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MEDIAÇÃO E ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL (ZDP): ENTRE PENSAMENTOS E PRÁTICAS DOCENTES SOUZA, Audrey Pietrobelli de – UEPG audrey@uepg.br ROSSO, Ademir José – UEPG ajrosso@uepg.br Eixo Temático: Cultura, Currículo e Saberes Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Esta pesquisa teve por objetivo conhecer o pensamento de acadêmicas do Curso de Pedagogia acerca dos conceitos de mediação e zona de desenvolvimento proximal (ZDP), bem como, as implicações pedagógicas decorrentes destes conceitos na organização do planejamento pedagógico destas professoras. Os dados de pesquisa foram coletados através de entrevistas semi-estruturadas, gravadas e posteriormente transcritas, realizadas com 27 acadêmicas do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Os resultados desta pesquisa evidenciaram que de modo geral, o conceito de mediação é compreendido pelas professoras como assessoramento, apoio, auxílio, orientação e intervenção pedagógica. Além disso, este conceito é percebido como o cerne central do trabalho docente e assume as imagens de ponte, caminho, elo e fio condutor, materializados na ação pedagógica do professor. O conceito de ZDP é reconhecido como a esfera da “quase aprendizagem”, daquilo que está prestes a se tornar aprendizagem efetivamente. Dentre as imagens mentais que acompanham estes conceitos estão: um bebê que está na eminência de andar sozinho, os poucos metros que restam antes de se romper a linha de chegada de uma corrida, o “click” que falta para que se tenha um insigth. As atitudes decorrentes desses conceitos são de apoio pedagógico, orientação, assessoria, problematização e oferta de situações significativas viabilizadoras da aprendizagem. Os depoimentos docentes evidenciaram que os conceitos de mediação e ZDP assumem papel explicativo e orientador no processo ensino-aprendizagem, contudo, a organização do trabalho pedagógico a partir destes conceitos ainda se apresenta como desafio a ser conquistado. Para as entrevistadas, a Teoria Histórico-Cultural oferece para a área educacional um conjunto de conceitos e princípios que subsidiam as reflexões sobre o processo ensino-aprendizagem e seus desdobramentos, dentre os quais estão os conceitos de mediação e ZDP. Palavras-chave: mediação - zona de desenvolvimento proximal - teoria histórico-cultural - representações docentes. 5895 Introdução O propósito central desta pesquisa foi conhecer as concepções sobre mediação e zona de desenvolvimento proximal (ZDP) apresentadas por professoras matriculadas no Curso de Pedagogia, bem como, suas considerações sobre a influência (ou não) destes conceitos no planejamento, organização e efetivação da sua própria ação pedagógica. Adotou-se, como ponto de origem e partida dessa investigação, o pressuposto de que toda ação pedagógica traz no seu bojo, de forma consciente ou inconsciente, um conjunto de crenças e concepções acerca dos elementos que constituem e/ou participam do fenômeno educativo. Deste modo, os questionamentos que geraram esta pesquisa foram os seguintes: 1) os conceitos, idéias e teorias estudadas/internalizadas ao longo do Curso de Pedagogia, que integram e participam do conjunto de concepções educacionais presentes no imaginário de cada acadêmica, são considerados e se fazem presentes no planejamento, organização e efetivação da sua prática docente? 2) os conceitos de mediação e ZDP presentes no pensamento docente influenciam na organização do seu trabalho pedagógico? 3) como esses conceitos são entendidos e explicados pelas professoras? O interesse pelo estudo da relação pensamento docente/prática pedagógica provém da atividade como docente da disciplina Psicologia da Educação do referido curso, cuja ementa contempla o estudo sobre o processo de desenvolvimento e aprendizagem do ser humano, analisado sob diferentes abordagens teóricas. O cotidiano das relações estabelecidas em sala de aula denunciava, a partir dos estudos, discussões, seminários e práticas avaliativas realizadas no decorrer do ano letivo, o esforço empregado por diversas acadêmicas na tarefa de construir e apropriar-se dos conhecimentos relativos ao processo de desenvolvimento e aprendizagem do ser humano. E ainda, evidenciava a ansiedade e a preocupação das alunas, especialmente aquelas que já atuavam como docentes, em compreender os fenômenos e episódios educativos ocorridos na sua realidade escolar, a partir dos conhecimentos construídos/internalizados ao longo de seus estudos, do mesmo modo que buscavam, inversamente, materializar conceitos e princípios teóricos com a ilustração de cenas e episódios vividos com seus alunos no contexto escolar. Assim, o interesse pela relação pensamento docente/prática pedagógica motivou a realização deste trabalho investigativo. 5896 Mediação e zona de desenvolvimento proximal (ZDP): elos de ligação “O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através da outra pessoa” (L. S. Vygotsky) Dentre as diversas contribuições que decorrem dos estudos realizados por Lev S. Vygotsky destacamos, neste texto, os conceitos de mediação e zona de desenvolvimento proximal (ZDP) e suas implicações no processo de desenvolvimento humano. A teoria histórico-cultural de Vygotsky foi uma dentre tantas teorias que se propuseram a estudar, entender e explicar a complexidade do desenvolvimento humano e, ao fazê-lo, partiu do princípio de que o homem é um ser racional, que busca a todo momento compreender os elementos que constituem sua realidade objetiva, atribuindo-lhes sentidos e significados construídos a partir da vida em sociedade. Para Vygotsky, desde o instante em que o sujeito nasce, passa a fazer parte de um mundo que foi histórica e culturalmente construído e organizado pelas gerações que o precederam e, assim, partilha e incorpora modos de agir, sentir e pensar próprios desta cultura. Para ele: O comportamento do homem moderno, cultural, não é só produto da evolução biológica, ou resultado do desenvolvimento infantil, mas também produto do desenvolvimento histórico. No processo do desenvolvimento histórico da humanidade, ocorreram mudança e desenvolvimento não só nas relações externas entre pessoas e no relacionamento do homem com a natureza; o próprio homem, sua natureza mesma, mudou e se desenvolveu. (VYGOTSKY; LURIA, 1996, p.95) Ao apropriar-se dos elementos culturais que foram construídos pela humanidade, por intermédio da interação, o sujeito utiliza-os como instrumentos (ferramentas) que lhe permitem ampliar e refinar sua relação e seu entendimento sobre o mundo em que está inserido. Desta forma, orientado e regulado pelo outro, o sujeito investe esforços na tarefa de entender e dar sentido a objetos e fatos da sua realidade e, a partir desta dinâmica, passa a se auto-regular, a ter domínio sobre suas ações e escolhas. O processo de interação e de mediação assume, nesta perspectiva, papel e função primordial no desenvolvimento dos indivíduos e na organização da vida em sociedade. A mediação, núcleo teórico central da teoria vygotskyana, é considerada como “o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação; a relação deixa, então, 5897 de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento” (Oliveira, 1997, p.26). Esta autora destaca que, na perspectiva vygotskyana, o elemento intermediário que intervém na relação da criança com o meio é o outro sujeito, no caso, o mais experiente. A mediação, efetivada pelo “outro” mais experiente, viabiliza uma ação mais significativa do sujeito sobre o objeto e, desse modo, o indivíduo passa a transformar, dominar e internalizar conceitos, papéis e funções sociais presentes na sua realidade. Assim, os processos de mediação viabilizam os processos de aprendizagem. Essas reflexões sobre o processo de mediação nos remetem ao conceito de zona de desenvolvimentoproximal (ZDP) postulado por Vygotsky, uma vez que os processos de mediação, determinantes nas situações de aprendizagem, desempenham papel crucial neste campo psicológico do desenvolvimento. A zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento real, constituído por funções já consolidadas pelo sujeito, que lhe permitem realizar tarefas com autonomia, e o nível de desenvolvimento potencial, caracterizado pelas funções que, segundo Vygotsky, estariam em estágio embrionário e não amadurecidas (Vygotsky, 1989, p.97). Vygotsky desenvolveu o conceito de zona de desenvolvimento proximal para discutir e explicar a relação existente entre desenvolvimento e aprendizagem. Para ele, as situações de aprendizagem vividas pelo sujeito e mediadas por sujeitos mais experientes geram mudanças qualitativas e impulsionam o processo de desenvolvimento do indivíduo. A concepção de Vygotsky sobre a relação desenvolvimento/aprendizagem se apresenta como um convite irrecusável para a reflexão sobre o papel e a função das aprendizagens escolares no processo de desenvolvimento dos alunos. Representações docentes e prática pedagógica: concepções e ações Desde o início deste texto foi afirmada, reiteradamente, a ideia de que o ser humano se constitui a partir das trocas interpessoais e da vida em sociedade. Lev S. Vygotsky destacou o papel determinante que as relações sociais desempenham no processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores dos seres humanos. Serge Moscovici, um dos principais representantes da Psicologia Social, também evidenciou o papel e a influência do meio social na vida do homem, mas, neste caso, o destaque dado foi para o processo de construção de representações sociais a partir dos significados e sentidos presentes no contexto social e cultural em que vive o homem. 5898 As representações sociais para Moscovici (1978) referem-se a conceitos e explicações que se formam no cotidiano social. Jodelet (2001), que também se dedica ao estudo desta temática, explica que “as representações sociais são reconhecidas como sistemas interpretativos que regem a relação do sujeito com o mundo, conferindo-lhe significações que orientam e organizam seu comportamento e seus intercambios” (p.36). Para esta estudiosa, as representações sociais são formuladas por pessoas que são sujeitos sociais, imersas em condições específicas de seu espaço e tempo. Para ela, as representações são atos mentais, pois envolvem um processo cognitivo através do qual o sujeito se relaciona com um objeto (JODELET, 2001). Considerando que a escola é, por excelência, uma organização social e seu cotidiano é marcado por um turbilhão de trocas interpessoais, concluímos, com obviedade, que ela se constitui em um espaço fecundo para a produção de representações sociais, que envolvem ou não questões educacionais. No que se refere às representações sociais relativas ao universo e a dinâmica escolar, podemos mencionar as representações sobre o fracasso escolar, a escola organizada sob a lógica de ciclos, a promoção automática, a avaliação, o papel do professor, do diretor, do aluno, do grêmio estudantil, dos conselhos de classe, dentre tantas outras representações. Em meio a este vasto conjunto de representações, certamente, estão as representações construídas pelos próprios professores sobre o processo de ensino e o processo de aprendizagem, sobre o modo como os alunos constroem o conhecimento e sobre a natureza e a qualidade do trabalho pedagógico desenvolvido por ele e pelos demais colegas professores. Com efeito, os professores constroem suas representações e, em função delas, realizam suas práticas, tomam decisões e direcionam suas atitudes. Estudiosos (Sadalla,1998; Jodelet,2001; Coll Salvador,2000) evidenciaram que as representações presentes no imaginário dos professores atuam como filtro que permite interpretar os fatos e situações do contexto de uma ou de outra forma. Para eles, as crenças e representações docentes têm uma grande influência sobre as suas atitudes e encaminhamentos. Estes autores destacam que “... qualquer ato de ensino é resultado de uma decisão, consciente ou não, que o professor toma depois de analisar os elementos disponíveis.” (Sadalla, Saretta e Escher (2002, p.102). Sendo assim, a compreensão das origens da ação docente assume a mesma importância que a compreensão de suas conseqüências. 5899 Para Sadalla (1998), ao destacar a relação existente entre ações pedagógicas, crenças e concepções docentes, afirma que as representações docentes incidem sobre a geração de determinadas ações pedagógicas e seus desdobramentos. Ressalta que “a prática de sala de aula não é simplesmente colocar em ação as instruções pensadas por outras pessoas. O professor atua segundo sua sensibilidade e sua crença, sem ter, muitas vezes, suficiente reflexão sobre suas ações nas práticas cotidianas de classe.” (Sadalla, 1998, p.29) As pesquisas realizadas na área das representações sociais ressaltam a importância de se efetivar estudos que busquem desvelar as relações existentes entre a ação de professores e as suas crenças e concepções. Reflexões sobre a prática pedagógica do professor: o olhar do protagonista “Professores (na escola em que atua) são muitos, mas mediadores se contam nos dedos” (sujeito 06) Com o intuito de conhecer e registrar o pensamento docente acerca dos conceitos de mediação e zona de desenvolvimento proximal, bem como, a forma como estes conceitos se apresentam na prática pedagógica, foram realizadas entrevistas com vinte e sete acadêmicas do Curso de Pedagogia, que além de já terem cursado a disciplina Psicologia da Educação, atuavam como professoras nos anos iniciais do ensino fundamental. A opção por entrevistar acadêmicas que, necessariamente, já haviam cursado a referida disciplina, deve-se ao fato da sua ementa contemplar, como já mencionado anteriormente, o estudo do processo de desenvolvimento e aprendizagem do ser humano e, conseqüentemente, os conceitos de mediação e ZDP. Os depoimentos docentes foram organizados em três blocos: os conceitos sobre mediação e ZDP presentes no imaginário das professoras; a consideração destes conceitos por parte das professoras na organização do planejamento pedagógico; as ações pedagógicas que, segundo as professoras, imputam ao docente o adjetivo “mediador”. 1. Quanto aos conceitos de mediação e zona de desenvolvimento proximal (ZDP): O conceito de mediação, no conjunto das representações desses docentes, transita entre dois pólos: o pedagógico e o relacional. 5900 Dezesseis professoras conceituaram mediação como um processo interativo, no qual o professor atua como elo de ligação entre a criança e o objeto de conhecimento na dinâmica do processo ensino-aprendizagem. Destacaram a mediação como fator decisivo para este processo, enfatizando a necessidade do professor reconhecer-se como mediador e assumir, com compromisso e competência, esta árdua tarefa. As representações destas professoras ficaram focadas no aspecto pedagógico inerente ao processo de mediação, conforme se pode observar em alguns depoimentos: “mediação é a participação de outro alguém, que no caso seria o professor, na relação que se dá entre o aluno e os conteúdos... os conhecimentos que ele vai aprender. O professor é o elo de ligação entre o aluno e o conhecimento”. (sujeito 01) “mediação é a troca, o envolvimento entre o professor e o aluno no momento do trabalho, da aprendizagem... o professor é a ponte entre a criança e o assunto... as letras... a matemática... o conhecimento geográfico, enfim, na mediação ele (o professor) atua como um orientador do pensamento da criança”. (sujeito 05) “o próprio nome fala: mediação é mediar uma ação... que ação seria esta: a da criança sobre o objeto que ela está estudando, e quem é que media, quefica no meio desta ação: o professor...indicando, dando pistas, sugerindo, corrigindo... a mediação é o coração do processo de aprendizagem do aluno”. (sujeito 09) “a mediação é a grande tarefa do professor, porque é ele que é o mediador da relação aluno-conhecimento e essa relação depende da qualidade dessa mediação... do trabalho do professor... do professor desafiar o pensamento do aluno... fazer com que ele ache as respostas... fazer com que a criança pense, reflita, analise possibilidades e diversas hipóteses de resolver um problema”. (sujeito 27) Oito professoras, ao conceituar mediação, vincularam este conceito a fatores afetivos e relacionais como: convivência, trocas interpessoais, afetividade no processo ensino- aprendizagem e desenvolvimento da auto-estima do aluno: “a mediação é relação que se dá entre o professor e cada um dos seus alunos no dia-a-dia da sala de aula, no processo ensino-aprendizagem, na construção do conhecimento... se a mediação do professor dá liberdade para o aluno perguntar, contar o que não entendeu e receber ajuda especial do professor, isso faz com que o aluno se sinta mais seguro, melhore sua auto-estima, veja no professor uma pessoa que ele pode confiar e não tenha medo... melhora as relações entre eles (professor e aluno) e entre os demais também.” (sujeito 14) “mediar é, acima de tudo, assumir um compromisso de amor e de dedicação com cada um de seus alunimhos, daqueles pequenininhos que estão sob sua responsabilidade naquele ano, o que não é fácil né, pois o professor precisa assumir esse compromisso de dar o seu melhor, para que seus alunos aprendam...então o papel do professor é fundamental. Ele é o farol que vai iluminar o caminho dos seus alunos. .” (sujeito 03) “mediação... é o professor agir como ponte entre o aluno e a aprendizagem, ajudando, explicando, atendendo cada aluno nas suas dificuldades específicas... de aprendizagem... de comportamento... até de relacionamento, porque o professor não media só questões que envolvem conteúdos, mas também media as relações 5901 interpessoais que acontecem na sala de aula... os conflitos... colabora para que o relacionamento da sala de aula melhore e isso interfere na aprendizagem dos alunos”. (sujeito 23) Os depoimentos docentes revelaram que as imagens mentais atreladas ao conceito de mediação apresentados pelos professores remetiam-se à ideia de elo de ligação, ponte e/ou sinalizador. Dentre as atitudes que decorrem desse conceito estão ações como apoio, assessoramento, auxílio, orientação e sugestão de dicas e pistas para os alunos. Três professoras, ao sentir dificuldades em conceituar objetivamente o termo mediação, acabaram recorrendo a exemplos de ações educativas ideais como: ter paciência com os alunos, acreditar no potencial de cada criança e gostar daquilo que faz. No que diz respeito ao conceito de zona de desenvolvimento proximal, doze professoras registraram depoimentos extremamente parecidos, condizentes ao otimismo do pensamento vygotskyano acerca da dimensão prospectiva da zona de desenvolvimento proximal, concebida por ele como espaço psicológico profícuo e fecundo da aprendizagem. Para elas, a zona de desenvolvimento proximal pode ser caracterizada como: “ aquilo que o aluno consegue fazer com a ajuda de alguém mais experiente” (sujeito 01, 02, 04,05, 08, 09, 12, 13, 16, 23, 26 e 27) “ são as aprendizagens (do aluno) que são possíveis com o auxílio do professor, aquilo que a criança consegue entender e realizar com a ajuda do professor... o que hoje ela faz com a ajuda do professor é o que ela estará fazendo sozinha no dia de amanhã... é quando acontece o famoso “click” e a criança passa a commpreender aquilo e a realizar aquela atividade por conta própria” (sujeito 06). “é o espaço entre o nível real e o potencial... são as aprendizagens que estão prestes a se tornarem só do aluno, quer dizer, aquilo que ele (o aluno) quase faz sozinho...é igual aquela criança que tá quase andando sozinha, mas ainda precisa da mão e do apoio da mãe...amanhã ela estará andando sozinha” (sujeito 11) A imagem de uma criança que está prestes a caminhar sozinha e o “click” que sugere um insigth ou uma luz que se acende são as imagens mentais que acompanham o conceito de ZDP apresentado pelos sujeitos 06 e 11). Seis professoras registraram que sabiam que já haviam estudado sobre o assunto, mas não lembravam mais deste conceito, conforme os exemplos abaixo: “ai, professora, eu sei que a gente estudou isso no segundo (ano) de Pedagogia, mas eu não consigo me lembrar agora”. (sujeito 21) “Não me lembro direito (risos)...sei que tem relação com a aprendizagem do aluno” (sujeito 11) “É aquele negócio das competências?” (sujeito 15) 5902 2. Quanto à consideração do conceito de mediação e ZDP no planejamento e organização da prática pedagógica das professoras: Uma das questões da entrevista perguntava se as professoras levam em consideração os conceitos de mediação e ZDP no momento de planejar e organizar o seu trabalho pedagógico e, se a resposta fosse positiva, como isso acontecia. Uma das professoras registrou, de imediato, que considerava a importância e o papel destes conceitos no processo ensino-aprendizagem, mas não conseguia “materializar” no seu trabalho pedagógico as contribuições decorrentes dos estudos de Vygotsky sobre ZDP. Justificou sua dificuldade mencionando o número excessivo de alunos em sala de aula, o que impedia um atendimento individualizado dos alunos e acabava culminando em atividades coletivas, iguais para todos os alunos, realizadas individualmente e ao mesmo tempo. Complementou seu depoimento dizendo que assumia seu papel como mediadora da relação criança-objeto de conhecimento, uma vez que procurava, mesmo nos encaminhamentos coletivos, suscitar a curiosidade e o interesse dos alunos na busca por respostas e soluções para as situações-problema, deixando de oferecer respostas prontas para os seus alunos. “não dá pra levar em conta a ZDP dos alunos quando você tem trinta e duas crianças na sala pra alfabetizar... isso exige atendimento individualizado ou em pequenos grupos... daí acaba sendo tudo igual pra todo mundo, independente do nível de desenvolvimento cognitivo de cada aluno... é pena, né!” (sujeito 04) “sei que o certo seria que eu trabalhasse em cima daquilo que os meus alunos ainda não conseguem fazer sozinhos, trabalhar em cima da ZDP deles, porque ficar martelando conteúdos que eles já sabem fazer sozinhos não traz aprendizagem, eles só ficam reforçando o que eles já sabem... mas pra isso você tem que trabalhar com grupinhos de alunos, considerando as ZDPs e trabalhar com conteúdos em diferentes graus de exigência, de dificuldade... eu não tenho conseguido! (sujeito 04) “não é só o professor que tem que saber que os alunos não aprendem do mesmo jeito, no mesmo tempo, que tem alunos com diferentes ritmos e diferentes níveis de aprendizagem... a direção da escola também tem que acreditar nisso e apostar em turmas menores, senão não adianta saber disso tudo ( o professor) e não conseguir dar conta do recado... é frustrante.” (sujeito 04) “mas acho que eu posso me considerar uma professora mediadora, pois estou sempre passando pelas carteiras e pondo perguntas na cabeça dos meus alunos... será que você não esqueceu nada aqui: não tá faltando uma letrinha aqui.... qual letrinha você acha que vai aqui... Daí eu sento junto com ele, dou pistas, encorajo para que ele fale o que tá pensando e, juntos, descobrimos como se escreve aquela palavra.” (sujeito 04) Treze professoras afirmaram, com determinação, que os conceitos de mediação e ZDP orientavam a organização de seus planejamentos. Informaram que selecionavam e 5903 organizavam atividades considerando o nível de desenvolvimento cognitivo de seus alunos e, para tanto, na maioria dos momentos de trabalho em sala de aula, organizavam a classe em pequenosgrupos. Afirmaram que entendiam que o trabalho em grupo viabilizava o atendimento individualizado, uma mediação mais efetiva por parte do professor e o ensino organizado a partir daquilo que o aluno faz com a ajuda de um mediador. “se o professor conhece o nível de desenvolvimento cognitivo do seu aluno sobre um determinado assunto, sabe que ele consegue entender aquilo com a explicação e apoio do professor... que na verdade é uma aprendizagem que está em ZDP... então ele (o professor) vai planejar atividades para este aluno voltadas para a ZDP, ou seja, vai planejar atividades que o aluno consiga fazer com a ajuda do professor... nem vai propor coisas que estão além, que são muito difíceis, nem vai ficar batendo naquilo que ele já sabe... mas é difícil.... não é sempre que dá pra fazer isso... eu faço quase sempre, mas as vezes dou uma coisa igual pra todo mundo, independente do nível de cada um ” (sujeito 06) “o professor tem que ser mediador, né... tem que estar acompanhando de perto o raciocínio dos alunos, fazendo perguntas, pedindo que ele explique de outro jeito e você mesmo tem que estar explicando também de outro jeito... pra isso você tem que planejar, preparar todas as atividades antes, o que vai pra cada grupinho, de acordo com a aprendizagem de cada um” (sujeito 27) “eu consigo dar atividades que levam em consideração a ZDP dos alunos quando eu faço trabalho em grupo e quando a auxiliar está na minha sala naquele dia, porque senão não dá. Eu analiso o nível de compreensão dos alunos conforme a atividade, por exemplo, nas operações, daí eu trabalho com sistema de fichinhas e, conforme o nível de domínio de cada um, eu dou uma fichinha diferente. Sempre estou apoiando os que estão trabalhando em ZDP, porque eu sei que eles conseguem realizar aquela tarefa se eu estiver assessorando” (sujeito 08) Uma professora destacou a importância destes conceitos para o planejamento do professor e para o sucesso do processo de aprendizagem dos alunos, entretanto, seu depoimento caracterizou o processo de mediação como “a habilidade do professor conduzir as atividades em sala de aula, fazendo trabalhos em grupo, permitindo que os alunos conversem, troquem idéias...” (sujeito 02). Mediação se apresentou como sinônimo de relacionamento interpessoal, trabalho em grupo, estímulo ao diálogo, conversas. Não fez considerações sobre a relação ZDP e prática pedagógica do professor por não se lembrar do significado deste conceito. O depoimento de oito professoras evidenciou que elas compreendem o significado e implicações pedagógicas decorrentes destes conceitos, entretanto, afirmaram não ser possível a consideração desses conceitos nos seus planos de trabalho em virtude da opção pelo uso de apostilas pelas escolas em que atuam, do elevado número de alunos em sala de aula e da própria concepção de ensino-aprendizagem adotada pela escola em que atuam. Complementaram seus depoimentos registrando que realizam uma prática pedagógica pautada na quantidade de conteúdos, na memorização e no trabalho massificado, exatamente em consonância com as condições de trabalho que recebem. Afirmaram que permanecem 5904 trabalhando na escola, mesmo divergindo de suas concepções e encaminhamentos, porque precisam de seus salários para sobreviver: “o trabalho do professor não é resultado só daquilo que ele pensa, mas também das suas reais condições de trabalho” (sujeito 01) 3. Quanto às ações pedagógicas que imputam ao docente o adjetivo “mediador”: A concepção de professor mediador presente no imaginário das professoras apresentou-se intimamente relacionada com a qualidade inerente ao trabalho pedagógico desenvolvido por um professor. Ao responder a pergunta sobre o que faz do professor um mediador, ou seja, o que confere ao professor o título de mediador, tão atual e presente nas discussões da Pedagogia?, um total de dezenove professoras responderam que seria a qualidade do trabalho pedagógico realizado pelo professor. O termo qualidade, que também comporta representações, esteve vinculado a diversos adjetivos e habilidades, dentre as quais estão: “ter conhecimento sobre o processo ensino-aprendizagem e competência profissional...” (sujeito 01) “é realizar um trabalho diferenciado, de qualidade, não fazer as coisas por fazer, mas pelo que elas vão trazer para a aprendizagem dos alunos... é conhecer cada aluno, saber das dificuldades de cada um e atender cada aluno naquilo que ele precisa, seu nível de aprendizagem...” (sujeito 02) “é saber mediar a relação da criança com o conhecimento, para que a aprendizagem seja significativa” (sujeito 03) “é ser um bom professor, que sabe e domina o que faz... e ainda, ser carinhoso, amigo, responsável (sujeito 04) “é, de fato, organizar o trabalho em sala de aula de tal forma que, realmente, faça com que os alunos aprendam, que passem de um nível de conhecimento menor, em termos de qualidade, diga-se de passagem, para um nível de conhecimento maior... o trabalho de qualidade é aquele que promove a aprendizagem dos alunos” (sujeito 05) “realizar um trabalho de qualidade é não aceitar mais passar uma tarde toda fazendo que seus alunos fiquem cumprindo exercícios de livros e apostilas que devem estar preenchidas no final do ano, senão os pais virão reclamar... é acreditar que as crianças podem muito mais do que nós adultos acreditamos que ela possa, e ela pode, meu dia-a-dia me mostra isso o tempo todo, eu não paro de me surpreender com as conquistas dos meus alunos... é fazer o teu melhor como professor, especialmente se você trabalha com crianças carentes, muitas vezes sem mediadores em casa... e daí quem ela tem de mediador? neste ano, ela tem você (o professor) e você!!!” (sujeito 18) 5905 Considerações finais O conhecimento sobre o pensamento do professor pode oferecer importantes contribuições para o setor educacional, na medida em que desvela o próprio processo de compreensão do professor sobre a realidade educacional em que atua, denunciando suas mazelas, fragilidades e limites, como também, exaltando suas potencialidades, contribuições e conquistas. Os resultados desta pesquisa indicaram que as professoras recorrem, por vezes intuitivamente, ao conjunto de conceitos e princípios explicativos que construíram sobre o processo de desenvolvimento e aprendizagem de seus alunos no momento de pensar e organizar suas práticas educativas. Buscam entender a lógica do funcionamento psíquico de seus alunos e as peculiaridades do seu processo de aprendizagem para, então, munidos destas informações, poderem direcionar suas ações educativas. Cada professora tem uma forma toda particular de entender, explicar, analisar e, especialmente, fazer uso e se beneficiar dos constructos oferecidos pelas diversas áreas do conhecimento. No caso dos conceitos de mediação e ZDP, foi possível verificar que as professoras consideram estes conceitos e suas implicações no processo de elaboração, efetivação e reflexão da prática pedagógica. A conclusão deste trabalho evidencia que os estudos sobre o pensamento docente podem trazer contribuições não somente para as relações que constituem o processo ensino- aprendizagem, mas também, para os próprios professores, favorecendo o auto-conhecimento profissional e pessoal. REFERÊNCIAS COLL SALVADOR, C. et al. Psicologia do Ensino. São Paulo: Artmed, 2000. JODELET, D. Representações Sociais: um domínio em expansão. In: JODELET, D. As representações sociais. Rio de Janeiro. EDUERJ, 2001. MOSCOVICI, S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio- histórico. São Paulo, Scipione, 1997. 5906 SADALLA, Ana Maria Falcão de Aragão. Com a palavra, a professora: suas crenças, suas ações. Campinas, SP: Alínea,1998. VYGOTSKY, L. S.; LURIA, A. R. Estudos sobrea história do comportamento: símios, homem primitivo e criança. Porta Alegre: Artes Médicas, 1996. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
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