Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
MECÂNICA DOS SOLOS Cleber Floriano Conceito de tensão efetiva Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Compreender o conceito de tensões efetivas verticais. � Calcular as tensões efetivas verticais para situações simples. � Entender a distribuição de tensões verticais por carregamento ex- terno no solo. Introdução Neste texto, você vai aprender como se desenvolve e o que é a ten- são efetiva em um maciço de solo. Terá a noção de como efetuar o cálculo de tensões verticais efetivas. Por último, você vai estudar como ocorre a distribuição de tensões no interior de um solo a partir de carregamentos externos. As tensões efetivas de um solo Você já conhece como se desenvolvem as tensões verticais totais e as poro- -pressões (ou pressão neutra) no interior de um maciço de solo. Agora, vai aprender o conceito de tensão vertical efetiva. As tensões verticais efetivas, como o nome já informa, são as tensões ver- ticais que atuam no solo de forma efetiva, ou seja, são as tensões que efetiva- mente devemos considerar nos cálculos de tensões no interior do solo (parece redundante, mas leia novamente com atenção). Essas tensões efetivas rela- cionam às tensões de contato entre partículas, ou melhor, a transmissão de tensões entre o esqueleto sólido do solo na presença da água. Pensando dessa forma, como explicitado no parágrafo acima e conhe- cendo o conceito de tensões totais e de pressão neutra, podemos definir que a tensão efetiva é o resultado da tensão total calculada descontando o valor da pressão neutra naquele ponto onde estamos realizando o cálculo. Mecanica_Solos_U3_C7.indd 86 22/09/2016 15:11:01 Assim, temos que: Onde: � - é a tensão vertical efetiva. � - é a tensão vertical total � - é a pressão neutra (de água) naquele ponto. Observando o esquema apresentado na Figura 1, notamos que a ação da água em um determinado ponto no interior do solo causa redução de tensão entre as partículas sólidas, ou seja, a força de contato (F) é reduzida pela força de empuxo (E) da água. Como a área de contato entre partículas, em condição ideal, não se altera, veremos que a tensão entre as partículas deve diminuir. Isso ocorre, pois a água como fluido atua com força de alívio de pressão (em- puxo), reduzindo a pressão de contato entre partículas, daí então, teremos o que chamamos de tensões efetivas. Figura 1. Esquema da distribuição de tensões entre contatos de grãos no interior de um solo. Na natureza, é comum você encontrar mais de uma camada de solo e com a presença de nível d’água em posições variadas. Muitas vezes, ter variações nas camadas de solo significa que existe mudança de peso específico dos materiais. Por conta disso, a expressão geral que governa as tensões efetivas em qualquer ponto abaixo da superfície com ou sem nível freático e também com a consideração de acréscimo de tensões por carregamento externo, pode ser definida assim: 87Conceito de tensão efetiva Mecanica_Solos_U3_C7.indd 87 22/09/2016 15:11:02 Onde, teremos, no sistema internacional de medidas (SI): � - é o peso específico do estado do solo (kN/m³). � - é a espessura da camada (m). � - é o peso específico da água, normalmente adota-se 10 KN/m³. � - é a espessura de camada de água acima (m). � - é o carregamento externo de largura infinita (kN/m²) Essa expressão demonstra que, para determinar a tensão efetiva em algum ponto da subsuperfície, devemos efetuar o cálculo em cada camada de solo com pesos específicos diferentes e dependentes do estado em que o solo se encontra. A Figura 2 mostra um esquema com dois tipos de solo (SOLO 1 e SOLO 2) e um nível d’água (NA) em determinada posição da camada de solo 1. Você pode verificar que o esquema apresenta três pesos específicos ( , e ). Os dois primeiros referem-se a diferentes estados do solo, ou seja, na condição natural ( ) e na condição de saturação ( - abaixo do nível freático). O terceiro, em outra camada, também terá outro peso específico. Nesse caso, você também o considera na condição de saturação, pois encontra-se abaixo do nível d’água. Figura 2. Esquema com diagrama de distribuição de tensões verticais no interior do solo. Observando o diagrama de tensões verticais na Figura 2, você nota que o efeito da carga distribuída com área infinita na superfície carrega o solo verticalmente com a mesma pressão aplicada (q) ao longo de toda a profundi- Mecânica dos solos88 Mecanica_Solos_U3_C7.indd 88 22/09/2016 15:11:04 dade. Ora, você pode relacionar essa condição de aplicação de carga na super- fície com uma camada de solo acima da superfície, por exemplo, uma camada cujo peso vezes sua espessura corresponda à tensão calculada equivalente a uma carga “q”. Nesse contexto, poderíamos relacionar ao carregamento de um aterro com largura considerada infinita. No entanto, também podemos associar essas cargas a qualquer outro tipo de carregamento, desde que a con- sideração de carregamento com largura infinita seja plausível. A Figura 3 mostra a analogia da sobrecarga com área infinita com ca- madas de materiais sobrejacentes. Abordaremos o tema de carregamentos distribuídos concentrados, lineares e em uma área definida e veremos que em determinados casos, para tais condições, na distribuição de cargas ocorre dissipação das tensões ao longo da profundidade. Figura 3. Consideração de carregamento vertical de uma camada de solo correspondendo a uma carga q. Voltando ao diagrama da Figura 2, você percebe que a poro pressão ocorre com crescimento linear em relação a profundidade, partindo da pressão ini- cial onde inicia o nível d’água e terminando na profundidade onde desejamos obter o valor desta. Ou seja, é o valor de , diretamente. O cálculo das tensões efetivas poderia ser simplificado pelo uso do conceito de peso específico submerso, discutido anteriormente. A tensão total vertical é calculada com o peso específico saturado , e a pressão neutra é definida por . Assim, a tensão efetiva corresponde à diferença entre esses dois valores e será dada por: , ou seja: , onde é o peso específico submerso do solo. 89Conceito de tensão efetiva Mecanica_Solos_U3_C7.indd 89 22/09/2016 15:11:05 Cálculo das tensões efetivas: um exemplo Vamos tomar o exemplo real de um projeto de uma galeria de água pluvial. Em obras assim, você precisa determinar as tensões no interior do solo para saber quais as solicitações que atuarão na estrutura da galeria. Para isso, um dos passos iniciais é a determinação das tensões geostáticas verticais efetiva e total e a pressão neutra, possibilitando traçar os diagramas correspondentes. A Figura 4 mostra um perfil da galeria referida no parágrafo acima. Você pode notar que, nesse perfil, estão indicados os tipos de solo (camadas) e seus pesos específicos indicados. Notavelmente, já sabemos que o peso es- pecífico abaixo do nível d’água (NA) representa o estado de saturação desse solo, enquanto que acima do NA teremos o solo na condição natural. Assim, observamos nesta figura três camadas de solo: uma camada de aterro com es- pessura de 2 m; uma camada de areia com espessura de 1,2 m; e uma camada de solo argiloso com espessura de 1,5 m até a cota de fundo da galeria. Você nota, também, que junto à superfície do terreno (NT) está aplicada uma carga vertical de largura infinita com valor de 10 kN/m². Poderíamos considerar que essa carga se refere a um eventual carregamento. Figura 4. Exemplo de um perfil geotécnico com os pesos específicos de cada camada em um local onde será construída uma galeria pluvial. Elaboraremos agora a sequência de cálculo para determinar as tensões geostáticas verticais em cada camada, ou seja, na posição dos pontos 0, 1, 2, e 3 indicados na figura: Mecânica dos solos90 Mecanica_Solos_U3_C7.indd 90 22/09/2016 15:11:05 Tensões verticais totais: ( ) Pressões neutras: ( ) Tensões efetivas: ( ) A Tabela 1 resume os cálculos acima. PontoCota (m) Tensões em kN/m2 Carga Água Totais Efetivas 0 0,0 10,0 0,0 10,0 1 1,0 10,0 0,0 17,0 27,0 2 2,2 10,0 12,0 39,2 37,2 3 3,7 10,0 27,0 70,4 53,4 Tabela 1. Resumo dos resultados calculados. 91Conceito de tensão efetiva Mecanica_Solos_U3_C7.indd 91 22/09/2016 15:11:06 Por último, a Figura 5 apresenta o diagrama das tensões calculadas. Figura 5. Diagrama de tensões verticais no solo. O cálculo de tensões verticais é a primeira etapa para qualquer projeto que envolve escavações ou elementos estruturais enterrados. Conhecer a tensão vertical efetivas no interior do maciço de solo é dar o primeiro passo para determinar as solicitações em uma estrutura enterrada ou as solicitações de uma estrutura que suportará uma escavação, por exemplo. Carregamento na superfície do terreno Muitas vezes, em obras geotécnicas, como, por exemplo, a carga de um muro linear (A), um trecho de aterro rodoviário (B), um aterro de grande escala (C) ou mesmo a sapata de uma fundação (D), ocorrem aplicações de tensões sobre a superfície do terreno que podemos identificar qual o valor do acréscimo de tensões em uma determinada posição da subsuperfície devido a esse carre- gamento externo. A Figura 6 apresenta as principais distribuições de tensões aplicáveis aos diversos tipos de obras. Mecânica dos solos92 Mecanica_Solos_U3_C7.indd 92 22/09/2016 15:11:06 Figura 6. Principais modos de aplicação das tensões na superfície do terreno. A B C D Analise a forma simplificada de uma carga aplicada a partir da superfície do terreno distribuída ao longo da profundidade como aquela apresentada na Figura 6B. As cargas às quais estamos nos referindo agora não são mais infinitas em área, como vimos aplicadas anteriormente e mostradas na Figura 6C. Mas sim em uma área limitada por uma largura em seção: portanto, o acréscimo de tensão em uma certa profundidade não se restringe à projeção da área carregada. Como você pode notar na Figura 7, acréscimos das tensões imediatamente abaixo da área carregada diminuem à medida que a profundi- dade aumenta, porque a área afetada aumenta com a profundidade. Figura 7. Distribuição de tensões verticais com a profundidade em carregamento externo com largura limitada. 93Conceito de tensão efetiva Mecanica_Solos_U3_C7.indd 93 22/09/2016 15:11:07 Uma hipótese simples, mas sem uso atual, é admitir que uma carga Q (concentrada ou uniformemente distribuída) é aplicada à superfície do terreno e se distribui, em profundidade, segundo um ângulo f0, chamado de ângulo de propagação, como você pode ver na Figura 8. Esse conceito é pouco aplicado, pois você pode admitir que a distribuição seja uniforme ao longo da profundidade, e ainda, que essa simplificação não satisfaz ao princípio da superposição de efeitos. Portanto, é uma estimativa grosseira. Figura 8. Distribuição de tensões simplificada ao longo da profundidade. Distribuição pontual ou linear Embora o solo não apresente comportamento puramente elástico, diversas solu- ções para aplicação de carregamento são utilizadas a partir da teoria da elastici- dade, mas se tornam aceitáveis quando estamos lidando apenas com acréscimo de tensão devido ao carregamento externo. Assim, você admite que o módulo de elasticidade do solo (E) é constante para toda a camada de solo, o que de fato não é verdadeiro, mas é a ferramenta de cálculo utilizada mesmo assim, pois apresenta consistência para níveis de deformações da maioria das obras. Para soluções de carregamento pontual (carga concentrada), a solução de Boussinesq definida pela teoria da elasticidade envolve o acréscimo de tensões em determinada posição na subsuperfície afastada do ponto de carregamento. O autor considerou um semiespaço infinito, homogêneo, isotrópico e elástico linear. Westergaard otimizou a equação de Boussinesq para ser aplicada em solos de argilas sedimentares depositadas saturadas com lentes de material Mecânica dos solos94 Mecanica_Solos_U3_C7.indd 94 22/09/2016 15:11:07 grosseiro, aproximando-se mais da realidade física. Na Tabela 2, você pode observar as duas formulações, enquanto a Figura 9 mostra o gráfico para a determinação do coeficiente “I” de ambos autores. Fonte: Adaptado de Murthy (2002). Solução de Boussinesq (1885). Solução de Westergaard (1938). Tabela 2. Acréscimo de tensão vertical no interior do solo e as equações para carga pontual. Figura 9. Ábaco para determinação dos coeficientes de Boussinesq e de Westergaard. 95Conceito de tensão efetiva Mecanica_Solos_U3_C7.indd 95 22/09/2016 15:11:07 A partir da solução de Boussinesq é possível traçar isóbatas de tensão ou também conhecidos como bulbos de tensão como pode ser observado na Figura 10. Esse conceito é bastante empregado no cálculo de fundações superficiais. Figura 10. Distribuição de tensões de um carregamento pontual (bulbos de tensões). Distribuição em área limitada Newmark (1933) desenvolveu uma integração da equação de Boussineq e de- terminou as tensões em um ponto abaixo da superfície de um retângulo pas- sando pela aresta da área retangular. Nesse contexto, observou que as relações entre lados da área retangular e profundidade eram as mesmas para a mesma solução. Assim, definiu dois parâmetros “m” e “n” e, por meio de uma extensa equação obtida por teoria da elasticidade, criou um ábaco relacionando esses dois parâmetros de forma a encontrar o fator de influência ( ) para ponde- ração da tensão aplicada na superfície ( ), como mostra a Figura 11. A solução de Newmark também é válida tanto para uma área limitada como para uma carga com largura definida, mas comprimento infinito, como é o caso de uma obra que podemos representar em seção transversal. Mecânica dos solos96 Mecanica_Solos_U3_C7.indd 96 22/09/2016 15:11:08 Uma solução mais aplicada às condições de solos moles argilosos foi de- finida por Osterberg (1957) e mostrada por Poulos e Davis (1974). A solução é aplicada a carregamentos trapezoidais, típicos de aterros rodoviários ou ferroviários que se constituem de carregamentos sobre solos de depósitos de sedimentos argilosos de consistência mole e saturados. A Figura 12 apresenta como deve ser utilizada a ponderação da tensão aplicada na superfície por meio do fator de influência I. Figura 11. Tensões verticais induzidas por carga uniformemente distri- buída em área retangular segundo solução de Newmark. Fonte: Adaptado de Pinto (2002). 97Conceito de tensão efetiva Mecanica_Solos_U3_C7.indd 97 22/09/2016 15:11:08 Você verifica que, na definição de Osterberg, para os aterros de grande largura (b/z > 3) o coeficiente de influência passa a ser 0,5, indicando que o acréscimo de tensão junto ao contato (aterro/argila mole saturada) corres- ponde à seguinte equação: Ou seja, levando em conta a simetria do carregamento, novamente você pode utilizar a relação de carregamento externo com área infinita, ou seja, o aterro correspondendo a uma carga q. Em fundações, você trabalha muito com o conceito de bulbo de tensões, especial- mente nas fundações de superfície, como as sapatas. A avaliação da distribuição de tensões para uma sapata ajuda a determinar a deformação no solo. Figura 12. Ábaco de Osterberg para determinar o fator de influência, considerando como sobrecarga de aterros de largura 2 x b e taludes laterais de largura a. Fonte: Adaptada de Almeida e Marques (2010). Mecânica dos solos98 Mecanica_Solos_U3_C7.indd 98 22/09/2016 15:11:08 A maior parte das obras de aterros rodoviários apresenta a relação b/z (largura sobre a profundidade da camada de solo mole abaixo), superiores ao valor 3. Ou seja: em grande parte dos casos, você pode considerar que o acréscimo de tensão abaixo do aterro é constante e com valor correspondente ao peso de solo do aterro. 99Conceito de tensão efetiva Mecanica_Solos_U3_C7.indd 99 22/09/2016 15:11:08 ALMEIDA, M. S. S.; MARQUES, M. E. S. Aterros sobre solos moles: projeto e desempenho. São Paulo: Oficina de Textos,2010. MURTHY, V. N. S. Geotechnical engineering: principles and practices of soil mechanics and fundation engineering. New York: Marcel Dekker AG., 2003. PINTO, C. S. Curso básico de mecânica dos solos em 16 aulas. 2. ed. São Paulo: Oficina de Textos, 2012. POULOS, H.; DAVIS, E. H. Elastic solutions for soil and rock mechanics. Sydney: John Wiley e Sons, 1974. TERZAGHI, K.; PECK, R. B. Soil mechanics in engineering practice. New York: Wiley, 1967. VARGAS, M. Introdução à mecânica dos solos. Porto Alegre: McGraw-Hill; São Paulo: Edi- tora da Universidade de São Paulo, 1977. Leitura recomendada PINTO, C. S. Curso básico de mecânica dos solos em 16 aulas. 2. ed. São Paulo: Oficina de Textos, 2012.
Compartilhar