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25 A Psicologia e os empreendedores Não se pode dissociar o empreendedor da empresa que criou [...] a empresa tem a cara do dono. Fernando Dolabela [Os] padrões de personalidade em um empreendedor exercem uma influência dominante no sucesso subsequente de seu empreendimento. John B. Miner A dministrador por formação, meu interesse pela Psicologia surgiu por causa de um problema que enfrentava na carreira como consultor de empresas. Apesar de, nas reuniões, os clientes concordarem com minhas orientações técnicas, as ações posteriores de alguns deles demons- travam exatamente o contrário. Outros simplesmente ignoravam totalmente a realidade em momentos de crise, como se vivessem em um mundo à parte ou estivessem acometidos por uma súbita febre de otimismo. No início, atribuía esse problema a minha pouca experiência em argumentar de forma convin- cente com pessoas que normalmente eram mais velhas do que eu, em alguns casos, ou à pura teimo- sia, em outros. Mas um dia, enquanto discutia o comportamento errático de alguns clientes com um colega de profissão, a avó dele, que estava atenta à conversa, pronunciou a seguinte frase: “Meu filho, quando a pessoa é rica, dizem que é excêntrica. Quando é pobre, dizem que é doida.” A frase me alertou para o fato de que existem pessoas saudáveis e pessoas com distúrbios de personalidade, e elas podem ser encontradas em qualquer lugar, inclusive no comando de empresas. Posteriormente, a leitura das obras dos professores Dolabela e John Miner reforçaram em mim a crença de que, para compreender o funcionamento das empresas, é necessário compreender o funcio- namento das pessoas. Começava aí meu interesse pelo estudo da personalidade humana e sua relação com a condução de negócios. Mas o que é personalidade? A Enciclopédia e dicionário Koogan-Houaiss (2002) define-a como o “caráter essencial e exclusivo de uma pessoa, aquilo que a distingue de outra. Conjunto de caracte- rísticas psicológicas relativamente estáveis que influenciam a maneira pela qual o indivíduo interage com o meio ambiente.” A palavra personalidade vem da palavra latina persona, que se refere à máscara utilizada pelos atores em uma peça. A palavra passou a se referir à aparência externa que mostramos aos que nos ro- deiam e é comum as pessoas descreverem a personalidade de alguém por meio das características exter- nas e visíveis, da impressão que provocam, usando adjetivos como afetuoso, alegre, ou mal-humorado. Contudo, é evidente que ao usarmos o termo personalidade não podemos nos limitar apenas àquilo que é visto, pois a palavra engloba também toda uma série de qualidades sociais e emocionais que não podem ser vistas diretamente. O termo também nos remete a características relativamente estáveis e previsíveis, o que não quer dizer que a personalidade seja algo rígido: embora possamos afirmar que um amigo seja uma pessoa calma na maior parte do tempo, sabemos que ele pode se exal- tar ou entrar em pânico em algumas ocasiões. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 26 Existem diferentes visões sobre a natureza da personalidade humana. Neste capítulo, não pretendo abordar todas as teorias da personalidade, mas apenas aquelas sobre as quais encontrei material referente aos empreendedores. Existe muita coisa a ser pesquisada nesse campo, como observou Manfred Kets de Vries (1996, p. 853): Na teoria psicanalítica, estudos sobre o trabalho têm sido relativamente escassos. A maio- ria da literatura existente se preocupa com casos de inibição ou de compulsão pelo traba- lho. Ocasionalmente, são encontradas discussões sobre pessoas em profissões criativas. Nenhuma atenção tem sido dada, contudo, ao maior contribuinte para o desenvolvimento econômico na sociedade, o empreendedor. Isso contrasta de forma significativa com a atenção dada aos empreendedores por outras disciplinas. A Psicologia e os teóricos da personalidade A Psicologia1 teve suas origens em duas disciplinas científicas: a Filosofia e a Medicina. No início do século XIX, ela estava tão entrelaçada a esses campos que foi considerada um ramo da Filosofia por uns e da Medicina por outros. Como ciência independente, nasceu no final do século XIX, na Alemanha, e foi em grande parte obra de Wilhelm Wundt, que criou o primeiro laboratório de Psicologia em 1879, na Universidade de Leipzig. Esse pesquisador foi grandemente influenciado pelo enfoque das ciências naturais e, por isso, baseou-se fortemente no método experimental, estudando os processos mentais que poderiam ser afetados por algum estímulo externo que pudesse ser manipulado e controlado pelo experimentador. Wundt foi o precursor de uma corrente chamada estruturalista, que – como o nome já sugere – foca o estudo da estrutura da mente humana. Outro cientista que contribuiu de forma significativa para o surgimento da Psicologia foi William James, considerado um dos precursores de outra corrente da Psicologia, a funcionalista. Os funcionalistas focavam os processos de pen- samento. Enquanto os estruturalistas se perguntariam: “Quais são os conteúdos (estruturas) elementares da mente humana?”, os funcionalistas se perguntavam: “O que as pessoas fazem e por que fazem isso?” A Psicologia Experimental e o estudo formal da personalidade começaram em duas tradições separadas, mas é importante observar que, nos seus anos de formação, a Psicologia não estudava a personalidade como um todo, mas apenas alguns de seus aspectos, não existindo uma área de especialização distinta de- nominada Personalidade, como havia na Psicologia Infantil ou Social. Segundo Schultz e Schultz (2002), somente no final da década de 1930 o estudo da persona- lidade foi formalizado e sistematizado, principalmente com o trabalho de Henry Murray e Gordon Allport, da Universidade de Harvard. Considerando que a proposta deste capítulo é realizarmos algumas reflexões sobre a relação entre personalidade e condução de negócios, não iremos abordar todos os grandes teóricos da personalidade, restringindo-nos apenas àqueles que nos parecem fundamentais para alcançar o objetivo proposto. 1Ciência que estuda as ideias, sentimentos e de- terminações cujo conjunto constitui o espírito humano, ou, ciência dos fenômenos da vida mental e de suas leis. (AURÉLIO) Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 27 Sigmund Freud e a Psicanálise Freud nasceu em 1856, em Freiberg, Morávia (atual República Checa). Não era um psicólogo por treinamento, mas um médico que exercia clínica particular e trabalhava com pessoas que sofriam de problemas emocionais, tendo desenvolvido a sua teoria da personalidade baseado na observação clínica de seus pacientes. Ele chamou seu sistema de Psicanálise, o qual é considerado a primeira teoria formal da personalidade e até hoje a mais conhecida. Muitas das teorias propostas depois dele são derivações ou elaborações de sua obra clássica, enquanto outras devem sua origem e rumo à oposição à psicanálise de Freud. Polêmicas à parte, uma contribuição de Freud é inegável para o estudo da natureza humana: a descoberta do inconsciente. O conceito original de Freud divi- dia a personalidade em três níveis: o consciente, o pré-consciente e o inconsciente. O consciente corresponde às sensações e experiências das quais estamos cientes em todos os momentos – por exemplo, quando você está lendo estas palavras e está ciente da imagem da página e dos objetos que o rodeiam. Freud considerava o consciente um aspecto limitado da personalidade, por- que somente uma pequena parte de nossos pensamentos e lembranças permanece no consciente o tempo todo. Se fossemos comparar a um iceberg, o consciente seria a ponta visível acima da superfície da água. A parte mais importante ficaria invisível abaixo da superfície, e ali mora- riam os instintos ou desejos que regemo nosso comportamento. Entre o cons- ciente e o inconsciente, está o pré-consciente, que seria o depósito de lembranças, percepções e ideias das quais não estamos cientes no momento, mas que podemos trazer para o consciente com facilidade. Por exemplo, se você desviar sua atenção deste texto para pensar no que fez ontem de manhã, estará trazendo material do seu pré-consciente para o consciente. Mais tarde Freud revisou esse conceito de três níveis de personalidade e propôs três estruturas básicas na personalidade: o id, o ego e o superego. O id é o reservatório dos instintos e assume o papel de estrutura poderosa ao forne- cer toda a energia para os demais componentes. O id age de acordo com o que Freud chamava de princípio do prazer: só reconhece a gratificação instantânea, conduzindo-nos ao que queremos e quando queremos, sem levar em consideração o que os outros querem. É uma estrutura egoísta que procura o prazer, primitiva, atemporal, amoral, insistente e impulsiva, que não tem consciência da realidade. O ego é o “mestre racional” da personalidade. Seu objetivo não é contrariar os impulsos do id, mas ajudá-lo a reduzir suas tensões. Como está consciente da realidade, o ego decide quando e como os instintos do id podem ser satisfeitos da melhor maneira – em outras palavras, está constantemente mediando os conflitos entre o id e a realidade. Um terceiro conjunto de forças compõe o que Freud denominou superego e é composto por ordens e crenças que adquirimos na infância: nossos conceitos de certo e errado. O superego atua como “árbitro da moralidade” e seu objetivo não é apenas adiar as demandas de busca de prazer do id, como faz o ego, mas sim inibi-las Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 28 totalmente. Uma representação gráfica da estrutura da personalidade, segundo a escola psicanalítica, é apresentada na figura 1. (W EI TE N a pu d SC H U LT Z; S C H U LT Z, 2 00 2) SUPEREGO Imperativos morais Princípio da realidade EGO ID Princípio do prazer Consciente Pré-Consciente Inconsciente Figura 1 – Níveis e estruturas da personalidade determinados por Freud. O ego fica, no final, pressionado por três lados: o id, a realidade e o superego. O resultado desse confronto, quando o ego é excessivamente pressionado, é o surgimento da ansiedade. Defesas contra a ansiedade A ansiedade é um sinal de que um perigo iminente, uma ameaça ao ego, tem de ser neutralizado ou evitado. A ansiedade gera uma grande quantidade de energia psíquica e, se não puder mantê-la em um nível controlável, o ego poderá ser subvertido pelo conflito entre id e ego, tornando a mente cada vez mais dis- tante da realidade. Como o ego se defende? Uma alternativa seria fugir à situação ameaçadora. Se essa alternativa racional não funcionar, a pessoa pode recorrer aos mecanismos de defesa, que são estratégias não racionais para defender o ego. Embora variem quanto às suas características específicas, eles compartilham duas características: são distorções da realidade e operam inconscientemente. No quadro 1 são apre- sentados os mecanismos de defesa contra a ansiedade descritos por Freud. Quadro 1 – Mecanismos de defesa freudianos Repressão Envolve a negação inconsciente da existência de algo que causa ansiedade. Ex.: esquecimento de uma situação que causou sofrimento. (S C H U LT Z; S C H U LT Z, 2 00 2, p . 5 4. A da pt ad o. ) Negação Envolve a negação da existência de uma ameaça externa ou evento traumático. Ex.: um doente terminal nega a iminência da morte. Formação de reação Envolve a expressão de um impulso do id que é o oposto daquele que se está sentindo. Ex.: uma pessoa perturbada por impulsos extremamente agressivos pode tornar-se extremamente solícita e amigável. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 29 Projeção Envolve a atribuição de um impulso perturbador a outra pessoa. Ex.: uma pessoa com impulsos agressivos atribui a outra pessoa esse tipo de sentimento – “Eu não a odeio, é ela que me odeia.” (S C H U LT Z; S C H U LT Z, 2 00 2, p . 5 4. A da pt ad o. ) Regressão Envolve a volta a um período anterior da vida, menos frustrante, e apresenta características de comportamento dessa fase, normalmente da infância. Racionalização Envolve a reinterpretação de um comportamento para torná-lo mais aceitável e menos ameaçador. Ex.: a pessoa demitida racionaliza dizendo que o emprego não era bom. Deslocamento Envolve o deslocamento dos impulsos do id de um objeto ameaçador e indisponível para um substituto disponível. Ex.: uma pessoa que odeia o chefe, mas teme manifestar sua hostilidade, pode deslocar sua agressividade gritando com o seu cachorro. Sublimação Enquanto o deslocamento envolve descobrir um objeto substituto para satisfazer os impulsos do id, a sublimação envolve a transformação desses impulsos em comportamentos socialmente aceitáveis. A energia sexual, por exemplo, pode ser transformada em comportamentos artisticamente criativos. Kets de Vries (1977) estudou os empreendedores desde a perspectiva da Psicanálise. Reforça o fato de que alguns ambientes familiares específicos po- dem desenvolver um conjunto de traços característicos de “uma personalidade empreendedora”. Seus estudos, baseados em entrevistas e análise de biografias, apontam alguns aspectos comuns em vários empreendedores. Segundo ele, apesar dos aspectos “considerados positivos” como a orientação para a realização (obtenção de resultados e superação pessoal), criatividade, capacidade de correr riscos calculados e de contagiar uma organização com seu entusiasmo, os empreendedores “têm uma personalidade extravagante que faz deles pessoas difíceis de se conviver no trabalho” (VRIES, 1997). Por exemplo, sua inclinação para a ação, que às vezes faz com que atuem de forma impulsiva, pode ter consequências catastróficas para a organização. A história está cheia de casos de empreendedores que partiram de um conceito vago, construíram um império, foram chamados de visionários para depois, em uma sequência de decisões sem sentido, irem à falência total. As atitudes de alguns empreendedores podem ser explicadas pela ação dos mecanismos de defesa freudianos: apesar das evidências, comportam-se como se nada de ruim estivesse acontecendo (negação), atribuem a outros seus impul- sos perturbadores (projeção) ou transformam a energia interior (pulsão) em com- portamento socialmente aceitável (sublimação), como, por exemplo, trabalhando compulsivamente. Segundo Kets de Vries, a hiperatividade de alguns empreende- dores pode ser sintoma de um comportamento neurótico. Kets de Vries (1977, 1985, 1996) aponta outros aspectos da personalidade empreendedora que poderiam ter origem em fatores psicossociais. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 30 Necessidade de controle: eventualmente, sua preocupação com o controle afeta sua habilidade para tomar decisões e conviver harmoniosamente com os demais. Vários empreendedores têm dificuldades para lidar com estruturas de poder e se submeterem a elas, encarando-as, inclusive, com desconfiança. Essa atitude contrasta com a dos gerentes que identificam de uma forma positiva e construtiva as figuras de autoridade, usando-as como modelos. Para os empreendedores, as estruturas de poder tendem a ser sufocantes, a menos que eles as tenham criado e o trabalho seja feito nos seus termos. Assim, tendem a ser empregados-problema, insubordinados e transgressores das normas das empresas (em Pinchot III, 1989, é possível perceber que esse traço também está presente em muitos intraempreendedores). Sentem-se inadaptados e precisam criar seu próprio ambiente (sua empresa), na qual estão no controle e ditamas regras. A empresa passa a ser mais do que um veículo para maximizar lucro: demonstra sua capacidade não só de manter contato com a realidade mas também de criar uma nova realidade, fruto de conflitos internos que orbitam no conflito e na frustração com figuras que representam a autoridade2. Kets de Vries (1977) aponta que a origem desse aspecto poderia estar relacionada a fatores como discriminação social, racial ou conflitos com os pais. Pessoas preocupadas em excesso com o controle têm também pouca to- lerância com subordinados que pensam por si mesmos. Se esse compor- tamento for extremo, um gerente proprietário poderá querer estar infor- mado de tudo, até dos mínimos detalhes. No início de uma empresa isso pode ser fatal, pois poderá sufocá-la com um enorme fluxo de informa- ções, retardar as decisões e inibir a atração de gerentes competentes. Sentido de desconfiança: fortemente relacionada à necessidade de con- trole está uma tendência a suspeitar dos outros e do mundo que o ro- deia. Pessoas que são “doentes” nesse sentido estão continuamente mo- nitorando o ambiente para confirmar suas suspeitas, um comportamento quase paranoico. Esse padrão de comportamento, contudo, tem um lado positivo: faz com que esses empreendedores estejam alertas com relação a seus concorrentes, fornecedores, clientes e governo. Antecipando-se às ações dos outros, eles não são pegos desprevenidos. Desejo de aplausos: uma parcela dos empreendedores vive sob tensão, sentem como se vivessem “no fio da navalha”, temem cair, serem subju- gados ou desconsiderados pelos demais. Sua necessidade de controle e desconfiança são sintomas dessa ansiedade. Apesar de terem alcançado o sucesso, precisam mostrar aos demais que chegaram lá, que ascenderam a uma posição de destaque que não pode ser ignorada e, principalmente, que essa situação não será passageira. Uma manifestação dessa necessi- dade é o interesse de alguns empreendedores por “edifícios-monumento” que são símbolos de seu sucesso. Por exemplo, para mostrar às pessoas do bairro onde foram criados que ascenderam a uma posição de desta- que, constroem um escritório imponente em sua nova fábrica. Em casos patológicos, esse tipo de empreendedor pode fazer isso a despeito da delicada situação financeira da empresa, em meio a uma crise. 2A leitura das biografias do Barão de Mauá e de Assis Chateaubriand mostra que, apesar de terem vivido em épocas diferentes, eles tinham muito em comum: problemas de rejeição ou baixa autoestima na infância e uma relação conflituosa com o poder. Mauá teve uma relação de admiração e ódio com o imperador D. Pedro II, enquanto Assis Chateaubriand teve a capa- cidade de indispor-se com a maioria dos presidentes do Brasil enquanto viveu. Na ditadura de Vargas, por exemplo, passou vários anos na prisão por causa de seus ataques a um governo que ele mesmo havia ajudado a instalar. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 31 O comportamento errático de alguns empreendedores afeta diretamente suas famílias: elas não são excluídas do “cenário agressivo”. Muito pelo contrá- rio, membros próximos podem ser enquadrados como suspeitos ou como intrusos querendo minar a posição de controle do empreendedor, principalmente quando se trata de filhos sucessores. Só sob pressão extraordinária as mudanças propostas por esses sucessores são aceitas, com um desgaste material e emocional muito grande. Segundo Kets de Vries (1977), a relação de Edsel Ford com seu pai, Henry Ford, foi conflituosa, levando a uma rivalidade que quase destruiu a empresa. A recusa de Henry em mudar de estratégia, em fazer alterações no modelo T, sua má vontade em apoiar Edsel nos seus esforços para construir uma infra e uma superestrutura levaram a empresa à beira da falência. Kets de Vries (1977, p. 57) resume a situação de alguns empreendedores da seguinte maneira: Enquanto o espírito empreendedor é uma das mais poderosas forças de contenção na prevenção da decadência e declínio da economia como um todo, no final da história o empreendedor paga um preço muito alto, no sentido emocional, por esse processo de crescimento econômico. Jung e os tipos psicológicos Carl Gustav Jung nasceu em 1875, na Suíça, e estudou Medicina na Univer- sidade de Basileia, onde se especializou em Psiquiatria. Inicialmente, dedicou-se ao estudo da esquizofrenia e, paralelamente, ao estudo do teste de associações de palavras de Francis Galton (desenvolvido em 1880), o qual consiste em uma série de palavras sem relação aparente entre si, às quais a pessoa deve responder com a primeira palavra que lhe vier à cabeça. Jung já era um profissional conceituado quando conheceu Freud, em 1907. Tornaram-se amigos íntimos até a ruptura intelectual, ocorrida em 1911. Segundo Schultz e Schultz (2002, p. 88), Sigmund Freud designou Carl Jung como seu herdeiro espiritual, mas este desenvolveu uma teoria da personalidade que diferia drasticamente da psicanálise ortodoxa, criando uma nova e elaborada explicação da natureza humana diferente de qualquer outra, que ele chamou de Psicologia Analítica. Dentro da teoria junguiana, vamos abordar, nesta disciplina, o sistema de classificação de tipos psicológicos desenvolvido por Jung e posteriormente aper- feiçoado por Katharine Briggs e Isabel Briggs Myers. Um dos primeiros pontos nos quais Jung discordou de Freud foi quanto à natureza da libido3. Ele não concordava que a libido seja basicamente uma energia sexual, como propunha Freud, mas uma energia de vida ampla e diferenciada. Por meio de seus estudos, constatou que algumas pessoas direcionariam essa energia ou se interessariam mais pelos objetos (mundo externo ao eu) e outras mais pelas ideias (mundo interno). Definiu, assim, duas atitudes básicas: extroversão e introversão. Para Jung, as atitudes de extroversão e introversão não são conscientes e intencionalmente 3Libido: “energia psí-quica”. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 32 escolhidas, uma vez que as crianças já apresentam essas atitudes de forma bem definida nos primeiros anos de vida. Além disso, uma atitude não exclui a outra: todos têm capacidade para ambas as atitudes, mas somente uma predomina na personalidade, tendendo a direcionar o comportamento e a consciência da pessoa, enquanto a outra continua influente e se torna parte do inconsciente, podendo afetar o comportamento. A divisão entre introvertidos e extrovertidos permite distinguir dois grupos de indivíduos no sentido psicológico, com características próprias. Contudo, Jung considerou essa divisão “tão superficial e genérica que não permite mais do que uma distinção igualmente genérica” (JUNG, 1991, p. 22). Segundo ele, as pessoas também podem ser distinguidas segundo as suas funções psicológicas básicas: sensação e intuição, que seriam as duas maneiras de se receber informação sobre algo; e pensamento e sentimento, as duas maneiras de se avaliar algo4. A preferência pelas funções independe das atitudes. Pode-se ter, por exem- plo, pessoas extrovertidas com preferência pela sensação e outras com prefe- rência pela intuição, a mesma coisa acontecendo com as funções pensamento e sentimento. Assim como as funções independem das atitudes, também as preferências T - F (pensamento ou sentimento) são inteiramente independentes da preferência S - N (sensação ou intuição). Qualquer tipo de julgamento pode alinhar-se com qualquer tipo de percepção. Assim, ocorrem quatro combinações: ST – sensação e pensamento NF – intuição e sentimento SF – sensação e sentimento NT – intuição e pensamento Cada uma dessas combinações produz um tipo diferente de personalidade, caracterizado por interesses, valores, necessidades, hábitos de pensamento e tra- ços aparentes que resultam naturalmente delas. Esse modelo deu origemaos oito tipos descritos originalmente por Jung em seu livro Tipos Psicológicos. Posteriormente, duas pesquisadoras norte-americanas, Katharine Briggs e Isabel Briggs Myers, adicionaram uma preferência a mais: a escolha entre uma atitude perceptiva (P) e uma atitude julgadora (J) como forma de viver, como maneira de lidar com o mundo. Sobre essa questão, Isabel Myers e Peter Myers (1997, p. 30) escreveram: Existe uma oposição fundamental entre as duas atitudes. Para chegar a uma conclusão, as pessoas usam a atitude de julgamento e têm que anular a sua percepção por algum tempo. 4Mais adiante, serão feitas referências às atitudes e às funções usando o sistema de letras desenvolvido por Katharine Briggs e Isabel Myers e seguindo a sua ori- gem no inglês: Extrovertion, Introvertion, iNtuition, Sen- sation, Thinking e Feeling. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 33 Todas as evidências estão à tona e tudo o mais é irrelevante e imaterial. Chegou a hora de dar um veredicto. Pelo contrário, na atitude de percepção as pessoas isolam o julgamento. Nem todas as evidências foram juntadas, novos desenvolvimentos vão ocorrer. É cedo demais para fazer algo definitivo. Ao adicionar essa preferência a mais, o número de tipos psicológicos passou dos 8 originais para 16, cada um com uma maneira de ser, podendo se ajustar com maior facilidade a determinadas atividades ou sendo entendidos para facilitar a comunicação com eles. Como sugere o título da obra de Myers e Myers (Gifts Differing, 1997), as pessoas não são melhores ou piores, apenas têm “dons dife- rentes”. No quadro 2, é apresentada uma descrição resumida dos 16 tipos psico- lógicos junguianos. A teoria dos tipos psicológicos junguianos tem um campo de aplicação bas- tante amplo. Na Educação, por exemplo, pode ajudar professores a melhorar o processo de aprendizagem; nas empresas, a encontrar a “pessoa certa para uma determinada atividade”; e, em processos de orientação profissional, a ajudar as pessoas a encontrarem a profissão mais adequada a seu tipo psicológico5. Quadro 2 – Descrição resumida dos 16 tipos psicológicos ISTJ ISFJ INFJ INTJ (H IR SC H ; K U M M ER O W , 1 99 5, p . 1 4) factuais meticulosos sistemático confiáveis constantes práticos organizados realistas fiéis ao dever sensatos cuidadosos detalhistas meticulosos tradicionalistas leais pacientes práticos organizados voltados para o serviço devotados protetores responsáveis cuidadosos compromissados leais têm grande compaixão criativos intensos profundos determinados conceituais sensíveis reservados globais idealistas independentes lógicos críticos originais voltados para os sistemas firmes visionários teóricos exigentes reservados globais autônomos ISTJ ISFJ INFJ INTJ lógicos apropriados práticos realistas factuais analíticos aplicados independentes aventurosos espontâneos adaptáveis determinados atenciosos gentis modestos adaptáveis sensíveis observadores cooperativos leais confiáveis espontâneos compreensivos harmoniosos têm grande compaixão gentis virtuosos adaptáveis compromissados curiosos criativos leais devotados profundos reservados enfáticos lógicos céticos cognitivos reservados teóricos críticos precisos independentes especulativos originais autônomos determinados 5Existem dois inventários (testes) psicológicos uti- lizados atualmente no Brasil para avaliar o tipo psicoló- gico das pessoas pela teoria junguiana: o Questionário de Avaliação de Tipos Psi- cológicos (Quati) e o Myers and Briggs Type Indicator (MBTI). Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 34 ESTP ESFP ENFP ENTP (H IR SC H ; K U M M ER O W , 1 99 5, p . 1 4) orientados para atividades adaptáveis gostam de se divertir versáteis energéticos alertas espontâneos pragmáticos despreocupados persuasivos amigáveis rápidos entusiasmados adaptáveis divertidos amigáveis alegres sociáveis comunicativos cooperativos despreocupados tolerantes agradáveis criativos curiosos entusiasmados versáteis espontâneos expressivos independentes amigáveis perceptivos energéticos imaginativos incansáveis empreendedores independentes sinceros estratégicos criativos adaptáveis desafiadores analíticos inteligentes engenhosos questionadores teóricos ESTP ESFP ENFP ENTP lógicos decididos sistemáticos objetivos eficientes diretos práticos organizados impessoais responsáveis estruturados cuidadosos cuidadosos leais sociáveis agradáveis responsáveis harmoniosos cooperativos diplomáticos meticulosos prestativos complacentes tradicionais leais idealistas agradáveis verbais responsáveis expressivos entusiasmados energéticos diplomáticos preocupados prestativos amigáveis lógicos decisivos planejadores duros estratégicos críticos controlados desafiadores diretos objetivos justos teóricos Com relação aos empreendedores, o tipo psicológico influi no estilo de ges- tão. Hirsch e Kummerow (1995), agrupando as preferências por temperamentos, delinearam quatro estilos gerenciais, conforme apresentado no quadro 3. Quadro 3 – Descrição dos quatro tipos de temperamento SJ ou Temperamento Epimeteico (H IR SC H ; K U M M ER O W , 1 99 5) Estilo de liderança Tradicionalista, estabilizador, consolidante. Estilo de trabalho Trabalha com senso de responsabilidade, lealdade e assiduidade. Estilo de aprendizado Aprende passo a passo como preparação para benefícios atuais e futuros. Contribuição para a organização Produção rápida. SP ou Temperamento Dionisíaco Estilo de liderança Soluciona problemas, negociante, bombeiro. Estilo de trabalho Trabalha por meio de ações com sabedoria. Estilo de aprendizado Aprende por meio de envolvimento ativo para atingir as necessidades atuais. Contribuição para a organização Lida de maneira imediata com o incomum e o inesperado. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 35 NF ou Temperamento Apolíneo (H IR SC H ; K U M M ER O W , 1 99 5) Estilo de liderança Catalisador, comunicativo, motivador. Estilo de trabalho Trabalha interagindo com as pessoas sobre valores e inspirações. Estilo de aprendizado Aprende para conhecimento próprio, de maneira personalizada e criativa. Contribuição para a organização Algo pessoal ou uma visão especial sobre as possibilidade. NT ou Temperamento Prometeico Estilo de liderança Visionário, arquiteto de sistemas, construir. Estilo de trabalho Trabalha ideias com criatividade e lógica. Estilo de aprendizado Aprende por meio de um processo pessoal e analítico. Contribuição para a organização Estratégias e análises. Um outro ponto interessante é como as pessoas tomariam decisões. Isso en- volve a relação entre as quatro funções da psique (N, S, T, F). Da mesma maneira que a uma atitude extrovertida consciente corresponde uma atitude introvertida inconsciente e vice-versa, também as quatro funções têm uma relação comple- mentar entre consciente e inconsciente. Para Jung, desde a infância cada pessoa se apoia mais em um processo do que nos outros, por este lhe parecer mais confiável. Ao ser mais utilizado, ele se torna mais amadurecido e seguro, tornando-se o processo mental central da pessoa, o núcleo da personalidade. A função mais desenvolvida ficaria sob o controle do consciente. Uma segunda função, menos desenvolvida, assume um papel auxiliar da principal, seguido de uma função terciária e, por último, de uma função que assume o papel de “função inferior”, sendo a menos desenvolvida das quatro. As funções principal e auxiliar não pertencem ao mesmo processo. Portanto, se a função principal for relacionada à percepção (Sensação ou iNtuição), a auxiliar recairá sobre uma das duas funções relacionadas ao processo de julgamento (pensamento – T – ou sentimento – F). Um exemplo disso é ilustrado nafigura 2. Intuição (principal) Sentimento (auxiliar) Sensação (terciária) Pensamento (inferior) Introversão Extroversão Consciente Inconsciente (Z A C H A R IA S, 1 99 5, p . 1 17 . A da pt ad o. ) Figura 2 – Exemplo da relação entre as funções psíquicas – Tipo ENFP. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 36 Segundo o Manual do Programa de Qualificação MBTI (2003), na solução de problemas as escolhas das funções S/N e T/F levariam aos comportamentos descritos no quadro 4. Quadro 4 – Efeito das funções no processo de tomada de decisão T (pensamento ) S(sensação) ((M A N U A L, 2 00 3) Analisa Identifica fatos relevantes Debate Determina passos realistas Cria e explica o modelo Implementa N (intuição) F(sentimento) Vê todas as possibilidades Envolve Busca alternativas Considera o efeito nos outros Resolve vários problemas Mantém harmonia Como exemplo, é apresentado no quadro 5 o fluxo que seria seguido no processo de tomada de decisão do tipo ENFP. Quadro 5 – Efeito das funções no processo de tomada de decisão – Tipo ENFP F (sentimento) Função auxiliar Envolve Considera o efeito nos outros N (intuição) Função principal Vê todas as possibilidades Busca alternativas T (pensamento) Função terciária Analisa Debate S (sensação) Função inferior Identifica fatos relevantes Determina passos realistas De acordo com a teoria junguiana, cada tipo psicológico teria um estilo de tomada de decisão, o que poderia afetar a condução da empresa. Com relação a esse aspecto (tipo do empreendedor e desempenho da empresa), Ginn e Sexton (1989) estudaram, pela perspectiva da tipologia junguiana, um grupo de 159 funda- dores de empresas do ranking das 500 empresas privadas com mais rápido cresci- mento da revista Inc. (Estados Unidos) e um grupo de 150 fundadores da indústria manufatureira e comércio varejista do estado do Texas (Estados Unidos). Partiu-se da premissa de que nem todos os empreendedores parecem ter o mesmo nível de interesse no crescimento de suas empresas: o crescimento seria uma escolha. Perce- beu-se uma alta concentração de tipos NT, tendo sido comentado o seguinte: Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 37 O padrão NTJ descreve uma pessoa que gosta de pensar adiante, organizar planos e fazer um esforço sistemático para alcançar seus objetivos. Eles estão mais interessados em bus- car as possibilidades mais além do que é presente, óbvio e conhecido. Eles gostam da ação executiva e do planejamento de longo prazo. O padrão NTJ se diferencia do padrão NTP, também representado no grupo de funda- dores de alto crescimento, só com respeito à manutenção de opções abertas mais do que querer as coisas decididas. (GINN; SEXTON, 1989, p. 6) Ao compararem seus dados com um estudo feito por Hoy e Hellriegel (1982) so- bre fundadores de empresas com crescimento médio, Ginn e Sexton concluíram que: aparentemente os fundadores de empresas com alto crescimento têm preferências psico- lógicas que favorecem o planejamento de longo prazo, enquanto que as preferências dos fundadores de empresas de médio crescimento não só não incluem planejamento de longo prazo como os limitam a uma abordagem “aqui e agora”. (GINN; SEXTON, 1989, p. 7, grifo do autor) No tocante a tipo e escolha profissional, Roberts (1991) estudou um grupo de empreendedores de base tecnológica e de engenheiros, todos vinculados ao Massachusets Institute of Technology (MIT), aplicando como instrumento de teste o questionário MBTI. A incidência mais alta foi de empreendedores com a tipologia ENTP. Roberts cita Keirsey e Bates, que teriam caracterizado esse tipo como “inventor” e apontado os seguintes traços: O ENTP pode ser um empreendedor e claramente produzir com o que ou com quem es- tiver à mão, contando com a engenhosidade para resolver problemas à medida que eles aparecem, mais do que gerar um planejamento cuidadoso antecipadamente. (KEIRSEY; BATES, 1978, p. 186) Um exame detalhado da literatura mostra que existe muita coisa a ser pes- quisada no campo do empreendedorismo, desde a perspectiva da tipologia jun- guiana. Contudo, apesar da quantidade relativamente escassa de publicações so- bre esse tema específico, isso não invalida o fato de que o autoconhecimento do tipo psicológico pode ser de grande utilidade para um empreendedor avaliar seus pontos fortes e fracos na condução de um negócio. Maslow e a hierarquia de necessidades Maslow nasceu em 1908, em Nova York. Foi um crítico vigoroso da Psicanálise, particularmente da abordagem da personalidade de Freud. Segundo Maslow, quando os psicólogos estudam somente indivíduos emocionalmente perturbados, ignoram as qualidades humanas positivas como felicidade, satisfação e paz de espírito. Ele propôs uma hierarquia de cinco necessidades inatas que ativam e dire- cionam o comportamento humano (MASLOW, 1954, 1968), a saber: necessidades fisiológicas, como alimentação, água e sexo; necessidades de segurança, como proteção, ordem e estabilidade; necessidades de afiliação e amor; Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 38 necessidade de estima (de si mesmo e dos outros); necessidade de autorrealização. Essas necessidades possuem uma hierarquia (figura 3), estando na base as necessidades fisiológicas e no topo as de autorrealização. Segundo Maslow, não somos impulsionados por todas as necessidades ao mesmo tempo e apenas uma dominará nossa personalidade. Qual delas dominará dependerá da satisfação das outras no nível mais abaixo na hierarquia. Assim, pessoas famintas não sentem vontade de satisfazer a necessidade de segurança, mas a fisiológica de comida. Maslow denominou essas necessidades como instintoides, aos quais confe- ria um componente hereditário. Contudo, elas poderiam ser influenciadas ou anu- ladas pelo aprendizado, pelas expectativas sociais e pelo medo de desaprovação. Por exemplo, pais com hostilidade e rejeição tornam mais difícil para uma pessoa satisfazer as necessidades de amor e estima. Se as crianças forem superprotegidas e não forem autorizadas a tentar novos comportamentos, explorar novas ideias ou praticar novas habilidades, é possível que se tornem adultos inibidos, incapazes de alcançar a autorrealização. Por outro lado, liberdade demasiada na infância pode levar à ansiedade e segurança, minando a necessidade de segurança. Autorrealização Estima Afiliação e amor Segurança Fisiológicas Figura 3 – Hierarquia das necessidades de Maslow. Maslow tinha uma visão otimista da personalidade humana: todos temos o livre-arbítrio de escolher a melhor maneira de satisfazer nossas necessidades e realizar nosso potencial. Contudo, atingir a autorrealização exige esforço e coragem. No tocante aos empreendedores, a criação de uma empresa pode estar rela- cionada diretamente à satisfação de necessidades rumo à autorrealização. Birley e Westhead (apud LEZANA, 1997) estudaram as razões que levam uma pessoa a empreender. Para isso, entrevistaram mais de mil empresários em 11 países dife- rentes. Concluíram que cinco necessidades são as mais presentes. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 39 Segurança: a empresa é vista como um meio de sentir-se seguro com relação a uma série de fatores como o desemprego, por exemplo. Aprovação6 (ou estima): a empresa é vista como um meio de mostrar aos outros que é capaz de levar uma ideia adiante, gerar empregos e obter respeito da comunidade. Desenvolvimento pessoal (estima e autorrealização): muitas pessoas abrem empresas para desenvolver novas habilidades e conhecimentos, bem como testar seu potencial. Independência (autorrealização):ao ser o proprietário da empresa, não precisa pedir autorização a superiores hierárquicos para fazer as coisas. Assim, a empresa é vista como um meio de ampliar a liberdade de ação, enfrentar novos desafios e gerenciar o seu tempo7. Autorrealização: a empresa significa para alguns empreendedores a realização de um projeto de vida. Um exemplo pode ser o empresário Abraham Kasinski. Aos 80 anos de idade, milionário e reconhecido como referência no meio empresarial, ele vendeu sua empresa, a Cofap, e afirmou: “Deixar a companhia é como ter um filho muito bem criado e famoso que vai embora, sem dizer nada.”8 Dois anos depois, Kasinski fundou uma montadora de motocicletas em Manaus e declarou: “Não suportava mais ficar em casa. Minha vida são os negócios.”9 Percebe-se que as empresas podem significar para seus fundadores não apenas um meio de ganhar dinheiro e satisfazer as necessidades fisiológicas ou de segurança, as quais poderíamos denominar básicas, mas podem estar relacionadas à satisfação de necessidades mais complexas, como a autorrealização. Essa relação entre empresa (meio) e satisfação de uma necessidade (fim) abre espaço para tratarmos de dois outros teóricos da personalidade e de suas relações com o empreendedorismo: Henry Murray e David Clarence McClelland. Henry Murray e a relação entre necessidade, motivo e comportamento A contribuição mais importante de Murray para a teoria da personalidade foi a utilização do conceito de necessidade para explicar a motivação e o rumo do comportamento. Segundo Schultz e Schultz (2002, p. 187), uma necessidade “envolve uma força psicoquímica no cérebro que organiza e direciona a capacidade intelectual e perceptiva”. As necessidades podem surgir de processos internos, como a fome ou a sede, ou de processos externos, como uma ameaça física. A não satisfação de uma necessidade eleva o nível de tensão de um orga- nismo, que irá agir para reduzir essa tensão ou satisfazer a necessidade. Essa ten- são (ou energia) gera um motivo, o qual pode ser definido como uma “disposição geral ou tendência para um comportamento ou conjunto de comportamentos” (WINTER, 1973, p. 21). 6Birley e Westhead não usam a nomenclatura de Maslow, mas a descrição das necessidades/motivos permite traçar claramente uma relação com a teoria de Maslow. 7Segundo Maslow, pessoas realizadoras procuram liberdade de ação, entre ou- tros comportamentos. 8Declaração dada à revista IstoÉ em 16 de junho de 1997. 9Declaração dada a O Estado de S.Paulo em 9 de maio de 1999. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 40 Para explicar isso, tomemos um exemplo bem simples: você chega em casa e percebe que algumas coisas estão fora do lugar, o que de certa maneira o inco- moda. Esse incômodo significa que sua necessidade de ordem não está satisfeita plenamente, gerando energia: você passa a estar motivado a arrumar a casa, mas ainda não faz nada. Dois dias depois, constata que sua casa está suja e desarru- mada de tal maneira que fica muito incomodado: a energia aumenta, e sua moti- vação por ordem faz com que pegue material de limpeza, limpe a casa e arrume as coisas. Ao constatar que a casa está limpa e arrumada de maneira que satisfaz sua necessidade de ordem, o incômodo (energia) cessa, e você dá a faxina por encerrada (fim do comportamento). A “motivação por ordem” poderia ter desencadeado outros comportamentos, como, por exemplo, contratar alguém para fazer a faxina ou ordenar que outra pessoa o fizesse. Mas a necessidade, a origem do processo continuaria a ser a mesma: necessidade de ordem. Murray formulou uma lista de 20 necessidades, que apresentamos em nosso quadro 6. Quadro 6 – Lista de necessidades de Murray Afiliação Aproximar-se e colaborar com prazer e retribuir a um aliado que se pareça com a própria pessoa, ou seja, alguém que goste dela. Aderir e permanecer leal a um amigo. (S C H U LT Z; S C H U LT Z, 2 00 2, p . 1 88 -1 89 ) Agressão Superar a oposição à força. Lutar, atacar, ferir ou matar outra pessoa. Depreciar, censurar ou ridicularizar maliciosamente alguém. Autonomia Libertar-se, abolir as restrições ou sair do confinamento. Resistir à coerção e às restrições. Ser independente e livre para agir de acordo com os impulsos. Desafiar as convenções. Compreensão Estar inclinado a analisar eventos e generalizar. Discutir, argumentar e dar ênfase à razão e à lógica. Expôr as opiniões de maneira precisa. Mostrar interesse por formulações abstratas em ciências, matemática e filosofia. Defesa Defender o self contra ataques, críticas e culpas. Omitir ou justificar uma má ação, falha ou humilhação. Defesa psíquica Evitar humilhação. Sair de situações embaraçosas ou evitar situações que possam levar a escárnio, menosprezo ou indiferença dos outros. Evitar agir por medo do fracasso. Divertimento Agir simplesmente com o intuito de se divertir. Domínio Controlar o seu ambiente. Influenciar ou dirigir o comportamento de outros por sugestão, sedução, persuasão ou comando. Fazer os outros colaborarem. Convencê-los de que sua opinião é correta. Evitar o mal, defesa física Evitar dor, lesão física, doença e morte. Escapar de uma situação perigosa. Tomar medidas de precaução. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 41 Exibição Impressionar. Ser visto e ouvido. Emocionar, surpreender, fascinar, entreter, chocar, intrigar, divertir ou atrair outras pessoas. (S C H U LT Z; S C H U LT Z, 2 00 2, p . 1 88 -1 89 ) Humilhação Submeter-se passivamente a forças externas. Aceitar insultos, culpa, críticas e punição. Resignar-se com a sua sina. Admitir inferioridade, erro, más ações ou derrota. Culpar, depreciar ou mutilar o self. Buscar e gostar de dor, punição, doença e infortúnio. Neutralização Dominar ou compensar uma falha reparando-a. Obliterar uma humilhação retomando uma ação. Superar fraquezas e reprimir o medo. Buscar obstáculos e dificuldades a serem superados. Manter o autorrespeito e o orgulho elevados. Ordem Colocar as coisas em ordem. Obter limpeza, boa disposição, organização, equilíbrio, arrumação e precisão. Realização Conseguir realizar algo difícil. Dominar, manipular ou organizar objetos físicos, seres humanos ou ideias. Superar obstáculos e atingir um alto padrão. Rivalizar e superar os outros. Rejeição Excluir, abandonar, expulsar ou ficar indiferente a alguém inferior. Esnobar ou se afastar de uma outra pessoa. Respeito, deferência Admirar e apoiar uma pessoa superior. Entregar-se ansiosamente à influência de um aliado. Agir de acordo com o habitual. Segurança Ser cuidado, sustentado, cercado, protegido, amado, aconselhado, orientado, perdoado ou consolado. Ficar próximo de um protetor dedicado. Sensualidade Buscar e apreciar impressões sensuais. Sexo Cultivar e aprofundar uma relação erótica. Ter relações sexuais. Solidariedade Prestar solidariedade e satisfazer necessidades dos desamparados, de uma criança ou de uma pessoa fraca, deficiente, inexperiente, enferma, humilhada, solitária, abatida ou mentalmente confusa. Murray desenvolveu, em conjunto com Christina Morgan, o Thematic Aper- ception Test (TAT) em 1935. Basicamente, esse teste consiste no uso de imagens que representam cenas diversas, com diferentes graus de estruturação e realismo, a partir das quais solicita-se ao testado narrar uma história. A partir desse mate- rial, é possível avaliar alguns aspectos da personalidade do testado. David McClelland, David Winter e John William Atkinson, partindo das necessidades definidas por Murray, dedicaram-se a estudar a relação entre as ne- cessidades de realização, poder e afiliação e o comportamento humano. Usando o teste de percepção temática10 (MURRAY, 1943; ANGELINI, 1955; ATKINSON, 1958, SMITH, 2004), MCCLELLAND11 (1962, 1967, 1970, 2000),identificou-se que a necessidade de realização (Need of Achievement ou n Ach) é particularmente alta entre os empreendedores e executivos de alta per- formance. De forma mais ampla, seus estudos também apontaram para uma es- treita relação entre n Ach e desenvolvimento econômico: quanto maior a presença de pessoas com alta n Ach em uma determinada população, maior o desenvolvi- mento econômico dessa população. 10 Sobre testes proje-tivos, ver Anzieu (1978). 11 Um exame da biblio-grafia mostra que McClelland foi, entre esses pesquisadores, o que mais se dedicou ao estudo da relação entre necessidades e compor- tamentos nos empreendedo- res e executivos de empresas. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 42 McClelland descobriu, também, que a presença de alta necessidade de realização faz com que sejam observáveis algumas características como desejo de assumir a responsabilidade pessoal pelas decisões; preferir decisões envolvendo níveis moderados de risco; interesse em feedback imediato sobre o resultado das decisões tomadas; e desinteresse por trabalhos repetitivos e rotineiros. (MCCLELLAND, 2000, cap. 7). Contudo, se a n Ach é um dos ingredientes do sucesso empresarial, não é su- ficiente por si só. Segundo McClelland: “Não há razão no campo teórico para que uma pessoa com alta necessidade de ser mais eficiente venha a se tornar um bom gerente” (1976, p. 100). Baseado em suas pesquisas com executivos, McClelland percebeu que aqueles que tinham alta n Ach e baixa n Power tinham seu foco na melhoria pessoal, em fazer as coisas de melhor maneira por si mesmos ou, em outras palavras, “querem fazer as coisas eles mesmos”. Um exemplo disso poderia ser o seguinte: o melhor vendedor de uma em- presa, reconhecido por ultrapassar as metas designadas e superar-se continua- mente, ao ser promovido a gerente de vendas se torna um executivo centralizador, querendo fazer tudo e se intrometendo constantemente no trabalho de seus su- bordinados. A empresa, nesse caso, perdeu um excelente vendedor e ganhou um péssimo gerente. A função de gerência (seja ela desempenhada por um empregado ou pelo proprietário), particularmente em organizações maiores e mais complexas, sig- nifica liderar, persuadir outras pessoas para que elas façam as coisas certas na organização. Logo, em termos motivacionais, um gerente bem-sucedido deve ter uma alta motivação por poder. Mas McClelland (1976, p. 101) adverte: “Contudo, esta necessidade [de poder] deve ser disciplinada e controlada para que seja diri- gida para o benefício da instituição como um todo, e não para o engrandecimento pessoal do gerente”. Essas proposições de McClelland sobre realização e poder poderiam ex- plicar, também, porque alguns fundadores de empresa não conseguem superar a crise de delegação e terminam estagnados ou fracassando em suas iniciativas empresariais. A necessidade de afiliação (n Affiliation) também desempenha um papel importante no comportamento dos empreendedores. Segundo McClelland (2000), o desejo de atingir rapidamente as metas estabelecidas, presente nas pessoas com alta n Ach, pode levá-las a valerem-se da máxima de que “os fins justificam os meios”, trapaceando ou usando meios social ou eticamente condenáveis para atingir resultados. A presença da n Affiliation refreia esse impulso, pois o interesse em ser aceito e amado pelo grupo ou por determinadas pessoas com as quais se identifica choca-se com a possibilidade de rejeição como punição por atos condenáveis pelo grupo. No caso dos gerentes (ou do exercício dessa função), uma n Affiliation muito baixa pode significar um estilo institucional de gerência em que a lealdade é maior com a empresa do que com as pessoas (MCCLELLAND, 1976, p. 104). Waine e Rubin (1969) estudaram a motivação dos empreendedores da área de inovação tecnológica e a relação disso com o desempenho de suas empresas. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 43 Concluíram que as empresas com desempenho mais alto eram conduzidas por empreendedores com alta n Ach e com uma n Power moderada. Também percebe- ram que empreendedores com alta n Ach e alta n Power tinham um desempenho pior. Suas descobertas reforçaram a constatação de que empreendedores com um estilo democrático, caracterizado por n Power moderada, n Ach e n Affiliation altas, têm um desempenho melhor na área estudada. Julian Rotter e a Teoria Atribucional Segundo a Teoria Atribucional de Julian Rotter (1966, 1971), ou Teoria do Lócus de Controle, as pessoas tendem, em geral, a buscar explicações sobre suas condutas, seus resultados e suas consequências com o fim de predizer, compreender, justificar e controlar o mundo. Rotter acreditava que a n Ach estava relacionada ao lócus de controle interno, ou seja, à percepção que algumas pessoas têm de que possuem influência sobre o curso dos acontecimentos em suas vidas (em oposição ao lócus de controle externo, em que a causa dos acontecimentos é atribuída a forças externas, ou à “falta de sorte”). Essa crença se baseava nos estudos de Atkinson (1957) e McClelland (1967), que descobriram que pessoas com alta n Ach tendem a acreditar na sua própria habilidade de controlar o resultado de seus esforços. McClelland, por exemplo, observou que um indivíduo tende a impingir um esforço maior quando ele percebe que suas ações terão resultados diretos na obtenção da realização pessoal. Shapero (1975, p. 84) aplicou o questionário de lócus de controle a 101 em- preendedores texanos e a 34 empreendedores italianos. Usando a escala “interno- -externo” de Rotter, que vai de 0 (muito interno) a 23 (muito externo), obteve uma pontuação média de 6,58, “muito mais baixa do que a pontuação média de outros grupos em que foi aplicado o teste”, o que significaria que os empreendedores teriam um lócus de controle interno mais intenso que outros segmentos da po- pulação. Shapero também descobriu que o lócus de controle está relacionado ao fato de as pessoas pensarem que podem um dia começar um negócio. Cita uma pesquisa realizada por Candace Borland com 375 estudantes de Administração da Universidade do Texas que apontou que, em termos gerais, os estudantes que desejavam começar um dia seu próprio negócio não tinham uma motivação por realização maior que os outros estudantes. A diferença marcante estava numa forte crença no controle interno e uma baixa crença na capacidade dos outros de controlarem os seus destinos. Jones (1972) e Weiner (1974), ambos citados em um texto publicado pelo Sebrae (2002), assinalam a ocorrência de processos cognitivos (elaborações que as pessoas fazem a partir de suas ideias para conseguir entender a realidade) entre os resultados de um dado comportamento e comportamentos que ocorrem mais tarde. Em geral, os empresários elegem negócios naquelas áreas em que têm ex- pectativas de êxito de acordo com suas habilidades pessoais, que significam para eles uma vantagem comparativa a partir de sua experiência com resultados posi- tivos anteriores. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 44 Weiner (1974) argumenta que os indivíduos com alta e baixa n Ach diferem significativamente, já que as pessoas com alta motivação de realização têm mais tendência a atribuir o êxito aos seus próprios esforços. Isso levaria ao comporta- mento de realização, conforme apresentado na figura 4. Necessidade de realização Atribuição do sucesso a si Aumento da probabilidade de ocorrência do comportamento de realização Orgulho na execução (sentimento positivo) Ocorrência do comportamento (S EB R A E, 2 00 2, p . 8 . A da pt ad o. ) Figura 4 – Relação entre necessidade de realização, lócus de controle e comportamento. A atribuição da responsabilidadepelo sucesso ou fracasso afeta a conduta de realização. Se uma pessoa atribui consistentemente os resultados de suas realizações a forças externas, não experimenta a satisfação necessária para a persistência e o es- forço necessários ao alcance ou superação dos objetivos ou desafios estabelecidos. Karen Horney e a autoimagem idealizada Na opinião de Karen Horney, todos nós – normais ou neuróticos – criamos uma autoimagem (ou realidade interior) que pode ou não se basear na realidade (realidade objetiva). Nas pessoas normais, a imagem do self (eu) é construída com base numa avaliação realista de nossas habilidades, potências, fraquezas, metas e relações com outras pessoas. Essa imagem é flexível e dinâmica, adaptando-se à medida que o indivíduo vai se desenvolvendo e mudando: reflete os pontos fortes e fracos, assim como o crescimento pessoal. A imagem realista é uma meta, algo a se buscar e, como tal, conduz a pessoa à autorrealização. As pessoas neuróticas criam uma imagem ilusória do self. Para elas, a imagem real é tão indesejável que chegam a negá-la: veem a si mesmas sob uma luz extremamente positiva, como pessoas virtuosas, honestas e corajosas, por exemplo. Embora a imagem neurótica não coincida com a realidade, ela é real para a pessoa que a criou. As outras pessoas podem facilmente captar essa falsa imagem, mas a pessoa neurótica, não. Um modo pelo qual os neuróticos tentam se defender dos conflitos internos provocados pela discrepância entre autoimagem idealizada (realidade interior) e a realidade (objetiva) é a exteriorização, projetando o conflito para o mundo Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 45 exterior. Esse processo pode aliviar temporariamente a ansiedade provocada pelo conflito, mas não faz nada para resolver a distância entre a realidade interior e a realidade objetiva. Garcia (2004), baseado nas observações realizadas em processos de terapia com empreendedores, afirma que o insucesso de alguns deles se deve a processos neuróticos. Partindo do “mito do empreendedor de sucesso” ou do “gênio inven- tivo”, eles criam uma imagem extremamente positiva de si mesmos e de sua em- presa, adotando atitudes e tomando decisões baseadas em uma imagem distorcida da realidade. Queimam etapas como a busca de informações de mercado por con- siderarem que seus insights12 não necessitam de validação. Mais: ao serem alerta- dos por pessoas próximas, reagem negativamente, acusando-as de “pessimistas” ou “pessoas de visão limitada”. Quando ocorrem os insucessos, não procuram avaliar suas falhas (afinal, eles são perfeitos...), mas atribuem-nos a fatores como “crise econômica”, “governo” ou “clientela medíocre”. Comentários finais Deve-se compreender que os empreendedores são, acima de tudo, humanos. Partindo-se dessa premissa, estudar o perfil psicológico de um empreendedor é uma tarefa tão complexa quanto estudar a personalidade humana. Cada teórico da personalidade pode nos ajudar a entender o porquê de as pessoas agirem de forma diferente na condução de negócios, e principalmente ajudar a entender como você age. A Psicologia pode ser dividida em duas correntes no tocante à natureza humana: os otimistas, que acreditam que o ser humano nasce para procurar e encontrar o aperfeiçoamento contínuo e ser feliz; e os pessimistas, que acreditam que a natureza humana é destrutiva e sombria. Eu confesso ser um otimista. Como pesquisador e empresário, vejo a vida cheia de possibilidades, desafios e principalmente como uma grande escola em que a cada dia me é brindada a oportunidade de aprender com meus acertos e meus erros. O contato com os teóricos da personalidade me ajudou muito como pessoa e como profissional. Espero que o conteúdo deste capítulo ajude você tam- bém. Como afirmou o general chinês Sun Tzu: Se conheceres o teu inimigo, vencerás cinquenta batalhas. Se conheceres a ti mesmo, vencerás cem batalhas. Mas se conheceres a ti mesmo e a teu inimigo, serás invencível. 12 Insight: capacidade de entender verdades ocultas, especialmente no tocante a situações. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 46 1. Responda ao teste a seguir. Inventário de orientação (PAREEK; RAO, 1992) Instruções Cada questão possui um par de afirmações. Imagine que você tem cinco pontos nas mãos para distribuir entre as duas afirmações de cada uma das questões. Atribua a sua pontuação dando mais pontos para aquela que você concorda mais e menos, ou nenhum, para a outra (por exemplo, 5-0 4-1, 3-2, 2-3 etc.). É importante que a soma de cada questão seja igual a cinco, lembrando que não é per- mitido dividir seus pontos igualmente entre as duas afirmações. Você não pode dividir seus pontos igualmente (por exemplo, 2,5) entre uma e outra: sempre haverá uma afirmação com a qual você concorde mais. 1 A O sucesso de um empreendedor vai depender de vários fatores. A capacidade de cada empreendedor tem pouco a ver com o sucesso. B Um empreendedor capaz pode sempre moldar o seu próprio destino. 2 A Empreendedores nascem, não são feitos. B É possível aprender a tornar-se mais empreendedor, mesmo que não se inicie sendo desse jeito. 3 A Se um vendedor será capaz de vender seu produto ou não, dependerá de quão eficazes são os concorrentes. B Não importa o quão bons são os concorrentes: um vendedor sempre será capaz de vender seu produto. 4 A Empreendedores capazes acreditam no planejamento prévio de suas atividades. B Não há necessidade de um planejamento prévio porque não importa como o empreendimento é: sempre haverá fatores imprevisíveis que influenciarão o sucesso. 5 A Uma pessoa pode tornar-se um empreendedor de sucesso dependendo das condições econômicas e sociais. B Empreendedores podem sempre ter sucesso, não importando as condições sociais e econômicas. 6 A Empreendedores falham por causa da falta de habilidade e percepção. B Empreendedores são propensos a falhar em pelo menos metade das vezes porque sucesso ou falha dependem de vários fatores sobre os quais eles não têm controle. 7 A Frequentemente, empreendedores são vítimas de forças que não podem entender nem controlar. B Por meio de participação ativa na economia e em assuntos políticos e sociais, os empreendedores podem controlar os eventos que afetam seus negócios. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 47 8 A Conseguir ou não um empréstimo depende de quão justo é o funcionário do banco. B Conseguir ou não um empréstimo depende de quão bom é o seu plano de negócio. 9 A Quando comprar matérias-primas ou qualquer outra mercadoria, é aconselhável coletar o máximo de informação por meio de várias fontes e então tomar a decisão final. B Não há por que coletar muita informação: no final, quanto mais você paga, melhor será o produto que você compra. 10 A Se você vai ter ou não lucro, dependerá da sorte. B Se você vai ter ou não lucro, dependerá da sua competência como empreendedor. 11 A Algumas pessoas nunca terão sucesso como empreendedores. B É possível desenvolver as habilidades empreendedoras em diferentes tipos de pessoa. 12 A Se você será um empreendedor de sucesso é algo que dependerá do ambiente social em que nasceu. B Pessoas podem tornar-se empreendedores de sucesso pelo esforço e a capacidade, não importando a classe social da qual se originam. 13 A Nos dias de hoje, as pessoas devem depender, a qualquer momento, da ajuda, suporte e simpatia dos outros (órgãos governamentais, burocratas, bancos etc.). B É possível gerar seus próprios rendimentos sem depender tanto assim da burocracia: o que é necessário é a capacidade de lidar com as pessoas. 14 A A situação do mercado é hoje muito imprevisível: até empreendedores com boa percepção falham frequentemente. B Quando a percepçãode mercado de um empreendedor é falha, ele só pode culpar a si mesmo por não ter entendido o mercado corretamente. 15 A Com esforço, as pessoas podem determinar seus próprios destinos. B Não há razão para gastar tempo planejando ou fazendo coisas para mudar o destino de uma pessoa: o que vai acontecer, acontecerá. 16 A Existem muitos eventos além do controle do empreendedor. B Empreendedores são os criadores de suas próprias experiências. 17 A Não importa o quão duro trabalhemos, só realizamos o que está em nossos destinos. B As recompensas que recebemos depende somente dos esforços que fazemos. 18 A A eficácia organizacional pode ser alcançada por meio do emprego de pessoas competentes e eficazes. B Não importa o quão competentes sejam as pessoas de uma companhia: se as condições socioeconômicas não forem boas, a organização terá problemas. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 48 19 A Deixar as coisas ao acaso e deixar o tempo tomar conta delas ajuda as pessoas a relaxarem e aproveitarem a vida. B Sempre é melhor resolver as coisas do que as deixar ao acaso. 20 A O trabalho de uma pessoa competente sempre será reconhecido. B Não importa o quão competentes sejamos: é praticamente impossível avançar na vida sem contatos. Tabela de pontuação 1. Transfira seus pontos para a tabela a seguir. Controle interno (ST) Controle externo (ST) 1 B 1 A 2 B 2 A 3 B 3 A 4 B 4 B 5 B 5 A 6 A 6 B 7 B 7 A 8 B 8 A 9 A 9 B 10 B 10 A 11 B 11 A 12 B 12 A 13 B 13 A 14 B 14 A 15 B 15 B 16 B 16 A 17 B 17 A 18 A 18 B Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 49 19 B 19 A 20 A 20 B Total controle interno: Total controle externo: Divida o total do controle interno pelo total do controle externo. Anote o resultado aqui: 2. Reflita sobre a seguinte questão: por que você tem (ou pretende abrir) uma empresa? Quais são as necessidades pessoais que seriam atendidas por meio dessa atividade? 3. Assista ao filme Cidadão Kane (1941), de Orson Welles, e reflita sobre as características da personalidade de Charles Foster Kane, considerando os pontos a seguir. De que maneira a sua infância pode ter afetado sua vida adulta? Repare na relação da sua última palavra no leito de morte (rosebud ou “botão de rosa”) e a cena em que, ainda menino, é enviado para estudar ao encargo de um tutor. Qual poderia ser o verdadeiro sentido da construção de uma residência/castelo? Por que a opção por montar um jornal? Teria sido o personagem motivado por realização pessoal, poder ou afiliação? Como você vê a relação entre esses três motivos no personagem principal do filme? Um resultado acima de 3,0 indica um alto nível de empreendedor interno, há elevadas chances de tais indi- víduos terem sucesso na atividade empreendedora. Um resultado inferior a 1,0 indica que o indivíduo tem maior orientação de controle interno, portanto precisa tornar-se mais interno para ser capaz de iniciar e manter uma atividade empreendedora. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 50 CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do império. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. Esse livro apresenta a biografia de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá. Trata-se de uma obra que permite entender os principais acontecimentos políticos e econômicos do final do século XVIII à segunda metade do século XIX, assim como conhecer a trajetória do primeiro grande industrial brasileiro. GARCIA, Luiz Fernando. Pessoas de Resultado. São Paulo: Gente, 2003. Nessa obra o autor tratou de verter para uma linguagem acessível ao grande público alguns conceitos-chave para o sucesso nos negócios. MCCLELLAND, David C. Human Motivation. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. Esse livro infelizmente só está disponível em inglês. Nele, o autor resume suas obras anteriores, revisa conceitos e permite ao leitor mergulhar em 50 anos de pesquisa sobre quatro tipos de motiva- ção: realização, afiliação, poder e defesa. Obra fundamental para aqueles que queiram se aprofundar no tema da psicologia dos empreendedores. MORAIS, Fernando. Chatô: o rei do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Livro biográfico. Recomendo sua leitura após Mauá: empresário do império. Trata da vida de Francisco de Assis Chateaubriand, o Chatô, empreendedor visionário mas de personalidade polêmica. Orson Welles chamou Chatô de “cidadão Kane da América do Sul” e este livro permite entender por que. MYERS, Isabel B.; MYERS, Peter B. Ser Humano É Ser Diferente: valorizando as pessoas por seus dons especiais. São Paulo: Gente, 1997. Esse livro possui uma linguagem simples e prática que permite entender a tipologia junguiana. PINCHOTT III, Gifford. Intrapreneuring. São Paulo: Habra, 1989. Apesar do título em inglês, o conteúdo foi traduzido para o português. O livro aborda as carac- terísticas dos empreendedores corporativos ou intraempreendedores. SCHULTZ, Duane P.; SCHULTZ, Sidney Ellen. Teorias da Personalidade. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. Nessa obra são apresentados, de forma muito clara e didática, os principais pensadores da teoria da personalidade humana. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A Psicologia e os empreendedores 51 ANGELINI, Arrigo Leonardo. Um Novo Método para Avaliar a Motivação Humana. Estudo do motivo de realização. 1955. Tese (Doutorado em Psicologia). Universidade de São Paulo. ANZIEU, Didier. Os Métodos Projetivos. Rio de Janeiro: Campus, 1978. ATKINSON, John W. (Ed.). Motivational determinants of risk-taking behavior. Psychological Review, vol. 64, n. 6, p. 359-372, 1957. ______. Motives in Fantasy, Action and Society. Princeton: D. Van Nostrand Company, 1958. BIRLEY, Sue; WESTHEAD, Paul. A comparison of new firms in “assisted” and “non assisted” areas in Great Britain. Entrepreneurship and Regional Development, v. 4, n. 4, p. 299-338, 1992. DOLABELA, Fernando. Oficina do Empreendedor: A metodologia de ensino que ajuda a transfor- mar conhecimento em riqueza. São Paulo: Cultura Editores Associados, 1999. ENCICLOPÉDIA e Dicionário Koogan Houaiss Digital 2002. São Paulo: Delta, 2002. GINN, Charles W.; SEXTON, Donald L. Growth: A vocational choice and psychological preference. In: VESPER, Karl H. (Ed.). Frontiers of Entrepreneurship Research. Wellesley, Massachusetts: Babson College, 1989, p. 1-12. HIRSH, Sandra Krebs; KUMMEROW, Jean M. Introdução aos Tipos Psicológicos nas Organiza- ções. São Paulo: Coaching Consultoria Estratégica, 1995. HOY, Frank; HELLRIEGEL, Don The Killman and Herden model for organizational effectiveness criteria for small business managers. Academy of Management Journal, 25 (2), 1982. p. 208-322. JONES, Edward E. et al. Attribution: perceiving the causes of behavior. Morristown, Nova Jersey: General Learning Press, 1974. JUNG, Carl Gustav. Psicologia do inconsciente. In: ______. 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