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Livro Didático Digital Unidade 02 Glória Freitas Educação das Relações Étnico-Raciais Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Diretora Editorial ANDRÉA CÉSAR PEDROSA Projeto Gráfico MANUELA CÉSAR ARRUDA Autora GLÓRIA FREITAS Desenvolvedor CAIO BENTO GOMES DOS SANTOS GLÓRIA FREITAS Olá. Meu nome é Glória Freitas. Sou graduada em Pedagogia, com mestrado e doutorado na área de educação, com diversas experiências técnico-profissionais, na área de Educação, desde 1984, percorrendo inicialmente pela Educação Básica (na Educação Infantil e no Ensino Fundamental I) em Escolas, posteriormente lecionando em formações docentes em Organizações Governamentais e Não Governamentais (ONG’s e OSCIPs), e a partir de 1990, lecionando os fundamentos e metodologias de ensino, na Formação Docente Inicial e Pós-Graduação, no Ensino Superior, em Universidades Públicas e Particulares, em São Paulo, Paraná, Ceará, Rondônia e Maranhão. Sou apaixonada pelo que faço e adoro transmitir minha experiência de vida àqueles que estão iniciando em suas profissões. Por isso fui convidada pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte comigo! A AUTORA INTRODUÇÃO: para o início do desen- volvimento de uma nova competência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações es- critas tiveram que ser priorizadas para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e inda- gações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamento do seu conhecimento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou discutido sobre; ACESSE: se for preciso aces- sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últimas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma ativi- dade de autoaprendi- zagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; Olá. Meu nome é Manuela César de Arruda. Sou a responsável pelo projeto gráfico de seu material. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: ICONOGRAFIA SUMÁRIO Reconhecendo o contato com a realidade de outro: Histórias, culturas e Sociedades Africanas (Literatura, Arte, língua e Cultura Africanas e Afro-brasileiras........10 Reconhecendo o contato com a realidade de outro e o conceito de alteridade.......................................................................10 Reconhecendo o contato com a realidade de outro: Histórias, culturas e Sociedades Africanas (Literatura, Arte, língua e Cultura Africanas e Afro-brasileiras)...................................20 Relembrando o Contato com a Realidade do Outro: Histórias, culturas e Sociedades Ameríndias e os diversos Povos Indígenas do Brasil: Culturas Indígenas no Brasil. (Literatura, Arte, língua e Cultura Indígenas Brasileiras) ..................................37 Nomeando o Outro: Os Povos Indígenas na Sociedade Brasileira, as Relações Raciais, Contribuições dos Povos Indígenas nas Artes Brasileiras e Resistência Indígena no Brasil................................................................................44 Educação das Relações Étnico-Raciais 7 UNIDADE 02 Educação das Relações Étnico-Raciais8 Caro aluno, pensar a educação na perspectiva da das relações raciais é estar comprometido com um projeto de sociedade, de homem e de mundo que contemplem todas as pessoas, buscando a igualdade de oportunidades, consideradas as diferenças e necessidades específicas necessárias. Considerar que muitas desigualdades e exclusões que se constituíram historicamente, só poderão ser mudadas e ressignificadas com ações específicas, alterando o curso da história. Você estudará na Unidade 2 – O Contato com o Outro: Histórias, Culturas e Sociedades Africanas, Afro-brasileiras e Povos Indígenas do Brasil. Reconhecendo o contato com a realidade de outro, definir o Outro e nomear o Outro. Preparado? Ao longo desta unidade letiva você vai mergulhar neste universo! INTRODUÇÃO Educação das Relações Étnico-Raciais 9 Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 1. Nosso propósito é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes objetivos de aprendizagem até o término desta etapa de estudos: • Reconhecer o contato com a realidade de outro: Histórias, culturas e Sociedades Africanas (Literatura, Arte, língua e Cultura Africanas e Afro- brasileiras). • Definir o Outro: O Negro na Sociedade Brasileira, as Relações Raciais, Contribuições da Matriz Africana nas Artes Brasileiras e Resistência Negra no Brasil. • Entender o Contato com a Realidade do Outro: Histórias, culturas e Sociedades Ameríndias e os diversos Povos Indígenas do Brasil: Culturas Indígenas no Brasil. (Literatura, Arte, língua e Cultura Indígenas Brasileiras). • Compreender o Outro: Os Povos Indígenas na Sociedade Brasileira, as Relações Raciais, Contribuições dos Povos Indígenas nas Artes Brasileiras e Resistência Indígena no Brasil. Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento? Ao trabalho! OBJETIVOS Educação das Relações Étnico-Raciais10 Reconhecendo o contato com a realidade de outro: Histórias, culturas e Sociedades Africanas (Literatura, Arte, língua e Cultura Africanas e Afro-brasileiras INTRODUÇÃO Ao término deste capítulo você será capaz de reconhecer o contato com a realidade de outro: histórias, culturas e sociedades africanas (literatura, arte, língua e cultura africanas e afro-brasileiras). bem como, você será capaz de definir o outro: o negro na sociedade brasileira, as relações raciais, contribuições da matriz africana nas artes brasileiras e resistência negra no brasil. em seguida, você será capaz de relembrar o contato com a realidade do outro: histórias, culturas e sociedades ameríndias e os diversos povos indígenas do brasil: culturas indígenas no brasil. (literatura, arte, língua e cultura indígenas brasileiras). Por último, você será capaz nomear o Outro: Os Povos Indígenas na Sociedade Brasileira, as Relações Raciais, Contribuições dos Povos Indígenas nas Artes Brasileiras e Resistência Indígena no Brasil. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Reconhecendo o contato com a realidade de outro e o conceito de alteridade Você reconhecerá o contato com a realidade do outro: histórias, culturas e sociedades africanas (literatura, arte, língua e cultura africanas e afro-brasileiras), constituirá um percurso afirmativo para o entendimento de nossa sociedade profundamente marcada pela presença da matriz africana e afro-brasileira. Ao reconhecer este contato, você já afirma o quão diferente e dispare é com relação a sua realidade. E fica uma indagação: Como você estabelece suas relações com o Outro, sendo você alguém que recebe sentidos da sua realidade social, e, ao mesmo tempo produz sentidos? Reflita quais são as relações que você costuma estabelecer Educação das Relações Étnico-Raciais 11 com o outro, aquele sujeito bem distinto de você. E como a cultura que você pertence vê o entendimento do outro? É difícil? O certo é que muitas pessoas reclamam, e não são incomuns, as dificuldades de lidar com a existência do outro. Que tipos de dificuldades são essas? Dificuldades essas que abrangem a compreensão que se tem do que se denomina como outro, a gama de especificidades das relações que estabelecemos com o outro (por vezes, ausente ou negado em sua condição de sujeito) e o conjunto de ideias, noções e significados subjacentesà percepção imediata que temos do outro. (SANTOS, 1999, p. 375) Você já tem conhecimento de que a nossa realidade brasileira é constituída por inúmeros grupos formados por diferentes culturas? Saiba que não são todos os grupos submetidos as mesmas relações de poder. Devem ser respeitados, mesmo que intensamente desiguais da cultura em que você cresceu e vive. Estas matrizes de formação do povo brasileiro foram fazendo seus encontros, com muitos conflitos, estabelecendo relações desiguais de poder e situados em três momentos da história do Brasil - a colonização, a construção do Brasil- nação e a República. Isso estruturou no Brasil um processo de construção das representações da alteridade tentando apreender a dinâmica do desejo e do medo da diferença que estão na base da construção do outro e de si mesmo. Significando que as nossas diferenças foram dificultando contatos entre as nossas alteridades e estabelecendo e aprofundando hostilidades. Para um melhor entendimento, é importante lembrar que alteridade é aquela posição, circunstância ou ainda a qualidade que são constituídas por meio de relações de diferenças, de contrastes e de distinções. “Alteridade é produto de duplo processo de construção e de exclusão social que, indissoluvelmente ligados como os dois lados de uma folha, mantêm sua unidade por meio de um sistema de representações”. (JODELET, 1999, p. 47) É bom lembrar que a alteridade só pode ser analisada tendo como pano de fundo as condições que estruturam as relações sociais, em um contexto plural. Educação das Relações Étnico-Raciais12 Devemos ficar atentos, na sala de aula, sobre as injustas representações que alimentamos entre os alunos ou nos calamos às elas. Elas podem ser produtoras de exclusões sociais. E no caso particular das escolas, podem produzir evasões das crianças. As nossas dificuldades de conviver com as diferenças, as alteridades, aquilo que o outro é diferente de mim, pode e deve ser entendido a partir das necessidades coletivas de tão distintos sujeitos que somos, nós os brasileiros, entre nós mesmos. E devem ser solucionadas! É necessário que cada professor reflita sobre o seu papel social e procure distinguir a alteridade de fora (aquilo que é distante, é exótico como determinadas comidas de alguns povos em relação aos outros povos de outras culturas). E aquela outra, a alteridade de dentro (aquelas diferenças que surgem dentro de uma mesma cultura ou grupo social). A alteridade anda junto com a noção de ipseidade que é aquele caráter que perpetra com que o indivíduo seja ele mesmo e distinto de todos os outros; remetendo a uma distinção antropologicamente originária e fundamental — a distinção entre o mesmo e o outro. Estabelecendo, assim, uma relação de identidade em cada indivíduo. Desde crianças estamos construindo uma noção de alteridade, apoiados no outro, assim fomos elaborando as nossas identidades, assentadas em relações intersubjetivas. E é a intersubjetividade que consente a existência do ato significante, ao mesmo tempo que, de outro lado, previne o totalitarismo de interpretações simbólicas que se propõem únicas, ou capazes de exaurir o objeto com a versão que propõem. Você precisa aceitar a diferença do ‘outro’. Educação das Relações Étnico-Raciais 13 Figura 1: Lidar com as adversidades Fonte: Freepik É necessário ficar atento as adversidades trazidas pelo individualismo, que ainda que traga responsabilidade, autonomia e liberdade, reduz a vida social ao isolamento, solidão, discórdia e angústia. Considera-se que uma saída apreciável poderá ser a compreensão da ética da alteridade em aliança com o lazer. Já que a ética da alteridade é ferramenta para transmutar e transgredir todas as amarras impostas pela sociedade, da moral estabelecida e das culturas fechadas em si mesmas. Isso acontecerá pelo fato de a Ética da Alteridade consentir na entrada em mundos ‘outros’, e dos ‘outros’, com suas distintas belezas poéticas, abrindo-se a encontrar novos modos de viver e novas narrativas, encantando-se com elas ou pelo menos aprendendo a respeitá-las. O que deve ser evitado na escola, nas ações educativas com os tão distintos educandos é pensar que: o outro não significa ou pouco significa para nós. Pois ele não faz parte de nós, é um estranho, um alienígena. Ele é o índio, o negro, a mulher, o excluído. Eu o explico, eu o domino, eu o exploro. E mais: sou eu que decido quando há dominação, quando há compreensão, quando há exploração. (GUARESCHI, 1999, p.159-160) Educação das Relações Étnico-Raciais14 E, já outro autor, Moreira (1982) considera que a ética da alteridade é a ilimitada responsabilidade que cada um de nós possui com relação a vida do ‘outro’, permitindo que as nossas diferenças possam dialogar. Porém, é necessário abrir as conexões para permitir que o contato com o outro não seja praticado com a destituição da singularidade, da identidade, da verdade e de tudo o que o ‘outro’ é com relação as minhas diferenças. O que é necessário evitar é isso: Eu convido-o, eu dou-lhe as boas-vindas ao meu lar, sob a condição de que você se adapte às leis e normas do meu território, de acordo com a minha linguagem, tradição, memória etc. Os educadores deverão fugir de tendências que se apoiam em representações do Povo Brasileiro, e suas matrizes africana, afro- brasileira e indígena, montadas em depreciá-los e deturpar suas diferenças. Rompendo com antigas visões, datadas por discursos racistas, voltados para a supremacia branca em um país profundamente tocado pelas marcas destas matrizes, juntamente com a matriz europeia, nem toda ela 100% branca. É interessante refletir, aprender e rebater racismos e preconceitos. As sucessivas gerações formadas por uma pedagogia higienizada produziram o indivíduo urbano de nosso tempo. Indivíduo física e sexualmente obcecado pelo seu corpo; moral e sentimentalmente centrado em sua dor e seu prazer; socialmente racista e burguês em suas crenças e condutas; finalmente politicamente convicto de que a disciplina regressiva de sua vida depende a grandeza e o progresso do Estado brasileiro. (COSTA, 1983, p. 214) As relações sociais nos influenciam, em conjunto com a nossa vontade de conhecer o mundo, ao mesmo tempo em que nos reconhecemos. Lidar com as diferenças envolvem desejo. Nosso desejo é que vai definir os modos como a nossa sociedade opera com a intrigada rede de relações humanas, que permite tanto a construção dos saberes como dos sentidos, eles próprios são atividades cruciais para sustentar a formação de identidades, sentimentos de pertença e o sentido de comunidade. Isso acontece ao Ego (eu) e ao Alter (outro). Duveen (1998) defende que o mundo em que as novas gerações acessam é articulado ao redor de diferenças e valorizações delas, Educação das Relações Étnico-Raciais 15 agindo para estruturar e influenciar as representações que eles tenham da realidade e dou ‘outro’. Tais representações sobre como perceber a realidade e o ‘outro’ aparecem antes da consolidação de suas identidades, tais identidades são apoiadas em tais representações. A identidade seria uma luta para conseguir reconhecimento e necessita da construção da alteridade. Então funcionaria assim: A identidade da criança e seu eu, é entendida como diferenciação do ‘outro’, representa a construção da diferença. Sendo que a relação com o outro acontece por coação (forçada, hierarquizada, um é superior ao outro) ou pela cooperação (construção coletiva, interação, a diferença é vista como produtiva para a criança) (DUVEEN, 1998). Por tudo isso é necessário: Olhar o rosto do outro e ter o rosto do outro como referência significa cuidar e considerar o alter (outro) como diferente do mesmo. Daí o termo Alteridade. Cuidar do outro, ter infinita responsabilidade para com o outro, é fugir da pretensão do ‘mesmo’ e abrir-se paraa revelação do outro, para a manifestação do outro, para a expressão do outro e, portanto, escapar das redes de dominação. É, igualmente, aceitar o diferente e ir ao encontro dele. E ter como princípio ético o encontro com aquele que não sou eu, em uma situação sempre de liberdade e diálogo. (MOREIRA; JUNIOR,2018, p.29) Veja, dependendo do contexto em que você está inserido vai surgir uma demanda relacionada a sua identidade. O que não significa que você vá realizar tal esperada demanda. Você poderá agir, em suas tarefas cotidianas, afirmando-a ou contrariando-a. Isso significa que os rituais sociais, presentes na sociedade, servem para reatualizar uma identidade pressuposta, ou seja, já inscrita no contexto em que você vive. Assim, acontece nas festas. E que solicita que você aceite as prescrições das condutas corretas, reproduzindo as ações determinadas no seio da sua realidade social. O que acontece é que, aparentemente, a identidade de uma pessoa pode parecer tão intrínseca, tão grudada a pele da pessoa que nem existem outras formas de identificação, a posição de mim (o eu ser- posto) me identifica, discriminando-me como dotado de certos atributos que me dão uma identidade considerada formalmente como atemporal. Mas não é assim tão natural! A identidade é cultural e social. Educação das Relações Étnico-Raciais16 Quando você está inserido nas suas relações sociais com o ‘outro’, o que ocorre é que você se representa, e tal representação adota um sentido tríplice: 1) Você se representa, 2) Ao se representar, exerce papéis relacionados aos condicionamentos (por exemplo, você é vizinha dos seus vizinhos, e tal representação costuma ocultar outros elementos que constituem a sua totalidade) e 3) À medida que você se representa, repõe a sua identidade pressuposta (implícita a você). Figura 2: Criação de personalidade Fonte: Freepik Sendo assim, sua identidade é constituída por muitas representações que você faz de si mesmo, que repomos daquelas representações que nos são esperadas e pelas representações dos papéis a que estamos determinados. A identidade nunca não é estática, sempre ocorrendo no seu próprio processo de produção. Funciona assim: Ser não estático é! Ser é Estar Sendo! Enfim, identidade é movimento. Identidade é metamorfose. E sermos um e um Outro para que cheguemos a ser um, numa infindável transformação. Educação das Relações Étnico-Raciais 17 Todo educador deve ficar atento a necessária tarefa de apreender os diversos patamares que se estabelecem nas relações com o outro, os diferentes graus de proximidade desse outro numa realidade social. Aquele que não é o mesmo que ‘nós’ pode ser apenas diferente, mas próximo, ou constituir-se como um alter em ‘sua forma mais extrema e alienante’ como é no caso do racismo e, certamente, de todas as formas de exclusão social. (SANTOS, 1999, p. 377) Os Educadores devem sempre estar atento a relação entre o ego (eu) e o alter (outro) e que demanda que tais educadores fiquem atentos e sejam receptivos as dessemelhantes formas de sociabilidades fora da escola, de dentro da escola, entendendo e permitindo as diversidades de manifestações culturais, respeitando as sociedades em que os educadores vivem e partindo destas realidades para conduzir seus aprendizados. Respeitem as diferenças! Já que são as pertenças grupais que sustentam os processos simbólicos e materiais responsáveis pela construção da alteridade. Disso decorre a necessidade de se estudar a alteridade sempre levando em consideração os níveis interpessoais e intergrupais. (SANTOS, 1999, p. 376) Tais construções de diferenças, que não devem ser menosprezadas, foram elaboradas, historicamente, têm como alicerce projetos políticos, econômicos, sociais e culturais. Muitas vezes, interagimos ou nos negamos a interagir com o outro, a partir das representações errôneas que temos sobre eles. Perdemos bons encontros! Estas representações vieram de visões hegemônicas, produzidas pelos colonizadores, irreais, injustas, racistas e que precisam ser evitadas pelos educadores. A construção da alteridade e do mesmo se move ao compasso das conjunturas históricas. Somos histórica e culturalmente constituídos. Submetidos e submetemos as novas gerações a um trabalho cognitivo e afetivo constante de construção e reconstrução das representações expressando relações de poder desiguais, conflitos de interesse e valores vigentes a cada época. Cada educador, no seu cotidiano dentro da escola, precisa refletir sobre a necessidade de reconhecimento do outro como um ser de desejos, de projetos e perspectivas próprias. “O outro não se esgota no Educação das Relações Étnico-Raciais18 conjunto de significados construídos pelo eu”. (SANTOS, 1999, p. 378) Isso significa que por mais que um educador seja autoritário, só veja o mundo pela sua própria perspectiva, expressando-se sob os olhos de sua própria realidade social, classe social e as representações historicamente construídas, repletas de preconceitos, nada impedira que o alter (outro) seja ele próprio, realize sua própria resistência. Isso fica evidente quando se trata de definir o contato com o Outro, percorrendo as Histórias, Culturas e Sociedades Africanas, Afro-brasileiras, Ameríndias e os Povos Indígenas do Brasil. Não podemos contestar que a inserção predominante do negro na sociedade de classe se deu primordialmente como trabalhador analfabeto, estigmatizado pelo legado da escravidão, com pouca ou nenhuma qualificação. Isso criou uma representação dos negros brasileiros repletas de preconceitos. Há uma exceção historicamente comprovada, configurada por outro modo de inserção dos negros, como pertencentes a comunidades negras rurais que, na transição do trabalho escravo para o trabalho livre, estranharam o modelo e contestatoriamente procederam sua inserção como grupo social e culturalmente diferenciado. Já com relação aos indígenas, a inserção do índio, nesta mesma sociedade de classe aconteceu de um modo diferente. Os modos de inserção dos diversos Povos Indígenas foram como grupos etnicamente diferenciado, de fora para dentro e/ou de dentro para fora. A inserção de índios como trabalhadores, embora ocorrendo, não se constituiu em tendência vultosa. Aos ‘outros’, distanciados dos seus modos de viver, sentir, pensar, comer, dançar, amar, além do seu estranhamento com tantas diferenças, não poderão ser oferecidos o racismo em suas mais diferentes (todas dolorosas) demonstrações. O racismo é uma forma de etnocentrismo, todavia, associado mais diretamente à visão biologizada do evolucionismo social. O etnocentrismo e o racismo desumanizam, inferiorizam. (BANDEIRA, 2003, p. 144) É bastante descabido produzir expressões de racismo em sala de aula ou permitir que as crianças façam. Nenhuma explicação etnocêntrica, ou seja, que tenta produzir um sentido de verdade para algo inverídico, afirmando que um povo é Educação das Relações Étnico-Raciais 19 superior a outro. Já que não é! Não configura verdade científica qualquer supremacia racial! O racismo comporta, porém, uma dimensão sutil de repulsão que o etnocentrismo generalista necessariamente não comporta. Embora o termo étnico índio assim como o termo negro tenham sido socialmente cunhados para apagar diferenças entre os diversos povos americanos e africanos, tornando-os um classificador de fração de classe, o índio concreto é de modo geral associado a uma etnia particular, sua pertença a um povo é reconhecida. (BANDEIRA, 2003, p. 144) Então, no contato com os ‘outros’ é necessário conhecê-los em tudo o que são de verdade. Foram povos africanos de países diferentes, culturas distintas e línguas diferenciadas que aportaram, forçadamente aqui, naqueles navios. Foram e são Povos Originários diversificados em línguas, em suas culturas que foram reduzidos a denominação ‘índios’pelo fato de algum colonizador julgar que havia chegado à Índia, ao chegar nas terras brasileiras. É necessário ir em busca do reconhecimento da diferença étnica, potente o suficiente para permitir o verdadeiro reconhecimento de pertencimento cultural de um determinado povo. O termo caboclo se aproxima, do ponto vista social, cultural e político do termo negro. Ambos desenraizam, despojam e subtraem dos atores sociais concretos tradições, valores e práticas de suas culturas ancestrais. Educação das Relações Étnico-Raciais20 Reconhecendo o contato com a realidade de outro: Histórias, culturas e Sociedades Africanas (Literatura, Arte, língua e Cultura Africanas e Afro-brasileiras) Figura 3: Identidade africana Fonte: Freepik Você reconhecerá, ao final da leitura, o contato com a realidade de outro: histórias, culturas e sociedades africanas, bem como a literatura, arte, língua e cultura africanas e afro-brasileiras. tal contato com tão vasta contribuição desta matriz formadora do povo brasileiro será um mergulho necessário e salutar na sua formação docente. É importante refletir que nas políticas educacionais voltadas para realizar integração democrática das diversidades, algumas deverão contemplar problemas comuns à questão do negro e à questão do índio, outras deverão contemplar especificidades próprias de cada grupo. Isso será decisivo para a formação de novas mentalidades, assentadas na realidade étnico-cultural brasileira e com um efeito reparador às contribuições do negro africano (vindos de diversas realidades e regiões do continente africano). As práticas e os valores culturais dos negros foram incorporados como produção nacional popular, reduzindo Educação das Relações Étnico-Raciais 21 a diversidade dos afro-brasileiros à diferença racial, socialmente estigmatizada. É inegável a herança africana está em suas marcas firmes e vivas nos modos de sentir, pensar, sonhar e agir de certas nações do hemisfério ocidental. (SILVERIO, 2013, p.7) Isso é perceptível nos Estados Unidos, Brasil, Caribe, entre outras partes em que se deu a diáspora africana, lugares onde os africanos vieram viver e permaneceram escravizados. É certo afirmar que tais marcas culturais africanas influenciaram as culturas de países como o Brasil e fundamentaram fortemente as identidades culturais que circulam por este país, pós-chegada do colonizador português. O século XX foi marcado pela busca de significação histórica desta grande influência cultural das culturas africanas, entendidas através da história africana. Passou a ser um erro histórico narrar a nossa história com olhos voltados aos nossos preconceitos, frutos do etnocentrismo, não dedicando espaço a história verdadeira destes encontros entre a África e o Brasil. Diante disso, a história da áfrica comprova que o continente africano foi o berço de inúmeras civilizações. A Civilização Egípcia, alguns esquecem, estava no continente africano. Fora isso, existiram pungentes Impérios. Foram abafados, pelos ocidentais, que os africanos criaram inúmeras, complexas e originais formas de governo. Algumas eram fundamentadas em uma ordem genealógica (clãs e linhagens). Atualmente, coexistem governos republicanos e clãs como no Reino de Ghana, difíceis de compreensão para os nossos fracassados modelos coloniais e imperiais. E existiram formatos governamentais avançados, anterior a chegada dos europeus para agir na perversa colonização e escravização dos povos africanos, eram os exemplares e notáveis processos iniciativos (com a existência de classes de idade), montados através de chefias, organizadas por diversificadas unidades políticas. Ganha destaque o Império de poderoso de Aukar ou Império de Ghana (século IV) (MELO; BRAGA, 2010). Seus poderes foram contidos somente por volta do ano 1011 (século XII) pelos Povos Bérberes (chamados de Bárbaros por não se submeterem aso comandos de outros povos). Tais povos, os Almorávidas, irão até a Península Ibérica. Já Educação das Relações Étnico-Raciais22 no século IV a.C existiam grandes chefias, Estados tradicionais, entre elas configurava a primeira dinastia de Gana. Já as escavações comprovam a existência de uma arte cerâmica de Nok (Nigéria), entre os séculos V a.C. ao II século d.C., demonstrando o seu apogeu e complexidade (SALUM,1999). Assim, os importantes impérios de Gana e Mali, entre outros existiram lá na África ocidental, no exato momento da Idade Média europeia (que vai acabar no século XV). Outros reinos localizados para os lados oriental e central africanos (como os Lunda e Luba) realizaram entre eles suas disputas entre os séculos XVI e XIX, com seus poderes análogos aos estados monárquicos ou imperiais. Além disso, o reino do kongo desenvolveu suas táticas e relacionamentos externos desde o século XIII. Esta ideia de que a colonização falsamente difundiu e que descobriu um ‘outro’ mundo selvagem, onde só viviam tribos em guerra, nômades, subdesenvolvidos são construções a serviço dos interesses europeus na região africana. História semelhante é sempre recontada com relação aos povos ameríndios, os povos originários e que já viviam na América antes dos europeus aportarem aqui. Dizer que tais povos não tinham suas histórias para contar são injustas mentiras. A África tradicional, anterior aos processos de colonização europeia e a vinda de povos africanos ao Brasil, era diversificada e independente, carregando suas distinções sociais, econômicas e culturais, pelo vasto território. No bojo do projeto capitalista, organizado pelos países que colonizaram, forçadamente, a África, estava um projeto de desqualificar seus saberes, suas ciências, seus conhecimentos, suas culturas e suas línguas. E difundindo narrativas que os qualificam como lugares inóspitos, tórridos, improdutivos, repletos de povos vivendo como bárbaros, sem cultura, sem história própria e incivilizados. Isso tudo foi alimentado pelo discurso do etnocentrismo, do século XIX. É necessário, pois, ver de que História e de que Civilização se trata. Isso tudo a favor de um projeto imperialista, liberal e colonial, para fazer engrenar o capitalismo, montados nas ideias veiculadas na Era Moderna, no século XVI, com as grandes invenções e as grandes navegações. Educação das Relações Étnico-Raciais 23 Os Povos Africanos que vieram viver no Brasil Colônia, na condição de escravizados, eram de diversas origens. Uma parte deles vieram da África Ocidental. Eram povos sudaneses e/ou iorubas (nagôs, ketus, egbás); gegês (ewês, fons); fanti-ashanti (genericamente conhecidos como mina); povos islamizados (mandingas, haussas, peuls). (SILVÉRIO, 2013, p. 13) O autor afirma ainda que, outros povos africanos que vieram para o Brasil eram originários da África Central, foram os Povos Bantos, eram os bakongos, mbundo, ovimbundos, bawoyo, wili (isto é, congos, angolas, benguelas, cabindas e loangos). Também vieram ao Brasil, africanos provenientes da África Oriental, eram chamados de moçambiques. Eles chegaram, foram instalados, nesta condição de escravizados e foram imprimindo as suas marcas culturais, constituindo a gênese das culturas negras brasileiras, apesar da destituição ampla subjetiva e social impostas, pela escravização. Não eram estrangeiros fugindo de alguma calamidade, guerra ou fome. Eram pessoas obrigadas a sair de suas casas, dos seus países, abandonar suas línguas, na condição degradante de escravizados. Os povos sudaneses e/ou iorubas deixaram suas marcas culturais e influenciaram a história a partir da Bahia, pelo Norte e Nordeste do Brasil. Eram suas características: o culto aos orixás, a realização de cerimônias de iniciação, a prática de ritos mágicos, música e dança/rituais, a elaboração de esculturas em madeira, em metais e outros trabalhos manuais como, por exemplo, instrumentos musicais. A cultura iorubanaé apontada ainda como fonte de influência ao nosso léxico. (SILVÉRIO, 2013, p. 13) Foram mais de quatro milhões de negro-africanos para alguns estudiosos e para outros eram mais ainda, que chegaram no brasil, ao longo de bem mais de três séculos consecutivos. No decorrer do século XVI, a Bahia configurava o maior núcleo português. Havia trinta e tantos engenhos, movidos por 3 ou 4 mil escravos negros e 8 mil índios. Nessa proporção, o componente negro‐africano iria aumentar cada vez mais. Já os Povos Africanos Bantos, foram instalados nos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais e eles ficaram notabilizados pelo fato de Educação das Relações Étnico-Raciais24 uma das suas línguas, quimbundo ser incorporado ao nosso português do Brasil. E ainda por festas: coroação dos reis, danças que emulam a caça e a guerra (carnaval), festas do boi, folclore; esculturas em madeira, confecção de objetos domésticos etc. Além destes aspectos culturais e linguísticos apontados acima, ressaltando os fatos de sermos o povo brasileiro que somos, carregando elementos constitutivos de tais culturas africanas, os africanos que vieram morar no Brasil, nos longos e terríveis tempos da Colonização Portuguesa, tiveram seus protagonismos na dimensão sociopolítica, e não religiosa e messiânica, das revoltas do século XIX. Outro aspecto importante das novas pesquisas é a identificação da forte presença de afro-brasileiros nesses movimentos. Os descendentes destes africanos e nascidos no Brasil, comprovam que juntos, aos escravizados não fugiram das lutas em prol das necessárias e justas mudanças sociais na história do Brasil. Seus descendentes, os afrodescendentes, os afro-brasileiros, o povo negro brasileiro organizado em seus movimentos prosseguem nas lutas. Além disso é inegável que os africanos e seus descendentes desenvolveram no Brasil forte farmacopeia, com seus fazeres e saberes tradicionais, junto a manipulação de plantas medicinais e condimentares em comunidades quilombolas e/ou afro-brasileiras como um patrimônio cultural, e hoje se avalia seu uso, e importância, na atenção básica à saúde. Destacaram-se na literatura algumas importantes mulheres negras, entre os séculos XIX e XXI. Maria Firmina dos Reis, maranhense, nasceu em 1825, com diversas publicações, entre o romance Úrsula. Era abolicionista e escreveu o livro A Escrava, em que reforça postura antiescravista da personagem Maria. E foi compositora do hino da abolição da Escravatura. Educação das Relações Étnico-Raciais 25 HINO À LIBERDADE DOS ESCRAVOS Autoria de Maria Firmina dos Reis Salve Pátria do Progresso! Salve! Salve Deus a Igualdade! Salve! Salve o Sol que raiou hoje, Difundindo a Liberdade! Quebrou-se enfim a cadeia Da nefanda Escravidão! Aqueles que antes oprimias, Hoje terás como irmão! Carolina Maria de Jesus, nasceu em 1914 e morreu em 1977, afirmava que nos momentos em que passava fome, em vez de xingar alguém, preferia escrever. Lá na favela do Canindé, na zona norte de São Paulo, onde era catadora e costumava narra sobre sua realidade em papéis encontrados no lixo. Até que publicou o seu livro Quarto de Despejo – Diário de uma favelada, em 1960, com narrativas sobre as discriminações que as mulheres negras, empobrecidas e faveladas passavam. Ainda foram lançadas outras obras dela: Casa de Alvenaria, Pedaços de fome e Provérbios. Além de obras póstumas: Diário de Bitita (1977), Um Brasil para Brasileiros (1982), Meu Estranho Diário (1996), Antologia Pessoal (1996), Onde Estaes Felicidade (2014), Meu sonho é escrever – Contos inéditos e outros escritos (2018). Entre tantas outras escritoras negras de ontem e hoje, ressalta- se Conceição Evaristo, Doutora em literatura. Ela começou a publicar poemas em 1990 e continua ativa. Ela nasceu em uma favela na capital mineira. Escreveu a obra Olhos d’Água (2014), Ponciá Vicêncio (2003) e o Becos da Memória (2006), Poemas da Recordação e Outros Movimentos (2008). Nesta obra mais recente, Olhos D'água, Conceição Evaristo apresenta narrativas, em 15 contos entrelaçados, com histórias de mulheres e homens negros e as lutas deles com diversos tipos de violência e depreciação sofridos na sociedade. (EVARISTO,2016). Educação das Relações Étnico-Raciais26 SAIBA MAIS Quer se aprofundar neste tema? Recomendamos o acesso à seguinte fonte de consulta e aprofundamento: Artigo: Conceição Evaristo – Encontros de Interrogação (2015). Depoimento gravado durante o evento Escritora-Leitora, em maio de 2015, no Itaú Cultural, em São Paulo/SP. Acessível pelo link: http://bit.ly/2taY6VU Figura 3:Carolina de Jesus autografa seu livro Quarto de Despejo em 1960 Fonte: Wikimedia Coommons Com as suas leituras, até este momento, você reconhecerá o contato com a realidade de outro: Histórias, culturas e Sociedades Africanas (Literatura, Arte, língua e Cultura Africanas e Afro-brasileiras). Na primeira parte, será possível reconhecer o contato com a realidade de outro e o conceito de alteridade para conseguir entender o ‘outro’ http://bit.ly/2taY6VU Educação das Relações Étnico-Raciais 27 africano, em suas diferenças. E na parte final, você será capaz de reconhecer o contato com a realidade de outro, através das Histórias, culturas e Sociedades Africanas (Literatura, Arte, língua e Cultura Africanas e Afro-brasileiras). 2. Definindo o Outro: O Negro na Sociedade Brasileira, as Relações Raciais, Contribuições da Matriz Africana nas Artes Brasileiras e Resistência Negra no Brasil Definindo o Outro, os negros na sociedade brasileira, nas relações raciais, nas contribuições da matriz africana nas artes brasileiras e na resistência negra no brasil, virão muitos elementos para você definir o papel do negro, no brasil, dos tempos coloniais aos dias atuais. É inegável o papel gigantesco que os africanos e os afro- brasileiros trouxeram e trazem para a formação do povo brasileiro, nas nossas história e cultura. Tratando da história do Brasil, a população negra, seja em condição de escravizado, chegando ao Brasil, tendo partindo do continente africano e sendo provenientes de vários países, passando por longos períodos sob a condição indigna de escravizados, lutando pela libertação. Ou seja, a história de seus descendentes na mesma condição, escravizado ou libertos, empreendendo as suas lutas por liberdade e direitos, batalhas diárias até hoje. Lutaram e lutam pelo reconhecimento de seus direitos, negados pelo longo período em que durou a escravidão no Brasil. A África, no período colonial brasileiro, possuía inúmeras línguas, como ainda continuam existindo. Comparados aos indígenas brasileiros, os autóctones, os que já habitavam aqui, anteriores a chegada dos portugueses, pode-se até entender que os africanos seriam mais homogêneos no plano da cultura, os africanos variavam também largamente nessa esfera. Tudo isso fazia com que a uniformidade racial não correspondesse a uma unidade linguístico‐cultural. Eram diversas as culturas dos africanos! Os africanos constituíam uma consolidada diversidade linguística e cultural. Rapidamente os poderes locais e os que manipulavam o tráfico de escravizados consideraram útil aos fins mercantis e para evitar planos de fugas, impedir a concentração de escravos oriundos de uma Educação das Relações Étnico-Raciais28 mesma etnia, nas mesmas propriedades, e até nos mesmos navios negreiros, impediu a formação de núcleos solidários que retivessem o patrimônio cultural africano. Sendo que a condição de escravizados não os calaram completamente, ainda que fossem todos obrigados a falar a língua do rei de Portugal, conseguirem influenciar com suas línguas, sendo sujeitos participantes da criação e diferenciação do nosso português brasileiro. É possível perceber que falamos uma língua com muitas diferenciações do português falado em Portugal, Português do Brasil. Os africanostrouxeram novas palavras. Aquelas vozes submergidas no inconsciente iconográfico dessa gente trazida em cativeiro se fazem perceptíveis na pronúncia rica em vogais da nossa fala (ri.ti.mo, pi.néu, a.di.vo.ga.do), na nossa sintaxe (tendência a não marcar o plural do substantivo no sintagma nominal (os menino(s), as casa(s)), na dupla negação (não quero não),no emprego preferencial pela próclise (eu lhe disse, me dê), mas se revelam de maneira inequívoca nas centenas de palavras que foram e ainda são apropriadas como linguístico do português do Brasil a enriquecerem o imaginário simbólico da língua portuguesa. (CASTRO, 2011, p.01) Tais palavras recebidas dos africanos são faladas demasiadamente, nos nossos cotidianos, configurando marcas lexicais que portam elementos culturais africanos, repartidos com a sociedade brasileira e que transitam, no âmbito da recreação (samba, capoeira, forró, lundu, maculelê), dos instrumentos musicais (berimbau, cuíca, agogô, timbau), da culinária (mocotó, moqueca, mungunzá, canjica), da religiosidade (candomblé, macumba, umbanda), das poéticas orais (os tutus dos acalantos, o tindolelê das cantigas de roda), das doenças (caxumba, tunga), da flora (dendê, maxixe, jiló, andu, moranga), da fauna (camundongo, minhoca, caçote, marimbondo), dos usos e costumes (cochilo, muamba, catimba), dos ornamentos (miçanga, balangandã), das vestes (tanga, sunga, canga), da habitação (cafofo, moquiço), da família (caçula, babá), do corpo humano (bunda, corcunda, banguela, capenga), dos Educação das Relações Étnico-Raciais 29 objetos fabricados (caçamba, tipóia, moringa), das relações pessoais de carinho (xodó, dengo, cafuné), dos insultos (sacana, xibungo, lelé), do mando (bamba, capanga), do comércio (quitanda, bufunfa, muamba, maracutaia). (CASTRO, 2011, p.01) Trazido ao Brasil forçado, construindo o país, sendo que a luta mais árdua do negro africano e de seus descendentes brasileiros foi, ainda é, a conquista de um lugar e de um papel de participante legítimo na sociedade nacional. Teve que aprender a língua falada no brasil. Dominou-a, não só a refez, emprestando singularidade ao português do Brasil, mas também possibilitou sua difusão por todo o território, uma vez que nas outras áreas se falava principalmente a língua dos índios, o tupi‐guarani. Um número imenso de africanos foi, forçadamente, trazido ao Brasil. Cálculo que o Brasil, no seu fazimento, gastou cerca de 12 milhões de negros, desgastados como a principal força de trabalho de tudo o que se produziu aqui e de tudo que aqui se edificou. Não permaneceram sem resistência ao sistema colonizador e escravagista que os oprimiu por séculos. Ao fim do período colonial, constituía uma das maiores massas negras do mundo moderno. Sua abolição, a mais tardia da história, foi a causa principal da queda do Império e da proclamação da República. Esta mercantilização dos corpos dos africanos, pelos países da diáspora africana encontrou muitas resistências e insurreições. Na década de 1570, na Bahia, surgiram os focos iniciais de resistência de escravizados. Estes criaram o primeiro quilombo de que se tem notícia, que foi destruído em 1575. Neste período, os engenhos espalhados pelo Brasil contavam com cerca de 15 mil escravizados. Alguns estudos mostram que no final desse século começou a se formar o maior e mais organizado quilombo que se conhece, Palmares. (MELO; Braga, 2010, p. 65) Neste Quilombo de Palmares viveram entre 20 a 50 mil pessoas, sua organização era através de um sistema político próprio, calcado na tradição dos povos africanos. “Apoiava-se numa economia de subsistência baseada na caça, na pesca, na agricultura e no artesanato”. (MELO; BRAGA, 2010, p. 65) Educação das Relações Étnico-Raciais30 O grande nome, figura heroica e exemplo de liderança e resistência foi Zumbi dos Palmares, foi a liderança do mais famoso quilombo da história do Brasil, o Quilombo dos Palmares, notabilizado como um dos capitais nomes da resistência negra contra escravidão. O dia 20 de novembro tornou-se o Dia Nacional da Consciência Negra em sua homenagem, pois nessa data ele foi morto por seus captores. Diferenciando-se de seus precursores, Zumbi não almejava negociatas suspeitas com os brancos. Ele substituiu a estratégia de defesa passiva por outra ofensiva, organizando ataques-surpresa a engenhos, libertando escravizados e apoderando-se de armas, munição e suprimentos. Somente em 1695 é que Zumbi foi atacado e morto. Sua cabeça foi cortada e exposta em praça pública para que cessassem os boatos de que ele era indestrutível. Caso você não conheça esta história de resistência negra no Brasil, você poderá desconfiar da existência de tantas lutas, do longo processo de resistência contra os governos coloniais brasileiros. Isso acontece pelo fato das histórias dos africanos e afro-brasileiros serem desconhecidas. Eram e são poucos os autores que têm retratado a história de participação efetiva dos escravizados africanos no processo de formação do povo brasileiro e da real herança cultural que nos deixaram. Serem reconhecidos nas suas histórias e culturas africanas e afro-brasileiras configuraram campos de lutas dos afro-brasileiros, do povo negro brasileiro em seus combates, nos movimentos negros. Isso foi trazendo avanços, como marcos legais que traziam esta possibilidade e exigência para dentro das escolas, de suas histórias e culturas (lei 10.639/2003 e 11. 11.645/2008). São frutos deste processo intenso de reinvindicações dos movimentos organizados dos negros brasileiros, foi possível realizar uma revisão histórica com relação à contribuição negro-africana em todos os aspectos da vida social, cultural, política e econômica na sociedade brasileira). Isso configurou uma oportunidade ímpar na história da educação brasileira! As crianças afro-brasileiras, bem como qualquer outra criança, começaram a contar com professores mais bem preparados para tratar de temas como as culturas africanas, nas Educação das Relações Étnico-Raciais 31 atividades escolares. Isso começou a fornecer referências identitárias positivas aos descendentes dos negros africanos e que vivem no Brasil. Hoje já existem comprovações cientificas de que a raça humana surgiu na África. Isso quer dizer que somos originalmente africanos. Todos os seres humanos. Voltando os olhos para a História da África é interessante perceber que na cultura africana, tudo é ‘História’. A grande História da vida compreende a História da terra e das Águas (geografia) a História dos vegetais (botânica e farmacopéia), a História dos ‘Filhos do seio da Terra’ (mineralogia e metais,) a História dos astros (astronomia, astrologia), a História das águas, e assim por diante. [...] Por exemplo, o mesmo velho conhecerá não apenas a ciência das plantas (as propriedades boas e más de cada planta), mas também ‘as ciências da terra’ (as propriedades agrícolas ou medicinais dos diferentes tipos de solo), a ciência das águas, astronomia, cosmogonia, psicologia, etc. (BÂ, 1982, p. 195) Tais ciências africanas, profundamente ligadas a vida, com os seus conhecimentos abertos a uma utilização prática. E, ainda, as ciências ‘iniciatórias’ ou ocultas, tão distanciadas do público desconhecedor das antigas tradições africanas, bastante vinculadas e integradas a vida trata- se sempre, para a África tradicional, de uma ciência eminentemente prática que consiste em saber como entrar em relação apropriada com as forças que sustentam o mundo visível, e que podem ser colocadas a serviço da vida. Quanto ao negro brasileiro na Sociedade Brasileira, as Relações Raciais tensas e preconceituosas que necessitou combater, bem como as contribuições desta Matriz Africana e afro-brasileira nas Artes Brasileiras e Resistência Negra no Brasil foram inúmeras e precisam ser conhecidas pelas crianças nasescolas. As famílias negras no Brasil colonial, imperial e republicano souberam e sabem das consequências de tão longo tempo de construção de papéis que carregam pelas futuras gerações de brasileiros as mais cruéis discriminações. Ser negro é enfrentar uma história de quase quinhentos anos de resistência à dor, ao sofrimento físico e moral, à sensação de não existir, a prática de ainda não pertencer a uma sociedade na qual consagrou tudo Educação das Relações Étnico-Raciais32 o que possuía, oferecendo ainda hoje o resto de si mesmo. Ser negro não pode ser resumido a um ‘estado de espírito’, a ‘alma branca ou negra’, a aspectos de comportamento que determinados brancos elegeram como sendo de negro e assim adotá-los como seus. (NASCIMENTO; 1974a, p.76). Maria Beatriz Nascimento, mulher negra e nordestina, historiadora, poetisa, militou ativamente nos movimentos pelos direitos humanos de mulheres e negros. Foi assassinada em 1995, quando cursava o seu mestrado, em decorrência do apoio que prestou a uma amiga que estava sofrendo com uma relação abusiva por parte do companheiro desta amiga. Foi ele quem a assassinou. Beatriz Nascimento deixou grande contribuição com suas escritas e publicações. Foi roteirista, sendo que a produção de sua autoria mais reconhecida é o filme e documentário Ôri (1989), em que é documentado a trajetória dos movimentos negros brasileiros entre 1977 e 1988. Nesta produção é possível entender sobre a corporeidade do negro, as injustas vidas dos africanos escravizados e dos afrodescendentes brasileiros, bem como o foco na situação desigual, de inferioridade e injusta das mulheres negras no Brasil. SAIBA MAIS Quer se aprofundar neste tema? Recomendamos o acesso à seguinte fonte de consulta e aprofundamento: Vídeo: Trecho curto do Filme Ôri, com roteiro de Maria Beatriz Nascimento e dirigido pela cineasta Raquel Gerber. Disponível no link: http://bit.ly/2GDC7Ks http://bit.ly/2GDC7Ks Educação das Relações Étnico-Raciais 33 Beatriz Nascimento entendia que na história tradicional do povo negro subsistem ainda resquícios das sociedades africanas, além de uma cultura forjada no Brasil, e que esta cultura tramada em um processo de dominação, é perniciosa e bastante difícil e que mantém o grupo no lugar onde o poder dominante acha que deve estar. Isto é o que eu chamo de ‘Cultura da Discriminação’. Ela, defendia que era necessário ir além da discussão e da visualização do processo de dominação de uma cultura sobre a outra (da cultura do dominador colonizador a cultura negra). Recomendando que os negros brasileiros deveriam procurar os elementos dentro de nossa cultura que estão provocando essa mesma subordinação? Até que ponto a cultura do branco nos domina e até que ponto a nossa própria cultura também está interagindo nesse processo de dominação? Sobre o Negro na Sociedade Brasileira, as Relações Raciais, as contribuições da Matriz Africana e a Resistência Negra, Beatriz Nascimento questionava os conteúdos ideologicamente dominantes, preconceituosos, racistas, repassados, etnocêntricos, quando são falados ou escritos termos como aceitação, integração e igualdade. Ela considerava que era bem difícil estudar a discriminação racial, usando estes três termos para analisar a história do negro brasileiro, em uma sociedade racista, com elemento de análise teórica impregnado de uma cultura em todos os sentidos branca e europeizada se faz necessário perguntar-se a si próprio se determinados termos correspondem à sua pers¬pectiva, se não são somente reflexos do preconceito, repetidos automaticamente sem nenhuma preocupação crítica. Ou seja, se não estamos somente repetindo os conceitos do dominador sem nos perguntarmos se isto corresponde ou não à nossa visão das coisas, se estes conceitos são uma prática, e caso fossem uma prática se isto é satisfatório para o negro. Somos aceitos por quem? Para quê? O que muda ser aceito? O que é ser igual? A quem ser igual? É possível ser igual? Para que ser igual? (NASCIMENTO, 1974a, p.68) Educação das Relações Étnico-Raciais34 Os últimos anos do século XX aos dias atuais serão decisivos para a construção de novos conhecimentos sobre o Negro na Sociedade Brasileira as Relações Raciais, contribuições da Matriz Africana e Resistência Negra, tanto dentro das universidades como fora, na produção acadêmica e as artes em geral, na literatura em geral, no cinema, surgiram e continuam a surgir muitos teóricos, estudiosos e pensadores. Os apelos de Beatriz Nascimento fizeram seus ecos e trouxeram seus resultados. A todo o momento o preconceito racial é demonstrado diante de nós, é sentido. Porém, como se reveste de uma certa tolerância, nem sempre é possível percebermos até onde a intenção de nos humilhar existiu. De certa forma, algumas destas manifestações já foram incorporadas como parte nossa. Quando, entretanto, a agressão aflora, manifesta-se uma violência incontida por parte do branco, e mesmo nestas ocasiões ‘pensamos duas vezes’! antes de reagir, pois, como expus acima, no nosso ‘ego histórico’ as mistificações agiram a contento. (NASCIMENTO, 1974b, p.42) Ressalta-se o importante e pioneiro papel desempenhado, na 1.ª metade do século XX, pelo escritor, teatrólogo, ativista, militante, Abdias do Nascimento, organizador em 1938 do inovador I Congresso Afro-Brasileiro (já passados 50 anos da decretação do fim da escravidão no Brasil). Abdias do Nascimento criou, em 1944, o extraordinário Teatro Experimental do Negro (TEN) para denunciar o preconceito e a discriminação e dar vozes aos talentos negros. Essa demanda continua sendo atual. Abdias Nascimento narra os seus propósitos com o TEN Nosso Teatro seria um laboratório de experimentação cultural e artística, cujo trabalho, ação e produção explícita e claramente enfrentavam a supremacia cultural elitistaarianizante das classes dominantes. O TEN existiu como um desmascaramento sistemático da hipocrisia racial que permeia a nação. Havia e continua vigente uma filosofia de relações de raças nos fundamentos da sociedade brasileira; paradoxalmente, o nome dessa filosofia é ‘democracia racial’. ‘Democracia racial’ que é um Educação das Relações Étnico-Raciais 35 mero disfarce que as classes branco/brancóides utilizam como estratagema, sob o qual permanecem desfrutando ad aeternum. (NASCIMENTO, 1980, p.68) Em 1988, a constituição federal vai criminalizar a discriminação racial e surgiu a Fundação Cultural Palmares, junto ao Ministério da Cultura, realizando extenso e consistente trabalho em prol das artes e culturas negras, junto aos afro-brasileiros (MELO; BRAGA, 2010). Figura 2: Escultura da Cultura Nok, datada entre o século V a.C ao século IV d.C., Nigéria (mais de 2500 anos atrás) Educação das Relações Étnico-Raciais36 As duas primeiras décadas, do nosso atual século XXI, foram vigorosas nas participações e protagonismos dos Negros na Sociedade Brasileira, movidos por muitas mobilizações e por resultados configurados em marcos legais e políticas Públicas dos governos. As Relações Raciais foram debatidas, e, foram oferecidas inúmeras contribuições da Matriz Africana, dos afros descendentes, dos afro-brasileiros nas Artes Brasileiras. A Resistência Negra no Brasil prossegue forte e com seus resultados, apesar das históricas consequências do longo escravismo. Existem muitas conquistas por alcançar! Em 2003 foi criada a SEPPIR (Secretaria Especial de Política de Promoção da Igualdade Racial) criando um lugar de destino de muitas reinvindicações históricas. Um pouco adiante surgiu o Estatuto da Igualdade racial (2009). As comunidades quilombolas começaram a receber maior apoio e serem certificadas pela Fundação Cultural Palmares, em diversos estados brasileiros. Sendo que no ano de 2007 mais de 1000 delas foram certificadas (MELO, BRAGA, 2010). As culturas dos afro-brasileirossão valorizadas. SAIBA MAIS Quer se aprofundar neste tema? Recomendamos o acesso à seguinte fonte de consulta e aprofundamento: Artigo: As relações étnico-raciais no Brasil contemporâneo a partir da perspectiva da Diáspora Africana. Disponível no link: Disponível no link: http://bit.ly/37J64Vs Ao final da sua leitura, você será capaz de definir o Outro, os negros na Sociedade Brasileira, nas Relações Raciais, nas Contribuições da Matriz Africana nas Artes Brasileiras e na Resistência Negra no Brasil, terá visto muitos elementos para você definir o papel do negro, no Brasil, dos tempos coloniais aos dias atuais. http://bit.ly/37J64Vs Educação das Relações Étnico-Raciais 37 Relembrando o Contato com a Realidade do Outro: Histórias, culturas e Sociedades Ameríndias e os diversos Povos Indígenas do Brasil: Culturas Indígenas no Brasil. (Literatura, Arte, língua e Cultura Indígenas Brasileiras) Relembrando o contato com a realidade do outro: histórias, culturas e sociedades ameríndias e os diversos povos indígenas do brasil: culturas indígenas no brasil. (literatura, arte, língua e cultura indígenas brasileiras), tudo isso fará com você conheça para não mais esquecer a contribuição das nossas matrizes indígenas do brasil e como se encontram hoje. Conhecer a realidade do ‘Outro’, do sujeito indígena, na história do Brasil, requer conhecer para não esquecer! E para aproximar de um universo que poderá ser visto como tão distante, ou pelo fato de a Amazônia estar longe geograficamente de muitas outras regiões do Brasil ou por julgar que os tempos dos indígenas já passaram. A falta do contato com a história das diversas culturas indígenas que viveram e vivem nas Américas e no Brasil fazem falta aos professores, e, consequentemente aos alunos. Os grupos indígenas que aqui já viviam, no litoral brasileiro e viram chegar os primeiros portugueses eram sobretudo povos indígenas de tronco tupi que, havendo se instalado uns séculos antes, ainda estavam desalojando antigos ocupantes oriundos de outras matrizes culturais. Somavam, talvez, 1 milhão de índios, divididos em dezenas de grupos. Tais grupos indígenas estavam organizados, um por um, compreendendo um conglomerado de várias aldeias de trezentos a 2 mil habitantes. Não confundir com todos os povos indígenas que viviam no Brasil do século XVI, época da chegada dos colonizadores. Esta soma que representa uma vultuosa presença populacional indígena é somente dos povos que falavam a língua Tupy, está língua que deixou tantos nomes que repetimos sem nem mesmo nos damos conta dela. E, ressaltando que só a contagem dos povos de língua Tupy Educação das Relações Étnico-Raciais38 no litoral tinha à mesma população que Portugal na mesma época. “Apesar da unidade linguística e cultural que permite classificá‐los numa só macroetnia, oposta globalmente aos outros povos designados pelos portugueses como tapuias (ou inimigos)”. (RIBEIRO, 1995, p. 32). O fato é que jamais os grupamentos Tupy conseguiram unificar‐se numa organização política que lhes permitisse atuar conjugadamente. Isso demonstra o equívoco histórico e cultural da expressão os índios brasileiros ou os indígenas brasileiros. A diversidade étnico-cultural é histórica e isso já se dava antes da chegada do colonizador. Os povos tupy, na escala da evolução cultural, faziam neste momento da chegada dos portugueses e por conta própria a sua revolução agrícola, ultrapassando assim a condição paleolítica. É faziam por um caminho próprio, juntamente com outros povos da floresta tropical que haviam domesticado diversas plantas, retirando‐ as da condição selvagem para a de mantimento de seus roçados. Um exemplo extraordinário é a mandioca, porque se tratava de uma planta venenosa a qual eles deviam, não apenas cultivar, mas também tratar adequadamente para extrair‐lhe o ácido cianídrico, tornando‐a comestível. (RIBEIRO, 1995, p. 31) Aquelas representações preconceituosas medonhas e racistas feitas sobre os índios brasileiros, vestidos como os mesmos trajes, falando um português que levam aos risos, são injustas diante da diversidade étnico-linguística e cultural, expressa de muitos modos, com tradições distintas, quando se fala sobre a história e a cultura indígena, no Brasil. Com um novo inimigo morando no Brasil, o português colonizador, só foi possível aos Povos Tupy conseguiram estruturar efêmeras confederações regionais que logo desapareceram. A mais importante delas, conhecida como Confederação dos Tamoios, foi ensejada pela aliança com os franceses (RIBEIRO, 1995, p. 33), na baía de Guanabara. Além dos Povos Tamoios, reuniu, entre 1563 a 1567, os Povos Tupinambá, no Rio de Janeiro e os Povos Carijó no planalto paulista, apoiados pelos Povos Goitacá e pelos Povos Aimoré da Serra do Mar, que não eram de língua Tupy, e sim de Língua jê (um outro trono linguístico que persiste ainda hoje no Brasil, em estados como Mato Grosso, Tocantins e na Região Sul do Maranhão). Neste momento estavam opostos aos Educação das Relações Étnico-Raciais 39 portugueses e aos povos indígenas que os apoiavam. E os portugueses, entre eles os padres jesuítas manipulam seus defensores: Nessa guerra inverossímil da Reforma versus a Contra‐Reforma, dos calvinistas contra os jesuítas, em que tanto os franceses como os portugueses combatiam com exércitos indígenas de milhares de guerreiros ‐ 4557, segundo Léry; 12 mil nos dois lados na batalha final do Rio de Janeiro, em 1567, segundo cálculos de Carlos A. Dias (1981) ‐, jogava‐se o destino da colonização. E eles nem sabiam por que lutavam, simplesmente eram atiçados pelos europeus, explorando sua agressividade recíproca. Os Tamoios venceram diversas batalhas, destruíram a capitania do Espírito Santo e ameaçaram seriamente a de São Paulo. Mas foram, afinal, vencidos pelas tropas indígenas aliciadas pelos jesuítas. (RIBEIRO, 1995, p. 33) Aqueles que invadiram as terras foram os colonizadores. É interessante que os professores entendam as reais histórias para conseguir produzir verdade iras narrativas aos seus alunos. Os portugueses, no século XVI, eram muito diferentes dos diversos povos indígenas brasileiros. Os povos indígenas que viviam no Brasil eram todos eles estruturados em tribos autônomas, autárquicas e não estratificadas em classes, o enxame de invasores era a presença local avançada de uma vasta e vetusta civilização urbana e classista. (RIBEIRO, 1995, p. 37) Este ‘outro’, o português, europeu era o atraso, o vinculado aos sistemas de governo não democráticos, opressores e racistas, não respeitavam outras religiosidades, culturas e costumes. Estes portugueses desconheciam a tolerância a diversidade étnico-cultural em que viviam os povos indígenas brasileiros. Além de estabelecerem conflito e aprofundar alguns já existentes, entre os distintos povos indígenas que aqui viviam, trouxeram a obrigatoriedade de todos seguirem a língua do rei de Portugal, bem como sua religião, mexendo profundamente nas diversas culturas, línguas, cosmologias e religiosidade de tantos e distintos povos. Outro agente poderoso de tal projeto colonizador, era o padre jesuíta que desconhecia culturas e religiosidades próprias dos povos que encontrou aqui no Brasil, a partir do século XVI. Era a Igreja católica, com seu braço repressivo, o Santo Ofício. Ouvindo denúncias e calúnias Educação das Relações Étnico-Raciais40 na busca de heresias e bestialidades, julgava, condenava, encarcerava e até queimava vivos os mais ousados. (RIBEIRO, 1995, p. 37) Isso havia sido arquitetado ainda no século XV, anterior a chegada de qualquer português ao Brasil, e prossegue firme, nestes tempos em que vivemos, no século XXI, com outros projetos evangelistas. Veja o que escreveu o papa em 1954: Não sem grande alegria chegou ao nosso conhecimento quenosso dileto filho infante D. Henrique, incendido no ardor da fé e zelo da salvação das almas, se esforça por fazer conhecer e venerar em todo o orbe o nome gloriosíssimo de Deus, reduzindo à sua fé não só os sarracenos, inimigos dela, como também quaisquer outros infiéis. (Papa Nicolau V, 1454, p. 01) Isso atingirá os modos de produção artística no Brasil colonial. Gandon (1997) explicou que: os jesuítas procuraram adaptar a arte europeia ao contexto cultural dos índios brasileiros. Escrevendo em 1585, o padre Anchieta relatava que numa das três missões de índios cristãos livres, situadas na costa norte da Bahia - Espírito Santo, São João e Santo Antonio - os padres ensinavam os índios a cantar, e tem seu coro de canto e flautas para suas festas, e fazem suas danças à portuguesa com tamboris e violas, com muita graça, como se fossem meninos portugueses, e quando fazem estas danças põem uns diademas na cabeça de penas de pássaros de várias cores, e desta sorte fazem também os arcos, empenam e pintam o corpo. Desde o século XVI, os jesuítas se serviam também dos autos -forma teatral de uma trama popular, com cantos e danças - como elemento eficaz da catequese. É bastante provável que, desde então, personagens representativos dos indígenas figurassem nestas peças, encenadas sobretudo no ciclo natalino. (GANDON, 1997, p. 156/157) Isso trouxe uma popularização de tais autos, para eles afluíram as populares danças dramáticas, apresentadas nas portas das igrejas coloniais brasileiras. Anos mais tarde, os africanos chegaram e novos Educação das Relações Étnico-Raciais 41 elementos foram embutidos, dentro das manifestações artísticas populares do Brasil. Algumas pessoas, nesta altura da história do Brasil, em pleno século XXI expressam seus preconceitos com relação a este outro, o indígena. Odeiam, sem sequer conhecerem. Movidos por algum motivo relacionado ao tom da pele, etnia, ao fato de alguns povos estarem empobrecidos, de não apreciar qualquer outra estética diferente da sua própria classe social, da sua própria cidade ou identificações étnicas, ou por falarem línguas que não são aquelas deixadas pelos colonizadores. Diante das diferenças entre os brasileiros não-indígenas para reconhecer os ‘outros’, para conhecer aqueles desconhecidos brasileiros indígenas, é necessário cuidar das informações. Gersem Baniwa, é indígena brasileiro, pertence ao Povo Baniwa, do Alto do Rio Negro, é antropólogo, trabalhou no Ministério da Educação, e atua como Assessor Técnico do Fórum de Educação e Saúde Indígena do Amazonas – FOREEIA. Ele professor doutor adjunto da Universidade Federal do Amazonas - UFAM. Com ele é possível você aprender sobre a realidade de um povo indígena do Brasil. Mas é importante relativizar que tais conhecimentos são apenas do povo Baniwa. Cada povo indígena, ontem e hoje, vai ter seus saberes culturais distintos. Gersem Baniwa esclarece que estes ‘outros’, os povos indígenas, não ficam felizes ao serem: enquadrados pelas lógicas academicistas que alimentam e sustentam os processos de reprodução do capitalismo individualista, que tem gerado uma sociedade cada vez mais em retorno à civilização da barbárie e da selvageria, por meio da violência, da exploração econômica desumana, do império da lei do mais rico e dos que tem poder político à base de democracias das elites econômicas e políticas. Os povos indígenas gostariam de compartilhar com o mundo, a partir da universidade, seus saberes, seus valores comunitários, suas cosmologias, suas visões de mundo e seus modos de ser, de viver e de estar no mundo, onde o bem viver coletivo é a prioridade (BANIWA,2012, p. 3) Educação das Relações Étnico-Raciais42 Indagado sobre a sua cultura e a sua história e de seu Povo Indígena Baniwa, como um sujeito que faz parte de um grupo que lida com o conhecimento em que se ensina o que se vive, Gersem Baniwa esclarece que entre os Baniwa uma lição que se aprender cedo, com os pais e antepassados é que só se ensina o que se vive. Ensinar é viver. Tais ensinamentos advém da antiga filosofia da vida cósmica do povo Baniwa, que sempre evitou separar teoria e prática, observação e vivência. Neste século XXI, é possível ler a literatura feita por alguns indígenas publicada. Ressalta-se a presença de um escritor do Povo Munduruku, que vivem no estado do Pará, na Amazônia, autor das seguintes obras: Histórias de índio, coisas de índio e As serpentes que roubaram a noite. Ele foi laureado pela UNESCO, com uma Menção honrosa no Prêmio Literatura para crianças e Jovens na questão da tolerância, com a obra Meu avô Apolinário. Conheça um trecho da obra: E foi ouvindo as histórias que meu avô contava que percebi o que os povos tradicionais podiam oferecer à cidade. […] E isso me dá um álibi para usar as narrativas míticas para falar às pessoas com a mesma paixão com que o velho falava comigo. Acho que foi assim que surgiu em mim o interesse de narrar histórias para ajudar as pessoas a olharem para dentro de si mesmas, compreenderem sua própria história e aceitá- la amorosamente (MUNDURUKU, 2009, p. 14-16) Outros renomados indígenas escritores são David Kopenawa, do Povo Indígena Yanomami, com livro publicado. Ailton Krenak, do povo Krenak, de Minas Gerais, militante no Movimento Indígena Brasileiro, também já publicou. Outro escritor indígena é Carlos Haki’y, da liderança importante do tuxawa Crispim de Leão, importante liderança do Povo Sateré, Guerra da Cabanagem. Do Povo Indígena Potiguar, da paraíba, destaca-se a escritora Eliane Potiguar, vivendo e publicando no Rio de Janeiro, escreveu o livro Autora Metade cara, metade máscara. O Povo Indígena conta com um escritor destacada e conhecido é Olívio Jekupé, com diversos livros escritos. Ele é da aldeia Kurukutu, em São Paulo. Tal vigorosa e rica literatura precisa chegar às escolas e ser do conhecimento das crianças e adolescentes. Educação das Relações Étnico-Raciais 43 Figura 3: Guerrilhas de Rugendas Fonte: Freepik Apostando em que na vida trata-se de experimentar o mundo, tanto materialmente, como cognitivamente, afetivamente e espiritualmente. Assim, a pedagogia Baniwa busca educar através da observação, da experimentação e dos exemplos. Os adultos ensinam as crianças Baniwa a observar, experimentar e seguir todos os bons exemplos. Isso é viver. Já vão longe os tempos coloniais e persistem as visões equivocadas sobre os povos indígenas que sobreviveram aos 500 anos de colonização em processo até hoje. Esta é a opinião do movimento indígena brasileiro em seus documentos em que denunciam as situações de desrespeitos aos marcos legais que os colocaram, nas primeiras décadas do século XXI, em situações reparadoras dos mais cruéis tratamentos do estado brasileiro, a partir de abril de 1500. Educação das Relações Étnico-Raciais44 SAIBA MAIS Quer se aprofundar neste tema? Recomendamos o acesso à seguinte fonte de consulta e aprofundamento: Artigo: Conheça os Povos Indígenas Brasileiros. No site é possível visualizar os nomes de todos, na opção ‘mostrar todos’. Ou, ainda, navegar pelo site com duas outras opções: Por estado (Unidade da Federação) ou por família linguística, lendo sobre os diversos povos indígenas do Brasil. Disponivel: http://bit.ly/38VMoxN Ao final desta leitura, você será capaz de reconhecer contos de fadas renovados. Sendo capaz de distingui-los dos contos tradicionais, por estar esclarecido para você que os contos de fadas renovados narram histórias, com elementos dos contos tradicionais, renovando-os. Nomeando o Outro: Os Povos Indígenas na Sociedade Brasileira, as Relações Raciais, Contribuições dos Povos Indígenas nas Artes Brasileiras e Resistência Indígena no Brasil Nomeando o outro, os povos indígenas na sociedade brasileira, as relações raciais, contribuições dos povos indígenas nas artes brasileirase resistência indígena no brasil, trará uma nova e verdadeira visão sobre a gigantesca contribuição indígena à história e cultura brasileiras. Naquele fatídico momento da chegada dos portugueses, os povos tupy, que viviam ali no litoral apreenderam aquela chegada do europeu como um acontecimento espantoso, só assimilável em sua visão mítica do mundo. Seriam gente de seu deus sol, o criador ‐ Maíra ‐, que vinha milagrosamente sobre as ondas do mar grosso. Este ser sobrenatural Maíra ou Mahyra. Ele é a personagem central de um equívoco que data de cinco séculos: no século XVI, os jesuítas procuraram descobrir uma entidade sobrenatural que http://bit.ly/38VMoxN Educação das Relações Étnico-Raciais 45 pudesse ser comparada ao Deus cristão a fim de facilitar a catequese. Representeando um dos primeiros equívocos dos portugueses com relação as cosmologias indígenas, as suas culturas e religiosidades, O Padre Manoel de Nóbrega teria escolhido usar a representatividade de Maíra e de outros deuses aos seus propósitos evangelizadores e colonizadores. E tudo indica que foi Nóbrega quem fez a escolha: ‘Esta gentilidade nenhuma coisa adora, nem conhece Deus, somente aos trovões chamam de Tupane; que é como quem diz coisa divina. E assim nós não temos outro vocábulo mais conveniente para os trazer ao conhecimento de Deus, que chamar-lhe Pai Tupane’. Não há dúvida que a adoção dessa palavra, com esse sentido, constituiu em mais uma dificuldade para as missões jesuíticas. (LARAIA, 2005, p.11) Chegando na costa brasileira, descendendo das embarcações, foram pensados como seus deuses e com bondade. Só poderiam estar chegando da morada dos deuses e dos ancestrais. Utilizamos a palavra ‘céu’ para indicar o local onde vivem as almas dos antepassados e o herói mítico e principal ancestral, Mahyra. Povos Indígenas como os Suruís e os Assurinis declararam que estaria localizado em uma região por cima das nuvens. Os Povos Originários tentaram explicar aqueles povos que chegaram com suas cosmologias. Dando-lhes um lugar entre os seus mais sagrados e cultuados seres espirituais. Com o tempo será possível entender que não eram deuses os portugueses. E nem viriam de uma Terra sem Males, não tendo, ainda as melhores intenções com relação aos povos que encontraram. Ainda não sabiam o que os esperavam, diante dos planos dos colonizadores com relação aos verdadeiros donos da terra, os povos indígenas. Não havia como interpretar seus desígnios, tanto podiam ser ferozes como pacíficos, espoliadores ou dadores. Os povos indígenas entendiam, à primeira vista, como eles próprios se comportavam e eram. Assim, estes estrangeiros só poderiam ser boas pessoas, pensaram os povos que viviam no litoral. Assim pensavam estes ameríndios, parte dos povos originários da América, além de muitos outros povos. Mesmo porque, no seu mundo, mais belo era dar que receber. Ali, ninguém jamais espoliara ninguém e a pessoa Educação das Relações Étnico-Raciais46 alguma se negava louvor por sua bravura e criatividade. Era ainda uma Terra sem males e sem governos tiranos, com hospitalidade. Além disso, julgavam os povos indígenas tupy que viviam no litoral, que os portugueses ao sair do mar, eram apenas feios, fétidos e infectos. Não havia como negá‐lo. É certo que, depois do banho e da comida, melhoraram de aspecto e de modos. Tais povos indígenas não entenderam, ainda, as razões que levavam os portugueses a agirem com tanta aflição. Tanta ganância com as toras de Pau-Brasil que apressadamente recolhiam. Não agiam de modo nenhum com a semelhança marca destes povos originários, na base do dom e contra dom, não buscavam nas relações com os povos indígenas reciprocidades e correntes contínuas de doações. Deste modo agiam e ainda agem muitos povos indígenas brasileiros. Eles não precificavam (colocavam preços) nos objetos que doavam aos portugueses. Os valores seriam implícitos aos objetos e ações. Isso era e é oposto a nascente e atuante economia do mercado qualificada por trocas diretas, daqueles bens e de serviços. Por que se afanavam tanto em seus fazimentos? Por que acumulavam tudo, gostando mais de tomar e reter do que de dar, intercambiar? Sua sofreguidão seria inverossímil se não fosse tão visível no empenho de juntar toras de pau vermelho, como se estivessem condenados, para sobreviver, a alcançá-las e embarca‐las incansavelmente? (RIBEIRO, 1995, p. 45) 500 anos de colonização não apagou aquilo que o antropólogo Mauss (2003) chamou de Economia do Dom, descrevendo em sua escrita sobre as pesquisas em sociedades primitivas, em comunidades antigas e indígenas no mundo. Assim, a cultura trazida pelos portugueses poderia operou bem mais males que bênçãos. Os anos que se seguiram foram de resistências contra todas as táticas dos colonizadores para apoderar-se de suas terras, trazendo suas próprias leis e criando uma visão imposta, unificadora, injusta, cruel, mentirosa, desapropriadora, enquanto produziam explicações irreais sobre os nodos de viver, dos mais diversos povos indígenas. Educação das Relações Étnico-Raciais 47 Os anos passaram e os Povos Indígenas que escaparam deste grande projeto colonizador europeu, iniciado no século XVI, não aniquilaram totalmente as suas integradas culturas e permanecem vivas, nas distintas Culturas Indígenas, no Brasil atual. As culturas andam de braços dados com as cosmologias diferenciadas do ‘outro’ descendente do colonizador e de ‘outros’ povos indígenas. Cada povo indígena apesenta seus próprios modos culturais e suas epistemologias, cosmologias, modos de produzir e repassar conhecimentos. Um exemplo disso foi dado por um destes povos, que vive na Bahia. O Povo Pataxó esclarece que até mesmo a matemática, uma ciência tão exata, tão ocidentalmente posta, está vinculada a relação como eles percebem o mundo, as visões de mundo dos Pataxós. É possível aprender com o mundo a matemática, assim somar, a operação da adição funciona: Eu vou te dizer. Por exemplo, quando o cipó se abraça a uma árvore, ele está fazendo a adição do amor. E isso quer dizer que ele se abraçou para fazer um só corpo. A árvore e o cipó se abraçaram para se tornar em um só corpo. Quer dizer que um pertence a dois e dois pertence a um. Formaram um corpo só, fizeram a adição do amor. E fizeram isso para sobreviver um ao outro. Tem planta que precisa da outra para sobreviver. Então isso é matemática. E também a matemática faz igualar tudo na natureza. O amor da Natureza iguala tudo. Quer dizer que se tem um amor na Natureza, sempre vai ter espaço para mais uma planta que vier. Vamos dizer que dá uma fruteira aqui e ali amadurece as frutas e uma paca vai lá e come uma fruta, lá adiante ela deixa o caroço. Lá nasce. Pode, tá cheio, mais ali sempre vai haver ali a Natureza, ela tá com o coração dela aberto. A Natureza tem o coração de mãe, sempre na casa dela, sempre cabe o lugar para mais um. Isso é matemática e isso é valor (ROCHA; D'URÇO 2008, p. 1) Os povos indígenas, ontem e hoje, dançam para comemorar atos, ocorrências e fatos relativos às vidas e as mais diversas tradições, que não são únicas, mas particulares, indistintas para os vários Povos Educação das Relações Étnico-Raciais48 Indígenas brasileiros. Existem danças para a preparação da guerra e ao regressar de batalhas, para comemoração algum cacique, as safras, do amadurecer das frutas, por ótimas pescarias e para festejar a puberdade das meninas, ou para homenagear seus mortos e ancestrais. É possível dançar para afastar as doenças, as epidemias e muitos flagelos. Tais linguagens dos corpos indígenas, em movimentos nas suas danças, suas organizações estéticas, desde as pinturas corporais (usando uma fruta chamada jenipapo ou o urucum, na região tocantina maranhense, que também serve para colorir a comida) às ricas coreografias, passando pelos
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