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G EO G RAFIA D O S RECU RSO S H ÍD RICO S M aria Carolina Vieira da RochaFundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6307-9 9 788538 763079 2017 Geografia dos Recursos Hídricos Maria Carolina Vieira da Rocha Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Shutterstock © 2017 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ R574g Rocha, Maria Carolina Vieira da Geografia dos recursos hídricos / Maria Carolina Vieira da Rocha. -- 1. ed. -- Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2017. 140 p. il. Inclui bibliografia ISBN: 978-85-387-6307-9 1. Geografia - Estudo e ensino. I. Título. 17-41715 CDD: 910 CDU: 910 Apresentação A água é recurso essencial à sobrevivência de todos os seres vivos. Sua presença é necessária ao equilíbrio dos ecossistemas no planeta, além de ser fonte primordial para as atividades humanas. Entretanto, apesar de sua importância, grande parte deste recurso ainda é gerenciado de forma inadequada, levando ao desperdício e à escassez hídrica em diversas partes do mundo. Apesar de presente em grande quantidade no globo, apenas uma pequena fração de água encontra-se disponível para uso humano. A essa água, cujo uso destina-se às atividades antrópicas como abastecimento doméstico, uso industrial e irrigação agrí- cola, é dada a denominação de recurso hídrico. Assim, para que os recursos hídricos possam ser utilizados de forma sustentável e de acordo com a taxa de renovação da água no planeta, é importante conhecer os conceitos e mecanismos associados à hidro- logia e à hidrografia no Brasil e no mundo. Dessa forma, esta obra tem como objetivo apresentar informações importantes e atua- lizadas acerca da geografia dos recursos hídricos mundiais. No decorrer deste trabalho serão abordados, também, os temas referentes à legislação que regulamenta o uso das águas no Brasil e à gestão ambiental de águas, tópicos importantes para o acompanhamento da quan- tidade e qualidade da água existente no planeta. Abraços e bons estudos! Sobre a autora Maria Carolina Vieira da Rocha Doutora e mestre em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com pós-doutorado em andamento no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental da mesma instituição. É engenheira de Bioprocessos e Biotecnologia pela UFPR e bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Positivo (UP). Atua em pesquisas com ênfase em: biotecnologia, microbiologia e parasitologia ambiental; recursos e tecnologias ambientais; e sistemas de tratamento de efluentes e lodo de esgoto doméstico. Atualmente, é profes- sora e pesquisadora na Faculdade Anchieta do Estado do Paraná (FAESP) e professora na Faculdade Educacional da Lapa (FAEL). 6 Geografia dos Recursos Hídricos SumárioSumário 1 Ciclo das águas 9 1.1 Definição e características das águas doces 10 1.2 Ciclo hidrológico 14 1.3 Reservatórios hídricos 18 2 Histórico dos recursos hídricos 27 2.1. Políticas de desenvolvimento dos recursos hídricos 28 2.2 Águas e desenvolvimento sustentável 33 2.3 Gestão de recursos hídricos 36 3 Apropriação e utilização dos recursos hídricos 43 3.1 Águas para consumo humano 44 3.2 Mananciais urbanos e hidroeconomia 48 3.3 Águas para produção industrial 51 4 Recursos hídricos no Brasil 59 4.1 Hidrologia no Brasil 60 4.2 Política Nacional de Recursos Hídricos 65 4.3 Usos e qualidade da água no Brasil 69 Geografia dos Recursos Hídricos 7 SumárioSumário 5 Princípios da hidrologia aplicada ao saneamento 77 5.1 Princípios de tratamento de águas 78 5.2 Princípios de tratamento de efluentes 83 5.3 Poluição hídrica e a classificação dos corpos d’água no Brasil 87 6 Recursos hídricos nos ambientes urbano e rural 93 6.1 Águas no meio urbano 94 6.2 Águas no meio rural 98 6.3 Conservação e uso racional da água 101 7 Água e geração de energia 109 7.1 Geração de hidroeletricidade 110 7.2 Potencial e uso da energia hidrelétrica no Brasil 112 7.3 Panorama mundial do uso da hidreletricidade 115 8 Gestão ambiental de recursos hídricos 125 8.1 Gestão ambiental dos recursos hídricos 126 8.2 Alterações climáticas 130 8.3 Conservação dos ecossistemas aquáticos 133 Geografia dos Recursos Hídricos 9 1 Ciclo das águas Água é vida, e sua preservação é essencial para a sobrevivência do homem e de todos os seres vivos no planeta. De fato, os usos da água doce em nosso cotidiano vão desde o consumo direto, humano e animal, até inúmeras atividades essenciais, como irrigação, geração de energia, lazer e navegação. Assim, é impossível imaginar vida sem água, tão grande é a nossa dependência desse precioso recurso. Entretanto, severos danos vêm sendo causados aos corpos hídricos de todo o mundo, devido a ati- vidades humanas pouco sustentáveis, isto é, atividades que impactam negativamente o meio ambiente, como geração de energia a partir de fontes fósseis e lançamento de esgotos domésticos e industriais, sem tratamento prévio, em rios e córregos. Para se conhecer a extensão da dependência humana em relação a esse elemento natural e como podemos minimizar os prejuízos resultantes da ação antrópica no meio ambiente, é fundamental conhecermos os conceitos e o ciclo associado à renovação da água em nosso planeta. Dessa forma, iniciaremos esse capítulo abordando a definição e as características dos recursos hídricos e, na sequência, trataremos das etapas do ciclo hídrico, isto é, o ciclo de renovação da água nos reservatórios da Terra. Ciclo das águas1 Geografia dos Recursos Hídricos10 1.1 Definição e características das águas doces 1.1.1 Água como recurso hídrico Quimicamente, a água é definida como uma molécula formada por dois átomos de hi- drogênio ligados a um átomo de oxigênio. Mas, apesar de abundante no planeta, nem toda água existente pode ser definida como recurso hídrico. Um recurso hídrico implica em águas capazes de serem utilizadas como um bem econô- mico, isto é, cujo uso seja viável para o desenvolvimento econômico, político e social de uma região. Como exemplos, têm-se as águas utilizadas para: abastecimento humano (Figura 1), canalizadas ou não; dessedentação de animais1; processos de irrigação; geração de energia; paisagismo; lazer; navegação; entre outros usos. Figura 1 – Sistema de decantação em estação de tratamento de água (ETA) para abastecimento humano. Fonte: atlantis1986/iStockphoto. Assim, é fundamental ao desenvolvimento de uma região que os recursos hídricos dis- poníveis sejam utilizados de forma sustentável. Sustentabilidade é um termo que, durante muito tempo, foi de difícil definição. Entretanto, em 1987, a Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da sua Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, elaborou um relatório intitulado Our Common Future (ou Relatório de Bruntland), que ficou conhecido como um divisor de águas na política ambiental mundial, por trazer uma defini- ção bastante acurada do termo desenvolvimento sustentável (HARLEM et al., 1987). De acordo com o Relatório de Bruntland, o desenvolvimento sustentável é aquele “capaz de satisfazer as necessidades do presente, sem, contudo, comprometer a capacidade das fu- turas gerações em suprir suas próprias necessidades” (HARLEM et al., 1987). Por conseguin- te, é possível aplicar esse conceito ao uso dos recursos hídricos, aproveitando de forma cons- ciente e sustentável os benefícios que os diferentes corpos hídricos podem proporcionar. 1 Ato de dessedentar; suprir a necessidade de água dos animais. Ciclo das águas Geografia dos Recursos Hídricos 1 11 Uma das formas primárias de utilização da água no meio ambiente estáassociada à manutenção dos ecossistemas, isto é, o conjunto formado por todas as comunidades bióti- cas de determinada região, capazes de interagir entre si e com o ambiente no qual habitam. Isso porque a água é uma das matérias-primas necessárias à realização da fotossíntese por organismos fotossintetizantes. Esse processo é responsável pela produção primária, isto é, a quantidade total de matéria orgânica produzida por um organismo autotrófico no meio ambiente, mantendo o equilíbrio nos diversos ecossistemas. Entretanto, caso ocorram alte- rações significativas no ciclo hidrológico, isto é, no ciclo de renovação da água na superfície da Terra, essa produção pode ser diretamente impactada, gerando severos danos, em longo prazo, ao meio ambiente. Infelizmente, o ciclo hidrológico está cada vez mais susceptível a alterações, principal- mente devido às mudanças climáticas que vêm ocorrendo nas últimas décadas. Além disso, impactos antrópicos, como a poluição de águas, solo e atmosfera, a impermeabilização de solos e o desmatamento também são responsáveis pela escassez hídrica e pelo comprome- timento da qualidade dos corpos hídricos. Como resultado, as alterações no ciclo da água dificultam o aproveitamento desse recurso e prejudicam o desenvolvimento econômico e social de uma região. 1.1.2 Classificação das águas As águas naturais podem ser classificadas, de acordo com seu teor de sólidos totais dissolvidos (STD), em: águas doces, em que a concentração de STD é inferior a 1.000 mg L-1; águas salobras, cuja concentração de STD encontra-se entre 1.000 e 10.000 mg L-1; e águas salgadas, no caso da concentração de STD ultrapassar 10.000 mg L-1 (WHO, 2004). Ainda levando em consideração o teor de sólidos, também expresso como teor de sais ou salinidade, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), em sua Resolução n. 375, de 17 de março de 2005, elaborou uma classificação das águas no Brasil. Dessa forma, águas doces são aquelas cuja salinidade, na forma de sólidos totais dissolvidos, seja igual ou inferior a 0,5%; águas salobras, aquelas que apresentem salinidade entre 0,5% e 30%; e águas salinas, aquelas que apresentem salinidade acima de 30% (BRASIL, 2005). Entre essas, as águas doces são aquelas que apresentam maior potencial para uso como recurso hídrico, seja pelo aproveitamento de suas águas subterrâneas, como aquí- feros2, ou superficiais, como lagos, lagoas e rios. A utilização da água doce é fundamental ao abastecimento do consumo humano, assim como ao desenvolvimento de atividades agrícolas e industriais. Mundialmente, os volumes de água associados a rios e lagos de água doce são de aproximadamente 200 mil km3. Esse volume seria esgotado rapidamente, considerando-se a demanda da população mundial de mais de 7 bilhões de habitantes. Mas a água é um recurso renovável, e graças ao seu ciclo contínuo, reservatórios de água doce no mundo inteiro são constantemente reabaste- cidos, permitindo seu uso, em teoria, permanente. Entretanto, como visto anteriormente, a 2 Formação geológica subterrânea de armazenamento de água. Ciclo das águas1 Geografia dos Recursos Hídricos12 escassez hídrica e a deterioração dos corpos hídricos são problemas graves que devem ser levados em consideração, em prol da sustentabilidade do uso das águas no planeta. 1.1.3 Reservatórios de água doce no mundo Apesar da disponibilidade hídrica de reservatórios de água doce no mundo ser su- ficiente para abastecer a população mundial, sua distribuição é bastante desigual. Assim, regiões formadas por zonas intertropicais úmidas3 e temperadas4 são responsáveis por 98% do total mundial de descargas dos rios, enquanto o restante das zonas climáticas divide es- cassos 2% das águas. A Tabela 1 apresenta uma distribuição aproximada, em volume (km3) e valores percentuais, da quantidade de água existente no planeta. Tabela 1 – Distribuição global aproximada de água no planeta. Fonte de água Volume total (em km3) % de água doce % total Oceanos, mares e baías 1.338.000.000 - 96,5 Geleiras e neve permanente 24.064.000 68,7 1,74 Águas doces subterrâneas 10.530.000 30,1 0,76 Águas salinas subterrâneas 12.870.000 - 0,93 Umidade do solo 16.500 0,05 0,001 Lagos de água doce 91.000 0,26 0,007 Lagos de água salina 85.400 - 0,006 Atmosfera 12.900 0,04 0,001 Rios 2.120 0,006 0,0002 Fonte: SHIKLOMANOV, 1993, p. 13. Adaptado. De acordo com o observado na Tabela 1, cerca de 1.386.000.000 km3 de água no planeta são de origem salina, o que equivale a mais de 98% do total de disponibilidade hídrica da Terra. Além disso, do total de água doce disponível, aproximadamente 68,7% estão retidos na forma de geleiras e neve permanente, e outros 30% são encontrados em aquíferos. Dessa forma, a utilização humana desses recursos encontra-se restrita às águas doces presentes em rios e lagos, o que resulta em pouco mais de 0,007% do total global. O Brasil é o país com o maior volume de águas doces do mundo, com descarga média de rios equivalente a 6.220 km3/ano, seguido pela Rússia, com 4.059 km3/ano, e Estados Unidos (juntamente ao Alasca) com 3.760 km3/ano. Enquanto isso, países como Malta e Gaza apresentam, respectivamente, 15 km3/ano e 46 km3/ano (REBOUÇAS, 2015), o que os ca- racteriza como os países mais pobres em reservas de água doce no mundo. O Brasil, portanto, se destaca mundialmente devido às vazões5 de água doce presentes em seu território, isto é, aproximadamente 178.000 m3/s, associados à descarga de seus rios 3 Zonas térmicas da Terra caracterizadas por elevada incidência luminosa e altas temperaturas médias. 4 Zonas térmicas da Terra caracterizadas por incidência luminosa intermediária e temperaturas amenas. 5 Volume de água que passa por uma seção transversal de um conduto por unidade de tempo. Ciclo das águas Geografia dos Recursos Hídricos 1 13 (REBOUÇAS, 2015). Esse valor, aliado à vazão de pouco mais de 73.000 m3/s oriunda da Amazônia internacional, equivale a 12% do valor total mundial. Entretanto, apesar de o Brasil apresentar grande potencial hídrico, a distribuição de rios em seu território é bastante desigual. Isso porque a maior parte desses corpos hídricos (cerca de 68,5%) encontra-se na região Norte do país, que também apresenta a menor densidade demográfica6, com pouco mais de 4,12 hab./km2 (IBGE, 2010). Assim, regiões densamente povoadas, como Sudeste (86,92 hab./km2), Sul (48,58 hab./km2) e Nordeste (34,15 hab./km²) contam, juntos, com menos de 15% da água doce disponível no país. Dessa forma, é possível compreender como a escassez hídrica é um tema recorrente nessas regiões do Brasil, mesmo estando elas no território mais rico em reservas de águas doces do mundo. É importante salientar que a quantidade e a qualidade da água que escoa em direção a uma bacia hidrográfica dependem, em grande parte, das características dos ecossistemas componentes dessa bacia. Neste ponto, devemos conhecer a definição de bacia hidrográfi- ca: trata-se de uma região formada por águas superficiais que convertem a um único ponto, chamado de saída da bacia. É uma região de escoamento das águas de superfície, que são direcionadas a outro corpo hídrico, que pode ser um rio, reservatório, mar, ou oceano, por exemplo. Na Figura 2 tem-se uma representação esquemática de uma bacia hidrográfica e, na Figura 3, uma imagem do rio Amazonas, componente da Bacia Amazônica, maior do mun- do em regime misto, isto é, associado às chuvas e ao derretimento de neve de cordilheiras. Figura 2 – Representação esquemática de uma bacia hidrográfica (o pontilhado representa os limi- tes de drenagem da bacia). Fonte: Zimbres, 2005/Wikimedia Commons. 6 Número de habitantes por área de um território. Ciclo das águas1 Geografia dos Recursos Hídricos14 Figura 3 – Vista aérea do Rio Amazonas em território brasileiro. Fonte: Filipe Frazão/Shutterstock. 1.2 Ciclo hidrológico 1.2.1 Compreendendo a renovação da água no planeta O ciclo hidrológico, ou ciclo da água, é responsável pela renovaçãodos reservatórios e aquíferos na superfície do planeta. Trata-se de uma importante via de conexão entre oceanos, terra e atmosfera, garantindo a reserva de água necessária à manutenção da vida na Terra. Na Figura 4, pode-se observar uma representação esquemática do ciclo de água no planeta. Figura 4 – Representação esquemática do ciclo hidrológico no planeta. Fonte: John M. Evans, 2006/Wikimedia Commons. Ciclo das águas Geografia dos Recursos Hídricos 1 15 Durante o processo do ciclo hidrológico, o volume total de água permanece constante. Entretanto, durante as etapas do ciclo, as formas em que a molécula de água se apresenta no planeta são variadas e dependentes das condições climáticas de cada região. Assim, é possí- vel encontrar reservas de água em aquíferos, lagos, rios, geleiras, atmosfera, além das reser- vas presentes nos organismos vivos e que são liberadas a partir do processo de transpiração. Dessa forma, podemos afirmar que há um contínuo movimento da água acima, abaixo e na superfície da Terra, caracterizado pela troca constante de estado. Isto é, a água pode ser encontrada em três estados distintos: em fase sólida (como gelo, geada, neve); em fase gasosa (vapor d’água); e, mais comumente, em fase líquida. Ao modificar seu estado (de sólida para líquida, ou de líquida para gasosa, por exem- plo), a molécula de água é submetida a mudanças físicas, também denominadas de mudan- ças de estado. Essas alterações dependem da temperatura e da pressão, resultando na fusão, solidificação, evaporação, condensação ou sublimação da molécula de água. Dessa forma, por exemplo, uma porção de neve submetida a determinado aumento de temperatura e à pressão atmosférica dá início à mudança do estado sólido para o estado líquido, fenômeno denominado fusão. Essa água, agora na forma líquida, poderá fluir e reabastecer rios e aquíferos durante seu percurso. Ainda, se a temperatura aumentar conti- nuamente, parte dessa água poderá evaporar, abastecendo a atmosfera com vapor d’água. Nas regiões mais elevadas da atmosfera, a temperatura é reduzida e o vapor pode ser con- densado, originando as precipitações sobre a superfície do planeta. Assim, as mudanças de estado da água são essenciais para a manutenção desse recurso vital. Para facilitar nossa compreensão, podemos considerar o início do ciclo hidrológico nos oceanos, que concentram os maiores volumes de água no mundo. O sol, ao aquecer os ocea- nos, leva à evaporação de parte dessa água, que é conduzida às regiões mais altas da atmos- fera por correntes ascendentes de ar, juntamente com a água perdida por evapotranspiração. O fenômeno da evapotranspiração caracteriza-se pela perda de água pelas plantas, de- vido à transpiração, e pela evaporação da água presente no solo. Essa água evaporada é conduzida a altitudes elevadas mediante correntes de convecção, onde a temperatura é mais baixa, o que leva à condensação e à formação de nuvens. As correntes de ar são responsáveis por movimentar essas nuvens ao redor do globo, fazendo com que alcancem, muitas vezes, quilômetros de distância do local onde foram ini- cialmente formadas. Ao colidirem umas com as outras, as partículas formadoras das nuvens crescem. Esse fenômeno é conhecido como coalescência. À medida que essas partículas crescem, tornam-se muito grandes para serem carregadas pelas correntes de ar e, assim, retornam à superfície da Terra na forma de precipitações. Algumas precipitações caem na forma de neve, podendo acumular-se, originando as geleiras e coberturas de neve. Para que haja a formação de neve na superfície, é necessário que o ar esteja saturado de vapor d’água na região de formação, isto é, com umidade relativa igual a 100%. Também é preciso que, nessas regiões da atmosfera, a temperatura seja inferior a –10°C, para que possam ser formados núcleos de congelamento que vão dar origem aos cristais de gelo (GRIMM, 2016). Ciclo das águas1 Geografia dos Recursos Hídricos16 A água armazenada na forma de camadas de gelo e neve na superfície pode derreter quando há aquecimento do ambiente, normalmente no período da primavera. Nesse caso, vai ocorrer um aumento do fluxo de água oriundo da neve derretida, abastecendo rios, lagos e aquíferos. A chuva é a forma de precipitação que ocorre quando as temperaturas na atmosfera não são tão baixas a ponto de formar núcleos de congelamento. Nesses casos, quando a pressão de saturação7 de vapor d’água é atingida, as gotículas de água vão precipitar na superfície, originando um escoamento superficial. Uma parte desse escoamento vai abastecer rios no trajeto, conduzindo o fluxo de água aos oceanos. Outra parte pode abastecer lagos e lagoas em vales, ou se infiltrar nos solos, abastecendo os aquíferos. Os aquíferos são regiões subterrâneas responsáveis pelo armazenamento de água doce por longos períodos. Alguns aquíferos não estão localizados em grandes profundidades, e a água pode retornar à superfície em regiões de descargas subterrâneas, resultando em nascentes de água doce. 1.2.2 Águas em movimento: rios e escoamento superficial Os rios são corpos hídricos essenciais às pessoas e aos ecossistemas aos quais se en- contram associados. Além de sua ampla utilização como ambientes de lazer (nado, pesca e esportes aquáticos), os rios são importantes reservatórios de água para consumo humano, atividades industriais, irrigação, transporte e geração de energia. Além disso, atuam como áreas de depuração de efluentes8 domésticos e industriais, que, após o tratamento adequa- do, são lançados nesses corpos hídricos, capazes de realizar um processo denominado auto- depuração, necessário para a melhoria da qualidade da água. Para compreendermos melhor o papel dos rios no ciclo hidrológico, é fundamental en- tendermos sua relação com as bacias hidrográficas. Como visto na seção 1.1.3, uma bacia hidrográfica é uma região geográfica que direciona toda a água precipitada, escoada ou drenada de sua superfície para uma região comum. Os tamanhos de uma bacia hidrográfica podem variar, e, normalmente, pequenas bacias estão contidas em outras maiores. A deli- mitação dessas áreas depende, essencialmente, do ponto de escoamento considerado e de quais rios estão associados a este. Assim, o escoamento fluvial vai ocorrer drenando as áreas mais altas e seguindo às áreas mais baixas, de acordo com uma chamada hierarquia fluvial. Esse fenômeno vai ocorrer até que toda a água drenada de uma bacia esteja concentrada em um único rio, ou fluxo de escoamento. A hierarquia fluvial consiste na divisão dos rios em hierarquias, de acordo com sua posição e contribuição ao escoamento dentro de uma bacia hidrográfica considerada. 7 Pressão de vapor limite, acima da qual não ocorre mais a evaporação de moléculas de água. 8 Resíduos, líquidos ou gasosos, provenientes de atividades humanas ou industriais. Ciclo das águas Geografia dos Recursos Hídricos 1 17 No conceito de hierarquia fluvial, os rios dividem-se em rios de primeira, segunda, terceira, até a décima ordem (Figura 5). Os rios de primeira ordem estão associados às nas- centes e a uma vazão de escoamento baixa. Em relação aos rios de segunda ordem, sua formação está associada à união de dois rios de primeira ordem, enquanto os rios de terceira ordem são aqueles formados a partir da união de dois rios de segunda ordem. Assim ocorre sucessivamente e, quanto maior a hierarquia do rio, maior será a sua extensão e a quantida- de de rios que lhe deram origem (CHRISTOFOLETTI, 1980). O fluxo d’água em um rio sofre alterações constantes, principalmente devido às alte- rações nas precipitações e no escoamento superficial associado. As chuvas elevam os níveis dos rios, mesmo se estas ocorrerem em regiões afastadas, isto é, próximas às nascentes. Isto porque, conforme visto anteriormente, o escoamento superficial em uma bacia hidrográfica alimenta os rios presentes à jusante9 do fluxo. Figura 5 – Representação esquemática da hierarquia fluvial em uma bacia hidrográfica.Rio de primeira ordem (nascente do rio) Rio de segunda ordem Rio de terceira ordem (rio principal da bacia) Fonte: UFSCAR, 2016. O tamanho de um rio está associado ao tamanho da bacia hidrográfica à qual ele perten- ce. Em geral, grandes rios estão associados a bacias hidrográficas que ocupam extensas áreas territoriais, enquanto rios menores localizam-se em bacias hidrográficas de menor extensão. Além disso, rios com diferentes tamanhos vão responder de forma diversa às precipitações que recebem. Rios de grandes dimensões têm seu nível elevado (ou reduzido) muito mais lentamente do que rios pequenos. De fato, em uma bacia hidrográfica pequena, uma chuva torrencial pode aumentar em até 100 vezes a vazão normalmente observada na bacia, e seus rios po- derão aumentar de nível em poucas horas (BRAGA et al., 2015). Por outro lado, em uma bacia extensa, os rios podem levar dias para aumentar e reduzir seu nível, o que implica em demora no recuo das águas durante períodos de inundações. Além das chuvas, a alimentação de rios também vai ocorrer devido ao escoamento su- perficial, que se origina de precipitações à montante10 dos rios, derretimento de coberturas 9 Direção do fluxo do rio de um ponto mais alto para um mais baixo; fluxo natural do rio. 10 Direção do fluxo do rio de um ponto mais baixo para um mais alto. Ciclo das águas1 Geografia dos Recursos Hídricos18 de neve e geleiras, ou de drenagens de reservatórios subterrâneos próximos à superfície. Nesse caso, quando a água encontra um solo já saturado de água, isto é, cuja capacidade de absorção já se encontra no máximo, com todos os seus poros preenchidos com água, o escoamento vai ocorrer de forma superficial, em sentido descendente na bacia hidrográfica. Durante seu percurso sobre a superfície do solo, a água tende a escoar em canais, di- rigindo-se a córregos, enseadas11 e rios. O volume de água que escoará por esses canais vai depender da intensidade das precipitações (quando houver) e dos aspectos geográficos e geológicos da bacia hidrográfica. Assim, regiões mais secas e com solos mais porosos vão resultar em menores escoamentos superficiais do que regiões tropicais úmidas, mesmo se ambas forem submetidas à mesma intensidade de precipitação. 1.3 Reservatórios hídricos 1.3.1 Oceanos e reservatórios salinos Apesar de o ciclo hidrológico ser um processo contínuo, e a água estar em constan- te renovação, grandes volumes desse recurso encontram-se armazenados na superfície da Terra por longos períodos. É o caso dos oceanos, que são os maiores reservatórios naturais de água do planeta. Estima-se que 1,33 bilhão de km3 de água estejam armazenados nos oceanos (USGS, 2016), o que equivale a, aproximadamente, 96,5% de toda água armazenada no planeta. Os oceanos também contribuem com a maior parcela de água evaporada no ciclo hidrológico, isto é, cerca de 90% (MANN; LAZIER, 2013). Os oceanos são corpos hídricos em constante movimento e, em seu interior, há corren- tes responsáveis pelo movimento de grandes massas de água ao redor do globo. Esse fluxo interno é muito importante para o ciclo hidrológico e atua sobre os ecossistemas marinhos e costeiros, além de influenciar diretamente o clima. Dentre as correntes marítimas, a Corrente Kuroshio (também conhecida como Corrente Kuro Shivo, ou Corrente do Japão) se destaca por ser uma das maiores e mais importantes do mundo. Essa corrente, localizada no Oceano Pacífico, pode viajar de 40 a 120 quilômetros por dia e apresentar cerca de 1.000 metros de profundidade. Sua importância está associada ao fato de ela carregar águas quentes das zonas equatoriais em direção às zonas polares, amenizando o clima e tornando propícia a reprodução de inúmeros animais marinhos, além da atividade pesqueira, principalmente em regiões de encontro com correntes frias, como a Oya Shivo (MANN; LAZIER, 2013). 11 Enseada é uma reentrância, localizada na costa de mar, lago ou rio que forma um pequeno porto abrigado. Ciclo das águas Geografia dos Recursos Hídricos 1 19 Outra corrente de grande importância mundial é a Corrente do Golfo. Assim como a Corrente de Kuroshio, a Corrente do Golfo é formada por águas quentes transportadas pelo Oceano Atlântico, partindo do Golfo do México e seguindo até a Grã-Bretanha, e que possibilitam o aquecimento do Atlântico Norte. Percorrendo até 97 quilômetros em um dia, a Corrente do Golfo é capaz de movimentar cem vezes mais água do que todos os rios da Terra juntos (MANN; LAZIER, 2013). Apesar do enorme volume de água associado aos oceanos, as águas neles presentes são classificadas como salinas e, dessa forma, impróprias para consumo humano, dessedenta- ção de animais, irrigação ou processos industriais. Como visto no item 1.1.3 e na Tabela 1, as águas salinas representam a quase totalidade de água disponível no planeta, o que torna a água doce um recurso precioso para a sobrevivência de todos os organismos. Além dos oceanos, existem outros reservatórios de águas salinas, presentes, em geral, em zonas subterrâneas. Esses reservatórios são formados por rochas porosas que contêm água com elevada concentração de sólidos dissolvidos totais (SDT), principalmente clo- reto de sódio. As águas presentes nos reservatórios salinos apresentam salinidade cinco a seis vezes mais elevada do que as águas dos oceanos e podem armazenar dióxido de carbono por longos períodos (VISHAL; SINGH, 2016). 1.3.2 Geleiras e calotas polares Assim como os oceanos, as geleiras e calotas polares formam um extenso reservató- rio de água no planeta, com a diferença de que, nesses casos, a água armazenada é doce. Apesar disso, esses reservatórios não são recursos facilmente utilizáveis pelo homem, a não ser em períodos de clima mais quente, em que parte da cobertura de neve derrete e escoa superficialmente, abastecendo rios, lagos e aquíferos. Do total de massa de gelo existente no planeta, quase 90% encontra-se na Antártica, enquanto o manto de gelo da Groelândia corresponde a 10% desse total. A cobertura de gelo da Groelândia é um contribuinte importante do ciclo hidrológico. Isso porque, ao longo do tempo, houve mais neve sendo precipitada do que derretida na região, o que resultou em 2,5 milhões de km3 de neve e gelo nessa área. Em milhares de anos, essa neve foi sendo cada vez mais comprimida, dando origem às coberturas de gelo, ou geleiras. Essa cobertura apresenta uma profundidade média igual a 1.500 metros, podendo atingir 4.300 metros em algumas regiões (LANGWAY et al., 1985). Devido ao peso elevado e às extensas áreas cobertas, é comum que partes dessas geleiras sejam liberadas, atingindo os oceanos. De fato, estima-se que 517 km3 de gelo sejam liberados anualmente pelo manto de gelo da Groelândia, con- tribuindo com o ciclo global da água (USGS, 2016). Apesar de natural, esse fenômeno vem sendo acelerado devido ao aquecimento global, e parte das geleiras presentes na região vem Ciclo das águas1 Geografia dos Recursos Hídricos20 diminuindo de forma alarmante (ITO et al., 1999). A Figura 6 apresenta uma geleira localiza- da na Groelândia, circundada por partes de gelo liberadas no Oceano Ártico. Figura 6 – Geleira na Groelândia, circundada por fragmentos de gelo e neve. Fonte: HenriVdl/iStockphoto. De forma geral, o escoamento superficial originado a partir do derretimento de cober- turas de neve e gelo é um grande colaborador do ciclo hidrológico. Em regiões de clima frio, a alimentação dos rios e córregos ocorre, em grande parte, devido ao derretimento dessas superfícies congeladas, em épocas do ano cujas temperaturas médias são mais elevadas, como na primavera e no verão. 1.3.3 Reservatórios subterrâneos de água doce Os reservatórios subterrâneos de água doce, ou aquíferos, são responsáveis por armaze- nar uma grande parcela de água doce do planeta. No interior desses reservatórios, a água continua se movimentando e passando por transformações dentro do ciclo; entretanto, isso ocorre de forma bastante lenta. A maiorparte da água presente no subterrâneo vem de infiltrações de águas precipita- das na superfície do solo. A camada superior do solo é chamada de zona insaturada, porque nela a água está presente em quantidades variáveis, mas sem saturar o solo. Abaixo dessa camada encontra-se a zona saturada, onde todos os poros e espaços presentes entre as partí- culas rochosas estão preenchidos com água. Esta camada saturada é o aquífero. Muitas comunidades ao redor do globo dependem dos aquíferos para obtenção de água para consumo. Entretanto, para acessar esse recurso, é necessário perfurar um poço, com profundidade suficiente para alcançar as camadas saturadas de solo. Dentro de um aquífero, a água pode se mover verticalmente ou horizontalmente. Quando a água se move verticalmente para baixo (devido à gravidade) e encontra uma área Ciclo das águas Geografia dos Recursos Hídricos 1 21 rochosa ou de solo pouco poroso pode ocorrer um movimento horizontal, que irá direcionar o fluxo subterrâneo de água para algum córrego, rio ou oceano. A direção e a velocidade de deslocamento da água dentro de um reservatório subterrâneo dependem de algumas características das camadas de solo que envolvem e constituem o aquífero. Por exemplo, a maior ou menor permeabilidade do solo reflete-se em menor ou maior dificuldade de mo- vimentação da água, respectivamente. Também, a porosidade dos solos que precedem os re- servatórios será determinante para a velocidade de infiltração da água precipitada, além da movimentação horizontal. Caso o solo apresente características físicas que permitam à água mover-se livremente, então as águas subterrâneas poderão percorrer distâncias significati- vas em poucos dias. Entretanto, também é possível que essas águas atinjam aquíferos ainda mais profundos, permanecendo nesses ambientes por milhares de anos antes de retornar ao ciclo hidrológico. Ampliando seus conhecimentos Como a neve é formada? O processo de Bergeron (GRIMM, 2016) O processo de Bergeron aplica-se a nuvens frias, que estão em tempera- turas abaixo de 0°C. Ele se baseia sobre duas propriedades interessantes da água. A primeira é a propriedade de que gotículas de nuvem não congelam a 0°C como se esperaria. De fato, água pura suspensa no ar não congela até atingir uma temperatura em torno de –40°C. A situação é análoga à for- mação de uma gotícula de água pura a partir da fase de vapor. Naquele caso era necessário haver supersaturação para que moléculas na fase de vapor se juntassem, através de colisões aleatórias para formar gotículas embriônicas de água suficientemente grandes para subsistir. Neste caso de congelamento deve haver baixa temperatura para que um embrião de gelo de tamanho suficiente seja formado pela agregação aleatória de um número suficiente de moléculas de água na gotícula. Água em estado líquido abaixo de 0°C é geralmente denominada superesfriada. O con- gelamento fica facilitado, podendo ocorrer em temperaturas mais altas, quando as gotículas superesfriadas se agruparem sobre a superfície de uma partícula sólida chamada núcleo de congelamento. A necessidade de núcleos de congelamento para iniciar o processo de congelamento é simi- lar à necessidade de núcleos de condensação no processo de condensação. Ciclo das águas1 Geografia dos Recursos Hídricos22 Ao contrário dos núcleos de condensação, contudo, os núcleos de conge- lamento são menos abundantes na atmosfera e geralmente não se tornam ativos até a temperatura de –10°C (ou menos), conforme mencionamos anteriormente. Portanto, nuvens com temperatura entre 0 e –10°C são tipicamente compostas de gotículas de água superesfriada. Entre –10°C e –20°C, gotículas líquidas coexistem com cristais de gelo. Abaixo de –20°C, a temperatura de ativação de muitos núcleos de deposição, as nuvens usualmente consistem inteiramente de cristais de gelo. A distribuição de gotículas superesfriadas e cristais de gelo podem ser muito complicados em nuvens com grande desenvolvimento vertical. Cumulonimbus, por exemplo, são compostos por cristais de gelo na parte mais elevada, por uma mistura de gotículas superesfriadas e cristais de gelo na parte média e gotículas de água na parte inferior. Além disso, as fortes correntes de convecção dentro do cumulonimbus transportam gotículas líquidas para cima, onde elas congelam. Esta é uma fonte impor- tante de cristais de gelo em nuvens de tempestades. Como os núcleos que formam gotículas de água são muito mais abundan- tes que núcleos que formam cristais de gelo, nas nuvens com temperatu- ras entre –10°C e –20°C gotículas de água superesfriada são muito mais abundantes que cristais de gelo, ao menos inicialmente. De fato, um só cristal de gelo pode estar rodeado por centenas de milhares de gotículas de água superesfriada. Isso nos traz à segunda propriedade importante da água. A pressão de vapor de saturação sobre cristais de gelo é muito menor que sobre gotí- culas de água superesfriada. Esta situação ocorre porque cristais de gelo são sólidos, o que significa que moléculas de água individuais no gelo são mantidas juntas mais firmemente que aquelas formando uma gotícula líquida. Portanto, é mais fácil para as moléculas de água escapar de gotí- culas líquidas superesfriadas. Por isso, as pressões de vapor de saturação são maiores sobre as gotículas líquidas superesfriadas que sobre os cris- tais de gelo. Consequentemente, quando o ar está saturado (UR = 100%) em relação às gotículas líquidas, ele está supersaturado em relação aos cristais de gelo. A Tabela, por exemplo, mostra que em –10°C, quando a umidade relativa é 100% em relação à água, ela será de 110% em relação ao gelo. O processo de Bergeron depende da diferença entre a pressão de satura- ção do vapor sobre a água e sobre o gelo. Consideremos uma nuvem na Ciclo das águas Geografia dos Recursos Hídricos 1 23 temperatura de –10°C, onde cada cristal de gelo está rodeado por muitos milhares de gotículas líquidas. Se o ar está inicialmente saturado em rela- ção à água líquida, ele está supersaturado em relação aos recém-formados cristais de gelo. Como resultado desta supersaturação, os cristais de gelo coletam mais moléculas de água que perdem por sublimação. A depo- sição remove vapor d’água da nuvem e por isso cai a umidade relativa abaixo de 100%, e as gotículas se evaporam. Assim a evaporação contínua das gotículas fornece uma fonte de vapor e os cristais de gelo crescem às custas das gotículas de água superesfriada. Tabela – Umidade relativa em relação ao gelo quando a umidade relativa em relação à água é 100%. Temperatura (°C) Água (%) Gelo (%) 0 100 100 – 5 100 105 – 10 100 110 – 15 100 115 – 20 100 115 Como o nível de supersaturação em relação ao gelo pode ser grande, o crescimento de cristais de gelo é geralmente rápido o suficiente para gerar cristais suficientemente grandes para cair. Durante sua descida, esses cristais de gelo aumentam à medida que interceptam gotículas superes- friadas de nuvem que congelam sobre eles. É o processo de acreção, que leva a estruturas com orlas de gotículas congeladas. O granizo é um caso extremo de crescimento de partículas de gelo por acreção. Ele consiste de uma série de camadas quase concêntricas. É produzido somente em cumu- lonimbus, onde as correntes ascendentes são fortes e há suprimento abun- dante de água superesfriada. Granizo começa como pequenos embriões de gelo que crescem coletando gotículas superesfriadas enquanto caem através das nuvens. Caso encontrem uma forte corrente ascendente, eles podem ser levantados novamente e recomeçar a jornada para baixo. Cada viagem através da região de água superesfriada da nuvem pode represen- tar uma camada adicional de gelo. Os cristais de gelo podem crescer também colidindo e aderindo uns aos outros, formando cristais maiores, que são os flocos de neve. Esse é o pro- cesso de agregação. Quando a temperatura da superfície está acima de 4°C, os flocos de neve geralmente derretem antes deatingir o solo e conti- nuam caindo como chuva. Ciclo das águas1 Geografia dos Recursos Hídricos24 Atividades 1. Reflita sobre os corpos hídricos presentes em sua região (rios, lagos, aquíferos, mar) e responda: Quais usos desses recursos são comuns em sua região? Em sua opinião, essa utilização ocorre de forma sustentável? 2. Com base no que foi estudado neste capítulo, crie um fluxograma simplificado, apre- sentando as principais etapas do ciclo hidrológico, isto é, as diferentes fases e os reservatórios em que a água pode ser encontrada em nosso planeta. 3. Com a crescente urbanização, muitas áreas verdes vêm sendo substituídas por cons- truções, pavimentações e estradas. Reflita e responda: Como a urbanização e o au- mento de áreas construídas podem interferir no ciclo hidrológico? Referências BRAGA, B. et al. Águas doces no Brasil: capital ecológico, uso e conservação. 4. ed. São Paulo: Escrituras, 2015. 729 p. BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Resolução n. 357, de 17 de março de 2005. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiano.cfm?codlegitipo=3>. Acesso em: 18 jan. 2017. CECH, T.V. Recursos hídricos: história, desenvolvimento, política e gestão. 3. ed. São Paulo: LTC, 2013. 452 p. CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia. 2. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 1980. 188 p. GRIMM, Alice Marlene. O processo de Bergeron. Disponível em: <http://fisica.ufpr.br/grimm/apos- meteo/cap6/cap6-3-1.html>. Acesso em: 13 nov. 2016. HARLEM, G. et al. Our Common Future. United Nations World Commission on Environment and Development (WCED), 1987. Disponível em: <http://www.princeton.edu/~ota/disk1/1993/9340/934004. PDF>. Acesso em: 18 jan. 2017. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Disponível em: <http:// www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?dados=10&uf=00>. Acesso em: 11 nov. 2016. ITO, G. et al. Mantleflow, melting, anddehydrationoftheIcelandmantle plume. Earth and Planetary Science Letters, v. 165, p. 81-96, 1999. LANGWAY, C. et al. Greenland ice core: geophysics, geochemistry and the environment. Washington: American Geophysical Union, 1985. 118 p. MANN, K.H.; LAZIER, J. R. N. Dynamics of Marine Ecosystems: biological-physical Interactions in the Oceans. 3. ed. New York: John Wiley and Sons, 2013. 512 p. NASA — National Aeronautics and Space Administration. The water cycle. Disponível em: <https:// pmm.nasa.gov/education/water-cycle>. Acesso em: 13 nov. 2016. REBOUÇAS, A.C. Água doce no mundo e no Brasil. In: BRAGA, B. et al. Águas doces no Brasil: capital ecológico, uso e conservação. 4. ed. São Paulo: Escrituras, 2015. p. 1-36. SHIKLOMANOV, I. A. World water resources. In: GLEICK, P.H. Water in crisis: a guide to the world’s fresh water resources. New York: Oxford University Press,1993. p. 13-24. Ciclo das águas Geografia dos Recursos Hídricos 1 25 UFSCAR – Universidade Federal de São Carlos. Bacias hidrográficas. Disponível em: <http://www. ufscar.br/aprender/aprender/2010/06/bacias-hidrograficas/>. Acesso em: 13 nov. 2016. USGS – United States Geological Survey. The water cycle. Disponível em: <https://water.usgs.gov/ edu/watercycle.html>. Acesso em: 13 nov. 2016. VISHAL, V.; SINGH, T. N. Geological carbon sequestration: understanding reservoir behavior. New York: Springer, 2016. 338 p. WHO – World Health Organization. Guidelines for drinking water quality. Geneva: WHO Water Series, 2004. v. 1. 515 p. Resolução 1. Procure avaliar criticamente o entorno em que vive, constatando se os recursos hí- dricos disponíveis em seu município e região (como rios, córregos e aquíferos) estão sendo utilizados de forma adequada, proporcionando melhor qualidade de vida à população, de forma ambientalmente equilibrada. Espera-se, no desenvolvimento de suas respostas, que sejam abordados os seguintes temas: abastecimento humano (avaliar se há tratamento prévio ao uso); dessedentação de animais (em pastagens e áreas protegidas); irrigação (em zonas rurais); água para atividades industriais; etc. 2. Nessa questão você deve, baseado nas informações obtidas no decorrer do capítulo, montar um fluxograma simplificado, apresentando as principais etapas do ciclo hi- drológico. Devem ser contempladas no fluxograma as etapas de: evaporação (corpos hídricos); evapotranspiração (vegetais e solo); precipitação (chuvas, neve); infiltra- ção; escoamento superficial; abastecimento de rios e aquíferos; etc. 3. Espera-se que você discuta o problema da impermeabilização dos solos causada pelo aumento das construções e pavimentações. Esse processo de urbanização in- terfere no ciclo hidrológico ao dificultar a etapa de infiltração, importante para o abastecimento de aquíferos. Geografia dos Recursos Hídricos 27 2 Histórico dos recursos hídricos A humanidade, no século XXI, vem enfrentando diversos desafios científicos, tecnológicos e sociais, visando a um desenvolvimento mais sustentável e em concor- dância com as boas práticas ambientais. Entre esses desafios, destacam-se a busca, o uso e a conservação dos recursos hídricos mundiais, visando ao bem-estar das gera- ções atuais e futuras. De fato, entre os elementos essenciais para a sobrevivência das espécies no pla- neta estão as fontes de água, capazes de dar suporte à sobrevivência dos ecossiste- mas, assim como às atividades humanas de desenvolvimento. A partir dessas fontes, também denominadas de recursos hídricos, é possível: abastecer residências com água potável; irrigar culturas agrícolas; fornecer água para os processos industriais; realizar atividades de lazer e desportivas, entre muitas outras aplicações. Entretanto, para que esses recursos possam ser aproveitados de forma equilibrada e sustentável1, são necessários programas de monitoramento e desenvolvimento no planeta. O presente capítulo apresenta um panorama atual sobre as políticas de desenvol- vimento dos recursos hídricos mundiais, assim como os aspectos necessários para a realização de uma gestão sustentável dessas águas. 1 Sustentabilidade é a capacidade de prover a demanda atual por recursos naturais sem prejuízo às gerações futuras. Histórico dos recursos hídricos2 Geografia dos Recursos Hídricos28 2.1. Políticas de desenvolvimento dos recursos hídricos 2.1.1 Recursos hídricos globais Globalmente, há diversas fontes de recursos hídricos com potencial para serem apro- veitados em benefício das populações locais. Entretanto, devido à escassez de programas de monitoramento e gestão desses recursos, principalmente em países em desenvolvimento, torna-se difícil a realização de uma avaliação exata de sua capacidade de uso e das medidas necessárias à sua exploração sustentável (SALATI; LEMOS; SALATI, 2015). Inicialmente devemos relembrar o conceito de recurso hídrico. De fato, não é qualquer corpo hídrico que pode ser classificado como um recurso. Para isso, é necessário que suas águas possam ser exploradas e utilizadas de forma benéfica às atividades humanas. Assim, os recursos hídricos de fato estão restritos à pequena fração de água doce que pode ser aces- sada pelo homem, isto é, cerca de 0,007% do total global existente (SHIKLOMANOV, 1993). Esse volume de água pode ser encontrado em rios, córregos, lagos e lagoas, distribuídos de forma desigual no planeta. Com efeito, a maior parte dos recursos hídricos encontra-se em regiões intertropicais úmidas e temperadas, onde a interação entre a litosfera (rochas e solos), a biosfera (conjunto de ecossistemas existentes) e a atmosfera é intrínseca e contínua, o que proporciona um equilíbrio dinâmico para o ciclo hidrológico. Como exemplo, é possí- vel citar a Bacia Hidrográfica Amazônica, formada por ecossistemas florestais associados a um regime constante de chuvas (Figura 1), o que equilibra a distribuição de água na região. Figura 1 – O ecossistema amazônico está associado a um regime de chuvas contínuo que permite a renovação constante dos seus reservatórios hídricos. Fonte: piccaya/iStockphoto.É importante salientar que a quantidade e a qualidade das águas em determinado am- biente dependem das características naturais do meio (cobertura vegetal, regime pluviomé- trico, tipo de solo etc.), assim como da influência das ações antrópicas capazes de interferir Histórico dos recursos hídricos Geografia dos Recursos Hídricos 2 29 no ciclo hidrológico da região. É o que ocorre, por exemplo, com áreas desmatadas, com rios desviados devido à construção de barragens ou projetos de irrigação e com a monocultura agrícola que leva ao empobrecimento do solo. Nem sempre, entretanto, a ação antrópica é prejudicial ao ciclo de renovação da água e, dependendo da região, pode auxiliar no melhor aproveitamento desse recurso. Um exemplo é a construção de açudes na região semiárida do Nordeste brasileiro. Essa região, que abran- ge cerca de 970 mil km2 e 1.133 municípios, caracteriza-se por: precipitação pluviométrica anual inferior a 800 milímetros; índice de aridez igual a 0,5 (índice calculado com base no balanço hídrico que relaciona as precipitações e a evapotranspiração potencial); além do risco de seca maior do que 60%, considerando-se o período entre 1970 e 1990 (BRASIL, 2005). Dessa forma, devido a suas características naturais, esse território é diretamente im- pactado pela escassez hídrica, o que dificulta seu desenvolvimento e a sobrevivência da sua população. Nesse caso a ação antrópica poderá ser benéfica, ao aumentar o tempo de residência das águas de superfície nesses ecossistemas – ou seja, o tempo em que ela per- manece nesses locais. Como exemplo, a implantação dos açudes, que são construções com o objetivo de represar a água de rios em regiões impactadas com períodos de estiagem, vem auxiliando a região do semiárido brasileiro, permitindo a irrigação, a criação de gado, a pesca e o abastecimento doméstico. Na Figura 2, é apresentado o açude público Padre Cícero, também conhecido como açude Castanhão. Esse reservatório está localizado no leito do rio Jaguaribe, no estado do Ceará, e apresenta um volume de armazenamento igual a 6,7 bilhões de m3 de água (BRASIL, 2005). Figura 2 – Açude Padre Cícero (Castanhão), localizado no leito do rio Jaguaribe, Ceará, Brasil. Fonte: Cláudio Oliveira Lima/Wikimedia Commons. Outra interferência antrópica que pode ser considerada positiva, pelo menos do ponto de vista econômico, envolve os processos de dessalinização. A dessalinização é um processo que re- move os minerais da água salina, tornando-a propícia para uso direto e abastecimento humano. Histórico dos recursos hídricos2 Geografia dos Recursos Hídricos30 Entretanto, o princípio dessa técnica baseia-se no uso de tecnologias como a osmose re- versa2 e a destilação a vácuo3, o que demanda uma grande quantidade de energia. Devido ao alto custo energético, associado a alguns impactos ambientais no meio, como o aquecimento da água de retorno nos oceanos (interferindo nos ecossistemas costeiros), a dessalinização é vista como uma técnica com impactos negativos, que deve ser utilizada apenas em regiões cuja escassez de água é extrema e limitante ao desenvolvimento humano. Um exemplo de aplicação necessária desse processo ocorre no Oriente Médio, uma das regiões mais secas do planeta, com índices pluviométricos entre 200 e 400 mm/ano (BRAGA et al., 2015). A Figura 3 apresenta uma visão geral de uma usina de dessalinização localizada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Figura 3 – Usina de dessalinização localizada em Dubai (Emirados Árabes Unidos). Fonte: Starsend, 1994/Wikimedia Commons. Mundialmente, as interferências antrópicas vêm representando risco ao ciclo da água no planeta, devido às mudanças climáticas globais. Tais mudanças estão associadas, princi- palmente, ao aumento da emissão de gases contribuintes ao efeito estufa, como o gás carbô- nico, o metano e os óxidos de nitrogênio, lançados, em grande parte, durante a queima de combustíveis fósseis, como carvão mineral e petróleo. Esses gases têm a propriedade de reter a radiação infravermelha oriunda do Sol pró- ximo à superfície da Terra4. Assim, como consequência do aumento desses compostos na atmosfera, a superfície do planeta vem passando por um aumento gradual de temperatura, o que resulta em inúmeras interferências ambientais, principalmente em relação à disponi- bilidade dos recursos hídricos. Dessa forma, geleiras nas regiões dos polos estão derretendo, 2 Separação de solvente e soluto pelo uso de membranas submetidas a elevada pressão. 3 Separação de compostos voláteis com diferentes pontos de evaporação, realizada sob pressão atmos- férica reduzida. 4 Trata-se do fenômeno do efeito estufa, responsável pela manutenção da temperatura na superfície da Terra. Entretanto, o excesso de gases poluentes lançados na atmosfera vem potencializando esse efeito, causando danos à saúde humana e ao meio ambiente. Histórico dos recursos hídricos Geografia dos Recursos Hídricos 2 31 aumentando o nível de mares e oceanos. Além disso, correntes marítimas e atmosféricas têm sido alteradas, causando o aumento do número de ciclones. As oscilações de temperatura também interferem nos processos de evapotranspiração, aumentando a umidade do ar em algumas regiões, além de interferirem diretamente na reprodução e na sobrevivência da fauna e da flora nas regiões impactadas. 2.1.2 Programas de desenvolvimento e monitoramento dos recursos hídricos A água é, atualmente, uma forma de investimento no mundo inteiro, haja vista que sem água não há desenvolvimento econômico, social ou ambiental. Como visto na seção ante- rior, a distribuição temporal e espacial da água no planeta é bastante desigual, assim como sua qualidade, o que torna indispensável o desenvolvimento de programas adequados para o monitoramento e a conservação dos recursos hídricos. Conhecer as características físicas e químicas das águas, assim como os aspectos geo- gráficos dos corpos hídricos e de seu entorno, é fundamental para definir e construir a in- fraestrutura necessária ao aproveitamento desses recursos. Isso porque, se o crescimento e desenvolvimento de áreas urbanas ocorrerem sem prévio estudo e avaliação do potencial hídrico de cada região, há um grande risco de acontecerem severos danos ao meio, como inundações, secas, erosão de leitos de rios e desertificação de terrenos, para citar apenas alguns exemplos. Mesmo sendo capaz de avaliar e prever episódios de inundações ou estiagem de chu- vas, o homem é desafiado constantemente devido às alterações no clima e ao mau uso do solo, submetido ao desmatamento e às queimadas. Assim, para que seja possível preservar os ecossistemas e as fontes de água doce do planeta, é fundamental realizar esforços no sen- tido de melhorar nossos conhecimentos e ações na proteção desse precioso recurso. Uma das principais formas de preservar e, ao mesmo tempo, explorar os recursos hídri- cos de forma sustentável é desenvolver programas adequados de monitoramento e gestão das águas. Esses programas devem fornecer dados acurados e confiáveis, obtidos em curto período de tempo, para que sejam condizentes com o cenário atual de cada região. Entretanto, comumente é difícil avaliar de forma clara a situação dos corpos hídricos em escala global. Essa realidade é ainda mais evidente em países em desenvolvimento (que abrangem a maior parcela de água doce no mundo), devido à ausência de planejamento e à dificuldade na obtenção de dados hidrológicos. Felizmente, apesar de ainda escassas, algumas iniciativas de controle e gestão têm sido realizadas nas últimas décadas, e as atuais redes de monitoramento hidrométrico podem ser encontradas desde a administração voluntária de pequenas bacias hidrográficas no Brasil, até iniciativas maiores, em escala continental. De acordo com Hamilton (2012), cinco são os elementos essenciais para a implantação de um programa de monitoramento hidrológico bem-sucedido: um sistema de gestão de qualidade; o design de rede; a tecnologia; o treinamento;e a gestão de dados (Figura 4). Histórico dos recursos hídricos2 Geografia dos Recursos Hídricos32 Figura 4 – Os cinco elementos essenciais para a implantação de um programa de monitoramento hidrológico. Treinamento Tecnologia Design de rede Sistema de gestão Gestão de dados Fonte: HAMILTON, 2012. Um sistema de gestão de qualidade deve abranger uma série de procedimentos ope- racionais padrão, responsáveis por garantir que os dados sejam produzidos de forma con- sistente e confiável. Em qualquer programa de monitoramento, é fundamental que três procedimentos tenham seus objetivos bem claros. São eles: a qualidade dos dados (quais técnicas e métodos de monitoramento são realizados); como o serviço é realizado (se são seguidas as especificações e calibrações dos equipamentos de medição, por exemplo); e a segurança dos dados obtidos, de forma a não serem negligenciados ou destruídos ao longo do tempo. O design de rede, por sua vez, trata-se do processo de estabelecer novas estações e descontinuar antigas que já não possuam funcionalidade. Para isso, é necessário definir claramente as finalidades de cada estação ou ponto de monitoramento. Por exemplo, um ponto de monitoramento a montante5 de uma barragem fornece informações a respeito dos escoamentos superficiais que contribuem com aquela bacia hidrográfica, enquanto uma es- tação localizada a jusante6 dessa mesma barragem pode levantar dados relevantes sobre os impactos que o represamento do rio tem causado à biota7 e aos ecossistemas ripários8. Em relação à tecnologia, é fundamental que seja escolhida aquela que melhor se adap- te aos propósitos de monitoramento da bacia hidrográfica. Entretanto, essa tarefa pode se tornar complexa, pois é preciso considerar o tipo e o método de cada equipamento a ser utilizado, o que resulta em grande número de possibilidades. É importante, entretan- to, que algumas características dos equipamentos sejam levadas em consideração, como: 5 Ponto referencial de um rio; para um observador, indica o sentido de um ponto mais baixo para outro mais alto. 6 Ponto de referência em um rio; indica o sentido de um ponto mais alto para outro mais baixo. 7 Flora e fauna de determinada região. 8 Ecossistemas formados pela vegetação existente ao longo da margem de rios e córregos. Histórico dos recursos hídricos Geografia dos Recursos Hídricos 2 33 a confiabilidade da resposta a ser obtida; a precisão da configuração escolhida; o custo de implantação da tecnologia; e o treinamento do operador e a facilidade de uso do dispositivo. O treinamento é crucial ao monitoramento hidrológico, pois os erros operacionais são os mais difíceis de serem detectados na fase de processamento dos dados. Assim, os inves- timentos em treinamento melhoram a qualidade dos dados e a confiabilidade do medidor, além de aumentarem a produtividade e a segurança da resposta. O treinamento em planos de gestão hidrológica deve ser contínuo, de forma a manter os operadores atualizados e familiarizados às tecnologias novas e emergentes. O processo de gestão de dados baseia-se na forma em que eles são agrupados, traba- lhados e interpretados após sua aquisição. Essa metodologia pode ser bastante trabalhosa, principalmente em se tratando de dados hidrológicos, porque os hidrógrafos, profissionais que atuam na área de recursos hídricos, são responsáveis por armazenar, validar e analisar grande quantidade de informações relativas à água. Para tornar esse processo mais rápido e eficiente, existem atualmente os chamados Sistemas especializados de gerenciamento de dados hi- drológicos, que são softwares projetados especificamente para esses profissionais, como obje- tivo de alcançar a excelência e a eficácia no monitoramento das águas (HAMILTON, 2012). 2.2 Águas e desenvolvimento sustentável 2.2.1 Sustentabilidade e os recursos hídricos O conceito de desenvolvimento sustentável diz respeito ao uso dos recursos naturais renováveis de forma a não comprometer a sua disponibilidade às futuras gerações. Entre esses recursos, a água se destaca pela sua essencialidade e elevada demanda em todos os processos biológicos. Portanto, a escassez hídrica é um severo problema, que deve ser com- batido por todas as nações de forma conjunta. Além disso, a poluição dos corpos hídricos também interfere na disponibilidade hídrica, acarretando problemas de saúde pública e am- biental, e deve ser vista como um obstáculo a ser contornado. De acordo com a Organização das Nações Unidas (UN, 2015), a água encontra-se no centro do desenvolvimento sustentável e é crucial para a prosperidade socioeconômica dos países, em especial, daqueles em desenvolvimento. Além disso, é importante para a manu- tenção e o equilíbrio dos ecossistemas, além da sobrevivência do próprio homem. Entretanto, apesar de ser definida como renovável, a água como recurso hídrico é finita e impossível de ser reposta adequadamente caso as interferências no ciclo hidrológico con- tinuem a ocorrer. Assim, podemos afirmar que a renovação da água depende, em grande parte, de um sistema de manejo adequado. Atualmente, mais de 1,7 bilhão de pessoas vivem em bacias hidrográficas onde o uso dos recursos hídricos excede a capacidade de recarga natural da bacia. Com isso, estima-se que até 2025 dois terços da população mundial estarão vivendo em zonas de estresse hídrico, isto é, com baixa disponibilidade de água para o consumo e atividades humanas (UN, 2015). Histórico dos recursos hídricos2 Geografia dos Recursos Hídricos34 Apesar de ter avançado significativamente nas últimas décadas, a crise hídrica em diversos países não é recente. Como exemplo, na década de 1980 a Etiópia, localizada na África subsaariana, vivenciou uma seca prolongada que, junto a problemas econômicos e ambientais como o desmatamento e o empobrecimento do solo para cultivo, fez com que grande parte da população afetada migrasse para o vizinho Sudão, gerando um clima de tensão entre ambas as nações. De fato, as disputas e os conflitos associados ao uso dos recursos hídricos são antigos, haja vista a relação existente entre a riqueza de um país e a sua disponibilidade hídrica. Alguns exemplos de regiões que estão, ou até recentemente estiveram, em discordância em relação ao uso dos seus corpos hídricos são: Israel e Síria (nascentes do rio Jordão); Turquia, Iraque e Síria (rios Tigre e Eufrates); Etiópia, Egito e Sudão (rio Nilo); e Botswana, Namíbia e Angola (Bacia do Okavango). A Figura 5 apresenta uma vista aérea do delta9 da Bacia do Okavango, considerada uma das sete maravilhas naturais da África. Figura 5 – Delta da Bacia do Okavango, em Botswana, África. Fonte: MarcPo/iStockphoto. Dessa forma, é fundamental que ações globais tenham como foco proporcionar o acesso à água potável a todas as populações do mundo que vivem em regiões de estresse hídrico. Como resultado, espera-se que esses países apresentem um maior desenvolvimento socioe- conômico, melhorando significativamente a vida de suas populações. No ano de 2000, a Organização das Nações Unidas (ONU) definiu as chamadas Metas de Desenvolvimento do Milênio – ou MDGs, de sua sigla em inglês para Millennium Development Goals. Elas tiveram como objetivo reduzir à metade a quantidade de pessoas sem acesso sus- tentável à água potável e ao saneamento básico, no período compreendido entre 1999 e 2015. Como resultado, ao final de 2015, 90% da população mundial já tinha acesso a uma fonte 9 Tipo de foz de um rio, formada por vários braços de leito ou canais. Histórico dos recursos hídricos Geografia dos Recursos Hídricos 2 35 segura de água potável. Entretanto, apesar desse aumento considerável, ainda há cerca de 748 milhões de pessoas que consomem água de fontes inadequadas, agravando problemas de saúde pública (UN, 2015). Em relação às metas de saneamento, entretanto, o progresso foi mais lento e, atualmen- te, 40% da população mundial ainda faz uso de instalações sanitárias precárias. Também, a desigualdadeno acesso à água potável e ao saneamento ainda é uma realidade, sendo mais evidente em áreas rurais de países pobres e em desenvolvimento. No Brasil, por exemplo, mais de 51% da população não tem acesso à coleta de esgoto, o que leva ao aumento da ocor- rência de doenças como amebíase, giardíase, hepatite A, cólera e leptospirose (IBGE, 2002). 2.2.2 Atividades humanas e os desafios à sustentabilidade O objetivo de formarmos, mundialmente, uma sociedade mais sustentável que faça uso dos recursos hídricos de forma consciente e equilibrada continua, e, em 2016, a ONU apresentou seu programa global “Assegurando Água Sustentável para Todos” (Securing Sustainable Water for All). Esse programa pretende melhorar o acesso às fontes potáveis de água e saneamento básico, promover a melhoria da dignidade humana e assegurar que estas conquistas sejam, de fato, sustentáveis em longo prazo. Para que seja possível atingir esses objetivos é necessário reavaliarmos a forma como são realizadas algumas atividades econômicas, além de promovermos uma relação harmô- nica entre o homem e o meio ambiente. A agricultura é uma atividade econômica que apresenta um enorme consumo de água, sendo responsável pela demanda global de 70% desse recurso. Cabe destacar que este volume varia de acordo com cada país. A agricultura de sequeiro é a forma predominante de cultivo encontrada no mundo. Trata-se de um sistema utilizado em regiões que apresentam baixos ín- dices pluviométricos e solos firmes, como nos planaltos africanos e no sertão nordestino. Para que esses tipos de cultivos tenham acesso à água, máquinas revolvem os terrenos, trazendo à tona a umidade natural do solo. Entretanto, por ser uma forma de cultivo frágil e com pouca rotação de culturas, a agricultura de sequeiro apresenta uma produtividade média igual à metade daquela obtida em um sistema irrigado. Assim, estima-se que até 2050 a agricultura mundial terá de produzir 60% mais alimento para que possa suprir a futura demanda, o que se torna um desafio para a sustentabilidade e gestão das águas (UN, 2014). Outra área que demanda grande quantidade de água é o setor industrial, responsável pelo consumo de 20% da água potável utilizada no mundo. Os países desenvolvidos são os que retiram maior quantidade de água para este fim. Um dos maiores desafios da indústria atualmente é conseguir atender o aumento da demanda de produtos industrializados sem que isso impacte as práticas sustentáveis de exploração de recursos naturais como a água. Em relação ao abastecimento humano, a demanda atual de água é de, aproximada- mente, 10%. Esse valor deveria ser maior, caso toda a população mundial tivesse acesso a uma fonte segura de água potável. Entretanto, como vimos na seção anterior, cerca de 748 milhões de pessoas ainda vivenciam a escassez de água, fazendo uso de fontes inadequadas Histórico dos recursos hídricos2 Geografia dos Recursos Hídricos36 para o consumo humano. Além disso, aproximadamente 2,5 bilhões de pessoas ainda não são contempladas com um sistema de saneamento básico adequado (UN, 2014). A urbanização crescente e acelerada que vem ocorrendo nos países também leva ao au- mento da demanda mundial por água. Atualmente, mais da metade da população mundial já vive em áreas urbanas e estima-se que até 2050 esse valor passe a dois terços da população, o que resultaria em cerca de 9 bilhões de pessoas. Dessa forma, será necessário aumentar o fornecimento de água potável, além do fornecimento de instalações sanitárias adequadas, com coleta e tratamento de esgotos. Conclui-se, portanto, que o desenvolvimento susten- tável das cidades está intimamente ligado ao desenvolvimento de um plano adequado de gestão de recursos hídricos em cada país (UN, 2014). 2.3 Gestão de recursos hídricos 2.3.1 Programas de avaliação e monitoramento dos recursos hídricos Para compreendermos melhor como os programas de monitoramento de recursos hídri- cos são importantes para o processo da gestão sustentável da água, é importante conhecer antes o conceito de hidrologia. A hidrologia é a ciência que tem como objeto de estudo a ocor- rência e distribuição das águas no planeta, espacial e temporalmente. Também, de acordo com a World Metereological Organization (WMO, ou Organização Meteorológica Mundial) e a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), a hidrologia deve levar em consideração as propriedades físicas, químicas e biológicas das águas, além de considerar sua interação com o ambiente físico e com os ecossistemas (WMO, 2009). A hidrologia, portanto, avalia e monitora os recursos hídricos. Um programa de moni- toramento de águas tem como objetivos: determinar as fontes de água que possam ser ex- ploradas como recursos hídricos; verificar a extensão, confiabilidade e qualidade das águas componentes dessas fontes; e avaliar as possibilidades de seu uso e controle. Dessa forma, é possível afirmar que os sistemas de monitoramento e avaliação dos recursos hídricos são parte essencial de um programa de gestão sustentável de águas. Sua importância é cada vez maior e reside no fato de que a população mundial, assim como suas atividades, está em pleno crescimento, o que demanda fontes de água potável. Esse aumento, se não for atendi- do de maneira sustentável e em equilíbrio com a renovação dos recursos no planeta, levará ao comprometimento dos corpos hídricos, tornando difícil a sobrevivência do homem e das demais espécies. Os principais componentes de um sistema de avaliação dos recursos hídricos, segundo Hamilton (2012), são: Histórico dos recursos hídricos Geografia dos Recursos Hídricos 2 37 • coleta da série histórica dos dados hidrológicos associados ao ciclo da água (eva- poração, infiltração, precipitação) em pontos distribuídos ao longo da área de avaliação; • coleta de dados fisiográficos da região, isto é, aqueles associados às características naturais do terreno que determinam as variações temporais e espaciais dos com- ponentes do ciclo da água. Dados fisiográficos podem ser obtidos, por exemplo, a partir do levantamento topográfico do terreno; • uso de técnicas capazes de converter os dados obtidos em informação, relacionan- do os dados hidrológicos aos dados fisiográficos para obter as características do corpo hídrico em qualquer ponto de avaliação. Todas as atividades de avaliação associadas a um programa de gestão e monitoramento das águas requerem pessoal com habilidades específicas. Além disso, também são necessá- rios equipamentos de som, técnicas apropriadas de pesquisa de campo, definição do melhor design de rede, assim como uso de técnicas de interpolação acuradas. Por sua vez, para que esses equipamentos e técnicas sejam operados corretamente, produzindo resultados confiá- veis, é essencial que haja o treinamento adequado da equipe envolvida, assim como pesqui- sas básicas e aplicadas, com o objetivo de desenvolver novas tecnologias de monitoramento e avaliação. A Figura 4 apresenta um fluxograma contendo os principais componentes de um programa básico de avaliação dos recursos hídricos. Figura 4 – Fluxograma de um programa de avaliação e monitoramento dos recursos hídricos. Pesquisa básica aplicada Instrução e treinamento Técnicas de avaliação dos recursos hídricos Agrupamento e análise de informações: banco de da- dos, mapas Planejamento, design e opera- ção das instalações Coleta de dados hidrológicos- -ciclo da água/qualidade da água Coleta de dados fisiográ- ficos-topografia, solos, geologia Fonte: WMO, 2009. Adaptado. Histórico dos recursos hídricos2 Geografia dos Recursos Hídricos38 Ampliando seus conhecimentos Indicadores para o monitoramento da sustentabilidade em sistemas urbanos de abastecimento de água e esgotamento sanitário (MIRANDA; TEIXEIRA, 2004, p. 269-270) [...] A água possui características essenciais para a sobrevivência da huma- nidade, que por sua vez é sua principal usuária e também sua maior polui- dora. Ofluxo da água utilizada pelas sociedades no meio urbano, pode ser resumidamente descrito como: mover a água de onde se encontra dis- ponível para onde seu uso seja necessário, e removê-la após a utilização, com seu retorno ao ambiente. Para fazê-lo, torna-se necessária a existência de sistemas de infraestrutura, tanto para o abastecimento (SAA10), quanto para o esgotamento (SES11). Ao ser manipulada por estes sistemas, a água sofre diversas modificações em suas características de qualidade, quanti- dade, velocidade de escoamento, entre outros, que se refletem numa dimi- nuição de sua disponibilidade, tanto para o uso humano, quanto para os processos ecológicos. A crescente e desordenada urbanização tem agra- vado este quadro, comprometendo os recursos hídricos e prejudicando os sistemas públicos já implantados, que passam a operar com sobrecargas e com deficiências. Com o surgimento e a difusão do conceito de desenvolvimento susten- tável, que implica na possibilidade de que as próximas gerações possam satisfazer suas necessidades assim como as gerações atuais, a água passa a ser considerada um recurso esgotável e objeto de grande preocupação em termos de sua disponibilidade. Além deste aspecto ambiental, tam- bém são motivos de atenção outras dimensões da sustentabilidade asso- ciadas à água, como a social, a econômica e a política, para que se possa ter uma melhor qualidade de vida para a população. Todas estas dimen- sões devem ser abordadas de forma integrada, a partir de princípios de sustentabilidade, que, portanto, precisam ser claramente estabelecidos. Por outro lado, para que tais princípios possam se traduzir em políticas e ações concretas, é preciso que haja instrumentos de gestão que possam detectar as tendências apresentadas pelos diferentes componentes dos 10 Sistema de Abastecimento de Água. 11 Sistema de Esgotamento Sanitário. Histórico dos recursos hídricos Geografia dos Recursos Hídricos 2 39 sistemas urbanos, entre eles os de abastecimento de água e de esgota- mento sanitário. Assim, surge a necessidade de se estabelecer indicadores de sustentabilidade, que poderão dar suporte a políticas públicas que con- duzam a sistemas mais sustentáveis. [...] As reflexões sobre a sustentabilidade têm início na década de 70 com a pre- ocupação ambiental sobre os recursos naturais utilizados pelas pessoas. Em decorrência do aparecimento dessa questão, surgem diversas discussões no âmbito global, envolvendo a conscientização dos diversos países. A partir dessas discussões, o conceito de sustentabilidade é elaborado, pri- meiramente com a visão ecológica, e posteriormente, incluindo as diversas dimensões que envolvem o ser humano e suas necessidades e condutas. No entanto, para a avaliação da sustentabilidade em um determinado local é preciso a reunião de diferentes informações que possam traduzir o grau de sustentabilidade em que se encontra. Para tanto, os indicadores são importantes ferramentas de avaliação, desde que seja possível relacioná-los aos conceitos e princípios de susten- tabilidade, sendo capazes de avaliar e monitorar as tendências de desen- volvimento sustentável, definindo metas de melhoria dos sistemas. Os indicadores têm sido utilizados na administração, seja ela pública ou privada de vários sistemas. Existem vários indicadores para cada ramo ou segmento que se queira analisar: indicadores de desempenho, para ava- liar pessoas e projetos; indicadores econômico-financeiros, para a compa- ração de empresas e países; indicadores socioeconômicos, para a análise da sociedade, entre outros, resumindo uma série de informações que per- mitirão a tomada de decisão pelo administrador. Ultimamente, os indicadores vêm sendo utilizados de forma conjunta, agregando uma série de informações, buscando uma visão integrada do objeto de estudo. Muitas vezes utiliza-se a comparação entre indicadores de diversas instituições, sejam empresas ou governos, de forma que os seus administradores obtenham uma base de comparação e saibam que áreas são mais deficientes, priorizando os seus investimentos. Os indicadores devem propor dados de forma a possibilitar análises e avaliações da transformação do meio físico e social, buscando a elabora- ção e formulação de políticas e ações urbanas. Histórico dos recursos hídricos2 Geografia dos Recursos Hídricos40 Na construção de um sistema de indicadores, é importante que se esta- beleçam os critérios e os métodos de forma coerente com os objetivos pretendidos e também com os recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis em um dado contexto, podendo alterar a forma de governar os sistemas e proporcionar uma melhor utilização dos recursos. Os sistemas urbanos de água e esgoto são ligados ao conceito de susten- tabilidade em todas as suas dimensões: ambiental, política, social, etc. A avaliação da sustentabilidade é de extrema importância para promover o aumento da qualidade de vida da população, garantindo saúde, acesso aos serviços, melhorias no sistema, entre outros fatores, sendo de água e esgoto. [...] Atividades 1. O Brasil, apesar de ser a sexta maior economia mundial, ainda apresenta proble- mas sociais graves, como a ausência de coleta e tratamento de esgoto doméstico em grande parte de seus municípios. Com base no que foi visto neste capítulo, pesquise e responda: Há um sistema de coleta e tratamento de esgotos em sua região? Caso contrário, quais os impactos que podem ser observados decorrentes da ausência des- se sistema? 2. Elabore um programa de monitoramento hidrológico de um rio de sua região. Para isso, você deve abordar: qual o rio escolhido e por que; qual o objetivo do monitora- mento (abastecimento doméstico, dessedentação de animais, irrigação etc.); quantos pontos serão monitorados/avaliados; e quais tipos de dados hidrológicos e fisiográ- ficos serão obtidos. 3. Reflita sobre a crise hídrica mundial e responda: Que atitudes podem ser tomadas individualmente para minimizar o problema da escassez de água? Em sua opinião, quais medidas deveriam ser implantadas pelos governos dos países que vivenciam a falta constante desse recurso? Referências BRAGA, B. et al. (Ed.). Águas doces no Brasil: capital ecológico, uso e conservação. 4. ed. São Paulo: Escrituras, 2015. 729 p. CECH, T.V. Recursos hídricos: história, desenvolvimento, política e gestão. 3. ed. São Paulo: LTC, 2013. 452 p. Histórico dos recursos hídricos Geografia dos Recursos Hídricos 2 41 HAMILTON, S. The 5 essential elements of a Hydrological Monitoring Programme. World Meteorological Organization, Bulletin n. 61, v. 1, 2012. BRASIL. Ministério da Integração Nacional. Nova delimitação do semi-árido brasileiro. 2005. Disponível em: <http://www.mi.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=0aa2b9b5-aa4d-4b55-a6e- 1-82faf0762763&groupId=24915>. Acesso em: 19 nov. 2016. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Departamento de População e Indicadores Sociais.Pesquisa nacional de saneamento básico: 2000. IBGE, Rio de Janeiro, 2002. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pnsb/>. Acesso em: 25 jan. 2016. MIRANDA, A. B.; TEIXEIRA, B. A. N. Indicadores para o monitoramento da sustentabilidade em sis- temas urbanos de abastecimento de água e esgotamento sanitário.Engenharia Sanitária e Ambiental, Rio de Janeiro, v. 9, n. 4, p. 269-279, 2004. UN – United Nations. A post-2015 global goal for water: synthesis of key findings and recommenda- tions from UN-Water. 2014. Disponível em: <http://www.un.org/waterforlifedecade/pdf/27_01_2014_ un-water_paper_on_a_post2015_global_goal_for_water.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2017. ______. From MDGS to SDGS. 2015. Disponível em: <http://www.unwater.org/sdgs/from-mdgs-to- -sdgs/en/>. Acesso em: 20 nov. 2016. ______. Goal 6: ensure acess to water and sanitation for all. Disponível em: <http://www.un.org/sus- tainabledevelopment/water-and-sanitation/>. Acesso em: 26 jan. 2017. ______. Water – facts and trends.
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