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Caio Fábio AGRACA DE DEÚS O MITO DO SUPER-HOMEM A GRAÇA DE DEUS ven&cd O MITO DO SUPER-HOMEM Mesmo estando debaixo da graça de Deus o cristão está livre de incompreensões, decepções pessoais ou dificuldades financeiras? E as dores que nos sobrevêm: são necessariamente fruto do pecado? Adquira uma perspectiva lúcida sobre este assunto a partir das experiências vividas pelo apóstolo Paulo e analisadas neste excelente livro. Não somos chamados para ser super homens ou supermulheres mas para conhecer o socorro e o amor divinos que se manifestam na plenitude de nossa humanidade. "Se você está se sentindo triste, solitário, não se odeie por isso, mas levante a cabeça, olhe para o Senhor e sinta-se desafiado a experimentar esta graça sem que você precise se transformar num super-herói espiritual". VINDE COMUNICAÇÕES ISB N: 85 -72 71- 044 -2 A GRAÇA DE DEUS X O MITO DO SUPER-HOMEM Caio Fábio VINDE Comunicações Publicado com a 7devida autorização e todos os direitos reservados à VINDE COM UNICAÇÕES Caixa Postal 100.084 24001-970 - Niterói - RJ Tel.: (021) 719-8770 Fax: (021) 717-9622 Primeira Edição -1994 Tiragem:3.000 exemplares Revisão: Suely de Carvalho e Elivânia Lima Capa: Arte Clube Editoração Eletrônica: Josnei e Vera Formagio Não é permitida a reprodução de nenhuma parte deste livro, sob qualquer forma, sem a permissão por escrito do autor e da Editora. ISBN 85-7271-044-2 Filiada à AEVB e à ABEC. Impresso no Brasil 4 APRESENTAÇÃO A maioria dos homens que querem viver uma vida abundante da graça de Deus sofre calada as dores inerentes à sua natureza. Para alguns, até parece que, porque se converteram, agora têm que viver como se fossem super-homens e supermulheres, que não sofrem fraquezas, que não se abalam com a traição, que não se deprimem com a solidão, que não se angustiam com nada. O texto de II Timóteo 4:9-22 mostra como Paulo consegue ser forte em Deus e, ao mesmo tempo, não negar a sua humanidade. Na vida de Pãulo, a graça de Deus não o transformou num super homem, mas se manifestou em sua vida como socorro e amor divinos na ple nitude da humanidade do apóstolo. 5 A mensagem contida neste livreto foi pregada pelo Rev. Caio por ocasião do aniversário do Rev. Antonio Elias, em 1982, e através dele você que deseja crescer na graça de Deus será desafiado a fazê-lo sem a obrigação de se trans formar num super-homem espiritual. A plenitude da graça de Deus pode ser experimentada na plenitude de nossa humanidade. Que Deus possa falar com você através deste texto. Alda D ’Araújo 6 INTRODUÇÃO V iven d o como indivíduos no reino de Deus, às vezes ficamos esquecidos de que, conquanto cristãos e protegidos por Deus, continuamos criaturas formadas do pó da terra e sujeitas a inúmeras lutas, sofrimentos e difi culdades. O grande apóstolo Paulo, além de canonizado pela Igreja Católica, é visto na perspectiva evangélica como um dos nossos santos intocáveis — isto porque, embora negando, consideramos os nossos “santos” como seres que tran sitam entre a humanidade mortal e a divindade absoluta, “elos de ligação” , “seres de transição” . Paulo, todavia, era muito mais humano do que dese- jávamos que ele fosse. Quem lê o livro de Atos dos Apóstolos 7 sabe que Paulo esteve preso em Roma por duas vezes. Percebe-se, através da leitura, que ele ficou em prisão do miciliar, em uma casa alugada por ele mesmo, vigiado por guardas romanos que se revezavam em turnos, mantendo- o todo tempo acorrentado. “Uma vez em Roma, fo i perm itido a Paulo m orar p o r sua conta, tendo em sua companhia o soldado que o guardava. "(Atos 28:16) Ele, contudo, tinha liberdade para receber as pessoas que iam ouvir sueis exposições sobre o reino de Deus. “H avendo-lhe eles m arcado um dia, vieram em grande núm ero ao encontro de Paulo na sua própria residência. ” (Atos 28:23) Há divergências entre os comen taristas a respeito do que acontece depois deste período. Alguns deles dizem que sua situação em Roma ve io a complicar-se em função de suas de clarações e testemunho a respeito de Jesus, a ponto de ser levado para uma masmorra, onde ficou à espera da 8 morte. Outros imaginam que houve um intervalo com sua soltura, oportunidade em que fez uma terceira viagem mis sionária em direção à parte superior da Europa, indo até a Espanha, seu grande sonho, sendo novamente aprisionado na volta. Independentemente dessas duas suposições, no entanto, o fato é que, ao escrever sua segunda carta a Timóteo, Paulo se encontra no fundo de um calabouço, numa solitária, herme- ticamente fechado, visitado espora dicamente pelos que lhe restaram. Ele está velho, doente e à véspera da morte. Está tão consciente de que sua morte já fora decretada que afirma: “Já agora a coroa da justiça m e está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, m e dará naquele dief (v.8). Confirmando seu pensamento (v.6) que diz: “ Quanto a m im, estou sendojá oferecido p o r libação, e o tem po da m inha partida é chegado. ” E importante saber, todas as vezes que se lê esta epístola, especialmente o capítulo quatro, que estamos “ouvindo” 9 as derradeiras palavras de Paulo. Este é o quadro físico, geográfico e histórico no qual este texto é escrito ou ditado. Ele, então, diz a Timóteo: “Procura vir ter com igo depressa. Forque Demas, tendo am ado o presente século, m e aban donou e se fo i para Tessalônica; Cres cente fo i para a Galácia. Som ente Lucas está com igo. Toma contigo a Marcos e traze-o, p o is m e é ú til para o m i nistério. Quanto a Tíquico, m andei-o a Éfeso. Quando vieres, traze a capa que deixei em Trôade, em casa de Carpo, bem com o os livros, especialmente os pergam inhos. A lexandre, o la toeiro, causou-me m uitos males; o Senhor lhe dará a paga segundo as suas obras. Na minha prim eira defesa ninguém fo i a m eu fa vor; antes, todos m e aban donaram. Que isto não lhe seja posto em conta. Mas o Senhor m e assistiu e m e revestiu de forças, para que, p o r meu intermédio, a pregação fosse plenamente cumprida, e todos os gentios a ouvissem; e fu i libertado da boca do leão O Senhor 10 m e livrará também de toda obra ma ligna, e m e levará salvo para o reino celestial. A ele, glória pelos séculos dos sécu los. A m ém . Saúda a Prisca e Á qüila ,e à casa de Onesíforo. Erasto ficou em Corinto. Quanto a Trófim o, deixei-o doente em M ileto. Apressa-te a A vir antes do inverno. Eubulo te envia saudações; o m esm o fazem Pruden te,Lino,Cláudia e os irm ãos todos. O Senhor seja com o teu espírito. A graça seja convosco” (9-22). 11 O CRISTÃO NÃO É IMUNE AO SOFRIMENTO T em o s comumente a idéia de que, pelo fato de sermos de Jesus, estamos isentos de passar por tribulações. Sem dúvida, esta concepção do que seja uma vida santa na presença de Deus é, no mínimo, medieval. Vemos, em nosso meio, que a idéia do santo, do con sagrado, daquele que vive para o Senhor, é a de alguém que está livre de problemas ou, quando os enfrenta, não os sofre, como se estivesse acima das contingências. Romantizamos essa questão e, às vezes, caímos na negação de nossa própria humanidade, das nossas realidades. E por isso que, sempre que nos sentimos aflitos e machucados, negamos o mal que está nos atingindo e começamos a afirmar, 13 em nome da fé, que elas não acon teceram, que não são importantes, ocasionando uma imposição que nos leva a profundo stress, numa dor íntima imensa. Começamos, então, a ques tionar que se Deus é Deus, por que não nos poupa de situações semelhantes ou, então, por que, sendo crentes, sentimos essas dores e angústias, pois não deveriamos senti-las; ou, ainda, caímos na situação de superficialidade, de anestesiamento da alma, uma espécie de morte psicológica, quando afir mamos que não sentimos nada, que está tudo ótimo, quando a realidade é que estamos nos afogando em lágrimas.O que aconteceu a Paulo tem muito a ver com muitas das dores que nos afligem , com a universalidade da angústia humana. Se examinarmos com atenção as diversas situações pelas quais ele passou, vamos entender que a realidade do apóstolo era muito diferente das interpretações triunfalistas que muitos 14 querem dar à vida cristã. Paulo passou por muitas dificuldades, apesar de ser homem de Deus. Eis a seguir algumas das muitas situações de crise as quais ele enfrentou: MAL INTERPRETADO TEOLOGICAMENTE Teologicamente falando, Paulo de parou com muitos conflitos, porque, quando se anda com Deus, não se está isento de ser acusado de heresia. Em Romanos 3:8, ele diz estar sendo acusado de uma interpretação distorcida da mensagem divina. N o fato em questão, colocaram nos lábios de Páulo a afirmação de que, para receber os benefícios de Deus, precisaríamos praticar males. Na verdade, o que Paulo queria dizer é que nossos “males” realçam a graça de Deus, ou seja, quanto mais injustos somos, mais se evidencia a justiça divina; diante da nossa mentira, a verdade de Deus 15 cresce; em confronto com a nossa mesquinhez, a misericórdia do Senhor se evidencia. Paulo estava expondo a graça de Deus e não os incentivando ao pecado. Mas havia alguns que não tinham profundidade para entendê-lo e, por Isto, acusaram-no de heresia. Paulo sofreu muitas angústias em razão disso. INCOMPREENSÓES NO PASTORADO V em o s em I Coríntios 3:3-4, a crítica que ele fez à Igreja, quando esta se dividiu em favoritismos sectários, o que levou à criação de grupos que afir mavam “ eu sou de Paulo” , “eu sou de A p o io ” , e até favoreceu os “ ultra- espirituais” , precursores da “igreja sem rótulo” , a se defender dizendo “ eu sou de Cristo”. Tudo isto levaria a Igreja a pleitear sua autonomia em relação a seu ministério. Paulo pregava a unidade do corpo de Cristo, mostrando os diversos ministérios e valores de cada um dentro 16 de cada comunidade. Mas nessa in tenção pastoral de educar a igreja, sobrou para ele. Alguns se revoltaram com sua pedagogia e insurgiram-se contra sua autoridade, fazendo com que ele passasse por angústias enormes. Aliás, as duas cartas de Paulo aos Coríntios têm relação com essas si tuações de luta pastoral e apostólica contra uma igreja insubmissa e pro blemática. AUSÊNCIA DE SUPORTE FINANCEIRO E m outro momento, lemos em I Coríntios 9:6 sua queixa por não poder contar com apoio financeiro dos irmãos, e vemos o ressentimento do apóstolo por não poder se dedicar integralmente ao ministério. Imagine quantas igrejas, quantos crentes hoje, não se sentiríam honrados em colaborar financeiramente com o ministério do apóstolo Paulo. Paulo já não está entre nós, mas o 17 trabalho continua, a mensagem deve ser pregada com ou sem apoio... N o entanto, pense na situação dele: ele vira a Jesus e fora por Ele chamado a pregar. Entretanto, a igreja que ele fundou não tinha a visão de sustentá-lo. Mais angústia! SOFREU CALÚNIAS A própria igreja da qual fora pastor- fundador e que se tornara uma co munidade ultracarismática o acusou de leviandade. Isto se deu porque, como lemos em II Coríntios 1:17, ele afirma que, se fosse possível, lhes faria uma visita e, como não conseguira chegar lá, foi chamado de leviano e acusado de tomar decisões na “carne” , e não por “revelação de Deus” . Ele não escapou da insinuação de que vivia mundanamente, comovemos em II Coríntios 10:2, pois julgavam seu comportamento como o de quem vivia “em disposições de m undanoprocede.f. 18 Como podemos observar, a reputação do nosso irmão nem sempre foi tão “intocável” . Com tudo isso, ele tinha cautela para não correr o risco de ser acusado de má administração financeira, já que ele também era passível desse tipo de julgamento. Ele, portanto, como vemos em II Coríntios 8:20, resguardava-se de carregar dinheiro sozinho, fazendo-se acompanhar, por saber da existência de olhos observadores e desejosos de encontrar alguma razão ou indício de possível desonestidade, o que com prometería sua idoneidade. NÃO FOI VALORIZADO S u a palavra também não era con siderada agradável, ao contrário, em II Coríntios 10:10, ele menciona que os comentários eram de que sua presença pessoal era fraca e a palavra, des prezível. Segundo alguns historiadores, ele era 19 baixinho, amorenado, de pernas curvas e com sobrancelhas que se encontravam no meio da testa. Martin Lloyd-Jones diz que ele, possivelmente, sofria de conjuntivite crônica. Já pensou? Lá vinha o irmão chegando, sem nenhuma cara de apóstolo, mais parecendo um pé-rapado. Ele mesmo considerava sua palavra fraca, e o grande impacto do seu discurso em Cesaréia — que mereceu interrupção do Rei Agripa quando disse: “ó, Paulo, as m uitas letras te fazem delirar” — não deve ser compreendido como uma exaltação à sua capacidade de falar com beleza e, sim, como transbordamento de um coração im pregnado da mensagem de Cristo, que ele anunciava com poder, resultado da unção que havia nele. Mas as angústias que tal desprezo lhe causaram são claramente percebidas na leitura de II Coríntios 9 a 13. 20 TUDO ISSO E MUITO MAIS! /Além de todas as possíveis insi nuações maledicentes, Paulo ainda era consumido de paixão devido ao estado do povo de Deus. Em II Coríntios 11:28,29, ele nos conta de sua preo cupação por todas as igrejas e de sua solidariedade com os fracos e com os escandalizados. Sua vida parecia mais com a de um guerrilheiro do que com a de um pastor, se a analisarmos do ponto de vista convencional. Quem lê II Coríntios 11:23 a 27, certamente não encontra um curriculum vitae que o recomende a pastorear qualquer uma de nossas igrejas. Alguém podería até dizer: “esse homem é um pé frio. Entra no navio, o navio afunda; entra numa estrada, é assaltado; aonde ele vai a tragédia o acomete.” E perseguido, açoitado, aprisionado. Para ele não existia essa teologia que diz que se crente é assaltado é porque está em pecado. Pior ainda é a descrição do v.26 que diz: 21 “em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos e n te pa tícios, em perigos e n te gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos e n te falsos irmãos". Trace um paralelo e tente encaixar a sua realidade à do apóstolo. Como é que você se sente hoje? Como se sente agora? Se você foi abandonado, traído, deixado, desprezado; se está solitário, doído, vazio — não importa quem você é, a idade que tem , sua condição social, seu estado civil. Se você juntar os estilhaços de sua dor, você vai verificar que o que Paulo sentiu tem muito a ver com o que você sente; e que as saídas que Deus mostrou a ele são aquelas que vai mostrar a você também. SER CRISTÃO NÃO SIGNIFICA NÃO SER HUMANO 0 gigante apóstolo Paulo era um ser muito humano. Apesar de sua íntima 22 comunhão com Deus e de sua vida santa, jamais perdeu a fragilidade da natureza humana. Nós o vemos, por exemplo, em grande sofrimento e tribulação acima de suas forças, a ponto de desesperar até da própria vida (II Coríntios 1:8). Normalmente, lemos referências como esta e não atentamos muito para elas; mas sua realidade trágica está ali escrita, documentada, no texto bíblico. Viver já não era algo pelo que ele esperasse; desesperar, sim, não mais esperar! Sua dor era tão grande que ele desistira da vida. Em Filipenses 2:27, ele diz que Epafrodito adoecera mortalmente: “Deus, porém , se com -padeceu dele, e não somente dele, mas também de mim, para que eu não tivesse tristeza sobre tristeza”. Vemos, então, que o apóstolo, nem sempre, era aquele homem de alegria efervescente, saltitante. Como qualquer mortal ele era, eventualmente, solapado com tristeza sobre tristeza que caía sobre ele como avalanche, derrubando-o, 23 ferindo-o. Em II Coríntios 2:12-13 ele diz:11 Ora, quando cheguei a Trôade para pregar oevangelho de Cristo, e uma porta se m e abriu no Senhor, não tive, contudo, tranqüilidade no m eu esp írito (.J\ Em II Coríntios 7:5, narra ainda: “Porque chegando nós à Macedônia, nenhum alívio tivem os; pelo contrário, em tudo fom os a tribu lados: lu tas p o r fora , temores p o r dentro". Finalmente, ao lermos o texto de II Timóteo 4:9-22, vemos Paulo confessar que se sente solitário e abandonado na prisão romana. Se ter conhecimento disso ajuda, a mim ajuda; se conforta, a mim conforta. Comece, então, a receber conforto e ânimo dessas informações. O homem que foi levado ao terceiro céu, que teve visão de anjos, um encontro especialíssimo com Jesus, que vivia cheio do Espírito Santo, debaixo da graça de Deus; o homem que trans pirava poder, orava pelos enfermos e os curava; exorcizava os espíritos imundos; 24 que tinha poder para persuadir os que o contradiziam e que vivia como um verdadeiro cristão, enfrentava um abismo existencial incrível. A realidade que Paulo compartilha conosco neste texto é a de que a graça de Deus não nos transforma em super homens. Ou seja, não faz de nós minerais, criaturas de pedra; con tinuamos de carne e osso; continuamos pó da terra. Ela é graça de Deus porque me fortalece na minha fraqueza, supre o que não tenho — sinal de que em mim falta algo. O que acho tremendo neste texto é o fato de que esse homem que vive da graça continua gente; continua homem — de carne e sangue; continua carente. A grandeza de um homem está na sua própria humanidade, e a beleza de sua espiritualidade está na confirmação dela diante de Deus. Quais são as lutas e necessidades que podem sobrevir aos que creem em Jesus, mesmo vivendo sob a graça? 25 OS AMIGOS SÃO PROVISÃO DA GRAÇA DE DEUS PARA NOS ACOMPANHAR EM NOSSA SOLIDÃO Entre as lutas e carências humanas, podemos notar que, embora sejamos ensinados de que a graça de Deus supre tudo, ela, no entanto, não nos isenta da necessidade de amigos. Quase nunca levamos isso em consideração. Pen samos muito na graça de Deus como algo transcendente, que vem do céu até nós; no entanto, ela também tem um significado imanente, ou seja, diz respeito a coisas que se encarnam; ela também nos alcança através de relações horizontais — interpessoais — de amizade. Por mais cristão que eu seja, se tenho sido solapado pela vida, abandonado pelo companheiro em virtude de sua morte ou de ausência consentida, mais do que nunca vou sentir que Deus não me isenta dessa necessidade. 26 Paulo não sublimou esta situação, não a tratou com descaso, mas admitiu-a com plena sinceridade e transparência. E o que mostra o v. 9, quando diz a Tim óteo: “procu ra v ir te r com ig o depressa.” Repare que Paulo já deveria ser idoso, mas nem por isso desprezou a com panhia do moço. No v.21, ele reforça esse pedido: “ Apressa-te a vir antes do inverno.” Que coisa bonita! Não obs tante andar cheio de Deus, do Espírito Santo, o apóstolo não desprezava a companhia do irmão! He sabia que, no plano de Deus, sua chegada seria graça para lhe suprir as carências. As vezes, vam os vivendo um tremendo frio psicológico, sem ninguém que nos aqueça, que nos ouça; talvez, inclusive por nossa culpa, nós mesmos criamos a situação de abandono, a prisão gelada na qual nos fechamos. E essa é a pior prisão, aquela na qual nos colocamos, fechando a porta por dentro quando, então, ninguém entra. 27 O v . l l diz que Paulo precisava de Marcos; o v. 10, que sentia falta de Crescente; o v. 12, de Tíquico; o v. 19, de Prisca, Áquila e de Onesíforo; o v. 20, de Erasto e Trófimo, a quem deixara doente em Mileto. Veja, pois, como Paulo se fazia rodear de pessoas que amava, e cuja falta sentia de forma aguda e declarada. Ele sente falta de toda essa gente por uma razão muito simples: ele é homem. É bom não esquecer o que Deus disse a Adão: “Não é bom que o homem esteja sâ\ depois de formar o homem do pó da terra. Ele não se referia ao macho, mas à espécie humana, pois ele sabia que, mesmo vivendo debaixo de sua graça, homem ou mulher sentiriam sempre falta de amigos. E inútil romantizar esta situação afirmando ter o Senhor, e isto basta. Pãulo também o tinha, e muito próximo, mas ainda assim se sentia, às vezes, carente de companhia e de afeto. Você é carne e osso, tem mente, tem estrutura psicológica, está sujeito a 28 emoções, à afetividade; precisa de relações horizontais. A graça de Deus não é apenas uma manifestação que vem do alto para minha vida, mas ela também se manifesta com os' cabelos lisos, encaracolados, pixaim; ela se manifesta com olhos azuis, castanhos; com pele negra, morena, branca; a graça de Deus se manifesta com cara com prida, cara redonda, lisa ou com barba. Quando você, porém, vai assumindo, engolindo a solidão e afugentando os que tentam aproximar-se de você, mandando-os embora, vai se tornando ensimesmado, gente de assunto único — o de suas dores e dramas — , afun dando-se numa eterna autopiedade, afastando as pessoas de você. Afinal, ninguém consegue conviver muito tempo com aquele cujo único tema de conversa é a tragédia. Ao cultivarmos esta tendência de cultuarmos a solidão, vamos entrando num processo doentio, patológico, alienante, cada vez mais sós, encaramujados, num ostracismo pro 29 fundo. Tal solidão acaba sendo o melhor ambiente para as tentações de todo tipo, como a de curá-la ou minorá-la com uma relação pecaminosa.Torna-se terreno adubado para taras, manias, psicopatias, desconfianças. Com muita freqüência, vemos homens de Deus caírem de maduros e, se observarmos, vemos que são pessoas solitárias, às vezes até alienadas, isoladas no “santo dos santos” , sem permitirem o acesso de ninguém. Sabem qual o grande perigo disto tudo? O de nos tornarmos céticos, amargurados, indiferentes, armados contra tudo e todos. Vamos sendo feridos, magoados, traídos e depois de um tempo desistimos de crer, de amar, de nos abrir; desistimos de investir nosso coração nas pessoas. Em virtude das freqüentes decepções, podem os nos tornar vulneráveis à tentação de sermos eternamente des confiados dos outros. Sempre que me vejo envolvido por problemas deste tipo, 30 tento dizer para mim mesmo que é melhor ser traído por ter confiado do que nunca ser traído por nunca ter confiado. Atendo centenas e centenas de pessoas, e mesmo aquelas que têm a fé mais arraigada, não raramente, em meio à sua solidão já tiveram pelo menos desejo de que a vida se lhes terminasse logo, para que o desespero que as surpreendeu chegasse a um fim. Às vezes, não se chega à resolução de um suicídio propriamente dito, mas armam-se esquemas de autopunição. Admita, pois, que mesmo sendo cristão, você não está isento da necessidade de ter amigos que ajudem a arrancar de você essas vozes da culpa e da autopunição. O que acontece no coração de uma mulher que fica viúva? Ou é aban donada pelo marido? Ou é engravidada e o rapaz desaparece? Ela fica num buraco, muito só, sentindo-se ex tremamente desprezada; abandonada, muitas vezes. E é nesta hora que ela 31 precisa entender que am igos são respostas concretas de Deus para a sua situação; que é necessário pedir a ele um companheiro ou companheira de jugo, não para conversar sobre as calamidades, mas para se fortalecerem mutuamente. Apesar de viver num lar excep cionalmente feliz, com minha esposa e quatro filhos, tenho que confessar que há ocasiões nas quais preciso manter um contato com amigos, para com eles compartilhar certos problemas e as suntos impossíveis de se conversar em minhas relações familiares. Imagine, então, como não há de ser difícil, quando se tira a família de tudo isso ou a esposa... Muito mais acentuada será esta necessidade. 32 A GRAÇA DE DEUS TAMBÉM NÃO NOS ISENTA DE PROFUNDAS DECEPÇÕES COM AS PESSOAS N ã o é só com os amigos — até mesmo os melhores — que podemos nos decepcionar: isso atingetambém nossas parcerias de vida. Paulo ex perimentou desapontamento ao de- cepcionar-se com seu amigo Demas, que o abandonou, como declara no v.10. Ele fazia parte de sua equipe de evangelização, viajava com ele e o acompanhava em suas viagens evan- gelísticas, como lemos em Colossenses 4:14. Em sua carta a Filemon, v.24, Paulo diz que confiava nele, mas em II Timóteo ele declara que o amigo preferia as atrações do presente século a ele. Nos v.14 e 15, ele diz ainda que Alexandre, o latoeiro, causara-lhe muitos males. Ele delatara atividades evangelísticas de Paulo, o que naqueles dias em Roma era subversão. Fora um irmão que dera 33 informações falsas sobre Paulo. A idéia que subjaz, pois, é a de traição — se Demas o abandonou, Alexandre o traiu. O v.16 fala da falta de solidariedade, ou seja, na sua primeira defesa ninguém foi a seu favor, ninguém se solidarizou com ele: nem a igreja, nem os irmãos. Três idéias básicas aparecem neste texto: a primeira é abandono; a segunda, traição e, a terceira, falta de soli dariedade. As três se encaixam na vida de cada um de nós, seja quem for. No caso específico de Paulo, o abandono foi de um companheiro de ministério; a traição, de um irmão, e a falta de solidariedade, da igreja. E no seu caso, quem o abandonou? Quem o traiu? Quem não foi solidário com você? Esqueça que quem está falando sobre isto é Páulo e tome apenas as situações, os sentimentos que o possuíram e as realidades que o cercam e traga-os para o seu conjunto de ocorrências de vida. Foram três as situações que lhe ocor reram e, talvez, as suas sejam seme 34 lhantes às dele: abandono, traição, falta de solidariedade. A graça de Deus não nos isenta de tais experiências. Conheço pessoas muito piedosas, que nem por isso deixaram de ser atingidas, golpeadas na vida, talvez não diretamente por estas três situações, mas pelas implicações profundas e emocionais que advêm das suas realidades. A GRAÇA DE DEUS TAMBÉM NÃO NOS ISENTA DE ENFRENTAR DIFICULDADES MATERIAIS T alvez alguém pergunte sobre o que a nossa realidade tem a ver com este texto. Respondo que tem muito a ver. Por exemplo, a mulher abandonada ou que ficou só tem a responsabilidade de sustentar os filhos que lhe tocaram como herança; quando a mãe solteira tem que se movimentar tremendamente para que ela e o filho sobrevivam; a viúva 35 nem sempre tem o amparo necessário para continuar à espera do tempo de partir naturalmente, e não morrer de inanição antes da hora; o rapaz que se forma e não consegue emprego logo; o pai de família que perde o emprego ou tem uma crise em seu negócio. Há ainda situações as mais diversas carregadas sempre da tragédia do inesperado. Analise, então, a sua situação concreta, a partir das experiências e observações feitas. No v.13, o apóstolo diz: “ Quando vieres, traze também a capa que deixei em Trôade, em casa de C arpo(..J\ Isso tem a ver com o v.21: “Apressa-te em vir antes do inverno” , que nos leva a perceber o frio intenso que Paulo passava naquela masmorra úmida. Ele não era tão romântico a ponto de dizer: “Não preciso de nada!” Não! Se a capa não chegasse, o frio ia lhe gelar os ossos. Ou seja, Paulo precisava de proteção, de suprimento. A palavra grega que significa capa descreve uma espécie de 36 poncho, um tipo de cobertor com um buraco onde se enfiava a cabeça. Assim é que Paulo revela bem que o frio que ele estava passando era intenso. Ele, portanto, não espiritualizava esta necessidade, nem para sentir frio. Ele não diz: “eu decreto que não está frio” . Ele pede a capa! A graça de Deus não evita ter que atender a algumas necessidades ma teriais. A promessa de Jesus, em Mateus 6, de que teríamos garantidos vestuário e comida, diz respeito ao básico; o v.33 nos manda buscar em primeiro lugar o reino dos céus, para que todas “ estaá' coisas nos sejam acrescentadas. Quais são “estas co isa i' às quais ele se referiu no contexto antecedente? Comida, roupa! Não prometeu um carro do ano, nem uma casa de campo além da casa própria. Ou seja, os acessórios, aquilo que Deus não tem nenhuma obrigação de providenciar podem vir ou não, mas não está incluído no “contrato” . Jesus apenas disse que, assim com o os 37 passarinhos não morrem de fome, nós também sobreviveriamos. Busque o Reino, e você irá sobreviver apesar de todas as lutas. No entanto, mesmo com essa promessa, o Evangelho não nos livra de privações: é só atentar para a vida de Paulo ou, melhor ainda, para a vida de Jesus. A Bíblia revela que “As raposas têm os seus covis e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeçá ' (Mateus 8:20). Em II Coríntios 11:27, Paulo diz que passou fome; também frio e nudez. No cap.12, v.10, declara que passava necessidades, dizendo — por incrível que pareça — que sentia prazer nisso. Seu prazer não residia no sofrimento, mas no fato de que ele podia ama durecer e se “enriquecer” enquanto sofria. As necessidades materiais são quase medidas terapêuticas de Deus para nosso caráter. Servem-nos igual mente para realçar nossa necessidade de dependência integral de Deus e 38 ressaltam quais são, de fato, as relações que temos com a vida. Onde está meu coração? Em que tenho investido? Por favor, quando as coisas estiverem apertadas para você, não pense que a única causa de um fracasso seja pecado, pois homens que vivem sob a graça de Deus também estão sujeitos a necessidades materiais. Durante um ano e meio, há bastante tempo, trabalhou na VINDE um irmão que semanalmente entrava em meu escritório para dizer: “ Pr. Caio, o Senhor me revelou que você está em pecado. Confesse que você é uma montanha de soberba” . Eu respondia: “Sei que não sou humilde como deveria ser, mas também não sou a montanha de so berba que você está dizendo” . Aquilo não era cruz, era espinho na carne mesmo! Toda vez que passá- vamos por qualquer dificuldade finan ceira, lá vinha ele: “E resultado de seu pecado. A missão está sofrendo por sua culpa.” 39 Você não sabe o que é passar um ano e meio ouvindo esse tipo de “mensa gem” em sua própria sala! Eu, ali, pedindo paciência a Deus para lidar com a situação. Alguns anos depois de ter saído da missão, ele resolveu montar um grande evento no Rio de Janeiro, endividando- se até a alma para pagar toda a campanha promocional com outdoors, cartazes, além do som da melhor qualidade. O evento foi realizado, mas o dinheiro gasto não foi recuperado, e a dívida perdurou por muitos anos. Tempos depois, ele esteve em meu escritório e disse: “Eu vim pedir perdão, porque foi necessário que eu vivesse situação idêntica para entender que necessidade material não é sinônimo de pecado. Perdoe-me a estupidez de todos aqueles anos.” Em Atos 11:29 e 30, percebemos que os irmãos que moravam na Judéia estavam precisando urgentemente de socorro, pois uma crise se abatera sobre 40 o mundo, inclusive sobre a Igreja, nos dias de Cláudio. Cito este exemplo bíblico para dar maior força ao fato de que muitos irmãos, em nossos dias, enfrentam dificuldades de toda sorte. Vivemos tempos de crise em nosso país, de desemprego, de baixa renda, e muitas são as vezes em que, nesta economia terrível, tem-se que juntar trocados para pagar o aluguel, comprar o leite e alguma coisa para abastecer a geladeira, numa luta tremenda pela sobrevivência. Não obstante a tudo isso, a graça de Deus que abençoa, conforta e supre o nosso ser não retira de nós nossa humanidade. Muitas de nossas perdas materiais são oriundas de circunstâncias adversas à nossa vontade, resultado de escolhas erradas, negligências ou, ainda, de atos inconseqüentes de nossa parte. Não é sempre, portanto, que estamos total mente isentos de culpa. Se você já perdeu, tire pelo menos, da perda, o 41 resultado espiritual de um sacrifício. Entregue a situação a Deus; receba sobre si todas as suas conseqüências,mesmo que sejam as imposições das neces sidades materiais. Ofereça, então, sua pobreza ou a dim inuição de seus recursos e suas privações como sacrifício de louvor a Deus. Se tiver participado de modo culposo no que aconteceu, peça a ele perdão, apanhe o que restou e entregue a ele, como libação, como oferenda. A graça de Deus não nos isenta de passar pelas necessidades materiais; o que devemos é oferecê-las ao Senhor como sacrifício de louvor. E mais: não deixe que um eventual fracasso jogue você na cultura da pobreza e da escassez. Você não é forçado a ter a fim de ser abençoado. Mas você não é obrigado a não ter para se interpretar como espiritual. Ter ou não ter não significam nada além de ter ou não ter. Quando a parte anda no amor de Deus, todos as coisas cooperam para o nosso 42 bem, seja o ter ou seja o não ter. A GRAÇA DE DEUS NÃO NOS ISENTA DE ENFRENTAR O TÉDIO DA INATIVIDADE abandono e da inatividade. No v.13, Paulo diz: “ Traze também os livros, especialmente ospergam inhoá'. Você já imaginou esse homem ativo, ebuliente, indomável, de um caminhar irreprimível, de uma agitação tremenda, agora recluso em uma prisãozinha? Esse homem que era uma usina de imagi nações do reino de Deus e que sonhava com o mundo, que não encontrava terras longínquas demais pelas quais não se apaixonasse, depara-se num cubí culo, inativo, entediado no horroroso silêncio da manhã, no marasmo da tarde, na escuridão da noite. Faz-me lembrar uma carta de Bonhoeffer, escrita de uma prisão nazista: “Acordo às 6 da manhã; a vezes, o tédio decorre do 43 manhã é longa e eu ando durante três horas na cela, de um lado para o outro para exercitar minha musculatura. A o meio-dia, tenho meia hora ao sol, e, então, eu fico torcendo para chegar a tarde quando leio a Bíblia e oro. Às 16:30 servem a refeição, após o que eu peço a Deus que a noite chegue para que eu possa mergulhar num sonho. E maravilhoso ter a oportunidade de sonhar; eu me liberto à noite,viajo por onde não posso viajar, vou aonde meu corpo não pode ir.” Paulo também procura encontrar um meio de ocupar a mente na inatividade: “Traze os livros e os pergam inhos ”, eu quero viajar por meio deles, quero ocupar a mente com trabalho, com apontamentos. E interessante como ele não espi ritualiza o tédio, assumindo que este mal requer um remédio material. E simples: quem está entediado precisa se distrair. Isto me faz lembrar de pastores sem igreja, jubilados; homens aposentados, 44 mulheres viúvas ou divorciadas que criaram seus filhos e se vêem sozinhas; pessoas que de alguma forma se viram limitadas em sua ação; pessoas que, por contingências diversas, perderam sua capacidade de expressão, de comu nicação. A graça de Deus não nos isenta disso tudo. Justamente para isto é que temos de encarar as oportunidades de distração como instrumentos da graça de Deus para nos libertarem das rotinas tediosas e enclausurantes. A PROVISÃO DE DEUS PARA AS DIFICULDADES plicitadas; gostaria de ressaltar, contudo, que o texto não apenas levanta o problema e as situações que podem atropelar nossa existência, mas apre senta recursos de Deus para os en fermos. Em primeiro lugar, acho lindíssimo o que se encontra em II Timóteo 4:17, provisões já foram ex- 45 onde Paulo diz: “Mas o S enhor m e assistiu e m e revestiu de forças para que, p o r m eu intermédio, a pregação fosse plenamente cumprida, e todos os gentios a ouvissem; e fu i libertado da boca do leãd\ Aqui, Paulo mostra que apesar de não ter sido poupado da dor, ele era fortalecido em suas fraquezas e ca rências. Isto é graça, é a força que eu não tenho; e o acréscimo do que me falta. Você já ouviu pessoas dizendo: “Eu tenho certeza de que nunca conseguiría passar uma situação desse tipo” . Aí, de repente, elas se vêem dentro dessa câmara de aflições e, sem que saibam como, passam por ela e saem com a certeza de que sozinhas não poderíam, mas conseguiram. É graça! Paulo sabia muito bem que o socorro de Deus era real e presente, pois para ele não há impedimentos, lugares lúgubres demais, abismos ou poços tão 46 fundos nos quais a graça não possa penetrar. Em segundo lugar, o Senhor nos livra das ciladas que nos armam. Os versos 17 e 18 deixam isto muito claro: “e fu i libertado da boca do leão. O Senhor m e livrará também de toda obra maligna...” Paulo não está preocupado em não ter luta, ele está preocupado em não deixar seu coração se envolver com obras malignas. Nossa preocupação não deve ser a de não passar por conflitos, mas a de pedir a Deus que o nosso coração, de alguma forma, não fique mergulhado, chafurdado em amargura, em ódio, em vingança, em ressen timento, em cinismo, em descrença, em dúvida e medo de se dar. E nessa hora que surge a possibilidade e espaço para a obra maligna. Em terceiro lugar, ele nos dá a visão de que nada que nos possam fazer e nada que nos possa acontecer pode tirar a verdadeira riqueza da nossa vida. No verso 18 ele diz: “ O Senhor m e 47 levará a salvo para o reino". Às vezes, Deus não nos livra da morte, mas nos livra através dela. Às vezes, Deus não nos livra da fome, mas nos livra através da fome; não nos livra da decepção, mas, sim, por m eio dela, até que cheguemos ao lar celestial! Em último lugar, o Senhor põe sempre ao nosso lado alguns que nos amam e que nos confortam .Todo mundo foi embora, som ente Lucas está com igo. Há sempre um Lucas, olhe ao lado, ele está aí. Às vezes, é a sua esposa que está de plantão; seus amigos lhe traíram, mas ela está aí... Meu irmão, se você estiver-se sentindo triste, solitário, não se odeie por isto, mas levante a cabeça, olhe para o Senhor, olhe para os irmãos amados e lembre- se de que a graça de Deus não o tornará um super-herói. Assuma a imanência desta graça nas coisas naturais e aceite que, quando estamos solitários, a graça de Deus vem através de amigos e não de um quarto escuro. Quando estamos 48 com frio, a graça de Deus é roupa quente. Quando estamos entediados, precisamos de distração. N o Amazonas, temos um amigo nascido na Irlanda, de boa família, que foi jogador de futebol da primeira divisão daquele país, candidato à seleção profissional. Ao converter-se, sentiu um chamado para o ministério sagrado. Quando casou, recebeu convites para pastorear na Irlanda, mas sentiu-se cham ado para o Amazonas, num lugarzinho perdido e desconhecido, de nome Lábrea. Saiu, então, da Irlanda com a mulher e veio de navio. Che gando a Manaus, depois de viajar dias e dias, entrou num barco e, ao de sembarcar em Lábrea, a mulher morreu de febre negra. Não falava uma palavra em português, nem mesmo “ai” . O capitão do barco disse: “Esse homem vai se suicidar...” Porque não era possível acontecer tanta desgraça junta: novinho, deixa sua terra e parte para o fim do mundo para ser missionário e, 49 assim que chega, lhe morre a mulher, nova e bonita. Ele pôs, então, um rapaz o dia inteiro atrás dele, para impedi-lo de um gesto insano. Mas aquele mis sionário saiu, encomendou um caixão, carregando-o sozinho até o cemitério da cidade, debaixo de uma chuva torren cial. Cavando um buraco, colocou dentro o caixão, cobrindo-o de terra. Sobre ela, jogou as flores que arranjara e caiu prostrado sobre o lugar, chorando muito, alagando o túmulo junto com a chuva naquela terra que lhe escondia a mulherzinha amada. “Senhor, eu não posso suportar isto!” “Deus, eu amo Jesus. Mas quero confessar-te uma coisa: se eu chegasse ao céu hoje, a primeira pessoa que eu gostaria de ver não seria Jesus, mas minha mulher. Não agüento mais a saudade dela!” , orou dias depois. Deus não é o soberano distante e vingador que pintamos, alguém que exige reverência e distância. Ao con trário, ele é Deus amigo e Pai mise 50 ricordioso — ele não é uma divindade pagã, Zeus, Poseidon ou Exu Caveira. Ele se importa com seus filhos. Mesmo sendoo que sou, se meu filho perdesse a mulher e me dissesse que queria vê-la primeiro, eu diria: — Você tem toda razão, meu filho. Quanto mais ele! “ Ora, ainda vos declaram os p o r palavras do Senhor isto: nós os vivos, os que ficarm os até a vinda do Senhor, de m odo nenhum precederemos os que dormem. Porquanto o Senhor mesmo, dada a palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus, e os m ortos em Cristo ressuscitarão primeiro, depois nós, os vivos, os que ficarm os, serem os arrebatados juntam ente com eles, entre nuvens, para o encontro do Senhor nos aresf.J. ” (I Ts 4:15-16) Nesta passagem, Deus estava lhe dizendo que ele veria sua mulher; ela ressuscitaria e ele, vivo, iria ao seu encontro e juntos iriam ao encontro do Senhor nos ares! Com isso, Deus está 51 também dizendo que os seres humanos podem se amar, pois nós precisamos uns dos outros. E lá ficou o moço; aprendeu a língua, fundou uma igreja, uma escola e, anos mais tarde, casou com uma mulher de lá. Hoje, com filhos adolescentes, ele garante que antes de passar por aquilo tudo, não poderia jamais pensar que agüentaria; e após ter passado, não sabe como, humanamente, agüentou; sabe apenas que o Senhor o assistiu. Talvez você esteja se dizendo que já não suporta mais ser jogado nesse destino selvagem. Mas acredite: o Senhor quer renovar-lhe o alento, quer revesti-lo de forças, quer cobrar-lhe ânimo, quer que você saia dessa curvatura, desse compromisso de assumir a tragédia e que renove a combatividade. 52 O SENHOR VEM E NOS LIVRA DAS CILADAS QUE NOSARMAM O final do v.17 e o v.18 nos dizem: “ ...fu i libertad o da boca do leã o .O Senhorm e livrará também de toda obra m aligna (..J\ Tenha em mente o se guinte: quase todas essas situações de abandono, solidão, tédio, necessidades e carências, nostalgias, separações e fraturas de relacionamentos trazem por trás a obra maligna. Nem sempre conseguimos ser abandonados e fazer com que esse abandono não redunde em obra maligna; nem sempre con seguimos passar por tais situações sem dar lugar a que essa obra se intrometa entre nós. Paulo, no entanto, nos adverte em sua carta aos Efésios 4:26 e 27: “Irai-vos e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira, nem deis lugar ao diabo”. Muitas vezes, a luta e o sofrimento promovidos pela vida podem funcionar 53 como uma “cilada” . Se nos baseamos em nossas tribulações, podemos ser arrastados para elas nos sentindo com direito à rispidez e desconfiança com tudo e todos. A graça de Deus promove perdão, transforma a tragédia em bênção se nos deixarmos controlar pelo Espírito Santo e se exercitarmos o perdão. 54 CONCLUSÃO D e u s desafia a mim e a você a experim entar esta graça sem que precisemos nos transformar em super- heróis espirituais. Olha, irmão, se percebermos isto, teremos não apenas esta transcendência da graça, mas a veremos com fre- qüência em coisas, pessoas, amigos, e assim, poderemos exclamar: Emanuel, Deus conosco! Aleluia! 55 ESTUDANDO O TEXTO Agora que você acabou a leitura desta mensagem, gostaríamos de incentivá-lo a estudar e refletir um pouco mais sobre a realidade aqui exposta. As perguntas a seguir podem ser aplicadas em grupos de estudo, Escola Dominical, no culto em família ou mesmo na devocional. Isto é um exercício para que a Palavra se torne prática e eficaz na sua vida. 1- Quando você pensa no apóstolo Páulo, você pensa num homem sujeito a fraquezas? De que tipo? 56 2- Durante a leitura você se iden-tificou com as fraquezas humanas do apóstolo Paulo? Qual delas? 3- O que os amigos representam para você? 4- O que é mais difícil: ter amigos ou ser amigo? 57 5- De que maneira você pode atuar como um “Lucas” na vida do seu próximo? 6- Das crises descritas neste livreto, qual a pior vivida pelo apóstolo Paulo? 7- De acordo com Mateus 6, o que podem os esperar da “provisão de Deus”? 58 8- Como, de modo prático, a Igreja pode interferir no “tédio da inatividade”? 9- Dê exemplos práticos de como Deus pode nos livrar da boca do leão e de toda a obra maligna? 10- Você acha que a solidão pode ser “ambiente de tentação”? Por quê? 59 ven&cd O CRISTÃO NÃO É IMUNE AO SOFRIMENTO MAL INTERPRETADO TEOLOGICAMENTE INCOMPREENSÓES NO PASTORADO AUSÊNCIA DE SUPORTE FINANCEIRO SOFREU CALÚNIAS NÃO FOI VALORIZADO TUDO ISSO E MUITO MAIS! SER CRISTÃO NÃO SIGNIFICA NÃO SER HUMANO A PROVISÃO DE DEUS PARA AS DIFICULDADES CONCLUSÃO ESTUDANDO O TEXTO
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