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Conteúdo: TECNOLOGIA DOS MATERIAIS Rubens Ghelen Conteúdo: Difusão Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever os processos cinéticos em sólidos que envolvem o mo- vimento dos átomos em estado sólido baseado nas relações de Boltzmann, explicar o conceito de energia de ativação, E*, além de descrever o efeito da temperatura sobre as taxas de reação com base na equação de Arrhenius. � Descrever os dois principais mecanismos de difusão e distinguir os processos de difusão estacionária e não estacionária, além de aplicar a primeira e a segunda Leis de Fick para a solução de problemas relacionados. � Descrever as aplicações industriais do processo de difusão. Introdução A maior parte dos materiais cristalinos passa pelo processo de fusão/ solidificação como parte das operações necessárias para transformar um minério em uma matéria-prima industrial. Em geral, pensa-se que, após a solidificação do material, os processos de transformação posteriores não alteram mais a estrutura cristalina já formada. Entretanto, existem fenômenos que ocorrem em fase sólida que podem alterar, de forma controlada, um material cristalino sem sua fusão. Tratam-se dos processos que envolvem a difusão atômica quando combinam adequadamente os fatores tempo, temperatura e concentração. Neste capítulo, você vai estudar os processos cinéticos que envolvem a movimentação atômica, o conceito de energia de ativação, o efeito da temperatura sobre as taxas de reação com base na equação de Arrhenius, os dois principais mecanismos de difusão, a aplicação da primeira e da segunda Leis de Fick e as aplicações industriais do processo de difusão. Processos cinéticos no estado sólido O estudo dos processos cinéticos envolve o estabelecimento de relações que permitem o cálculo da velocidade com que um átomo se movimenta em um sólido. A movimentação atômica será espontânea quando a movimentação resultar em um arranjo mais estável que o inicial. Como em toda reação, uma barreira energética deve ser ultrapassada. Essa barreira chamamos de “Energia de Ativação – E*”. Um átomo para conseguir movimentar-se no sólido deve apresentar conteúdo energético E + E* (SMITH; HASHEMI, 2012). A certa temperatura, somente uma pequena fração dos átomos atinge o conteúdo energético necessário para movimentar-se. Boltzmann demonstrou que a probabilidade de um átomo atingir esse estado energético é proporcional à temperatura do meio e a relacionou com o número de lacunas em equilíbrio, chegando as relações para: 1. Fração de átomos ou moléculas com energia maior ou igual a E*: (1) Na qual: ■ n = Número de átomos ou moléculas com energia superior a E* ■ NTOTAL = Número total de átomos ou moléculas presentes no sistema ■ k = Constante de Boltzmann = 8,62 × 10–5 eV/K ■ T = Temperatura, K ■ C = Constante 2. Número de lacunas em equilíbrio a dada temperatura: (2) Na qual: ■ nv= Número de lacunas por metro cúbico do metal ■ N = Número total de posições atômicas por metro cúbico do metal ■ Ev = Energia de formação de uma lacuna, eV ■ T = Temperatura absoluta, K ■ k = Constante de Boltzmann = 8,62 × 10–5 eV/K ■ C = Constante Difusão2 Além de Boltzmann, Arrhenius também estudou a cinética das reações e estabeleceu, experimentalmente, uma equação para descrever o compor- tamento cinético diante de variações de temperatura (SMITH; HASHEMI, 2012): (3) Velocidade de reação = Ce– Q/RT Na qual: ■ Q = Energia de ativação, J/mol ou cal/mol ■ R = Constante dos gases perfeitos = 8,314 J/(mol/K) ou 1,987 cal/ (mol/K) ■ T = Temperatura, K ■ C = Constante de velocidade (independe da temperatura). Ambos os equacionamentos mostram que a velocidade de reação depende do número de átomos ou moléculas com energia igual ou superior à energia de ativação E*. As reações de interesse na tecnologia dos materiais obedecem à equação de Arrhenius, razão pela qual ela é utilizada para análise experimental de reações no estado sólido (SMITH; HASHEMI, 2012). Aplicando os operadores logaritmo neperiano e decimal na equação de Arrhenius, chegamos a formas mais práticas de trabalho: (4) e (5) Observe que as expressões (4) e (5) são do tipo equação da reta, cuja inclinação é representada pelo termo com 1/T. Conhecendo a inclinação da reta, é possível calcular a energia de ativação do processo (Figura 1[a] e [b]) (SMITH; HASHEMI, 2012). 3Difusão Figura 1. (a) Energia de ativação. (b) Expressão gráfica da equação de Arrhenius base log decimal. Fonte: Smith e Hashemi (2012). Difusão4 Efeito da temperatura na difusão: como todo processo de movimentação atômica, a difusão também deve ser afetada por variações da temperatura. Verificou-se expe- rimentalmente que a difusividade D pode ser expressa pela expressão de Arrhenius com as devidas adaptações resultando na expressão (SMITH; HASHEMI, 2012): Na qual: � D = Coeficiente de difusão, m2/s � D 0 = Constante de proporcionalidade, m2/s (independentemente da temperatura na gama de valores em que a equação é válida) � Q = Energia de ativação para a difusão, J/mol ou cal/mol � R = Constante dos gases perfeitos = 8,314 J/(mol/ K) ou 1,987 cal/(mol/K) � T = Temperatura, K. Observe que esta expressão mantém-se como uma equação de reta. O mesmo tratamento logarítmico pode ser aplicado para estabelecer as curvas de difusão em diferentes temperaturas. Difusão em sólidos A difusão é definida como um mecanismo de transporte em que a matéria movimenta-se por meio da própria matéria. Os átomos estão em movimento constante e migram com o passar do tempo. Devido à estrutura extremamente estável dos sólidos, os átomos movimentam-se com dificuldade. Entretanto, a vibração térmica dos sólidos cristalinos permite que alguns de seus átomos se movam. Esse fato é importante no beneficiamento de metais e suas ligas (CALLISTER; RETHWISCH, 2010). Para que um átomo movimente-se, duas condições devem ser atendidas: a) deve existir uma posição livre na vizinhança para a migração; b) o átomo deve ter suficiente energia para quebrar as ligações com seus vizinhos. 5Difusão Essas condições levam a dois mecanismos principais para a difusão atômica: difusão substitucional e difusão intersticial. A existência de lacunas nos sólidos cristalinos permite a existência da difusão substitucional ou por lacunas. Quando um átomo acumula energia térmica suficiente para superar a energia de ativação e ainda encontra uma posição vazia (lacuna), ele tende a se movimentar, liberando energia e assu- mindo um estado mais estável. Esse processo tem seguimento até que a energia disponível seja reduzida a valores que não ultrapassem a energia de ativação. Já a difusão intersticial apresenta outro mecanismo. Como o nome indica, além da energia térmica disponível, o átomo deve ser suficientemente pequeno, quando comparado com a matriz, para ocupar os interstícios da rede cristalina. Os átomos de hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e carbono são exemplos de átomos que podem difundir por meio do mecanismo intersticial (SMITH; HASHEMI, 2012). A difusão intersticial ocorre de maneira mais rápida que a difusão substi- tucional por dois fatores: 1) os átomos intersticiais são menores, sendo mais fácil a sua movimentação; e 2) em geral, a quantidade de interstícios é muito maior do que a quantidade de lacunas em uma rede cristalina (CALLISTER e RETHWISCH, 2010). Difusão em regime estacionário ou permanente A difusão é um processo dependente do tempo na maioria das situações. A quantidade de um elemento que difunde dentro de outro é função do tempo. Com frequência, é necessário saber qual a rapidez com que a difusão ocorre. Essa taxa pode ser expressa como fluxo difusivo (J), definido como a massa M difundindo de forma perpendicular através de uma seção transversal de um sólido por unidade de tempo. No regime estacionário, o número de átomos difundindo não sofre alteração com o tempo, ouseja, J no regime estacionário é independente do tempo, o que nos leva à expressão da “Primeira Lei de Fick” (CALLISTER; RETHWISCH, 2010): (6) Na qual: ■ J = Fluxo ou corrente global de átomos ■ D = Difusividade ou coeficiente de difusão ■ = Gradiente de concentração Difusão6 Na difusão em regime estacionário, o que mantém o fluxo de átomos ativo é o gradiente de concentração (dC/dx). Note, ainda, que está sendo considerado fluxo somente na direção x (SMITH; HASHEMI, 2012). Difusão em regime não estacionário ou transiente O regime transiente é a situação mais encontrada na maior parte dos casos da tecnologia dos materiais. Situações em que a concentração do soluto varia com o tempo à medida que a difusão prossegue são comuns nos processos industriais. A “Segunda Lei de Fick” representa matematicamente a condição transiente: (7) Nas aplicações práticas podemos considerar D independente da concen- tração, o que nos leva à expressão simplificada: (8) A solução analítica da expressão (8) está fora do escopo deste capítulo, porém será apresentada a solução válida para a situação em que um sólido é exposto a uma atmosfera gasosa em condições controladas, de forma se- melhante a alguns processos de tratamento térmico de metais. Nesse caso, são consideradas as seguintes condições de contorno: o gás A difundindo-se no sólido B a uma temperatura constante, com fluxo somente na direção x, sendo o coeficiente de difusão D independente da posição, gerando a solução da Segunda Lei de Fick dada por (SMITH; HASHEMI, 2012): (9) Na qual: ■ Cs = Concentração na superfície do elemento gasoso que está se difundindo para o interior ■ C0 = Concentração inicial uniforme do elemento no sólido ■ Cx = Concentração do elemento a distância x da superfície no ins- tante t ■ x = Distância da superfície 7Difusão ■ D = Coeficiente de difusão do elemento soluto que se difunde ■ t = Tempo ■ erf = “Função erro” (função matemática definida por convenção, encontrada em tabelas) Caminhos alternativos: os mecanismos de difusão volumétrica vistos até aqui valem-se da existência de defeitos, entretanto, podem existir caminhos mais “fáceis” que tornam a difusão mais rápida, são os chamados “curtos-circuitos”. Em algumas situações, a difusão através do contorno de grão ou pela superfície pode ser dominante, uma vez que proporciona áreas livres para o deslocamento atômico (SHACKELFORD, 2008). Aplicações industriais do processo de difusão Processos difusivos em materiais cristalinos são utilizados pelos mais diversos ramos industriais. Da indústria de base à de alta tecnologia, a utilização da difusão no estado sólido permite a criação de materiais e produtos de alto desempenho. Historicamente, a indústria metalúrgica lidera a utilização da difusão em seus processos de melhoramento da superfície de seus produtos associado ao aumento da resistência às falhas por fadiga. Por outro lado, a moderna indústria eletrônica desenvolveu (e ainda desenvolve) processos difusivos de alta complexidade para fabricação de produtos revolucionários. A seguir serão escritos alguns processos difusivos aplicados pela indústria metalúrgica e eletrônica. Cementação Quando aplicamos uma liga de aço em funções estruturais, alta resistência superficial e fadiga são características necessárias. Entretanto, durante o processo de transformação/fabricação do produto, quer na forma de compo- nentes, quer na forma do produto acabado, trabalhar com matéria-prima de alta resistência superficial tornaria o processo produtivo ineficiente e de alto custo. Por isso, durante o processo produtivo, trabalhamos com aços macios nobres que serão enriquecidos após o processamento. Difusão8 Na cementação de peças em aço para uso em componentes industriais, por exemplo, partindo de aços de baixo teor de carbono (específicos para processo de cementação), após os diversos processos de transformação como usinagem, forjamento, entre outros, o componente é encaminhado para um forno de tratamento térmico. Nesse forno existe uma atmosfera formada por gases ricos em carbono, como o metano e outros hidrocarbonetos. Pelo seu baixo custo e pela facilidade de obtenção, o gás liquefeito de petróleo é muito utilizado nestes processos. A temperatura de processo fica na faixa dos 950 oC pelo tempo necessário para permitir a difusão do carbono até a profundidade de “camada temperada” desejada. Essa camada superficial tem alta dureza e alto teor de carbono (Fi- gura 2). Depois de decorrido o tempo de permanência do forno, as peças são temperadas, geralmente por imersão em algum agente de têmpera. A têmpera é um processo de tratamento térmico que aumenta a dureza e a resistência mecânica de ligas metálicas. As peças temperadas passam por um processo de revenimento posterior para alívio de tensões (SMITH; HASHEMI, 2012). Figura 2. Perfil de cementação. Fonte: Alquicer (2015). Outros processos de tratamento difusivos Além da cementação, existem diversos outros tratamentos que utilizam a difusão para alterar a condição de superfície de um aço: 1. Nitretação: Neste caso, a atmosfera é formada por gás rico em nitro- gênio, geralmente amônia, com temperatura na faixa de 550 oC; não necessita de têmpera posterior. 9Difusão 2. Carbonitretação: O processo de carbonitretação é um misto de cemen- tação e nitretação a gás. É realizado em temperaturas intermediárias entre estes dois processos (700 a 900 ºC). Difusão em lâminas de silício A fabricação de circuitos integrados inicia pela preparação das lâminas de silício por processo de solidificação complexo que resulta em uma estrutura monocristalina. O objetivo desta deposição é alterar as propriedades elétricas da superfície da lâmina pela introdução de “impurezas”, por exemplo, átomos de gálio ou boro. Um dos métodos de difusão utilizados expõe a superfície da lâmina de silício a uma atmosfera rica em vapor do átomo que se deseja depositar a uma temperatura da ordem de 1100 ºC pelo tempo necessário para atingir a profundidade de penetração desejada. As regiões em que não deve ocorrer a deposição precisam ser protegidas por uma máscara de modo em que a difusão ocorra somente nas superfícies desejadas. Assim como nos processos difusivos utilizados no tratamento dos aços, a concentração das impurezas diminui à medida que aumenta a profundidade da lâmina. Da mesma forma, podemos estabelecer uma curva de concentração de impurezas em função da profundidade de penetração ao longo do tempo para prever o resultado de uma deposição (SMITH; HASHEMI, 2012). A difusão através de sólidos cristalinos apresenta algumas aplicações surpreendentes. A célula de combustível, por exemplo, gera energia elétrica através da difusão de hidrogênio por uma membrana seletiva. A utilização de células de combustível gera energia elétrica de forma muito mais eficiente que um motor à combustão interna, por exemplo. Neste caso, a difusão ocorre em uma membrana de cerâmica ou polímeros não condutores, e não em metais ou semicondutores. A pesquisa nesta área ainda é intensa, visando a desenvolver fontes alternati- vas para o fornecimento do hidrogênio e melhores materiais para as membranas (SHACKELFORD,2008). Difusão10 ALQUICER, R. Faça seu forno de atmosfera trabalhar por você: Dicas do ofício de cementação e têmpera. Industrial Heating Brasil, 13 mar. 2015. Disponível em: <http:// revistaih.com.br/faca-seu-forno-de-atmosfera-trabalhar-por-voce-dicas-do-oficio- -de-cementacao-e-tempera/>. Acesso em: 06 set. 2017. CALLISTER, W. D.; RETHWISCH, D. G. Materials science and engineering: an introduction. New Jersey: John Wiley & Sons, 2010. SHACKELFORD, J. F. Introdução à ciência dos materiais para engenheiros. Porto Alegre: Pearson Prentice Hall, 2008. SMITH, W. F.; HASHEMI J. Fundamentos de engenharia e ciência dos materiais. 5. ed. Porto Alegre: AMGH, 2012. Leitura recomendada VAN VLACK, L. H. Princípios de ciências dos materiais. São Paulo: Edgar Blücher,2012. 5. Assinale a alternativa correta e utilize seus conhecimentos a respeito dos dois mecanismos de difusão existentes. a) É possível afirmar que há difusão em estado estacionário quando o fluxo difusivo não ocorre com o tempo. b) A primeira Lei de Fick estabelece que difusão e gradiente de concentração são inversamente proporcionais. c) A primeira Lei de Fick estabelece que a difusão vai do mais baixo para o mais alto por ser o inverso da direção do gradiente de concentração. d) Na prática, podemos dizer que, na maioria dos casos reais, ocorre a difusão em condições estacionárias. e) A segunda Lei de Fick é aplicada em condições não transientes. Difusão12 http://revistaih.com.br/faca-seu-forno-de-atmosfera-trabalhar-por-voce-dicas-do-oficio- lfilho Retângulo lfilho Retângulo lfilho Texto digitado 11 Conteúdo:
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