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1. Diversidade étnico-racial: conceitos e reflexões na escola Renato Ferreira dos Santos1 Ana José Marques2 Introdução O texto em tela tem por objetivo apresentar conceitos básicos da diversidade, em geral, e das diversidades étnico-racial, de gênero, e da língua. No que tange ao gênero pretende-se abordar, de forma breve, o histórico que demonstra a construção do processo de dependência em que a mulher foi submetida e de lutas pelas mudanças, que paulatinamente, vem conseguindo alcançar, bem como, as transformações ocorridas na sociedade, no que se refere às escolhas sexuais praticadas por homens e mulheres. Quanto à temática étnico-racial, a abordagem será no campo conceitual de raça, etnia, de como se processa o racismo no mundo capitalista e os estabelecimentos das diferenças entre racismo, preconceito e discriminação. E em relação à diversidade linguística serão apontados três campos importantes: várias línguas nativas do Brasil; línguas estrangeiras incorporadas ao nosso sistema escolar, e as variantes linguísticas dos grupos socioculturais. Vale salientar, que desde a metade do século XX ocorre uma série de discussões sobre a dimensão da liberdade, a essas discussões associa-se a noção de cidadania, “que implica a conquista de um amplo leque de direitos civis, políticos, sociais e, mais recentemente, os direitos culturais” (SILVERIO, 2006, p. 7). O sentido original da idéia de liberdade transformou-se, deixando de ser uma idéia abstrata e 1 Professor de História da SEDF, com especialização em Educação de Jovens e Adultos, formador do Curso Construindo Práticas Educativas na Modalidade EJA: Concepções Teórico-Metodológicas, promovido pela EAPE. 2 Professora de História da SEDF, com especialização em Administração Escolar, mestrado na área de Políticas Públicas e Gestão da Educação e formador do Curso Construindo Práticas Educativas na Modalidade EJA: Concepções Teórico-Metodológicas, promovido pela EAPE. vazia, passando a ser um desejo dos indivíduos poderem controlar suas auto-realizações. Essa evolução leva os grupos de excluídos a formarem movimentos sociais (de mulheres, negros, índios, homossexuais), que visam a sua melhor qualidade de vida de inserção na sociedade e de aquisição de direitos e acesso aos bens e serviços. Diante dessa realidade, conhecer e reconhecer os grupos socialmente excluídos torna-se necessário. Além disso, existe a necessidade de identificar os fatores geradores de tais exclusões, pois as estratégias de conhecimento geram o entendimento e a possibilidade de se pensar ações concretas que impeçam a reprodução da exclusão. 1.1 O significado de diversidade Ao iniciar uma conversa sobre diversidade e currículo na Educação de Jovens e Adultos, faz-se necessário o entendimento de que a diversidade pode ser um construto histórico, cultural e social das diferenças. As diferenças são construídas para além das características biológicas, observáveis a olho nu. Elas perpassam as ações dos sujeitos sociais ao longo de sua vida sócio-político-histórica e está presente em seu meio social e no contexto das relações de poder. Portanto, perceber as diferenças é uma construção que começa com o nascimento da pessoa e se processa no decorrer de toda a sua vida enquanto sujeitos sociais. Ao conceituar diversidade Elvira de Souza Lima afirma, que a diversidade é norma da espécie humana: seres humanos são diversos em suas experiências culturais, são únicos em suas personalidades e são também diversos em suas formas de perceber o mundo. Seres humanos apresentam, ainda, diversidade biológica. Algumas dessas diversidades provocam impedimentos de natureza distinta no processo de desenvolvimento das pessoas (as comumente chamadas de “portadoras de necessidades especiais”). Como toda forma de diversidade é hoje recebida na escola, há a demanda óbvia, por um currículo que atenda a essa universalidade. (LIMA, 2006, p.17). Assim, tomando por base o conceito de diversidade apresentado por Lima, um trabalho pedagógico que contemple aspectos históricos, sociais, raciais e de gênero dos sujeitos sociais presentes no contexto da educação escolar, passa a ser imprescindível, esse tipo de trabalho acaba fazendo da escola um espaço democrático de convivência. 1.2 Diversidade etnicorracial 1.2.1 Raça e etnia O termo raça tem sua origem datada do século XVII (MARTINS, 1985, p.182). Com o passar do tempo, mais especificamente a partir do século XIX, passou a ser utilizado no sentido de justificar as diferenças fenotípicas entre seres humanos e marcar relações de dominação político-cultural de um grupo sobre outro. Há uma linha de intelectuais, dentre eles Paul Gilroy, que argumentam sobre a não existência de raça, visto que, no tocante à espécie humana, não existem “’raças’ biológicas, ou seja, não há um mundo físico e material nada que possa ser corretamente classificado como ‘raça’”. (GILROY apud GUIMARÃES, 2006, p. 46). Mas, esse argumento fica no campo biológico, porque no mundo social, raça, além de ser uma categoria política, é analítica também, pois “é a única que revela que as discriminações e desigualdades, que a noção brasileira de ‘cor’ enseja, são efetivamente raciais e não apenas de ‘classe” (GUIMARÃES, 2006, p.46). Com isso, o sentido biológico do termo raça foi abandonado e está passando por ressignificações, por meio do movimento negro brasileiro e das ciências sociais. O movimento negro utiliza-se desse termo de forma estratégica, pois assim, consegue valorizar o legado deixado pelos africanos, inclusive, informando como que nas relações sociais brasileiras, algumas características físicas, por exemplo: formato do nariz e da boca, cor da pele, tipo de cabelo, dentre outras, exercem ascendência, intervém e até mesmo, decidem o rumo e o espaço que os sujeitos ocuparão na sociedade (GOMES, 2004). O entendimento de que o conceito de raça, no campo social existe, foi confirmado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, que definem a raça como “a construção social forjada nas tensas relações entre brancos e negros, muitas vezes simuladas como harmoniosas, nada tendo a ver com o conceito biológico de raça cunhado no século XVIII e hoje sobejamente superado.” (BRASIL, 2004). Outro conceito bastante utilizado nos estudos sobre as relações raciais é o de etnia. O termo é derivado do grego ethnikos, adjetivo de ethos, e se refere a povo, nação. O conceito de etnia baseado no pensamento de Cashmore (2000), diz respeito a um grupo que possui algum grau de coerência, solidariedade, origens e interesses comuns. Um grupo étnico é mais do que um ajuntamento de pessoas, às pessoas deve ser agregado seu pertencimento histórico e cultural. Gomes (2004) destaca que, “o uso do termo etnia ganhou força para se referir aos ditos povos diferentes: judeus, índios, negros, entre outros. A intenção era enfatizar que os grupos humanos não eram marcados por características biológicas herdadas dos seus pais, mães e ancestrais, mas sim, por processos históricos e culturais”. (2004, p.50). Vale destacar, que ao serem subjugados, total ou parcialmente, os povos, tanto nativos quanto do grupo de invasores, passam por provações e carências, que vão desde material, até cultural, política e econômica e, em muitas vezes, por todas essas privações juntas. Quando esses povos tomam consciência destas adversidades, se estabilizam, seapóiam e se conformam para com àqueles que passaram pelas mesmas experiências. “O grupo étnico é, portanto, um fenômeno cultural, mesmo sendo baseado originalmente numa percepção comum e numa experiência de circunstâncias materiais desfavoráveis” (CASHMORE, 2000, p.197). Assim, o termo “raça” diz respeito aos atributos dispensados a certo grupo e “grupo étnico” se refere a uma resposta original de um povo quando, em alguma situação, se sente marginalizado pela sociedade. Um vocábulo que passou a ser utilizado no Brasil e merece destaque é a expressão etnicorracial. Seu sentido determina que as tensas relações raciais estabelecidas no país, vão para além das diferenças na cor da pele e traços fisionômicos, mas correspondem também à raiz cultural baseada na ancestralidade afro-brasileira que difere em visão de mundo, valores e princípios da origem européia (Brasil, 2004, p.13-14). Nesse sentido, raça e etnia são expressões que se fundem no contexto social brasileiro, visto que ambos os termos são carregados de significações e podem determinar o pensamento, a atitude e forma de ser e pensar o mundo e as nuances que o cercam. 1.2.2 Preconceito – discriminação - racismo A distinção entre os termos preconceito, discriminação e racismo é fundante para o entendimento dos processos psicossociais em que tais comportamentos se assentam. O preconceito, segundo Jones, “é o julgamento negativo e prévio dos membros de uma raça, uma religião ou um dos ocupantes de qualquer outro papel social significativo, e mantido apesar de fatos que o contradizem” (JONES, 1973, p.54), sendo assim, o preconceito tem a ver com um conceito anterior, um julgamento prévio que grupos majoritários ou dominantes encontram para manterem sua supremacia. Gomes afirma que o “preconceito é um juízo de valor ou opinião que são formados antecipadamente, sem haver conhecimento dos fatos ou ponderação” (Gomes, 2004, p.54). O preconceito tem uma dinâmica capaz de criar uma rede de relações entre as pessoas que, de maneira gradativa, ganha corpo e transforma-se em percepções de mundo. O maior problema é que essa dinâmica gera atitudes diante das variadas situações e pessoas, produzindo deformidades nas relações sociais, como: o homofobismo, o racismo, a discriminação, o sexismo, dentre outros (SANT’ANA, 2005). Quanto à palavra discriminar que significa “estabelecer diferenças”, “diferençar”, “discernir”, “distinguir” é possível, a partir disso, verificar que há uma relação entre a prática do racismo e o ato dinâmico do preconceito. Enquanto o racismo e o preconceito encontram-se no âmbito das doutrinas e dos julgamentos, das concepções de mundo e das crenças, a discriminação é a adoção de práticas que os efetivam (GOMES, 2004). Pesquisa realizada por Cavalleiro sobre discriminação em escola pública da Cidade de São Paulo evidencia que o preconceito racial está presente no cotidiano da escola, desde quando as crianças muito pequenas entram na escola. Os exemplos que se seguem deixam evidentes que as atitudes de preconceito representam situações de conflitos e tensões geradas pela verberação de um grupo sobre outro. Esse tipo de comportamento gera um sentimento de recusa ao contato com pessoas negras: [Alguma criança da escola já xingou você?] Sim, a Dalila me chamou de cabelo duro, daí eu falei para a professora. A Dalila falou que era mentira. Outro dia ela falou que eu era bruxa. Eu falei de novo para a professora e a professora disse que da próxima vez chamava o pai dela (...) ela é branquinha, mais baixa do que eu, o cabelo é meio liso e cacheado (Márcia, 10 anos, negra, escola C) [Você tem amigos negros?] Não. (...) Porque eu não gosto. [Tem algum motivo especial para você não gostar?] Porque é muito feio. [Se você tivesse um vizinho negro, você brincaria na casa dele?] Não. Não. Porque eu não gosto de negros. (Ignácio, branco, 10 anos, escola B) (CAVALLEIRO, 2005, p. 85-87) A Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, de 1966 considera discriminação racial, como sendo: [...] qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos no domínio político, social, cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública (Art. 1º). Dessa forma, as leis estão postas e apontam para o fim de toda e qualquer prática de discriminação presente na sociedade, mas as ações das pessoas ainda são insipientes nesse sentido. O racismo é uma construção ideológica que afirma ser uma raça superior a outra. São vários os racismos. As primeiras manifestações racistas aconteceram no século XVI; dos colonizadores europeus contra as populações nativas das Américas e contra os negros africanos. Mas, foi no século XIX, a partir da expansão do capitalismo industrial, que o racismo se transformou numa política justificada ideologicamente e praticada pelos Estados Europeus. 1.2.3 Racismo e capitalismo Na primeira metade do século XIX, na Europa, estava estabelecida a livre concorrência entre as empresas dos países industrializados em busca de mercados. As crises cíclicas de superprodução, inerentes ao capitalismo, aliadas ao avanço tecnológico geravam desemprego e a redução dos salários dos operários. ... a tendência centralizadora da concorrência, que leva os braços expulsos de um setor para outros mais facilmente acessíveis, e transfere os bens que não podem ser dispostos em um mercado para outros mercados , gradualmente aproximou as crises individuais menores e as uniu em uma crise periodicamente recorrente. (ENGELS apud ROMERO, 2009, p.28) A redução da massa de mais-valia obrigava as empresas a aumentar a taxa de mais-valia, através da redução dos salários, a fim de manter os lucros. “Por outro lado, a queda da taxa de lucro que anda junto com a acumulação provoca necessariamente uma luta concorrencial” (MARX, 1988). As falências eram inevitáveis. A reação política dos operários desencadeou vários movimentos de protestos, a criação de poderosos sindicatos e partidos políticos de cunho socialista. A saturação do mercado europeu agia como um garrote. A saída foi a expansão do capitalismo para as regiões onde ele ainda não existia como modo de produção dominante. Essa expansão imperialista se concretizou na busca de mercados consumidores e fornecedores de matéria-prima a preço irrisório. O objetivo era reaver os lucros que estavam em queda livre. Era, também, a valorização do capital. E para isso era necessário o domínio e a submissão dos povos da África, Ásia e Américas. 1.2.4 África, rico continente. A África é um continente de muitos contrastes. Fora o berço de inúmeras civilizações avançadas na antiguidade, mas em pleno século XIX ainda abrigava grande parte de sua população organizada em tribos, cujo nível social e econômico remontava as sociedades comunistas primitivas. A agricultura, principal base da riqueza social, assentava-se sobre a posse coletiva da terra e a sua utilização era familiar e/ou associada. Os campos eram trabalhados com técnicas rudimentares e extensivas e utilizavam-se instrumentos simples de ferro. Não eram conhecidos nem o arado nem a tração animal. A adubação, a irrigação, a rotação dos gêneros cultivados etc. eram pouco desenvolvidas e empregavam-se como energia o fogo e a força humana. (MAESTRI, 1988, p.23) Sua imensa riqueza natural transformada em fonte de matéria-prima para as indústrias européias atraiua ambição empresários europeus. Mas, como transformar essas populações cuja organização social era tribal e praticante de uma agricultura de subsistência e auto-sustentável em assalariados a serviço da empresa européia e em consumidores dos produtos de suas indústrias. Só havia um jeito: tomar-lhes as terras. E isso foi feito através do incentivo às guerras tribais com a conivência e o apoio de um setor dessa população que constituía o setor social privilegiado. Foi, portanto, um processo violento em que os governos europeus utilizaram a força militar para subjugar e explorar as populações do continente africano. A imposição da cultura européia se deu em simultaneidade com a desvalorização da cultura local. Uma guerra de conquista foi perpetrada, um massacre foi consumado. E esse verdadeiro genocídio precisava ser justificado perante as Instituições guardiãs da democracia burguesa. 1.2.5 A justificativa ideológica Mas o século XIX foi também o século da afirmação e consolidação da sociedade capitalista cujo lema continuava sendo a igualdade, a fraternidade e a solidariedade exortado na revolução francesa e que estava sendo exportado da França para o restante da Europa. A França pós-revolucionária detinha o modelo de civilização a ser seguido e a Inglaterra o modelo econômico. Haveria, então, que surgir uma justificativa plausível para oprimir e explorar os povos africanos: a superioridade racial dos brancos sobre os negros. Assim, o racismo assumiu as vestes de missão redentora da civilização europeia sobre a barbárie negra. A guerra de conquista assumiu o manto de missão civilizatória. A ciência, sem o véu da imparcialidade, mostrou sua verdadeira face: surgiu o eugenismo, que pretendeu comprovar a superioridade biológica da raça branca sobre a raça negra. Portanto, o racismo é uma política cuja justificativa ideológica esconde sua verdadeira intenção: valorizar o capital. 1.2.6 Racismo e imperialismo Nosso tempo histórico é o da fase imperialista do capital. A decadência desse modo de produção é evidenciada na impossibilidade de valorizar-se sem que milhões de seres humanos sejam condenados à masmorra da exclusão social, da miséria e da fome; da impossibilidade de valorizar-se sem que o planeta seja colocado em risco de se tornar inviável à vida. “E num momento de crise estrutural do sistema do capital global em que mesmo os resquícios mínimos para a satisfação humana são insensivelmente negados à esmagadora maioria da humanidade (MESZAROS, 2008, p.73). E, na medida em que a concentração capitalista avança, fica cada vez mais difícil para o capital exercer a sua verdadeira vocação: valorizar-se. A decadência desse sistema econômico engendra a decadência da atual sociedade. “Assim, os racismos tendem a aumentar em todo o planeta. Povos ou minorias etnicorraciais serão discriminadas para justificar a super-exploração.” (Marxismo Vivo, 2007, p. 61). Para o ativista negro estadunidense Malcoln-X, “Não há capitalismo sem racismo”. 1.2.6 O Capitalismo brasileiro e o racismo contra os afrodescendentes Se o atual sistema hegemonicamente vigente tem uma só matriz e é planetário, o desenvolvimento desse modo de produção é diferente em diferentes países. Tendo como referência os países centrais, o capitalismo brasileiro sofreu um atraso, na sua implantação, de mais de cem anos. Para BASBAUM, a versão do capital que chegou ao Brasil ocorreu de cima para baixo, como decorrência e para atender as necessidades da expansão imperialista. (BASBAUM, 1975). Aqui o sistema econômico surgiu dependente dos capitais externos, dependente do Estado e num país de mercado interno pífio. Subalterno e periférico, o capitalismo brasileiro sofre, desde o seu início, a dependência dos países centrais do sistema. A maior parte da riqueza nacional é enviada para os países centrais através do pagamento de juros das Dívidas externa e interna; da remessa de lucros das empresas transnacionais etc. Pelas razões da natureza do capitalismo-centralizador e concentrador- essa exigência tende a ser cada vez maior. “Os governos adotarão políticas para a redução dos direitos trabalhistas e sociais, de reduções salariais e desemprego.” (MV, 2008, p.37) Por conta do exposto acima pode ser inferido que a discriminação racial imposta aos afrodescendentes e expressa na forma discriminação salarial tende a aumentar. Se homens negros e mulheres negras recebem menos que homens brancos e mulheres brancas pelo mesmo trabalho, esse fosso social pode se aprofundar. Percebe- se assim que as demandas por políticas públicas compensatórias e de reparação se intensificarão nos próximos períodos a serem mantidas essas tendências. A condição para a eliminação definitiva da discriminação racial sobre a população afrodescendente brasileira só poderá vir a partir do fim do capitalismo no Brasil. Enquanto esse fim não ocorre cabe aos movimentos sociais organizados exigir do Estado Brasileiro a adoção de políticas que diminuam as desigualdades, dentre elas as de ações afirmativas, como veremos a seguir. 1.2.7 Política de ações afirmativas Para atender as reinvindicações de grupos sociais por políticas específicas que pudesse diminuir as desigualdades foi criado, por Decreto Presidencial de 20 de novembro de 1995, o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI). Este Grupo apresenta o conceito de ações afirmativas, como: medidas especiais e temporárias, tomadas ou determinadas pelo estado, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como de compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros. Portanto, as ações afirmativas visam combater os efeitos acumulados em virtude das discriminações ocorridas no passado. (GTI, 1997; SANTOS, 2001;SANTOS, 2005). O GTI foi encarregado de formular políticas públicas para valorização e promoção dos direitos dos afro-brasileiros e para a valorização da população negra. Foi o primeiro ato de reconhecimento do racismo pelo Estado Brasileiro. As ações afirmativas não são necessariamente desenvolvidas pelo Estado, elas podem partir de instituições da sociedade civil, que tenham autonomia suficiente para decidir por meio de seus regimentos internos, tais como: centrais sindicais, escolas, igrejas, partidos políticos, sindicatos, instituições privadas, dentre outras. Portanto, as ações afirmativas, podem ser temporárias ou não, isso fica a critério dos princípios em que foram pautadas. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico- raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana definem que políticas de reparações e de reconhecimento devam formar ações afirmativas, isto é: “conjuntos de ações políticas dirigidas à correção de desigualdades raciais e sociais, orientadas para oferta de tratamento diferenciado com vistas a corrigir desvantagens e marginalização criadas e mantidas por estrutura social excludente e discriminatória” (BRASIL, 2004, p.5). A partir das reflexões a respeito dos conceitos apresentados observa-se que a exclusão ocorre a parcelas da população que não têm acesso a bens e serviços. Nessa parcela encontram-se os jovens e adultos que não tiveram acesso aos estudos em idade própria. Assim, vale destacar alguns dados sobre as taxas de analfabetismo na população negra, para que, a partir disso, seja possível umaanálise mais precisa de como se opera a exclusão de parcelas da população de acesso a direitos básico como é o caso da educação. A Tabela 1 demonstra que o analfabetismo entre a população negra de 15 anos ou mais, no ano de 2003, era de 16,84% e entre os brancos era de 7,09%. Já o analfabetismo entre as mulheres negras era de 16,47% em contraposição à taxa de mulheres brancas que era de 7,42%, portanto, é necessário, com base nesses números a instituição de políticas de alfabetização de adultos que levem em conta as desigualdades de gênero e raça, esses números sugerem também, que as políticas de alfabetização de jovens e adultos precisam focar estes grupos em sua concepção e implementação. TABELA 1 - Taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade por sexo segundo cor/raça – 2003 Brasil e Grandes Regiões – 2003 Grandes Regiões e Cor / Raça População total (%) Homens (%) Mulheres(%) Brasil 11,56 11,67 11,45 Branca 7,09 6,71 7,42 Negra 16,84 17,22 16,47 Norte 10,56 10,85 10,28 Branca 7,19 7,33 7,06 Negra 11,77 11,99 11,55 Nordeste 23,17 25,14 21,34 Branca 17,69 19,72 15,96 Negra 25,40 27,20 23,66 Sudeste 6,81 5,92 7,61 Branca 5,03 4,10 5,84 Negra 10,02 9,03 10,98 Sul 6,37 5,75 6,94 Branca 5,24 4,64 5,80 Negra 12,10 11,08 13,14 Centro-Oeste 9,47 9,74 9,20 Branca 6,89 6,74 7,02 Negra 11,52 11,98 11,06 Fonte: IBGE/Pnad microdados. Elaboração: Ipea/Disoc e Unifem. Nota: Analfabeta é a pessoa que não é capaz de ler um bilhete simples. Os indicadores que apontam o acesso à educação, na Tabela 2, mostram a média de anos de estudo da população brasileira de 15 anos ou mais, apresentam que a universalização do acesso à educação no país, no que diz respeito à população negra, ainda está longe de acontecer. Percebe-se que, enquanto os brancos têm-se uma média de 7,61 anos de estudo, os negros apresentam, em média 5,61 anos de estudo. Ainda na mesma tabela, observa-se a intersecção entre discriminação de raça e de gênero. Os números apresentam que a média de anos de estudos de um jovem negro é de 5,48; de um jovem branco é de 7,58. Entre as mulheres negras a média de anos de estudos é de 5,82 e para as mulheres brancas é de 7,64 anos. Com isso, a expressiva diferença entre jovens negros e brancos, de 2,1 e entre as jovens negras e brancas é de 1,82. A intensidade da discriminação racial, na escolaridade formal, fica explícita e continua extremamente alta, sobretudo se for considerado que trata-se, em média, de dois anos de estudos em uma sociedade cuja escolaridade média dos adultos gira em torno de 6 anos. TABELA 2 - Média de anos de estudo das pessoas de 15 anos ou mais de idade por sexo segundo cor/raça Brasil e Grandes Regiões - 2003 Grandes Regiões e Cor / Raça População Total Homens Mulheres Total 6,72 6,60 6,83 Norte 6,61 6,39 6,81 Nordeste 5,32 4,96 5,65 Sudeste 7,40 7,42 7,38 Sul 7,12 7,12 7,14 Centro-Oeste 6,95 6,73 7,16 Branca 7,61 7,58 7,64 Norte 7,52 7,36 7,66 Nordeste 6,34 4,58 6,66 Sudeste 8,04 8,11 7,98 Sul 7,39 7,36 7,42 Centro-Oeste 7,85 7,71 7,98 Negra 5,65 5,48 5,82 Norte 6,27 6,06 6,49 Nordeste 4,90 4,58 5,21 Sudeste 6,24 6,24 6,24 Sul 7,39 5,73 5,66 Centro-Oeste 7,85 5,98 6,46 Fonte: IBGE/Pnad microdados. Elaboração: Ipea/Disoc e Unifem. Nota: Média de anos de estudo: fornece a média de séries concluídas com aprovação. Obs: É considerada população negra a composição de pardos e pretos. É importante verificar que não só na educação, mas se fosse realizada uma análise dos indicadores sociais nos setores do trabalho e emprego, da saúde e da segurança, os números seriam próximos aos apresentados no setor da educação. Considerações finais O texto apresentado não constitui uma receita para ser seguida a risca, mas sim uma tentativa de provocar a discussão sobre uma série de fatores culturais, históricos, políticos e sociais que estão presentes no âmbito da escola e que interferem de forma positiva e/ou negativa no trabalho didático-pedagógico do cotidiano da sala de aula. A diversidade etnicorracial deve ser pensada não apenas pelos professores regentes, mas por toda a comunidade escolar, aqui entendida como: alunos e alunas, pessoal técnico-administrativo, pessoal de conservação e limpeza, pais, mães e responsáveis e, mais especificamente, pelos gestores educacionais, que são figuras que têm trabalho determinante para que o sucesso escolar ocorra. Por fim, a escola tem que ser um espaço livre de preconceitos, de racismo, de discriminação e de estereótipos, que, querendo ou não, são atitudes que corroboram de forma decisiva para o desencadeamento de ações de violência, hostilidade, evasão e repetência no contexto escolar Referências bibliográficas ALMEIDA, Eduardo. Brasil, Reforma ou Revolução. 1ª edição, Ed. Sundermann, 2004. BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africanas. Brasília: Secad/MEC, 2004. CASHMORE, Ellis. 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