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diversidade_contexto_escolar (1)

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INTRODUÇÃO 
Vivemos em um mundo globalizado, marcado por uma revolução 
tecnológica que expande as fronteiras do conhecimento, altera as formas 
de comunicação e impõe a criação de soluções inovadoras para problemas 
complexos e inéditos. Ao mesmo tempo, vivemos em um país 
extremamente plural com elevado nível de desigualdades socioculturais e 
econômicas, o que significa que uma parcela significativa da população 
não terá acesso a essas novas tecnologias e informações, portanto, não terá 
oportunidade de aprender a lidar com tais exigências, ficando excluída 
dessa nova realidade. Nesse contexto, alguns questionamentos se 
colocam: quais são os impactos desse cenário para a educação das crianças 
e dos jovens que vivem no Brasil? Como conciliar as demandas por um 
novo modelo de cidadão e cidadã com a estrutura escolar e as limitações 
das grades curriculares? 
Para iniciarmos essa reflexão, propomos o seguinte exercício. 
Imaginem que estamos no início do ano letivo em 2023. Uma professora 
do ensino fundamental entra em uma sala de aula com 25 crianças 
diferentes em aparência física, tamanho, postura, vestimenta, 
corpulência, forma de se mover; em sexo, origem social, identidade 
religiosa, nacional ou étnica; em capacidades de atenção e de trabalho; 
em capacidade perceptiva, manual e gestual; em gostos e capacidades 
criativas; em personalidade, caráter, atitudes, opiniões, interesses, 
confiança em si; em desenvolvimento intelectual; em modos e 
capacidades de relação e comunicação; em linguagem e cultura; em 
saberes e experiências; em hábitos e modo de vida fora da escola; em 
experiências e aquisições escolares anteriores; em sentimentos, projetos, 
vontades, energias do momento.1 
 
 
1 Situação inspirada na imagem descrita por Philippe Perrenoud, no seu livro A pedagogia 
na escola das diferenças: fragmentos de uma sociologia do fracasso (2001, p. 69). 
 
 
Uma turma com esse perfil pode ser encontrada tanto em escolas públicas como particulares, 
em certa medida. O espaço escolar costuma ser permeado pelas mesmas características socioculturais 
e econômicas da sociedade em geral. Essa é, portanto, uma realidade inevitável. Mas como ensinar 
os conteúdos, conhecimentos e valores tidos como universais para uma turma de estudantes com 
tamanha multiplicidade de perfis? Como eles podem ser apreendidos e percebidos por todas e todos 
de forma que possam contribuir para a sua formação enquanto cidadãs e cidadãos responsáveis e 
capazes de transformar o mundo à sua volta? Afinal, como lidar com as diversidades presentes no 
ambiente escolar? 
Aprender a viver em um ambiente diverso e multifacetado é um dos principais desafios do 
mundo contemporâneo, portanto, da educação. Alguns diriam que a construção de uma sociedade 
mais justa e inclusiva requer que a escola seja um espaço de construção e valorização das 
individualidades, do respeito para com as diferenças e que eduque para a pluralidade cultural, 
ensinando a perceber o outro como ser legítimo, reconhecendo que possui uma história, uma 
cultura, uma etnia (GADOTTI, 2000, p. 56). Outros, amparados por um paradigma liberal, diriam 
que o conhecimento é universal, neutro e imparcial, e que, portanto, ele poderia ser transmitido 
sempre da mesma forma, não importando as peculiaridades, origens e características de quem recebe 
esse conhecimento, no caso, os estudantes.2 
Para enfrentar esse dilema, é preciso conhecer as diversidades existentes no mundo de hoje, 
especialmente no contexto nacional. Entender a natureza e as origens das diferenças entre grupos e 
procurar compreender as suas relações é o que buscamos abordar neste curso. 
A tarefa não é trivial, pois lidar com o diferente requer um esforço de respeito e tolerância, o 
que nem sempre sabemos como exercitar e, em alguns casos, tampouco estamos dispostos a fazê-lo. 
Por isso, falar em diversidade requer um debate amplo, transparente, sincero e pautado nos estudos 
acadêmicos mais difundidos atualmente. Assim, convido-lhes a refletir com profundidade sobre as 
diferenças e desigualdades existentes na nossa sociedade, a partir de um arcabouço teórico capaz de 
fornecer subsídios para se compreender os conceitos fundamentais dessa discussão, as origens e a 
natureza da diversidade e a sua aplicação no ambiente escolar. 
É importante lembrar que um curso como este requer escolhas e recortes metodológicos, pois 
não há como abordar todas as teorias existentes, tampouco todos os marcadores da diferença, nem 
mesmo todos os casos possíveis envolvendo diversidade. Não porque eles não sejam importantes, 
ao contrário, mas as limitações de tempo e espaço exigem que algumas teorias e modos de pensar o 
 
2 Segundo Marlise Matos e Breno Cypriano (2008, p. 2), essa visão aproxima-se do sistema cartesiano de racionalidade, 
vertente intelectual hegemônica que vigorou até o século XVIII. Para os autores, uma das características desse modelo 
epistemológico é a insistência “no fato das faculdades da razão e da sensação serem, potencialmente, as mesmas em todos 
os seres humanos, independente da cultura, classe, raça ou sexo/gênero; donde resulta entender que diferenças nas 
situações dos seres humanos, ao invés de reconhecidas como fontes de visões alternativas sobre a realidade, são 
consideradas impedimentos que devem ser ultrapassados por uma visão ‘neutra’ e ‘objetiva’”. 
 
 
mundo sejam incluídas e outras não. Por essa razão, optamos por enfatizar aqui um substrato teórico 
fundamental capaz de subsidiar a construção de um ferramental metodológico próprio para 
fundamentar as decisões que venham a ser tomadas em contextos específicos. 
Por isso, esperamos que aceitem abraçar o desafio de abrirmos um canal de reflexão sobre as 
diversidades no espaço escolar pautado no estudo das principais abordagens teóricas 
contemporâneas sobre o assunto, a fim de estimular a criação de um espaço de diálogo para 
pensarmos soluções viáveis ao contexto de cada um e ao mesmo tempo adequadas para os desafios 
que o mundo atual impõe. Com esse arcabouço teórico e algumas reflexões práticas, será menos 
desafiador lidar com as situações cotidianas e os conflitos envolvendo a diversidade de pensamento, 
de origem social, de raça, cor, etnia, de idade, de origem família, identidade religiosa. 
Para alcançar os objetivos propostos, a apostila está estruturada em duas partes: uma mais 
geral e conceitual, ao passo que a outra mais específica e focada nos variados tipos de diversidade. 
A primeira parte está representada pelo módulo 1, que visa a fornecer um arcabouço teórico 
e conceitual sobre as diversas noções de diversidade, a sua relação com os termos “diferença”, 
“desigualdade”, “universalismo”, e com os referenciais teóricos do reconhecimento de direitos e 
redistribuição de recursos, interseccionalidades para então passarmos à análise do que significa falar 
em diversidade no contexto escolar. 
A segunda parte do curso, por sua vez, destina-se ao estudo detalhado de alguns importantes 
marcadores da diferença, e se estrutura em três módulos. No primeiro deles, módulo 2, 
enfatizaremos a diversidade de gênero e identidade sexual, bem como as implicações decorrentes 
desse modo de compreender a realidade social no âmbito educacional. Já o módulo 3 concerne às 
diversidades étnico-raciais existentes no País, o seu arcabouço teórico e os consequentes desafios 
que essa dinâmica social impõe ao contexto escolar. Por fim, o módulo 4 aborda diversidades 
bastante evidenciadas no contexto educacional, como a diversidade de classe social, origem religiosa, 
deficiência e diversidade cultural e linguística, que ganha ainda mais importância com a nova onda 
de imigrações no País. 
Antes de começar, fazemos uma última observação. Ao longo da apostila, você vai notar o 
uso de uma linguagem inclusiva para se referiràs pessoas. Isto é, mencionaremos “alunas e alunos”, 
“professoras e professores” e, quando possível, utilizaremos termos neutros como a turma ou 
estudantes. A intenção é que ao citarmos um grupo não utilizaremos a forma masculina como 
sinônimo do que é “neutro” ou “universal”. A linguagem é um importante instrumento de poder e 
dominação e, a depender do modo como escrevemos podemos reproduzir, por exemplo, assimetrias 
de gênero. São justamente essas assimetrias que queremos evitar, especialmente em um curso que 
pensa diversidade, inclusão e igualdade. 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
MÓDULO I – NOÇÕES DE DIVERSIDADE: UMA INTRODUÇÃO CONCEITUAL ................................... 9 
O QUE É DIVERSIDADE? ..................................................................................................................... 9 
Diversidade versus diferença .................................................................................................. 11 
Diferença e desigualdade: o debate sobre reconhecimento e redistribuição ................ 12 
MARCADORES DA DIFERENÇA E INTERSECCIONALIDADES ........................................................ 15 
O QUE É DIVERSIDADE NO CONTEXTO ESCOLAR? ...................................................................... 18 
Diversidade na política educacional brasileira .................................................................... 20 
MÓDULO II – DIVERSIDADE DE GÊNERO E SEXUALIDADES ............................................................. 23 
CONCEITOS DE GÊNERO ................................................................................................................. 24 
GÊNERO E SEXUALIDADES .............................................................................................................. 33 
GÊNERO E IDENTIDADE SEXUAL NO AMBIENTE ESCOLAR ......................................................... 34 
REPERCUSSÕES DA DIVERSIDADE DE GÊNERO NO CONCEITO DE FAMÍLIA ............................ 36 
MÓDULO III – DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAIS................................................................................ 39 
RACISMO NO BRASIL ....................................................................................................................... 42 
MITO DA DEMOCRACIA RACIAL...................................................................................................... 44 
DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAIS NA EDUCAÇÃO ......................................................................... 44 
MÓDULO IV – DIVERSIDADES CULTURAIS, LINGUÍSTICAS, RELIGIOSAS E PESSOAS COM 
DEFICIÊNCIA ......................................................................................................................................... 47 
DIVERSIDADE DE CRENÇA RELIGIOSA ........................................................................................... 47 
DIVERSIDADE CULTURAL E LINGUÍSTICA DOS IMIGRANTES ...................................................... 51 
Educação dos imigrantes no Brasil ....................................................................................... 53 
PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS E ENSINO INCLUSIVO .............................................. 55 
BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................... 58 
PROFESSOR-AUTOR ............................................................................................................................. 65 
 
 
 
 
 
 
 
Para falar em diversidade no contexto escolar, é preciso, antes de tudo, entender o que 
significa diversidade na sua acepção mais ampla. Por isso, o primeiro módulo do curso tem por 
objetivo apresentar as diferentes noções de diversidade, com vistas a introduzir um arcabouço 
teórico e conceitual que servirá de base para as reflexões e os debates dos módulos posteriores. 
Não é possível tratar de diversidade sem abordar as distinções entre este e outros termos 
correlatos, como diferenças, desigualdades, multiculturalismo e universalismo. Assim, mais do que 
explicar o que significa diversidade, é fundamental dissociar o seu conceito de outros igualmente 
relevantes. 
Depois de abordar a discussão sobre marcadores da diferença e a relação entre eles, 
enfatizando a abordagem teórico-metodológica chamada de interseccionalidade, chegaremos ao 
tema da disciplina propriamente dito: a diversidade no contexto escolar. Além de apresentar como 
a diversidade é tratada na política educacional brasileira, enfatizamos os desafios de se lidar com a 
diversidade em diferentes momentos da vida escolar de uma criança/adolescente, quando são 
moldadas a personalidade, a maneira de ser e de se relacionar com os outros. Nesta parte, 
abordaremos o problema conhecido como bullying, que permeia o ambiente escolar e está 
relacionado à não aceitação das pessoas com características próprias. A partir deste debate, o 
propósito é refletir sobre como podemos ajudar a construir uma sociedade mais justa e inclusiva. 
 
O que é diversidade? 
Em um mundo globalizado, marcado pela revolução tecnológica, economia global, 
padronização dos mercados de consumo, velocidade na disseminação de informações, há uma 
tendência à universalização de certos valores, costumes e soluções para problemas comuns. A 
MÓDULO I – NOÇÕES DE DIVERSIDADE: 
UMA INTRODUÇÃO CONCEITUAL 
 
10 
 
globalização impõe uma redefinição de símbolos e significados culturais, que ganham uma feição 
desconectada das origens, raízes e identidades de grupos, povos e nações. 
Esse movimento de relativização das identidades culturais tem gerado certo desconforto na 
última década. Nesse momento, reaparece o debate acerca do relativismo, ideia associada ao 
multiculturalismo, às reivindicações identitárias e à valorização da diversidade cultural. Assim, por 
mais paradoxal que possa parecer, o relativismo ressurge no contexto da globalização, desafiando o 
universal em prol da retomada das particularidades socioculturais. 
Ao analisar esse movimento, o sociólogo Renato Ortiz (2017) considera que a tensão entre o 
universal e o particular; entre o comum e as diferenças, caracteriza o “espírito de nosso tempo”, que 
é marcado pelo “mal-estar do universalismo”.3 Segundo o autor, “vivemos uma mudança do humor 
dos tempos. As qualidades positivas, antes atribuídas ao universal, deslocam-se para o ‘pluralismo’ 
da diversidade”. A menção ao mito de Babel serve para ilustrar esse processo. Para Ortiz (2017), 
Babel era visto na tradição europeia como uma situação desagradável, de incompreensão e 
desentendimentos, uma vez que para superar a incomunicabilidade em face da multiplicidade de 
idiomas, as pessoas tiveram de buscar uma língua universal capaz de estabelecer a paz entre os povos. 
Por outro lado, quando se fala que a internet é uma Babel, essa é uma imagem positiva, que valoriza 
as peculiaridades de cada pessoa, opinião, interesse. 
Esse movimento de crescente afirmação das identidades aconteceu em diversas localidades, 
mas “especialmente em sociedades geradas pelo colonialismo europeu, em que grupos e indivíduos 
reafirmam seus particularismos locais e suas identidades étnicas, raciais, culturais ou religiosas” 
(RODRIGUES; ABRAMOWICZ, 2013, p. 17). 
Fruto da crescente afirmação das pautas identitárias, a ideia de diversidade passou a ocupar 
posição central no debate internacional e nacional, em especial nas discussões sobre o 
desenvolvimento e na formulação de políticas públicas. 
Diversidade não é um conceito unívoco, muito menos livre de disputas. Em geral, o termo 
diversidade é construído em conjunto com outros termos, como o de diferença, desigualdade, 
inclusão e exclusão, por vezes, confundindo-os. 
Quando introduzida no debate sobre mercado de trabalho, a diversidade é entendida como 
o reconhecimento das diferenças e a valorização da tolerância e respeito para que todas as pessoas 
comdiferentes características físicas, psicológicas, origem, gênero possam conviver. Esse tem sido o 
uso mais disseminado do debate público. 
Há autoras que acabam por conceituar diversidade a partir da sua relação com inclusão 
(GREENE, 1993). 
Um dos conceitos mais difundidos, especialmente entre os estudos no campo da educação, é 
aquele que alia o termo diversidade à heterogeneidade de culturas que marcam a sociedade 
 
3 As recentes divergências entre os países da Europa Ocidental sobre as políticas de imigração e o Brexit são alguns 
exemplos bastante recentes que podem ilustrar esse mal-estar do universalismo. 
 
 11 
 
contemporânea (GADDOTI, 1992; ABRAMOWICZ; RODRIGUES; CRUZ, 2011), e ao 
multiculturalismo (SILVA; MOREIRA, 1995). Em outras palavras, falar em diversidade seria o 
mesmo que falar em diversidade de culturas. 
A evidente variedade de perspectivas que se expressam nas teorias e propostas relativas à 
diversidade tornam esse campo de debate próspero tendo em vista a sua complexidade. A polissemia 
terminológica produz uma série de disputas de sentidos, o que torna a proposta deste curso ainda 
mais interessante e não menos desafiadora. O primeiro desafio que se coloca é entender as relações 
entre diversidade de diferença. 
 
Diversidade versus diferença 
Como vimos, um dos usos mais corriqueiros da palavra diversidade geralmente remete à ideia 
de respeito às diferenças. Acontece que diversidade e diferença são noções distintas, embora seja 
comum ver esses termos sendo utilizados indistintamente. Há, portanto, diferentes noções e 
concepções de diversidade e diferença. 
Essas noções podem ser organizadas em três vertentes: a primeira trata as diferenças ou 
diversidades como contradições que podem ser apaziguadas. Uma das formas de apaziguamento 
seria a tolerância, que seria capaz de conter os conflitos e dilemas impostos pelo multiculturalismo. 
A segunda vertente, denominada liberal ou neoliberal, usa a palavra diferença ou diversidade 
como estratégia de ampliação das fronteiras do capital, pela maneira com que comercializa 
territórios de existência, formas de vida, a partir de uma maquinaria de produção de subjetividades. 
Por fim, a terceira perspectiva enfatiza as diferenças como produtoras de diferenças, as quais 
não se podem apaziguar, já que não se trata de contradições. 
 Em geral, a indistinção conceitual entre diferença e diversidade esconde as desigualdades e, 
fundamentalmente, as diferenças. Nesse sentido, Tatiane Rodrigues e Anete Abramowicz (2013) 
fazem o seguinte alerta: 
 
Sob o manto da diversidade, o reconhecimento das várias identidades e/ou 
culturas é atravessado pela questão da tolerância, tão em voga, já que pedir 
tolerância ainda significa manter intactas as hierarquias do que é 
considerado hegemônico. [...] a diversidade foi entendida como uma 
forma de governamento exercido pela política pública no campo da 
cultura, como uma estratégia de apaziguamento das desigualdades e de 
esvaziamento do campo da diferença, tendo como função borrar as 
identidades e quebrar as hegemonias (RODRIGUES; ABRAMOWICZ, 
2013, p. 18). 
 
 
12 
 
Para essa matriz teórica, a utilização indiscriminada das palavras diferença e diversidade tem 
produzido o esvaziamento político e social do que significa a diferença e a diversidade, utilizadas 
como sinônimos. Falar de diversidade quase como o mesmo que falar da diferença resulta no 
apagamento da diferença, pois tem por objetivo retirar a diferença da diversidade. 
Nesse contexto, a diversidade tem-se caracterizado como uma política universalista de 
maneira a contemplar o todo, todas as formas culturais, todas as culturas, como se estas pudessem 
interagir sem grandes conflitos. Para Abramowicz, Rodrigues e Cruz (2011, p. 94), a diversidade 
seria então o “campo esvaziado da diferença”. Consequentemente, defendem os autores, este campo 
da diversidade também de alguma maneira é esvaziado, não pela diferença, mas pela desigualdade, 
uma vez que há desigualdades irreconciliáveis, seja de poder, seja das classes sociais, mas isso é 
obscurecido. 
Essa mesma preocupação com o apagamento das diferenças foi levantada pela filósofa 
educacional norte-americana Maxine Greene (1993). Ao procurar identificar o significado de 
diversidade no contexto democrático, a autora se pergunta como é possível promover inclusão sem 
o tipo de normalização que apaga as diferenças, forçando-as a serem reprimidas, mas ela não 
responde diretamente a essa pergunta. 
 
Diferença e desigualdade: o debate sobre reconhecimento e 
redistribuição 
“Temos o direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser 
diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza”. Com essa frase, Boaventura de Souza Santos 
(2006, p. 316), um dos mais influentes sociólogos da atualidade, apresenta um paradoxo entre os 
sistemas da igualdade e da diferença. Termos que parecem inconciliáveis, à primeira vista, podem 
combinar-se de forma a oferecer soluções à seguinte pergunta: como conciliar o exercício do direito 
à igualdade com os anseios e as demandas dos mais variados grupos sociais? 
Santos (2006) apresenta uma solução que contempla a necessidade de uma igualdade que 
reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades. 
Essa afirmação evoca um dilema próprio da sociedade atual: como o processo da diversidade 
deve levar em conta as diferenças sem fomentar ainda mais desigualdades? Para enfrentar esse 
desafio, é preciso compreender as noções de diversidade e desigualdade e como elas se relacionam. 
Devido às pressões sociais, o entendimento da diversidade como construção social 
constituinte dos processos históricos, culturais, políticos, econômicos e educacionais começa a ter 
mais espaço na sociedade, nos fóruns políticos, nas teorias sociais e educacionais. 
São também os movimentos sociais, principalmente os de caráter identitário – indígenas, 
negros, quilombolas, feministas, LGBT, povos do campo, pessoas com deficiência, povos e 
comunidades tradicionais, entre outros –, que, a partir dos anos de 1980, no Brasil, contribuem 
para a entrada do olhar afirmativo da diversidade na cena social. Eles reivindicam que a educação 
 
 13 
 
considere, nos seus níveis, etapas e modalidades, a relação entre desigualdades e diversidade. 
Questionam o caráter perverso do capitalismo de acirrar não só as desigualdades no plano 
econômico, mas também de tratar de forma desigual e inferiorizante os coletivos sociais 
considerados diversos no decorrer da história. 
A imbricação entre desigualdades e diversidade tem sofrido interpretações as mais diversas no 
contexto das relações de poder, nas quais se inserem as lutas sociais. São interpretações advindas 
tanto das políticas neoliberais que se acirraram no Brasil, nos países latino-americanos e em outros 
contextos do mundo a partir dos anos de 1990, quanto das lutas por identidade e reconhecimento 
desenvolvidas pelos próprios movimentos sociais, ações coletivas, organizações de caráter 
emancipatório e novos sujeitos sociais no mesmo período. 
No terceiro milênio é possível dizer que estamos diante de uma mudança política e 
epistemológica, no que diz respeito ao entendimento sobre a imbricação entre desigualdades e 
diversidade que vai além do campo educacional. Trata-se de uma inflexão em nível nacional e 
internacional provocada por vários fatores, tais como: os questionamentos à globalização capitalista; 
a construção de uma rede internacional contra-hegemônica; os conflitos étnicos e religiosos na 
América Latina, na Europa e na Ásia; a formação e o fortalecimento das redes sociais e das novas 
mídias com foco na emancipação social; as lutas nacionais e transnacionais pelo direito à terra e ao 
território. Esses fatores se tornam mais incisivos quanto mais se intensificam, nacionale 
internacionalmente, fenômenos como: neocolonialismo, racismo, xenofobia, sexismo, homofobia, 
transfobia e violência religiosa. 
A pressão histórica dos movimentos sociais, somada a um perfil mais progressista de setores 
do Estado brasileiro nos últimos 10 anos, trouxe mudanças no trato da diversidade no contexto das 
políticas públicas de caráter universal, desencadeando, inclusive, a implementação de políticas de 
ações afirmativas. Contudo, um dos limites que ainda persiste está no fato de que a maioria dessas 
ações ainda se limita às políticas de governo. Falta o seu enraizamento como políticas de Estado. 
Mesmo assim, é possível afirmar que, nos últimos anos, no Brasil e na América Latina, com 
avanços e limites, algumas dimensões da diversidade pleiteadas historicamente pelos movimentos 
sociais e demais setores organizados da sociedade começam a fazer parte da pauta da agenda das 
políticas públicas. Transformam-se em temas de debate e de disputa na arena política e na própria 
produção intelectual. 
É nesse contexto que a discussão sobre a justiça social passa a ocupar mais espaço na produção 
teórica, na análise e na implementação das políticas públicas, entre elas, as educacionais. 
A interação entre as noções de diferença e desigualdade ganharam um novo capítulo a partir 
da década de 1990, resultante do debate desenvolvido pela teoria crítica social sobre 
reconhecimento e redistribuição. 
Desde 1995, o recente debate sobre reconhecimento, desencadeado alguns anos antes pelos 
trabalhos de Charles Taylor e de Axel Honneth, ganhou novos contornos, com a introdução do 
tema da redistribuição, por Nancy Fraser (1995). Com isso, muitos autores que antes se limitavam 
a discutir problemas de reconhecimento tiveram de considerar nas suas formulações também 
 
14 
 
problemas de redistribuição. Enquanto os debates sobre reconhecimento decorriam de 
preocupações com problemas de identidade e diferença, a introdução no debate do tema da 
redistribuição remetia, sobretudo, ao problema da igualdade social. Na verdade, a entrada de Fraser 
no debate, em 1995, teve justamente a intenção de alertar para os limites das políticas de identidade 
e para o abandono por setores dos movimentos sociais da luta por igualdade social. 
Assim, o problema da relação entre reconhecimento de diretos e redistribuição de recursos 
acabou por protagonizar um dos debates mais importantes em teoria social crítica na última década 
do século XX e na primeira do século XXI, resultando com isso em uma extensa bibliografia, cuja 
principal referência ainda é o livro Recognition or redistribution? A political-philosophical exchange 
(FRASER; HONNETH, 2003), no qual Fraser e Honneth dialogam criticamente e apresentam as 
suas respectivas formulações sobre o tema. 
Honneth postula o reconhecimento como uma categoria moral abrangente que visa à formação 
de uma personalidade intacta dos indivíduos no processo de socialização (HONNETH, 2003). Fraser 
(2002), por sua vez, propõe um conceito de reconhecimento como status, de inspiração weberiana, que 
procura diferenciar-se do reconhecimento como identidade, que ela atribui a Honneth. 
No livro escrito em conjunto pelos autores, Nancy Fraser apresenta uma teoria 
bidimensional, que abrange reconhecimento de direitos e distribuição de recursos, conferindo a 
ambos os elementos pesos iguais. Em sua perspectiva, os elementos reconhecimento e distribuição 
podem ser vistos de formas distintas, associando o primeiro ao “cultural” e o segundo, ao “material”. 
Ambos os elementos, para a autora, refletem uma questão de justiça social. 
Fraser afirma que a sua base normativa é a noção de paridade de participação, definida como 
“uma justiça que requer arranjos que permitam todos os membros adultos da sociedade interagirem 
como pares” (FRASER, 1997, p. 29). 
Em contrapartida, Honneth propõe uma teoria unidimensional, que enfatiza apenas o 
reconhecimento. Para ele, a redistribuição seria apenas uma forma de luta pelo reconhecimento. 
Enquanto Fraser associa a distribuição ao elemento material, Honneth não reconhece a 
possibilidade de o material expressar-se em si, mas apenas por meio do simbólico, representado na 
luta pelo reconhecimento. Assim, o autor constrói um elo entre o material e o simbólico, uma vez 
que, ao se autorreconhecerem como sujeitos do desrespeito, os indivíduos tornam possível a sua 
luta por reconhecimento. 
Honneth defende uma “teoria do reconhecimento suficientemente diferenciada”, tratando a 
distribuição como decorrência do reconhecimento. Para o autor, 
 
a formulação conceitual do reconhecimento é de central importância hoje, 
não porque expressa os objetivos de um novo tipo de movimento social, 
mas porque ela tem provado ser uma ferramenta apropriada para 
categorialmente desvendar experiências sociais de injustiça como um todo 
(HONNETH, 2003, p. 33) 
 
 
 15 
 
Ademais, vale ressaltar que, ao tratar de reconhecimento, Honneth refere-se ao 
reconhecimento como identidade, atrelado à ideia de que se trata do reconhecimento do outro. 
Esse aspecto, segundo o autor, é expressão de uma questão filosófica e psicológica, e não uma 
questão social dada fora dos sujeitos. Fraser, por sua vez, entende reconhecimento não como 
identidade, mas como mecanismo de superação. Nesta concepção, a redistribuição e o 
reconhecimento não são paradigmas filosóficos, mas paradigmas de justiça, que informam as lutas 
atuais da sociedade civil. 
Ao examinar a polêmica Fraser-Honneth, Céli Pinto afirma que a melhor compreensão da 
controvérsia entre os dois autores depende do entendimento acerca da noção de reconhecimento. 
 
Fraser pode distinguir o reconhecimento da distribuição porque não associa 
tais noções a atores, mas a princípios de justiça e a remédios, isto é, a políticas 
públicas. Honneth, de forma diversa, parte de uma ação do ator que se 
autodefine como objeto do reconhecimento. Esta ação exige a presença do 
outro; trata-se, pois, de uma relação (PINTO, 2008, p. 43-44). 
 
A despeito dessas divergências, os temas do reconhecimento e da redistribuição continuam 
centrais para o debate teórico e político contemporâneo assim como para qualquer projeto voltado 
à emancipação humana. 
 
Marcadores da diferença e interseccionalidades 
As discussões sobre os marcadores sociais da diferença são relativamente recentes. 
Historicamente, essas abordagens têm o seu ponto de referência no “feminismo das diferenças”, 
nascido nos Estados Unidos ao longo dos anos 1980. Essa vertente teórica surge como uma crítica 
à miopia do feminismo vigente, voltado, segundo formularam diversas autoras, para as mulheres 
brancas, anglófonas, heterossexuais, protestantes e de classe média. Essas vozes periféricas se 
articulam também para propor uma epistemologia crítica capaz de superar as limitações teóricas 
expressas nos binarismos homem/mulher, masculino/feminino, homo/hétero, tomados como 
essencializadores e biologizantes. 
O feminismo da diferença procura salientar que o sujeito é social e culturalmente constituído 
em tramas discursivas nas quais gênero, raça, religião, nacionalidade, sexualidade e geração não são 
variáveis independentes, mas se enfeixam de maneira que o eixo de diferenciação constitui o outro 
ao mesmo tempo em que é constituído pelos demais. Esse debate avança e no final da década de 
 
 
 
16 
 
1990 já reúne um escopo considerável de reflexões. Entre as contribuições teórico-conceituais 
elaboradas naquele período vale reter as propostas pela feminista e socióloga indiana Avtar Brah. 
Para a autora: 
 
Nosso gênero é constituído e representado de maneira diferente segundo 
nossa localização dentro de relações globais de poder. Nossa inserção nessas 
relações globais de poder se realiza através de uma miríade de processos 
econômicos, políticos e ideológicos. Dentro dessas estruturas de relações 
sociais não existimos simplesmente como mulheres,mas como categorias 
diferenciadas, tais como “mulheres da classe trabalhadora”, “mulheres 
camponesas” ou “mulheres imigrantes” (BRAH, 2006, p. 341). 
 
Três dessas propostas serão recortadas para os fins deste texto: a primeira delas é a de se pensar 
a articulação dos marcadores sociais da diferença como prática, como um movimento transformador 
de configurações relacionais. Opção metodológica que a autora considera mais produtiva do que as 
apresentadas pelas grandes teorias, como o marxismo, por exemplo, que deu ênfase à classe em 
detrimento de outros marcadores; ou alguns feminismos que encontraram no gênero um poder 
explicativo que minimizava outros eixos de diferenciação constitutivos dos sujeitos. 
Marcadores sociais da diferença podem ser entendidos como a classificação e diferenciação 
de determinados indivíduos de forma estigmatizada. 
A desigualdade entre homens e mulheres foi desafiada pela ideia de que a categoria mulheres 
não poderia ser vista como um corpo monolítico, em que todas fossem iguais, independentemente 
da raça, cor, etnia, idade, etc. 
A primeira mulher a explicitar publicamente uma preocupação com a desigualdade de gênero 
em uma perspectiva racial foi a escritora, ativista e abolicionista afro-americana Sojourner Truth. Em 
1851, ela participou da Convenção dos Direitos da Mulher, em Ohio, nos Estados Unidos, e proferiu 
um discurso histórico intitulado “E eu não sou uma mulher?”. Nesse discurso, ela questionava a 
universalização da categoria mulher, dilema próprio do feminismo hegemônico. A sua narrativa era 
uma forma de apontar para a invisibilidade que atingia as mulheres negras. Portanto, ela destacava a 
necessidade de se perceberem as várias possibilidades de ser mulher, levando em conta as outras 
intersecções como raça, orientação sexual, identidade de gênero e classe social. 
O grupo feminista negro norte-americano Combahee River Collective (1977) entendia que 
o movimento encabeçado pelas mulheres negras era necessário para que se pudesse “combater as 
opressões simultâneas e múltiplas que enfrentam todas a mulheres de cor”, além de ser uma saída 
para a extinção da pressão racial-sexual, pois “não existe uma coisa tal como uma opressão racial-
sexual que não seja somente racial ou somente sexual”. 
 
 17 
 
Essa preocupação em compreender as múltiplas formas de opressão impostas a algumas 
mulheres – no caso, as mulheres negras – lançou as bases para uma ferramenta teórico-metodológica 
que, mais de um século depois, passaria a ser conhecida como interseccionalidade. 
Para Carla Akotirene (2019, p. 18), esse conceito é uma “sensibilidade analítica, pensada por 
feministas negras” cujas experiências e reivindicações não eram observadas tanto pelo feminismo 
branco quanto pelo movimento antirracista, focado nos homens negros. 
O uso desse termo foi cunhado e utilizado metodologicamente pela primeira vez em 1989, 
pela jurista estadunidense, Kimberlé Crenshaw, com a publicação do artigo “Demarginalizing the 
intersection of race and sex: a black feminist critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory 
and antirracist politics”. A ideia original de Crenshaw era que mulheres negras sofriam 
discriminação de gênero e racial, ao mesmo tempo, no âmbito do trabalho. Tratava-se de uma 
opressão com múltiplas faces, fazendo uma analogia com um cruzamento em uma estrada 
(intersection). Ou seja, a via da raça não era independente da via do gênero: a mulher negra vivia 
esse entrecruzamento na sua experiência, que não se resumia à soma de opressões individualmente 
consideradas. O direito antidiscriminatório nos Estados Unidos à época, argumentava Crenshaw, 
falhava em apreciar a intersecção, deixando social e juridicamente desassistidas mulheres negras 
discriminadas nas relações de trabalho. 
Segundo a autora, a interseccionalidade possibilita enxergar a colisão das estruturas, a 
interação simultânea das opressões, além do fracasso do feminismo em contemplar mulheres negras, 
já que ele reproduz o racismo. 
Ferramenta teórico-analítica pensada por feministas negras, os estudos sobre a 
interseccionalidade enfatizam o modo como a interação das opressões de gênero e raça impacta a 
vida de mulheres negras (COLLINS, 2020; AKOTIRENE, 2019; CARNEIRO, 2009 e 2011; 
HOOKS, 2015; GONZALES, 1984). 
Nas palavras de Akotirene (2019, p. 19): 
 
A interseccionalidade visa dar instrumentalidade teórico-metodológica à 
inseparabilidade do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado – 
produtores de avenidas identitárias em que mulheres negras são repetidas 
vezes atingidas pelo cruzamento e sobreposição de gênero, raça e classe, 
modernos aparatos coloniais. 
 
Sirma Bilge sintetiza o conceito de interseccionalidade, ao entendê-lo como uma “teoria 
transdisciplinar que visa apreender a complexidade das identidades e das desigualdades sociais por 
intermédio de um enfoque integrado” (BILGE, 2009, p. 70). Para a autora, o “enfoque 
interseccional vai além do simples reconhecimento da multiplicidade dos sistemas de opressão que 
opera a partir dessas categorias e postula sua interação na produção e na reprodução das 
desigualdades sociais” (BILGE, 2009, p. 70). 
 
18 
 
Interseccionalidade é, portanto, “abordagem que afirma que os sistemas de raça, classe social, 
gênero, sexualidade, etnia, nação e idade são características mutuamente construtivas de organização 
social que moldam as experiências das mulheres negras e, por sua vez, são formadas por elas” 
(COLLINS, 2019, p. 460). Ela afirma, ainda, esse fenômeno caracteriza-se por um “sistema de 
opressão interligado”. 
 
O que é diversidade no contexto escolar? 
Após estudar os principais conceitos relacionados à noção de diversidade, tais como diferença, 
desigualdades, reconhecimento, redistribuição, finalmente chegou a hora de entender o que 
significa falar em diversidade no contexto educacional. 
Para começar, observe as imagens a seguir. 
 
 
 
 
Você já deve ter-se deparado com representações como essas em algum livro didático, em 
materiais e informes publicitários e até mesmo em programas de televisão. As imagens de crianças 
representando diferentes grupos étnico-raciais e crianças com necessidades especiais de mãos dadas 
 
 19 
 
revelam a intenção de mostrar que pessoas diferentes podem conviver bem umas com as outras. Isso 
reforça o valor das diferenças e de sociedades plurais, onde todas as pessoas estariam incluídas e 
integradas, independentemente da sua origem social, raça, cor, etnia, gênero, identidade e 
orientação sexual. Com isso, pretende-se mostrar o respeito ao diferente e à valorização do outro. 
No âmbito educacional, essas imagens exercem também grande influência, pois representam 
uma ideia de educação inclusiva, capaz de valorizar as diferenças e propor valores como respeito e 
tolerância. Exercitar o respeito aos traços peculiares do outro é uma tarefa árdua, que precisa ser 
praticada a todo momento em qualquer ambiente, incluindo as escolas. 
Quando pensamos em formar pessoas para se tornarem cidadãos, logo lembramos do 
ambiente escolar. Este é, por excelência, o lugar onde as pessoas aprendem valores sociais e 
conteúdos curriculares, mas também aprendem a interagir com pessoas e a se relacionar com o 
mundo. Dentro desse contexto, a educação infantil tem lugar de ainda mais destaque. 
Segundo Ana Lúcia Goulart de Faria (2006, p. 87), 
 
neste espaço da sociedade vivemos as mais distintas relações de poder: 
gênero, classe, idade, étnicas. Desse modo é necessário estudar as relações 
no contexto educativo da creche e pré-escolas onde confrontam-se adultos 
– entre eles, professor/a, diretora, cozinheira, guarda, pai, mãe, secretário/a 
de educação, prefeito/a, vereador/a, etc. –, confrontam-se crianças, entre 
elas: menino, menina, mais velha, mais nova, negra, branca, judia, com 
necessidades especiais, pobre, rica, de classe média, católica, umbandista,ateia, “café com leite”, “quatro olhos”, etc.; e confrontam-se adultos e 
crianças – a professora e as meninas, a professora e os meninos, o professor 
(percentual bastante baixo, mas existente e com tendência a lento 
crescimento) e os meninos, o professor e as meninas, o professor e a mãe 
da menina. 
 
Por isso, esse é um espaço propício para se pensar como lidar com as diferenças entre as 
pessoas, ensinar valores como o respeito à diversidade e ao diferente. Não é só na educação infantil 
que isso acontece, mas ao longo de toda a vida escolar, seja no ensino fundamental, médio e, quiçá, 
no ensino superior, por isso o objetivo deste curso é pensar a diversidade no ambiente escolar. 
E o que isso significa? Considerando a noção de diversidade entendida como a 
heterogeneidade de culturas, desse ponto de partida avançamos na construção do que é diversidade 
no ambiente educacional e como ela pode ser desenvolvida nos bancos escolares. 
A integração de minorias sociais, étnicas e culturais no contexto escolar pressupõe a 
construção de uma educação multicultural. A busca de um currículo capaz de assimilar diferentes 
culturas está associada a um problema mais amplo, objeto deste curso: a capacidade de a educação 
lidar com a diversidade. 
 
20 
 
Mas o que significa promover uma educação multicultural? O conceito de multiculturalismo 
em educação refere-se a acepções que podem ter objetivos muito diversos. Segundo Sacristán 
(1995), a educação multicultural pode ser empregada para reduzir os preconceitos de uma sociedade 
para com algumas minorias étnicas; pode ser instrumentalizada para que a cultura dominante 
assimile a cultura minoritária que tem menos oportunidades no sistema educacional; pode ser usada 
para formular programas de ensino diferenciados para incluir diversos setores culturais de uma 
sociedade, entre outros. 
Uma das principais motivações para um ensino multicultural concerne à preocupação em 
integrar grupos minoritários ou minorizados procedentes de outras culturas no sistema social, por 
meio da educação, sem eliminar a cultura de procedência. A ideia é que isso seja realizado em um 
sistema educacional único com um currículo comum para permitir uma real integração, ou ao 
menos uma tentativa. 
Uma ressalva, porém, é necessária: a pretensão de se criar um currículo capaz de abordar uma 
visão multiétnica e multicultural pode ser vista, tanto pela cultura dominante como pelas culturas 
dominadas, como uma ameaça à própria identidade que creem dever preservar. Essa visão multiétnica 
e transcultural “afeta a identidade cultura e nacional de grupos e povos inteiros” (SACRISTÁN, 1995, 
p. 93), por isso a tarefa de pensar a diversidade nesses ambientes não é simples. 
 
Diversidade na política educacional brasileira 
A inclusão em educação é fundamental para minimizar a exclusão no sistema educativo 
brasileiro, e vai muito além da integração de pessoas com deficiência. Mônica Pereira dos Santos 
afirma que, no campo da educação, “a inclusão chegou para reafirmar o maior princípio já 
proposto internacionalmente: o princípio da educação de qualidade como um direito de todos” 
(SANTOS, 2009). 
A busca por uma educação voltada para a incorporação da diversidade cultural no cotidiano 
pedagógico foi identificada nos anos 1980 e 1990, quando houve um progressivo reconhecimento 
das diferentes culturas presentes no tecido social brasileiro e um forte questionamento do mito da 
democracia racial (CANDAU; ANHORN, 2000, p. 2). 
Esse movimento decorre da emergência de movimentos sociais protestando contra o regime 
militar, no final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980. Os diferentes movimentos identitários 
– negros, feministas, indígenas, homossexuais e outros –, reivindicavam o acesso aos direitos iguais, 
apontando para a necessidade de se produzirem imagens e significados novos e próprios, 
combatendo os preconceitos e estereótipos que justificavam a inferiorização desses grupos 
(GONÇALVES; SILVA, 2003, p. 113). 
A década de 1990 também foi marcada por um contexto reivindicatório em que diferentes 
movimentos sociais denunciaram as práticas discriminatórias presentes na educação e exigiram 
mudanças. A partir de então, a referência à diversidade passou a ser cada vez mais presente no 
 
 21 
 
contexto político brasileiro, motivada pela pressão internacional de cumprimento dos acordos 
internacionais de combate às desigualdades raciais, de gênero e outras, bem como por um contexto 
interno de intensas reivindicações 
A temática da diversidade tornou-se também nesse período um tema transversal do ponto de 
vista curricular. Uma educação voltada para a incorporação da diversidade cultural no cotidiano 
pedagógico tem emergido em debates e discussões nacionais e internacionais, buscando questionar 
pressupostos teóricos e implicações pedagógicas e curriculares de uma educação voltada à 
valorização da identidade múltipla no âmbito da educação formal. 
Segundo Gonçalves e Silva (2003, p. 120), 
 
tendo em vista que a cultura e sua transmissão contam, nas sociedades 
contemporâneas, com poderoso suporte dos sistemas educacionais 
(sistemas estes que consomem grande parte da vida dos indivíduos) e como 
a educação, qualquer que ela seja, está integralmente centrada na cultura, 
pode-se entender porque os multiculturalistas fizeram da instituição 
escolar seu campo privilegiado de atuação. 
 
O documento sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) é apresentado 
como um currículo mínimo de conteúdos a serem ofertados no sistema educacional. Cabe destacar 
as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais como uma política educacional dirigida para 
uma educação na perspectiva da diversidade. Logo de início, o documento afirma que a educação 
deve ser voltada para a cidadania, os vários termos como ética, meio ambiente, saúde, orientação 
sexual, trabalho e consumo e pluralidade cultural são tratados como temas a serem incorporados, 
seguindo uma conexão entre a realidade social dos estudantes e os saberes teóricos, aos campos 
gerais do currículo. 
O termo Pluralismo Cultural analiticamente é relativo às comunidades ou grupos diversos 
que compartilham um espaço comum. Essas comunidades se diferenciam por religiões, línguas, 
tradições, entre outros componentes que são interpretados como diversidade de culturas. Como 
componente da diversidade, o texto ressalta o reconhecimento das diversas etnias e grupos migrantes 
no País, como diversidade “etnocultural” (BRASIL, 1997, p. 117). Essa pluralidade é composta de 
características interpretadas como étnicas e culturais, que, eventualmente, em dado contexto 
causam desigualdades socioeconômicas, destacando que a diversidade implica uma livre expressão 
das suas culturas. 
Segundo o documento, o ensino da cultura na sua pluralidade deve atuar em três frentes: 
conhecimento das culturas, reconhecimento social da diversidade cultural e combate à exclusão 
social, fundamentados nos princípios da democracia e da igualdade social. Esse documento destaca 
a postura do Estado brasileiro em reconhecer a existência da diversidade cultural e que esta deve ser 
tomada no seu sentido pleno, embora seja indicada como um tema pontual a ser inserido no 
 
22 
 
currículo geral. Ou seja, todo o debate sobre as diferenças/diversidade foi realizado pela clave da 
cultura, como se a cultura fosse a chave que abrisse todas as portas da compreensão e da 
possibilidade de resolução dos conflitos a partir da aceitação, trocas ou diálogos culturais (BRASIL, 
1997, p. 90-91). 
De modo geral, os desafios da escola no que diz respeito à diversidade podem ser sintetizados 
no seguinte trecho: 
 
O grande desafio da escola é reconhecer a diversidade como parte 
inseparável da identidade nacional e dar a conhecer a riqueza representada 
por essa diversidade etnocultural que compõe o patrimônio sociocultural 
brasileiro, investindona superação de qualquer tipo de discriminação e 
valorizando a trajetória particular dos grupos que compõem a sociedade. 
Nesse sentido, a escola deve ser local de aprendizagem de que as regras do 
espaço público permitem a coexistência, em igualdade, dos diferentes 
(BRASIL, 1997). 
 
Além disso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação destaca, no seu art. 26, que os currículos 
da educação básica – que compreende o ensino, fundamental e médio – “devem ter base nacional 
comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por 
uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da 
cultura, da economia e dos educandos” (grifos nossos). 
Como se viu, desde o lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que elegeram a 
pluralidade cultural como um dos temas transversais (BRASIL, 1997), o reconhecimento da 
multiculturalidade e a perspectiva intercultural ganharam grande relevância social e educacional 
(FLEURI, 2003, p.16). 
O desenvolvimento do Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI), 
as políticas afirmativas raciais e das minorias étnicas, as diversas propostas de inclusão de pessoas 
portadoras de necessidades especiais na escola regular e a ampliação e reconhecimento dos 
movimentos de gênero mostram a incorporação da diversidade e do multiculturalismo nas políticas 
públicas de forma geral e, em especial, nas políticas educacionais brasileiras, por essa razão daremos 
seguimento ao debate sobre algumas dessas “diversidades” nos módulos seguintes. 
 
 
 
Ainda hoje, milhares de meninas são impedidas de frequentar escolas e ter acesso à educação 
em determinadas regiões do globo, por exemplo, no Paquistão e no Afeganistão. Prática corriqueira 
em diversos países é o casamento infantil, definido como uma união formal ou informal antes dos 
18 anos de idade pela Organização das Nações Unidas (ONU), que afeta principalmente as 
meninas.4 Situações como essas, em geral, decorrem da fragilidade dos direitos das meninas e 
mulheres a educação, saúde, profissionalização, emprego, mobilidade e segurança, entre outros.5 
Casos de mutilação genital feminina, concentrados principalmente em países da África e do Oriente 
Médio, também fazem parte da realidade de cerca de 200 milhões de meninas e mulheres. 
Alarmantes são os níveis de violência contra a mulher: cerca de 50% das mulheres assassinadas 
em todo o mundo são vítimas dos cônjuges ou de homens da família. Mesmo diante desse cenário, 
ainda há diversos países que não contam com leis que punem a violência contra a mulher no âmbito 
familiar, concentrados na África Subsaariana, no Oriente Médio e no Norte da África.6 
A violência física e psicológica não afeta apenas as mulheres, mas também pessoas LGBT+, 
isto é, lésbicas, gays, bissexuais e transexuais. De acordo com relatório do Grupo Gay da Bahia, em 
2018 morreram no Brasil 420 LGBT+ vítimas da homolesbotransfobia: 320 homicídios (76%) e 
 
4 Cf. estudo do Banco Mundial. Casamento na infância e adolescência: a educação das meninas e a legislação brasileira. 
Disponível em: <http://documents1.worldbank.org/curated/pt/657391558537190232/pdf/Casamento-na-Inf%C3%A2ncia-
e-Adolesc%C3%AAncia-A-Educa%C3%A7%C3%A3o-das-Meninas-e-a-Legisla%C3%A7%C3%A3o-Brasileira.pdf>. 
5 Segundo dados da pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Situação Mundial da Infância 2016, com 
dados levantados a partir de pesquisas de indicadores múltiplos e outros indicadores formulados e aplicados pelo 
organismo em nível mundial. Disponível em: <https://plan.org.br/wp-content/uploads/2019/07/Tirando-o-veu-estudo-
casamento-infantil-no-brasil-plan-international.pdf>. 
6 Cf. CASTILLO, Elisa. A violência contra as mulheres no mundo em quatro mapas. El País, 24 nov. 2017. Disponível em: 
<https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/22/internacional/1511362733_867518.html>. 
MÓDULO II – DIVERSIDADE DE GÊNERO E 
SEXUALIDADES 
 
24 
 
100 suicídios (24%), o que coloca o Brasil como campeão mundial de crimes contra as minorias 
sexuais, superando a quantidade de homossexuais e transexuais mortos nos 13 países do Oriente e 
da África, onde há pena de morte contra os LGBT+.7 
Ou seja, os dados revelam que pessoas ainda são mortas hoje no Brasil e no mundo pelo 
simples fato de serem quem são, pelo simples fato de terem um corpo de mulher, por expressarem 
o seu afeto por pessoas do mesmo sexo ou por terem uma identidade de gênero diferente do que é 
considerado “normal”. Quando não são mortas, algumas são atacadas de forma violenta por 
desafiarem o modelo vigente e lutarem por direitos básicos, como é o caso de Malala Yousafzai, 
ativista laureada com o Prêmio Nobel da Paz, que lutava pelo acesso à educação na sua província 
no nordeste do Paquistão, onde os talibãs locais impedem as jovens de frequentar a escola. 
Todas essas formas de violação de direitos humanos retratam situações de violência de gênero 
e identidade sexual, mas, afinal, o que significa gênero? O que é transgênero, cisgênero e transexual? 
Como essas denominações são percebidas em uma sociedade e quais as implicações para cada grupo? 
 
Conceitos de gênero 
Como vimos no módulo 1, gênero é um marcador social da diferença. É com base nas 
variadas concepções de gênero que se estruturam teorias capazes de compreender as relações sociais 
que se estabelecem entre as pessoas e os papéis sociais atribuídos a cada uma delas, a depender das 
características do seu gênero. Assim, mais do que uma categoria analítica, o gênero é uma premissa 
teórica de que as relações sociais de gênero constituem uma variável relevante para a compreensão 
da realidade e da estrutura social. 
A noção de gênero tem protagonizado intensos debates na academia, no discurso político, 
nos movimentos sociais e na mídia, e continua sendo um termo em disputa por diversas correntes 
teóricas, que apresentam um amplo repertório de conceituações possíveis, cada qual com 
perspectivas muito diferentes a respeito do que se entende por gênero. 
De forma geral, porém, é possível afirmar que o conceito de gênero foi desenvolvido por 
teóricas feministas para se contrapor à noção de sexo biológico. Enquanto o sexo é considerado um 
atributo natural capaz de explicar a diferença que marca as relações entre homens e mulheres, o 
gênero, por sua vez, é visto como uma construção social dessa diferença, e é, sobretudo, relacional 
e historicamente situado (SCOTT, 1989). 
Como dito acima, o conceito de gênero foi desenvolvido para se opor ao chamado 
determinismo biológico, teoria usada para justificar as desigualdades entre homens e mulheres em 
todos os espaços da vida social, incluindo a família, o ambiente de trabalho, a política e as 
 
7 Cf. Relatório População Morta no Brasil, elaborado pelo Grupo Gay da Bahia em 2018 (GGB). Disponível em: 
<https://grupogaydabahia.files.wordpress.com/2019/01/relat%C3%B3rio-de-crimes-contra-lgbt-brasil-2018-grupo-gay-da-
bahia.pdf>. 
 
 25 
 
instituições de ensino. Embora ainda não fizesse menção ao termo “gênero”, a escritora inglesa 
Mary Wollstonecraft (1759-1797) é uma das primeiras mulheres a expor as diversas facetas da 
discriminação de gênero e já desafiava o determinismo biológico. No seu livro Vindicação dos direitos 
da mulher, publicado originalmente em 1792, afirmou que, se as mulheres eram vistas como fracas, 
“incapazes de se manterem sozinhas”, passivas e “objetos insignificantes de desejo” 
(WOLLSTONECRAFT, 1982, p. 81-83), isso se devia não às capacidades naturais das mulheres, 
mas à falta de oportunidades educacionais para elas e ao confinamento no ambiente doméstico. 
Reforçando as ideias de Wollstonecraft, o filósofo e economista político John Stuart Mill 
(1806-1873) defende a igualdade legal e social entre homens e mulheres.Em ensaio publicado em 
1869, The Subjection of Women, ele afirma que “a subordinação legal de um sexo ao outro” é “errada 
em si mesma, e agora um dos principais obstáculos ao aprimoramento humano” (MILL, 1980, p. 1). 
Quase um século depois, a filósofa feminista Simone de Beauvoir (1908-1986) apresenta uma 
das mais conhecidas críticas ao determinismo biológico, ao rejeitar a ideia de que os indivíduos 
“nascem” homens e mulheres. No seu livro O segundo sexo, publicado em 1949, Beauvoir 
desenvolveu uma teoria que nega a existência de características essenciais à mulher – “ninguém 
nasce mulher” –, ao considerar que as mulheres se tornam mulheres aos olhos da sociedade 
mediante a introjeção de atributos considerados femininos ao longo do processo de socialização – 
“torna-se mulher”. 
Nas suas palavras: 
 
Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, 
psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio 
da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto 
intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. 
Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um 
Outro. Enquanto existe para si, a criança não pode apreender-se como 
sexualmente diferenciada. Entre meninas e meninos, o corpo é, 
primeiramente, a irradiação de uma subjetividade, o instrumento que 
efetua a compreensão do mundo: é através dos olhos, das mãos e não das 
partes sexuais que apreendem o universo (BEAUVOIR, 1980, p. 9). 
 
É somente após a segunda metade do século XX que o termo gênero passa a ser empregado 
pelas feministas com o sentido de construção social acerca do que é ser homem e mulher. Segundo 
Haraway, o psicanalista Robert Stoller (1924-1991) foi um dos precursores da sua utilização, ao 
falar de gênero para se referir aos diferentes papéis que as culturas atribuem a homens e mulheres 
em oposição ao sexo, que se referiria tanto às características biológicas, quanto às diferenças 
genéticas, hormonais, anatômicas e fisiológicas entre homens e mulheres (HARAWAY, 2004). 
 
26 
 
Essa distinção permite que um mesmo indivíduo tenha um sexo que não coincide com o 
respectivo gênero, expresso pelo seu comportamento, pelas suas características pessoais, pela sua 
forma de se colocar perante o mundo, etc. Além disso, com a emergência dos estudos sobre a 
sexualidade, essa distinção se mostrou útil por permitir dissociar a prática sexual dos papéis sociais 
atribuídos a homens e mulheres; gênero coloca a ênfase no sistema de relações que até pode incluir 
o sexo, mas não é por ele diretamente determinado, nem determina diretamente a sexualidade 
(SCOTT, 1989, p. 7). 
Assim, o termo gênero costuma ser usado para denotar as capacidades, habilidades e 
atitudes diferentes que as culturas associam à masculinidade e à feminilidade, formando 
estereótipos sociais do masculino e do feminino, bem como o papel que esses estereótipos 
desempenham na formação da identidade dos homens e das mulheres de uma dada sociedade 
(ARAUJO, 2012, p. 59). Essas características, atitudes e habilidades são consideradas e 
reconhecidas como masculinas ou femininas por um “ato de atribuição de valor simbólico” 
(SEARLE, 1997) engendrado coletivamente. 
O problema que se coloca é que, ao naturalizarmos certas habilidades ou características e as 
percebermos como inatas aos seres, passamos a compreendê-las como imutáveis. Na verdade, o que 
ocorre é que determinados papéis de gênero são atribuídos externamente a pessoas, as quais, dotadas 
de consciência, interiorizam padrões culturais na sua psique ao longo da socialização. 
Segundo Haraway (2004, p. 205), a primeira autora que tratou gênero como uma construção 
cultural criada com liberdade, sem condicionamento biológico, nos termos de Araujo (2012, p. 
64), foi a antropóloga Gayle Rubin, no ensaio “O tráfico de mulheres: notas sobre a economia 
política do sexo”, publicado originalmente em 1985. Pautada em uma perspectiva construtivista, 
ela analisa as causas da subordinação das mulheres. 
A partir da análise do ritual da “troca de mulheres” feita por um grupo para realizar alianças com 
outros – prática comum em algumas tribos – Rubin sustenta que a organização social do sexo repousa 
em três pilares: o gênero, a heterossexualidade compulsória e a coerção da sexualidade feminina. Para a 
autora, o gênero não existe naturalmente: ele é produzido por meio da atividade social, por meio do que 
ela chama de sistema sexo-gênero, que transforma machos e fêmeas (o sexo) em homens e mulheres 
(gênero) a partir da atribuição de diferenças de gênero que vão além da diferença biológica; e reprime 
em cada gênero os traços de personalidade característicos do gênero oposto. 
Já a heterossexualidade compulsória faz com o que o gênero não seja apenas relativo à 
identidade, como também a quem o desejo sexual de cada um se direciona. Dessa forma, a raiz do 
sexismo e da homofobia seria a mesma. Por fim, há a coerção da sexualidade feminina, que facilita as 
trocas fazendo com que esta corresponda aos desejos daqueles que detêm o poder (RUBIN, 1993). 
A historiadora inglesa Joan Scott inseriu-se com destaque no debate sobre o que é gênero com 
o seu artigo “Gênero, uma categoria útil de análise histórica”, publicado em 1989. Nele, Scott 
propõe que relações de gênero sejam compreendidas levando em conta os seus contextos históricos 
e sociais próprios. Com base na crítica ao determinismo biológico, ela entende que não é necessário 
 
 27 
 
encontrar uma “causalidade geral e universal” (SCOTT, 1989, p. 20) da desigualdade de gênero, 
mas uma explicação significativa, tanto da formação dos sujeitos “masculinos” e “femininos” quanto 
das organizações sociais em que se inserem. 
Além disso, Scott considera importante “substituir a noção de que o poder social é unificado, 
coerente e centralizado por alguma coisa [...] próxima do conceito foucaultiano de poder, entendido 
como constelações dispersas de relações desiguais constituídas pelo discurso” (SCOTT, 1989, p. 
20). Ou seja, ao invés de se pensar em um poder único responsável pela desigualdade, é mais 
adequado investigar os diversos “poderes” existentes nas relações interpessoais e entendê-los de 
acordo com o contexto dessas relações. 
Scott também critica o binarismo de gênero, presente em várias das teorias sobre a 
desigualdade de gênero. Esse fenômeno consiste na construção social de uma oposição binária entre 
masculino e feminino e entre comportamentos, personalidades e inclinações de homens e mulheres, 
perpetuada como um “aspecto permanente da condição humana” (SCOTT, 1989, p. 17). 
Joan Scott sustenta que o binarismo de gênero traz consigo uma visão hierárquica que impõe 
o masculino como superior. Para ela, as análises sobre desigualdades de gênero deveriam questionar 
essa oposição, pois tomá-la como natural significa endossar a ideia de que o homem seria 
hierarquicamente superior à mulher. Quando não se aceita o binarismo de gênero como natural, é 
possível compreender melhor os arranjos de gênero presentes em outros períodos e outras culturas. 
A antropóloga nigeriana Oyèrónkẹ Oyěwùmí mostra que a cultura yorubá, por exemplo, não 
corresponde ao pressuposto de que as culturas “organizam seu mundo social segundo uma 
percepção dos corpos humanos [...] como macho e fêmea” (OYĚWÙMÍ, 1998, p. 1053). A base 
da organização social yorubá é a idade relativa: por exemplo, os seus pronomes não são flexionados 
por gênero, e, sim, por idade, indicando quem na conversa é mais velho ou mais jovem. 
Há outras sociedades que possuem três, quatro ou mais gêneros, aos quais são atribuídos 
significados distintos dos da cultura ocidental. Os mähü do Havaí podem ser homens, mulheres ou 
pessoas de “gênero indeterminado” (LLOSA, 2010). Os dineh do sudoeste americano possuem 
quatro gêneros: mulher feminina, homem feminino, mulher masculina e homem masculino 
(ESTRADA, 2011).Já nas culturas Zapotec, do sul do México, é comum a existência das muxes: 
vistas como um terceiro gênero (CHIÑAS, 1995), são pessoas que foram consideradas homens no 
nascimento e que se vestem e se comportam de acordo com padrões tradicionalmente percebidos 
como femininos. 
A partir das críticas ao determinismo biológico e ao binarismo de gênero, Scott aponta quatro 
elementos que devem ser levados em conta em qualquer estudo que se proponha a investigar o papel 
do gênero nas relações sociais. 
O primeiro é o conjunto de símbolos disponíveis culturalmente, que evocam múltiplas e 
contraditórias representações simbólicas sobre gênero. 
O segundo elemento são os conceitos normativos, que prescrevem determinadas 
interpretações daqueles símbolos e opõem – de forma binária – a ideia de masculino e feminino. 
 
28 
 
Tais normas costumam ser adotadas pela sociedade como se fossem consensos. É possível tomar como 
exemplo a representação feminina na Bíblia católica: Eva e Maria são consideradas alegorias – 
símbolos culturalmente disponíveis – sobre o caráter da mulher mesmo que tenham significados 
opostos. Enquanto Maria é vista como pura e santificada, Eva é vista como impura e pecadora. 
Embora os papéis exercidos por cada figura na mitologia católica pudessem ser interpretados de outra 
forma, foi essa a interpretação que se consolidou historicamente, principalmente pelo papel exercido 
pela Igreja Católica. Ao fixar uma interpretação como “correta”, cria-se um conceito normativo que, 
por oposição, nega a possibilidade de interpretações alternativas, vistas como “erradas”. 
O terceiro elemento listado pela autora é a permanência da representação binária dos gêneros: 
isto é, a história é interpretada socialmente de forma a sugerir que os papéis de gênero vigentes em 
um dado momento seriam naturais e imutáveis. Um exemplo é a prescrição da “restauração do 
papel ‘tradicional’ das mulheres, supostamente mais autêntico, embora haja na realidade poucos 
antecedentes históricos que testemunhariam a realização inconteste de tal papel” (SCOTT, 1989, 
p. 22). Ou seja, a história é interpretada de forma a sugerir que as mulheres sempre desempenharam 
o mesmo papel, mesmo que existam inúmeras evidências que desmintam essa visão. Por exemplo, 
Williams (2000, p. 21) comenta que, antes do século XIX, era comum que mulheres 
desempenhassem funções hoje consideradas masculinas: elas trabalhavam como barbeiras, 
açougueiras, sapateiras, ferreiras e mestres-cervejeiras. 
Por fim, o quarto e último elemento é a identidade subjetiva das pessoas, as quais são 
construídas não sempre da mesma forma, mas a partir de relações sociais que se dão historicamente, 
relacionadas a determinadas “atividades, organizações sociais e determinadas representações 
culturais” (SCOTT, 1989, p. 1068). Ou seja, “sentir-se”, ou considerar-se, “homem” ou “mulher” 
não é algo que depende de um desenvolvimento psicológico universal aos seres humanos de cada 
sexo, mas das relações sociais específicas travadas entre eles. 
Com base nessas observações, Scott propõe a sua própria definição sobre o que é gênero. Par 
ela, gênero é “elemento constitutivo de relações sociais” e categoria utilizada para “significar as relações 
de poder” (SCOTT, 1989, p. 20). Ou seja, de um lado, por meio de interações sociais, são construídas 
percepções sobre gênero. Estas são então usadas para dar sentido àquelas mesmas interações. 
De outro lado, o segundo papel desempenhado pelo gênero está ligado aos conceitos 
normativos criados sobre as percepções acima. Com isso, a associação “masculino-superior, 
feminino-inferior” é estendida analogicamente a outros contextos, ainda que pouco relacionados a 
gênero. Em outras palavras, se a diferença sexual entre homens e mulheres é concebida em termos 
de dominação e de controle, contextos que também envolvem situações de poder são tratados como 
se envolvessem relações entre feminino e masculino. 
 
 
 29 
 
Na sociedade ocidental, por exemplo, a força e a autoridade foram historicamente 
identificadas como masculinas, enquanto os inimigos e a fraqueza são associados ao feminino: 
 
A articulação do conceito de classe no século XIX baseava-se no gênero. 
Quando, por exemplo, na França os reformadores burgueses descreviam 
os operários em termos codificados como femininos (subordinados, fracos, 
sexualmente explorados como as prostitutas), os dirigentes operários e 
socialistas respondiam insistindo na posição masculina da classe operária 
(produtores fortes, protetores das mulheres e das crianças). Os termos desse 
discurso não diziam respeito explicitamente ao gênero, mas eram 
reforçados na medida em que faziam referência a ele. A codificação de 
gênero de certos termos estabelecia e “naturalizava” seus significados” 
(SCOTT, 1989, p. 26-27) 
 
Contudo, a autora mostra que as nossas ideias preconcebidas sobre gênero estão sujeitas a 
constantes disputas políticas e reformulações na história. Reconhecer interpretações alternativas 
historicamente negadas e reprimidas desse conceito ajuda a questionar os sensos comuns e 
estereótipos construídos sobre conceitos normativos. 
Da mesma forma, o surgimento de novos símbolos culturais pode mudar os significados até 
então atribuídos às relações de gênero. Para ela, tais questionamentos farão 
 
emergir uma história que oferecerá novas perspectivas a velhas questões 
(por exemplo, como é imposto o poder político, qual é o impacto da guerra 
sobre a sociedade), redefinirá as antigas questões em termos novos, [...] 
tornará as mulheres visíveis como participantes ativas e estabelecerá uma 
distância analítica entre a linguagem aparentemente fixada no passado e 
nossa própria terminologia (SCOTT, 1989, p. 29). 
 
Para Joan Scott, a utilização do gênero como categoria de análise histórica sempre traz consigo 
um caráter político: 
 
[E]ssa nova história abrirá possibilidades para a reflexão sobre as estratégias 
políticas feministas atuais e o futuro (utópico) porque ela sugere que o 
gênero tem que ser redefinido e reestruturado em conjunção com a visão 
de igualdade política e social que inclui não só o sexo, mas também a classe 
e a raça (SCOTT, 1989, p. 29). 
 
 
30 
 
Até o momento, as duas autoras mencionadas acima – Gayle Rubin e Joan Scott – 
trabalharam com a distinção clássica entre sexo (natural) e gênero (socialmente construído). Embora 
elas não considerem o sexo como um dado biológico universal e irreversível, essa distinção continua 
sendo bastante utilizada nos seus textos fundamentais. 
A filósofa Judith Butler, por sua vez, vai além e procura desconstruir a dicotomia sexo-gênero. 
No seu livro “Problemas de gênero” (1990), ela afirma que o próprio sexo é socialmente construído. 
Para Butler (2003, p. 25), “o gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural 
de significado num sexo previamente dado [...] tem de designar também o aparato mesmo de 
produção mediante o qual os próprios sexos são estabelecidos”. 
Embora tenha sido pioneira ao aprofundar essa discussão em vários aspectos, as ideias de 
Butler se inserem em uma discussão iniciada anteriormente. Além do tratamento relativamente 
incipiente dado à natureza da dicotomia sexo-gênero por Gayle Rubin, Joan Scott e outras teóricas 
feministas, é importante chamar atenção ao filósofo francês Michel Foucault (1926-1984). No seu 
livro “História da sexualidade” (1976), Foucault analisou “os modos pelos quais o sexo e a 
sexualidade são construídos ao longo do tempo e das culturas” (SALIH, 2012, p. 19). Além disso, 
é importante citar a obra de Eve Sedgwick (1950-2009), “Epistemologia do armário”, lançada em 
1990, que levanta discussões similares. 
De obras como a de Sedgwick e de Butler surgiu o que se chama de teoria queer: uma “aliança 
(às vezes, incômoda) de teorias feministas, pós-estruturalistas e psicanalíticas que fecundavam e 
orientavam a investigaçãoque já vinha se fazendo sobre a categoria do sujeito” (SALIH, 2012, p. 
19). A palavra queer originalmente significava “estranho” ou “esquisito”, e era usada como ofensa 
dirigida a pessoas homoafetivas. A teoria e o movimento LGBT retomaram o termo como forma 
de identificar de pessoas consideradas pela sociedade como “subversivas” devido à sua expressão de 
gênero distinta daquela socialmente prescrita. 
Salih (2012, p. 20) distingue a teoria queer de outros campos da seguinte forma: 
 
Enquanto os estudos de gênero, os estudos gays e lésbicos e a teoria 
feminista podem ter tomado a existência de “o sujeito” (isto é, o sujeito 
gay, o sujeito lésbico, a “fêmea”, o sujeito “feminino”) como um 
pressuposto, a teoria queer empreende uma investigação e uma 
desconstrução dessas categorias, afirmando a indeterminação e a 
instabilidade de todas as identidades sexuadas e generificadas. 
 
Portanto, Butler, uma das mais proeminentes teóricas queer, rejeitou o essencialismo – a 
suposição de que a identidade humana é fixa e possui alguma “essência” primordial – e colocou-se, 
assim como Rubin e Scott, dentro da tradição construtivista dos estudos sobre gênero. O seu 
objetivo, contudo, não é encontrar os motivos da opressão da mulher a partir da investigação 
 
 31 
 
antropológica, como Rubin, ou a partir do estudo da história, como Scott: a ideia aqui é descrever 
os processos pelos quais o discurso e a linguagem constroem a identidade dos indivíduos. 
Para fazer essa descrição, Butler empresta o método de análise “genealógica” de Foucault.8 
Analisar o sujeito por meio dessa lente significa considerá-lo não como imutável, mas, sim, como 
um ser dinâmico, criado a partir de instituições, discursos e práticas em determinados contextos e 
situações específicos, e mais: partindo da premissa levantada anteriormente por Beauvoir de que 
“ninguém nasce mulher, torna-se mulher”, “ser mulher” (o gênero) não seria algo que “somos”, 
mas, sim, algo que “fazemos” (BUTLER, 1990, p. 25). O gênero, visto dessa forma, é um processo 
que não tem origem nem fim: é um ato ou sequência de atos – um “fazer” – que ocorrem necessária 
e continuamente, como uma performance em um palco teatral. 
Contudo, isso não significa que essa performance seja realizada segundo a livre escolha do 
“ator”: pelo contrário, esses atos são repetidos no interior de um quadro com regras bastante rígidas 
(BUTLER, 1990, p. 33), que determinam quais performances serão aceitas e quais serão rejeitadas 
socialmente. O gênero, portanto, deixa de ser uma elaboração da cultura sobre algo natural, e passa 
a ser colocado pela autora como um conjunto de normas relativas à performance de um corpo, 
necessárias para que uma pessoa seja culturalmente viável e inteligível e legitimada pela afirmação 
de um sexo biológico anterior à cultura. Para ela, “o gênero aparece como uma pré-condição para 
produzir e sustentar uma humanidade que se possa decifrar” (BUTLER, 2006, p. 14). 
Há uma “ordem compulsória”, ou “matriz heterossexual”, que se reproduz socialmente de 
forma a parecer natural, baseada na imposição da concordância entre sexo, gênero e orientação 
sexual, com a heterossexualidade prescrita como “padrão” a todos. Segundo essa ordem, quando 
um bebê nasce, a presença de um pênis, por exemplo, determinaria a sua inclusão em uma categoria, 
a “masculina”, que determina o pertencimento a um determinado gênero (“homem”) e a aquisição 
de uma orientação sexual específica (heterossexual). 
Essa ordem determina um “cenário constritivo” para se fazer gênero: 
 
Considerar o gênero como uma forma de fazer, uma atividade incessante 
performada, em parte, sem o saber e sem a própria vontade, não implica 
que seja uma atividade automática ou mecânica. Pelo contrário, é uma 
prática de improvisação em um cenário constritivo. Ademais, o gênero 
propriamente dito não se faz sozinho. Sempre se está fazendo com ou para 
outro, ainda que o outro seja só imaginário (BUTLER, 2006, p. 13, 
tradução nossa). 
 
 
8 Nas suas palavras: “a genealogia não é a história dos eventos, mas a investigação das condições de emergência [...] daquilo 
que é considerado como história: um momento de emergência não passa, em última análise, de uma fabricação” (BUTLER 
apud SALIH, 2012, p. 21). 
 
32 
 
A partir da crítica dos conceitos de sexo e gênero, a autora questiona o “caráter pré-discursivo 
do sexo”, dizendo que toda a nossa compreensão sobre o que é sexo também é socialmente construída 
por meio de discursos que afirmam certas coisas como “verdades universais”. Com isso, Butler 
desenvolve um raciocínio de Joan Scott, apresentado acima, de que “os significados atribuídos às 
diferenças biológicas são socialmente construídos”. Para Butler, a própria ciência é uma das principais 
fontes de atribuição de significados aos corpos, construindo discursos para encaixá-los nas categorias 
binárias de masculino e feminino de forma inadequada: “Uma razoável porcentagem de dez por cento 
da população tem variações cromossômicas que não se encaixam exatamente nos conjuntos de 
categorias XX-fêmea e XY-macho” (BUTLER apud SALIH, 2012, p. 88). 
O sexo, portanto, também é uma construção, feita a partir de discursos que não são 
questionados também porque são dotados de autoridade científica. Contudo, para Butler, há uma 
saída política para se demonstrar que o sexo é tão construído por discursos quanto o gênero: ambos 
podem ser performados não como verdade, mas como paródia. A paródia revela como sexo e gênero 
reproduzem-se por ações reiteradas socialmente e por meio da imitação, e que não há uma natureza 
masculina ou feminina para além dos atos de homens e mulheres. 
O exemplo mais conhecido de paródia do sexo e do gênero é o caso da prática do drag, que 
 
revela, implicitamente, a estrutura imitativa do próprio gênero – bem 
como a sua contingência [...] no lugar da lei da coerência heterossexual, 
vemos o sexo e o gênero desnaturalizados por meio de uma performance 
que confessa a sua distinção e dramatiza o mecanismo cultural da sua 
unidade fabricada (BUTLER apud SALIH, 2012, p. 93). 
 
Esse tipo de performance, para Butler, tem o potencial político de subverter a “matriz 
heterossexual”, trazendo à tona o seu caráter histórica e socialmente variável. 
Butler conclui “Problemas de gênero” frisando o que ela considera a tarefa primordial do 
feminismo: descrever performances de gênero consideradas subversivas, ininteligíveis e impossíveis, 
além de mostrar como, na verdade, elas são prova de que a expressão de gênero tem inúmeras 
possibilidades: 
 
A tarefa aqui não é celebrar toda e qualquer nova possibilidade [...], mas 
redescrever as possibilidades que já existem, mas que existem dentro de 
domínios culturais apontados como culturalmente ininteligíveis e 
impossíveis. Se as identidades deixassem de ser fixas como premissas de um 
silogismo político, e se a política não fosse mais compreendida como um 
conjunto de práticas derivadas dos supostos interesses de um conjunto de 
sujeitos prontos, uma nova configuração política surgiria certamente das 
ruínas da antiga. As configurações culturais do sexo e do gênero poderiam 
 
 33 
 
então proliferar ou, melhor dizendo, sua proliferação atual poderia então 
tornar-se articulável nos discursos que criam a vida cultural inteligível, 
confundindo o próprio binarismo do sexo e denunciando sua não 
naturalidade fundamental. Que outras estratégias locais para combater o 
‘não inatural’ podem levar à desnaturalização de gênero como tal? 
(BUTLER, 2003, p. 213-214). 
 
Gênero e sexualidades 
Depois de feito esse percurso sobre a evolução do conceito de gênero, vale ressaltar a sua 
diferenciação com a sexualidade. Muitos consideram que a sexualidade é algo “dado” pela natureza, 
inerente ao ser humano (LOURO, 2000). Tal concepção usualmente se pauta no corpo e na 
suposição de

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