ser feito a partir do contrato de união estável, escritura pública ou, ainda, sentença homologatória. Trazendo o debate para o âmbito internacional, da mesma forma em que é possível contrair matrimônio com estrangeiros, é possível que se realize e reconheça a União estável entre brasileiros e estrangeiros, com o fito de amparar juridicamente aquela constituição familiar. Essa situação está cada vez mais corriqueira com a globalização e nos traz importantes reflexões e apontamentos acerca da formalização da união estável, sua validade nos demais países, além de seus efeitos práticos para os companheiros. Nesse diapasão, é interessante ressaltar que, da mesma forma que o casamento, a união estável se restringe, em termos de validade, ao país de origem do registro. Destaque-se a LINDB em seu art. 7º, §3º dispõe que o julgador deve submeter a validade do vínculo ao direito material do país de domicílio conjugal, o esclarece a necessidade de validar o matrimônio nos países afora. (ALMEIDA, 2014) Além disso, nem todos os países reconhecem e aceitam a existência de união estável como prova de relacionamento, como ocorre aqui no Brasil. A exemplo da Letônia, Bulgária, Romênia, Eslováquia, entre outros países que sequer fazem menção em suas legislações acerca da união estável. No caso do Brasil, para que ocorra o reconhecimento da união estável entre brasileiro e estrangeiro, é preciso que a constituição familiar seja formalizada. Inicialmente, cumpre ressaltar que o estrangeiro deverá apresentar documentação legalizada do país de origem e traduzida por tradutor juramentado, conforme disposto no art. 5º da Resolução nº 77/08, para que, então, formalize a união estável através de: contrato particular ou público, escritura pública em cartório de notas ou, ainda, por sentença judicial, nos casos em que houver controvérsia. No caso de buscar um comprovante de vínculo de união estável, o Conselho Nacional de imigração, com base no decreto 870, elenca na Resolução normativa nº 77/08 um rol de documentos necessários a serem apresentados, como: o atestado de união estável original emitido por autoridade competente do país de procedência do chamado, a comprovação de união estável emitida por juízo competente no Brasil ou autoridade no exterior, a legalização ou apostilamento original e a tradução todos acompanhados de cópias simples. É necessário que se cumpra tais exigências para ficar de acordo com a Portaria Interministerial MJ nº 12, em seu art. 3º, §1º de junho de 2018. Dessa forma, preenchidos os requisitos necessários e apresentados todos os documentos exigidos, é possível que brasileiro e estrangeiro tenham a união estável reconhecida. Nesse sentido é o seguinte julgado: ADMINISTRATIVO. UNIÃO ESTÁVEL DE ESTRANGEIRO COM CIDADÃO DE NACIONALIDADE BRASILEIRA. INEXISTÊNCIA DE IMPEDIMENTO AO RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL. PREQUESTIONAMENTO. 1. Estando caracterizada a união estável e inexistindo impedimento legal para o acolhimento desta união, deve ser reconhecido o direito ao visto de permanência definitivo no território nacional. 2. Acolhida a pretensão de prequestionamento, para evitar que a inadmissibilidade dos recursos às instâncias superiores decorra exclusivamente da ausência de menção expressa aos dispositivos tidos pela parte como violados, que tenham sido implicitamente considerados no acórdão, por serem pertinentes à matéria decidida. 3. Apelação e remessa oficial tida por interposta improvidas. (TRF4, AC 2005.72.08.000804-9, TERCEIRA TURMA, Relator NICOLAU KONKEL JÚNIOR, D.E. 03/03/2010) Evidencie-se que a partir da decisão emblemática na ADI 4277 pelo Supremo Tribunal Federal em 2013, em que houve a equiparação entre as relações afetivas homossexuais e heterossexuais, os cartórios não podem se recusar a reconhecer a união estável entre casais do mesmo sexo, seguindo a determinação da Resolução n. 175, aprovada em maio de 2013 pelo CNJ. No mesmo sentido, as uniões homoafetivas entre brasileiro e estrangeiro também são reconhecidas no Brasil. A conversão das uniões estáveis entre brasileiros e estrangeiros também é possível, tendo como base o art. 8º da Lei 9278/96, que dispõe: “Os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio”. Destaque-se que a data da conversão em casamento não retroage a data de início da união estável. Interessante mencionar o fato de que, mesmo que o estrangeiro tenha contraído matrimônio em seu país de origem, esse fato não o impede de ter uma união estável reconhecida no Brasil. Tal posicionamento é o adotado na jurisprudência, que não vislumbra óbice ao reconhecimento da união estável no país desde que preenchidos os requisitos necessários e elencados no art. 1º da Lei 9278/96. Vejamos: EMBARGOS INFRINGENTES. ADMINISTRATIVO. PERMANÊNCIA DE ESTRANGEIRO NO PAÍS. UNIÃO ESTÁVEL COM BRASILEIRA. CASAMENTO ANTERIOR NO PAÍS DE ORIGEM. O fato de que o autor, cidadão de origem polonesa, asilado político e residente no Brasil desde 01 de março de 1982, ser casado em seu país de origem, não impede o reconhecimento de união estável com a brasileira que, conforme depoimentos testemunhais, convive com o ora embargante a pelo menos oito anos. (TRF4, EIAC 96.04.10903-0, SEGUNDA SEÇÃO, Relator para Acórdão LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, D.E. 11/04/2007) Outra questão que vale a pena mencionar diz respeito ao visto de permanência nos casos de União estável, cujos pedidos cresceram bastante nos últimos anos e estavam em um limbo jurídico, sendo regulados posteriormente pela Resolução Administrativa 02/99 e o caso concreto analisado à luz da Resolução 27/98. Isso implica dizer que todos os requisitos necessários à obtenção do visto nos casos de matrimônio entre brasileiro e estrangeiro devem ser observados nos casos de união estável. (ALMEIDA, 2014) Dentre os critérios de comprovação de união estável para a autorização de companheiro ou companheira, de forma temporária ou permanente e sem distinção de sexo, estão o atestado de união estável emitido por órgão governamental do país de procedência do chamado ou a comprovação de união estável emitida por juízo competente no Brasil ou autoridade correspondente no exterior, conforme designa o art. 2º da Resolução Normativa 77/08. Ademais, destaque-se que o art. 35 da Lei de Imigração (Lei nº 13.445/2017) aponta sobre a impossibilidade de obter visto ou autorização de residência no Brasil, sem prejuízo do visto para investimento, ainda que o estrangeiro tenha a posse ou propriedade de bens no Brasil (PINTAL, 2019). Uma questão delicada e que vem tendo um aumento significativo no país é o caso das uniões estáveis por conveniência, ou uniões estáveis simuladas, quando estrangeiros tentam simular uma união estável com brasileiros somente para conseguir um visto de permanência no Brasil. De acordo com o Itamaraty (2019), os relatos desse tipo de caso tem crescido muito nas Embaixadas do Brasil, com uma incidência maior vinda de países do Oriente-Médio e regiões do norte da África e há notícia de sites especializados em realizar a comercialização de vistos através de contratos de união estável. A simulação de união estável com o fito de obtenção de visto é crime, passível de punição e se enquadra no art. 299 do Código Penal. Nesse sentido, a fim de ratificar a intolerância do ordenamento jurídico brasileiro com esse tipo de fraude, é interessante observar o seguinte julgado: PENAL. ART. 125, XIII, DA LEI Nº 6.815/80. DECLARAÇÃO FALSA EM PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO DE VISTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA.SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. MOMENTO PRÓPRIO. ART. 92 DO CPP. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PROVAS DO INQUÉRITO POLICIAL. CONTINUIDADE DELITIVA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA. 1.[...] 4. A materialidade e a autoria do delito tipificado no art. 125, XIII, da Lei nº 6.815/80 restaram sobejamente demonstradas nos autos, porquanto evidenciado que os acusados foram responsáveis pela prática de declaração não condizente com a verdade em processo de transformação de visto, apresentando documentos ideologicamente falsos para obter a permanência definitiva de estrangeiro no Brasil. 5. O conjunto probatório do feito dá conta de que o casamento celebrado pelos réus consistiu em um negócio jurídico simulado, cujo único objetivo era instruir o pedido de permanência definitiva do estrangeiro em território nacional. Comprova, também, que os documentos elaborados pelos réus possuem conteúdo inverídico atinente ao estado civil de Maria Elisa Cardoso da Costa e Maher El Hajj Ibrahim, bem como da existência de um filho do suposto casal. 6. A defesa não logrou comprovar a sua versão dos fatos denunciados, conforme determina o art. 156 do CPP, não podendo ser afastada a responsabilidade criminal dos réus pelos ilícitos cometidos. 7. O decreto condenatório não se baseou exclusivamente em elementos constantes do inquérito policial, mas sim em provas colhidas durante a instrução processual, que foram exaustivamente analisadas pelo magistrado singular, de modo a formar o seu convencimento sobre a prática criminosa. 8.[...]. 12. Apelação do acusado Maher El Hajj Ibrahim parcialmente provida. Apelações das acusadas Maria Elisa Cardoso da Costa, Samar Bachir Omairi e Luci Raymundo Damázio improvidas. (TRF4, ACR 2002.04.01.021639-7, SÉTIMA TURMA, Relator FÁBIO BITTENCOURT DA ROSA, DJ 25/06/2003). (grifos acrescidos) ALMEIDA, Bruno Rodrigues de. O direito internacional privado acerca dos casamentos e parcerias entre pessoas do mesmo sexo no contexto do mercosul. RSTPR, Ano 2, Nº 3; Março 2014; pp. 237-273 BRASIL. LEI 9278/96, DE 10 DE MAIO DE 1996. Lei da União Estável. Brasília, DF, mai. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9278.htm. Acesso em: 05 set. 2020. BRASIL. Lei nº 12.376, DE 30 DEZEMBRO DE 2010. Lei de introdução às normas do direito brasileiro. Brasília, DF, dez. 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12376.htm#art2. Acesso em 05 set. 2020. BRASIL. Resolução nº 175, DE 14 DE MAIO DE 2013. Resolução sobre união estável. CNJ. Brasília, DF, mai. 2013. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/25601924/ do1-2018-06-14-portaria-interministerial-n-12-de-13-de-junho-de-2018-25601731. Acesso em: 03 set. 2020. BRASIL. Portaria Interministerial nº 12. 13 DE JUNHO DE 2018. Portaria sobre visto temporário e autorização de residência para reunião familiar. Brasília, DF, jun. 2018. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/25601924/ do1-2018-06-14-portaria-interministerial-n-12-de-13-de-junho-de-2018-25601731. Acesso em: 05 set. 2020. BRASIL. Resolução 77/08, DE 29 DE JANEIRO DE 2008. Resolução sobre visto temporário ou permanente de companheiro ou companheira em união estável. Brasília, DF, jan. 2008. Disponível em: http://www.normaslegais.com.br/legislacao/resolucao77_2008.htm. Acesso em 04 set. 2020. DOLINGER Jacob. Direito Civil Internacional Volume I: A Família no Direito Internacional Privado. Tomo Primeiro: casamento e divórcio. 2003. Rio de Janeiro: Renovar ITAMARATY. Casamento por conveniência. Portal Consular, 2019. Disponível em: http://www.portalconsular.itamaraty.gov.br/images/cartilhas/casamentos-por-conveni encia.pdf. Acesso em: 04 set. 2020. PINTAL, Alexandre Rocha. Visto permanente via matrimônio e união estável: nacionalidade e naturalização brasileira. IBDFAM, 2019. Disponível em: https://www.ibdfam.org.br/noticias/na-midia/17477/Visto+permanente+via+matrim% C3%B4nio+e+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel.+Nacionalidade+e+naturaliza%C3%A 7%C3%A3o+brasileira. Acesso em: 02 set. 2020.
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