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A pedagogia da leitura-análise de material didático na perspectiva da educação linguistica

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Prévia do material em texto

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 
PUC-SP 
 
 
 
 
 
Ana Terra Reis de Grammont 
 
 
 
A Pedagogia da Leitura: análise de material didático na 
perspectiva da Educação Linguística 
 
 
 
Mestrado em Língua Portuguesa 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
2012 
 
 
2 
 
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 
PUC-SP 
 
 
 
 
 
Ana Terra Reis de Grammont 
 
 
 
A Pedagogia da Leitura: análise de material didático na 
perspectiva da Educação Linguística 
 
 
 
 
Mestrado em Língua Portuguesa 
 
Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia 
Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial 
para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa, 
sob orientação da Professora Doutora Dieli Vesaro Palma. 
 
 
São Paulo 
2012 
 
3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Banca examinadora 
 
 
_____________________________________________ 
Profª. Drª. Dieli Vesaro Palma 
_____________________________________________ 
Profª. Drª. Nílvia Therezinha da Silva Pantaleoni 
_____________________________________________ 
Prof. Dr. José Everaldo Nogueira Junior. 
 
 
 
4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Aos meus pais, 
Julio de Grammont [In memórian] e Leila Reis 
 
 
 
5 
 
 
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS 
 
À minha mãe, 
por ter acreditado em mim e pelo suporte 
psicológico, emocional e material, 
imprescindível para a finalização deste 
trabalho. 
Ao Vitor, 
pelo amor, cumplicidade e muito 
companheirismo. Pela paciência e conforto nos 
momentos em que mais precisei. 
À Lua, minha irmã, 
pelo apoio, a amizade e pelo interesse que 
demonstrou pelo trabalho. 
À família e queridos amigos, 
que tiveram muita paciência e compreensão 
pela minha ausência. 
 
 
6 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Agradeço à Profª. Drª. Dieli Vesaro Palma, quem eu escolhi para ser minha 
orientadora por ter, em primeiro lugar, acreditado em meu trabalho, por ter me 
orientado com valiosas sugestões e correções realizadas no decorrer do processo. 
Pela paciência, apoio e carinho dedicados à minha pesquisa. 
Ao Prof. Dr. José Everaldo Nogueira Junior, que vem me acompanhando 
desde a graduação, pelas preciosas contribuições na fase da qualificação e, em 
especial, pelo incentivo para seguir com meus estudos e entrar no mestrado. 
À Profª. Drª. Nílvia Pantaleoni, por quem também tenho muito carinho desde 
a graduação e cujas contribuições melhoraram meu trabalho na qualificação e que 
me ajudaram a chegar até aqui. 
À minha eterna professora, a Profª Drª Valeuska França Cury Martins, que 
me acompanha desde a graduação e sempre me acolheu nos momentos em que 
mais precisei. Sem ela, sem dúvida, eu não teria chegado até aqui. 
Agradeço imensamente à Vivian Aparecida Leite da Silva e ao Flávio Dreger 
da Silva, por todo suporte que me deram no decorrer desse processo. Pela 
paciência, lealdade carinho e disposição com que me ajudaram sempre que 
precisei. 
À Christiane Gally, por todo apoio que me deu desde que nos conhecemos, 
na pós-graduação. Por ter se disposto a revisar este trabalho, mesmo com pouca 
disponibilidade de tempo, e ter feito o possível e impossível para fazê-lo. 
Ao Guilherme Xavier da Silveira Viana, meu amigo, que se dispôs a fazer a 
tradução do resumo deste trabalho em cima da hora e, principalmente, pela 
lealdade com que sempre me tratou. 
 
 
 
7 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Quem não lê não sabe o que está 
perdendo, pois a leitura dá um sentido 
espiritual à vida, abre horizontes, dá uma 
visão melhor e mais ampla do mundo e da 
sociedade em que vivemos, estimula a 
imaginação e o sonho, cria possibilidades 
antes impensadas de reivindicar mudanças 
em nossa sociedade, corrigindo as injustiças 
sociais e políticas que nos afligem.” 
José Mindlin 
 
8 
 
A Pedagogia da Leitura: análise de material didático na perspectiva da 
Educação Linguística 
 
 
Ana Terra Reis de Grammont 
 
Resumo 
“A pedagogia da leitura: análise de material didático na perspectiva da 
Educação Linguística” é o resultado de uma investigação realizada de 2009 a 2012, 
situada na linha de pesquisa “Leitura, Escrita e Ensino de Língua Portuguesa” do 
Programa de Estudos de Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de 
São Paulo. Foi orientada pela Profª. Drª. Dieli Vesaro Palma, líder do Grupo de 
Pesquisa em Educação Linguística para o Ensino de Português – GPEDLINP, da 
PUC-SP – da PUC-SP. 
A presente pesquisa objetivou analisar, pela perspectiva da Educação 
Linguística, de que forma o livro didático trabalha a pedagogia da leitura, com a 
finalidade de responder às perguntas: 
1. Qual o modelo de leitura que subjaz à proposta do LD? 
2. De que forma os autores tentam acionar o conhecimento prévio dos 
aprendentes? 
Para a análise, fazemos uso da pesquisa interpretativista crítica, que está 
inserida no paradigma qualitativo de pesquisa, com o intuito de analisar os 
exercícios de compreensão e interpretação de texto, do livro didático de Língua 
Portuguesa, do 6º ano do Ensino Fundamental II, da coleção didática Português – 
Linguagens, dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães. 
Concluímos que as questões propostas fundamentam-se no modelo interativo 
de leitura, de base cognitiva, embora haja a predominância do modelo ascendente 
(bottom-up), em comparação ao descendente (top-down) (KLEIMAN, 2008 e KATO, 
1990). Os autores tentam ativar os conhecimentos prévios dos leitores-aprendentes 
por meio das perguntas de interpretação, além de destinarem uma seção de cada 
unidade com esta finalidade. 
Assim, consideramos ter atingido satisfatoriamente os nossos objetivos, a 
saber: 
1. Constatar qual o modelo de leitura que subjaz a proposta do LD analisado. 
2. Analisar de que forma os autores tentam acionar o conhecimento prévio dos 
aprendentes. 
 
 
Palavras-chave: Ensino de Língua Portuguesa. Gênero textual. Pedagogia da 
Leitura.Educação Linguística. Livro Didático. 
 
 
9 
 
Reading pedagogy: schoolbook analysis under the Linguistic Education perspective 
 
Ana Terra Reis de Grammont 
 
Abstract 
 
 Reading pedagogy: schoolbook analysis under the Linguistic Education 
perspective is the outcome of an investigation carried out from 2009 to 2012 
following the “Portuguese language reading, writing and teaching” research track 
from the Portuguese Language Studies Program from the Pontific Catholic University 
of São Paulo, guided by Prof., Dr. Dieli Vesaro Palma, PUC-SP Linguistic Education 
for Portuguese Teaching research group leader – PUC-SP GREDLINP-. 
 The following research has intended to analyze it under the Linguistic 
Education perspective in what way the schoolbook explores the reading pedagogy so 
the following questions can be answered: 
1. What is the reading model which rests under the schoolbook? 
2. How do the authors try to awake the learners´ previous knowledge? 
So the analysis is done we have used the critic interpretative research, which lies in 
the 
research qualitative paradigm, aiming for analyzing the Portuguese Language 
schoolbook text interpreting and comprehension exercises of the Fundamental 
School II 6th grade from school collection Portuguese – Languages, featuring 
William Roberto Cereja and Thereza Cochar Magalhães as authors. 
 We conclude that the cognitive reading model awakened by the questions 
was interactive, although the majority is bottom-up, contrasting with the top-down 
(KLEIMAN, 2008 and KATO, 1990). The authors try to awake the readers-learners´ 
previous knowledge through the interpreting questions, besides saving a section in 
each unity for this purpose. 
 Therefore, we consider achieving satisfactory our goal: 
1. Discovering what reading model rests under the proposal of the analyzed LD. 
2. Analyzing how the authors try to awake the learners´ previous knowledge. 
 
 
 
 
 
 
 
Keywords: Portuguese LanguageTeaching. Text Gender. Reading Pedagogy. 
Linguistic Education. Schoolbook. 
 
 
10 
 
Sumário 
Introdução ................................................................................................................... 12 
 
Capítulo I. Educação Linguística................................................................................. 20 
1.1. Perspectiva de Educação: prática da liberdade .................................... 20 
1.2. Conceito de EL....................................................................................... 35 
1.2.1. Dimensões Linguísticas............................................................... 41 
1.2.1.1. Linguagem................................................................... 41 
1.2.1.2. Língua, Norma e Uso (Variedade linguística)............. 42 
1.2.1.3. Gêneros Textuais........................................................ 47 
1.2.1.4. Texto........................................................................... 52 
1.2.2. Dimensões pedagógicas............................................................. 54 
1.2.2.1. Transposição Didática................................................. 54 
1.2.2.2. Contrato Didático......................................................... 56 
1.2.2.3. Situações Didáticas..................................................... 57 
1.2.2.4. Obstáculo Epistemológico........................................... 61 
1.2.2.5. Registros de Representação....................................... 64 
1.2.2.6. Teoria dos Campos Conceituais................................. 65 
1.2.2.7. Engenharia Didática.................................................... 67 
 
Capítulo II. A Pedagogia da leitura.............................................................................. 71 
2.1. O que é ler? Para que ler?..................................................................... 72 
2.2. Paradigmas de leitura e suas respectivas abordagens.......................... 76 
2.2.1.1. Paradigma Tradicional...................................................... 77 
2.2.1.2. Abordagem Tradicional..................................................... 77 
2.2.2. Paradigma Cognitivista................................................................ 80 
2.2.2.1. Abordagem Cognitivista.................................................... 82 
2.2.2.1.1. Modelo ascendente (Bottom-up) de leitura............ 86 
2.2.2.1.2. Modelo descendente (Top-down) de leitura.......... 87 
2.2.2.1.3. Modelo interativo de leitura.................................... 87 
2.2.2.1.4. Estratégias de leitura.............................................. 89 
2.2.2.2. Abordagem Interacional.................................................... 90 
2.2.3. Paradigma Sociocultural.............................................................. 91 
2.2.3.1. Abordagem da leitura como prática social........................ 92 
2.2.3.2. Eventos e práticas sociais de leitura................................. 94 
2.2.3.3. O Pensar Alto em Grupo (PAG)........................................ 95 
2.3. A leitura no ambiente escolar: formação de leitores............................... 95 
2.3.1. Gêneros Textuais na escola: sequências didáticas..................... 104 
 
11 
 
2.3.2. O livro didático (LD)................................................................. 106 
Capítulo III. Metodologia e Análise.......................................................................... 110 
3.1. Contextualizando a pesquisa.............................................................. 110 
3.2. O paradigma qualitativo  x paradigma quantitativo............................. 111 
3.2.1. A pesquisa interpretativista crítica........................................... 115 
3.2.2. Análise documental................................................................. 115 
3.2.2.1. Contexto ............................................................................ 117 
3.2.2.2. O autor ou os autores........................................................ 118 
3.2.2.3. A autenticidade e a confiabilidade do texto....................... 118 
3.2.2.4. A natureza do texto............................................................ 118 
3.2.2.5. Os conceitos-chave e a lógica interna do texto................. 119 
3.2.2.6. A análise............................................................................ 119 
3.3. Análise do corpus............................................................................... 119 
3.3.1. Análise preliminar.................................................................... 120 
3.3.1.1. Contexto............................................................................. 120 
3.3.1.2. Sobre os autores................................................................ 123 
3.3.1.3. Natureza do LD.................................................................. 124 
3.3.1.3.1. Descrição da coleção........................................ 124 
3.3.1.3.2. Análise da apresentação da coleçãoPortuguês: 
Linguagens – Ensino Fundamental.................. 133 
3.3.1.3.3. Análise das questões sobre leitura................... 134 
3.4. Discussão dos resultados................................................................... 151 
 
Considerações finais................................................................................................ 152 
Referências bibliográficas........................................................................................ 155 
 
 
 
 
 
 
 
 
12 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
A pedagogia da leitura: análise de material didático na perspectiva da 
Educação Linguística é o resultado de uma investigação realizada de 2009 a 
2012, situada na linha de pesquisa “Leitura, escrita e ensino de língua 
portuguesa” do Programa de Estudos de Língua Portuguesa da Pontifícia 
Universidade Católica de São Paulo, orientada pela Profª.Drª. Dieli Vesaro Palma, 
líder do Grupo de pesquisa em Linguística Funcional – PUC-SP1, GPeLF, do qual 
fazemos parte. 
A pedagogia da leitura aqui é vista pela perspectiva da Educação 
Linguística2, pois entende a Educação como um processo de ensino-
aprendizagem, onde a aprendizagem acontece por meio da troca entre os atores 
envolvidos, que tanto ensinam como aprendem. Com o fim apenas didático, a EL 
se divide em quatro pedagogias do ensino: a pedagogia do oral, da leitura, do 
escrito e do léxico-gramatical, destacando que “esta divisão se presta 
exclusivamente a um melhor detalhamento dos estudos, pois na prática de língua 
não é possível separarmos o ouvir do ler ou o conhecimento do funcionamento da 
língua do escrever”. (REGO, 2009: 23). 
 O nosso tema é a leitura do livro didático de língua portuguesa, destinado 
a estudantes do 6º ano: Português: Linguagens, dos autores William Roberto 
Cereja e Thereza Cochar Magalhães. Queremos descobrir como os exercícios de 
leitura são elaborados, pois, a partir deles, os professores desenvolvem as 
atividades em sala de aula a fim de formar leitores. A partir dessa pesquisa, 
levantamos questionamentos expressos pelas seguintes perguntas: 
1. Qual o modelo de leitura que subjaz à proposta do LD? 
2. De que forma os autores tentam acionar o conhecimento prévio dos 
aprendentes? 
                                                            
1 O GPeLF existe desde 2006 e tem como membros doutores, mestres, mestrandos e 
estudantes de pós-graduação, que se reúnem mensalmente para discutir obras que dizem 
respeito ao Ensino de Língua Portuguesa e à Educação linguística em sala de aula. 
2 Neste trabalho será referida por EL. 
 
13 
 
Esta pesquisa surgiu do nosso incômodo com a Educação, primeiramente, 
como sujeitos atuantes na sociedade e, em segundo lugar, como profissionais da 
área.Esse incômodo nos persegue desde a época em que éramos secundaristas 
e escolhíamos qual faculdade cursar. Quando decidimos ser professores, 
sentíamos que era a profissão que nos permitiria fazer diferença, contribuir paraa 
transformação do outro e da sociedade. Ainda sem saber o que ensinaríamos, 
demo-nos conta de que a base da transformação era a nossa língua. 
Essa sensibilização veio de um episódio, que vou descrever para efeito 
ilustrativo. Um dia, deparamo-nos com um senhor em frente a um caixa eletrônico 
de um banco, que segurava, em suas mãos, um envelope com uma quantia de 
dinheiro que tentava depositar sem conseguir, porque não sabia ler as instruções. 
Embora o tivéssemos ajudado, pensamos no que poderia ter acontecido caso 
aquele senhor tivesse cruzado em seu caminho com alguém que não tivesse 
boas intenções. 
O episódio nos fez refletir sobre o poder que o domínio da língua materna 
nos dá e o que a falta dele, nos tira. A história, a nosso ver, pode ilustrar a 
importância que o aprendizado de Língua Portuguesa tem em nossa sociedade 
letrada. 
O mais grave, e que nos preocupa, é saber que aquela situação não é 
exclusiva àquele homem. O Brasil é marcado pelo alto índice de analfabetismo 
funcional, aferido por diversos sistemas de avaliação. Crianças não sabem o que 
deveriam saber na idade em que se encontram e, mesmo assim, formam-se no 
Ensino Médio, sem o conhecimento mínimo para poder desenvolver-se 
intelectualmente e ter as mesmas oportunidades que uma pessoa plenamente 
alfabetizada. 
Há de se ressalvar a queda no índice de analfabetismo funcional nos 
últimos sete anos. “Esta evolução pode ser associada à crescente escolarização 
da população brasileira, que aumentou significativamente nas últimas décadas. A 
parcela de crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos frequentando a escola, por 
 
14 
 
exemplo, praticamente se universalizou, graças ao maior acesso e permanência 
na escola.”3 
Mas, mesmo assim, a situação é preocupante, pois, segundo a última 
pesquisa do INAF (Indicador de Alfabetismo Funcional), estudo realizado pelo 
IBOPE com base na metodologia desenvolvida em parceria entre o Instituto Paulo 
Montenegro – responsável pela atuação social do IBOPE – e a ONG Ação 
Educativa, 25% da população brasileira é alfabetizada rudimentarmente, ou seja, 
“corresponde à capacidade de localizar uma informação explícita em textos curtos 
e familiares (como um anúncio ou pequena carta), ler e escrever números usuais 
e realizar operações simples, como manusear dinheiro para o pagamento de 
pequenas quantias ou fazer medidas de comprimento usando a fita métrica.Os 
dados consolidados do período de 2001 a 2007 confirmam que quanto maior o 
nível de escolaridade, maior a chance do indivíduo atingir bons níveis de 
alfabetismo.”4 
Essa percepção levou-nos a cursar a Faculdade de Letras. Ao iniciar nossa 
experiência em sala de aula como professores, vimos que o desafio era maior do 
que esperávamos: era necessário muito mais do que superar a falta de 
experiência e a formação cheia de lacunas tanto na Educação Básica como no 
Ensino Superior. O grande desafio era conseguir realizar um trabalho eficiente, no 
qual acreditamos, apesar da instituição escolar, de caráter fortemente 
conservador. A EL destaca o papel de um professor reflexivo, com uma formação 
que lhe dê suporte para trabalhar de forma autônoma e fazer do livro didático 
mais um instrumento para alcançar seu maior objetivo é educar. 
Devemos oferecer atividades de ensino/aprendizagem que permitam aos 
alunos se preparar para suas vidas – presente e futura – dentro de uma 
sociedade com uma determinada forma de cultura. Em relação à língua como 
forma de atuação social e/ou exercício de cidadania, permite-nos afirmar que ela 
tem uma relação direta com a qualidade de vida de nossos alunos. 
                                                            
3http://www.ipm.org.br/ipmb_pagina.php?mpg=4.02.01.00.00&ver=por&ver=por, acessado em 24 
de abril de 2012. 
4http://www.ipm.org.br/ipmb_pagina.php?mpg=4.02.01.00.00&ver=por&ver=por, acessado em 24 
de abril de 2012. 
 
15 
 
A EL seria o conjunto de atividades de ensino/aprendizagem, formais ou 
informais, que levam uma pessoa a conhecer o maior número de recursos da sua 
língua e a ser capaz de usar tais recursos de maneira adequada para produzir 
textos a serem usados em situações específicas de interação comunicativa para 
produzir efeito(s) de sentido pretendido(s). 
Ela permite saber as condições linguísticas da significação e, portanto, da 
comunicação, uma vez que só nos comunicamos, quando produzimos efeito de 
sentido entre nós e nossos interlocutores. A EL deve, então, possibilitar o 
desenvolvimento do que a Linguística tem chamado de competência 
comunicativa, entendida aqui como a capacidade de utilizar o maior número 
possível de recursos da língua de maneira adequada a cada situação de 
interação comunicativa. 
A EL, portanto, trata de ensinar os recursos da língua e as instruções de 
sentido que cada tipo de recurso (e cada recurso em particular é capaz de por em 
jogo na comunicação) se apresenta por meio de textos linguísticos. 
Evidentemente, todos na sociedade, começando pela família e pela escola a 
seguir, devem trabalhar a EL. O meio em que a criança vive e convive será o 
responsável por seu aprendizado linguístico. 
O fim essencial da EL deve ser a discussão de como cada tipo de recurso 
da língua pode significar dentro de um texto. Ao mesmo tempo, deve utilizar, 
neste contexto de ensino/aprendizagem, a metalinguagem e as teorias 
linguísticas/ gramaticais. Do ponto de vista da comunicação, é preciso alertar as 
pessoas para a questão da variedade linguística: os dialetos e registros que toda 
língua possui. Mesmo sendo igualmente válidas, essas variedades são rotuladas 
por uma sociedade que estabelece uma espécie de etiqueta social para o uso da 
língua e valoriza mais ou menos certas formas linguísticas. 
Quase sempre essa etiqueta social – norma de uso que configura o que se 
tem chamado de gramática normativa – não é calcada em critérios linguísticos, 
mas nas razões de prestígio social (econômico, político, cultural). Assim a EL 
deve alertar para a existência das variedades linguísticas, suas características, e 
quão adequado é o seu uso. A EL formal, ou seja, a aprendida na escola, é a 
 
16 
 
responsável quase sempre pela aquisição da variedade escrita da língua, em 
oposição à variedade falada. 
A EL na escola deve começar na pré-escola e estender-se até a 
Universidade, que tem como incumbências: 
a. produzir o conhecimento linguístico necessário para subsidiar um bom 
trabalho de educação linguística; 
b. formar profissionais competentes que sejam responsáveis diretos 
(professores de Português e de Literatura) ou indiretos (professores de 
outras disciplinas) pela educação linguística; 
c. desenvolver a competência comunicativa dos profissionais de qualquer 
área que forme, tendo em vista que a competência comunicativa é 
componente essencial à formação de bons profissionais em qualquer área; 
d. ajudar a estabelecer na sociedade a consciênciada importância da 
educação linguística, de tal forma que as pessoasentendam sua essencial 
correlação com a possibilidade de ser cidadãos de primeira categoria, de 
viver bem e com mobilidade dentro da sociedade. E que desejem e 
busquem, como um direito seu, uma boa formação linguística. 
A partir do que apresentamos e das perguntas elaboradas na 
problematização deste trabalho, nosso objetivo é 
1. constatar qual o modelo de leitura que subjaz a proposta do LD 
analisado; 
2. analisar de que forma os autores tentam acionar o conhecimento 
prévio dos aprendentes. 
Na fundamentação, buscamos apresentar, primeiramente, o que a EL 
concebe como Educação. Para tanto, buscamos autores como Paulo Freire 
(1989, 1996 e 2005), Alicia Fernández (1991, 2001a, 2001b e 2012), Roberto 
Freire (1987, 1988, 2006) e Sara Paín (2008 e 2009), pois esses educadores 
acreditam na educação como prática da liberdade, ou seja, uma educação que, 
em vez de servir à dominação e à preservação do sistemapolítico-econômico 
vigente e de inibir a criatividade das pessoas, seja transformadora. Uma 
educação que favoreça o desenvolvimento de sujeitos, de pessoas críticas, 
 
17 
 
capazes não só de interferir e de transformar a realidade em que vivem, mas 
também que sejam capazes de lutar por uma vida autêntica, autônoma e 
autorregulada, a fim de exercerem sua cidadania plena, com liberdade. Paulo 
Freire (1989: 88) assegura que queremos “uma educação para decisão, para a 
responsabilidade social e política.” 
A Educação Linguística abrange duas dimensões: a linguística e a 
pedagógica. Para fundamentá-las, partirmos da linguística textual, sociolinguística 
e da análise do discurso para trazer definições e conceitos, como texto, 
linguagem, variedades linguísticas e gêneros textuais, ancorados nos referenciais 
teóricos contidos nas obras de Bechara (2006), Palma, Turazza & Nogueira Júnior 
(2008),Lomas (2003), Travaglia (2008) e Antunes (2003 e 2009). 
Em seguida, tratamos de conceitos, também utilizados na educação 
matemática, como a transposição didática referente à adequação que 
determinado saber a ser ensinado será submetido para que possa ser aprendido 
da melhor forma pelo estudante. Focalizaremos também o contrato didático, que 
deve ser articulado entre as partes diretamente relacionadas no processo de 
ensino-aprendizagem para que ele seja possível. Depois, veremos as situações 
didáticas que caracterizam a situação em que esse processo se dará e também 
alertaremos o professor para tomar cuidado com os obstáculos epistemológicos 
que poderá encontrar no caminho para, no lugar de ensinar, não confundir ainda 
mais seus aprendentes. Finalmente, abordaremos os registros de representação, 
as teorias dos campos conceituais e de engenharia didática. 
Nossos referenciais teóricos da pedagogia da leitura, em que discutiremos 
os paradigmas de leitura e as suas respectivas abordagens, fundamentaram-se 
em Kleiman (2008),Solé (1998), Smith (1988 e 1999), Bloom (1983), Queiróz 
(2009), Marcuschi (2007), Bezerra (2010), Antunes, (2003, 2009). 
Este trabalho estrutura-se da seguinte maneira: 
No primeiro capítulo, apresentaremos a Educação Linguística (EL) e sua 
dupla dimensão: a Pedagógica – cuja fundamentação encontra-se nas obras de 
Paulo Freire (1989, 1996 e 2005), Alicia Fernández (1991, 2001a, 2001b e 2012), 
Roberto Freire (1987, 1988, 2006) e Sara Paín (2008 e 2009) – momento em que 
 
18 
 
descreveremos como se dá o processo de aprendizagem, individual e 
socialmente, entre o ensinante e o aprendente – lembrando do papel importante 
da família e da escola no processo; e a Linguística. 
No segundo capítulo, desenvolveremos o conceito de pedagogia da leitura 
e apresentaremos uma reflexão sobre o que é ler. Em seguida, focalizaremos a 
leitura na visão dos paradigmas tradicional, cognitivo e sociointeracional. Pelo 
paradigma cognitivo da leitura, abordaremos os três modelos cognitivos e as suas 
estratégias. Por fim, trataremos do desenvolvimento de leitura na escola e da 
formação de leitores baseando-nos em Solé (1998), Smith (1988, 1999), Kleiman 
(2008), Bloom (1983), Queiróz (2009), Marcuschi (2007), Bezerra (2010), 
Antunes, (2003, 2009). 
Por fim, apresentaremos a metodologia e análise do corpus. Analisaremos 
o livro didático de língua portuguesa, destinado a estudantes do 6º ano: 
Português: Linguagens, dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar 
Magalhães. Na primeira parte, contextualizaremos a pesquisa, retomando as 
perguntas deste trabalho e os seus objetivos. Em seguida, apresentaremos o 
paradigma qualitativo e focaremos na pesquisa interpretativista, depois 
esclareceremos os aspectos da análise documental. 
Na segunda parte, realizaremos a análise do corpus, que consiste na 
descrição da coleção de que o Livro Didático (LD) faz parte para, posteriormente, 
analisarmos a apresentação da coleção e, por fim, fazemos a análise dos 
exercícios voltados para a compreensão e a interpretação de leitura. Para 
finalizar, discutiremos os resultados da análise. 
Nas considerações finais, respondemos às perguntas elaboradas na 
problematização. As questões propostas fundamentam-se no modelo interativo de 
leitura, de base cognitiva, embora haja a predominância do modelo ascendente 
(bottom-up), em comparação ao descendente (top-down) (KLEIMAN, 2008 e 
KATO, 1990). Os autores tentam ativar os conhecimentos prévios dos leitores-
aprendentes por meio das perguntas de interpretação, além de destinarem uma 
seção de cada unidade com esta finalidade. 
 
19 
 
Acreditamos ter atingido nosso objetivo proposto para este trabalho, uma 
vez que constatamos o modelo de leitura que subjaz a proposta do LD analisado 
e analisamos de que forma os autores tentam acionar o conhecimento prévio dos 
aprendentes. 
Nossa ambição, com este trabalho, é poder orientar o olhar dos 
professores sobre os livros didáticos adotados e, desta forma, favorecer a sua 
autonomia diante dos materiais didáticos usados em sala de aula. 
 
20 
 
CAPÍTULO I 
EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA 
 
 
Neste capítulo, apresentaremos a Educação Linguística (EL) e sua dupla 
dimensão: a Pedagógica – cuja fundamentação encontra-se nas obras de Paulo 
Freire (1989, 1996 e 2005), Alicia Fernández (1991, 2001a, 2001b e 2012), 
Roberto Freire (1987, 1988, 2006) e Sara Paín (2008 e 2009) – momento em que 
descreveremos como se dá o processo de aprendizagem, individual e 
socialmente, entre o ensinante e o aprendente – lembrando do papel importante 
da família e da escola nesse processo; e a Linguística, ancorada nos referenciais 
teóricos contidos nas obras de Bechara (2006), Palma, Turazza & Nogueira Júnior 
(2008) e Lomas (2003). 
 
 
1.1. Educação como prática da liberdade 
 
Paulo Freire (1989, 1996 e 2005), Alicia Fernández (1991, 2001a, 2001b e 
2012), Roberto Freire (1987, 1988, 2006) e Sara Paín (2008 e 2009) acreditam na 
educação como prática da liberdade, ou seja, uma educação que, em vez de 
servir à dominação e à preservação do sistema político-econômico no qual 
estamos inseridos e de inibir a criatividade das pessoas, seja transformadora. 
Uma educação que favoreça o desenvolvimento de sujeitos, de pessoas críticas, 
capazes não só de interferir e transformar a realidade em que vivem, como 
também de lutar por uma vida autêntica, autônoma e autorregulada, a fim de 
exercerem sua cidadania plena, com liberdade. “Uma educação para decisão, 
para a responsabilidade social e política.” (FREIRE, 1989: 88). 
Os autores, a partir de distintas atuações, cada um sob uma perspectiva – 
a da educação, a da psicopedagogia, a da psicologia e a da filosofia 
 
21 
 
respectivamente –, defendem uma ideia comum: a liberdade do ser humano, por 
meio da autoria de pensamento e da criticidade. 
Paulo Freire, pedagogo, que trabalhou por muitos anos com Educação de 
Jovens e Adultos, dedicava-se à alfabetização, por meio dos círculos de leitura. 
Francisco Weffort (1989:5) ressalta, na introdução do livro Educação como prática 
da liberdade, de autoria de Paulo Freire, a importância da liberdade em sua 
pedagogia: 
 
A visão da liberdade tem nesta pedagogia uma posição de relevo. É a 
matriz que atribui sentido a uma prática educativa que só pode alcançar 
efetividade e eficácia na medida da participação livre e crítica dos 
educandos. É um dos princípios essenciais para a estruturação do 
círculo de cultura, unidade de ensino que substitui a “escola”, autoritária 
por estrutura e tradição. 
 
Ele acreditava que nossa sociedade precisava aprender a viver em 
democracia, após tantos anos de ditadura militar. Precisávamos aprender a lutar 
pelos nossos direitos, a nos reconhecer sujeitos de nossa própria vida, a retomar 
nossa liberdade. Essa transição, então, seria viabilizada por meio da educação. 
Freire explica que, 
 
assim, iríamos ajudando o homem brasileiro, no clima cultural da fase de 
transição,a aprender democracia, com a própria existência desta. 
Na verdade, se há saber que só se incorpora ao homem 
experimentalmente, existencialmente, este é o saber democrático. 
(FREIRE, 1989: 92). 
 
Ele acreditava ainda que 
 
a educação teria de ser, acima de tudo, uma tentativa constante de 
mudança de atitude. De criação de disposições democráticas através da 
qual se substituíssem no brasileiro, antigos e culturológicos hábitos de 
passividade, por novos hábitos de participação e ingerência, de acordo 
com o novo clima da fase de transição. (FREIRE, 1989: 93). 
 
Seu trabalho teve foco na alfabetização de adultos que, como ele mesmo 
dizia, “transcendia a superação do analfabetismo e se situava na necessidade de 
 
22 
 
superarmos também a nossa inexperiência democrática.” (FREIRE, 1989: 94). 
Pensava em um “trabalho com que tentássemos a promoção da ingenuidade em 
criticidade, ao mesmo tempo em que alfabetizássemos”. (FREIRE, 1989: 104). 
Alicia Fernández é argentina, psicopedagoga, tem seu trabalho voltado ao 
desenvolvimento da aprendizagem da criança e suas dificuldades no 
aprendizado. É fundadora do Centro de aprendizagem do Hospital Nacional A. 
Posadas, em Buenos Aires, Argentina, onde teve a experiência piloto 
interdisciplinar e interinstitucional de prevenção e atendimento de problemas de 
aprendizagem, com diferentes serviços do departamento materno-infantil. 
Dedicou-se a populações carentes e ao atendimento de famílias com crianças e 
adolescentes com problemas de aprendizagem. 
Ela observa que a dificuldade de aprendizagem apresentada pelas crianças 
está ligada ao não desenvolvimento da autoria de pensamento, de sua criticidade 
e da autonomia, portanto, na sua falta de liberdade. Para a autora, “torna-se cada 
vez mais necessário que dirijamos nossa ação para produzir condições 
facilitadoras da autoria de pensamento.” (FERNÁNDEZ, 2001a: 93). Em outras 
palavras, a autoria do pensamento possibilita a compreensão da própria 
existência e da condição mais preciosa da humanidade: a liberdade. (cf. 
FERNÁNDEZ, 2001a). 
Roberto Freire atuou em diversas áreas culturais, como teatro, educação, 
jornalismo, literatura, cinema e televisão. Foi terapeuta, tendo se dedicado à 
psiquiatria e, posteriormente, à psicanálise. Como atuante político ativo, criou a 
SOMA – uma terapia anarquista – que defendia a política do cotidiano e a 
ideologia do prazer, nascida na década de 1960, no Brasil, como resistência às 
forças autoritárias da ditadura militar. Também foi ele militante contra as relações 
autoritárias ainda presentes na nossa sociedade no cotidiano das instituições, 
como a família, a escola e o Estado democrático-capitalista. 
Apesar de hoje não vivermos uma ditadura, vivemos uma 
 
democracia neo-liberal, que impõe uma sutil forma de controle e se torna 
muito mais complexa em suas malhas de poder. A sutileza é sua grande 
arma: já não percebemos claramente onde navega o autoritarismo e 
 
23 
 
notamos apenas seus efeitos. A escravidão negra ou as ditaduras foram 
substituídas por um processo de lenta e progressiva diminuição do poder 
crítico e da autonomia das pessoas, gerando seres dóceis e passivos. 
Essa domesticação do ser humano começa desde a infância, 
estendendo-se pela adolescência até atingir a vida adulta, criando 
homens e mulheres apáticos e acomodados, sem espírito de luta. 
Educadas por meio de uma pedagogia alienante, a maioria dos jovens 
torna-se obediente e submissa. (MATA, 2001: 35). 
 
Roberto Freire defende a pedagogia libertária, pois acredita que tanto a 
“pedagogia doméstica, quanto a escolar, quando autoritárias, visam a reprimir nas 
crianças e nos jovens o sentimento e a necessidade da liberdade como condição 
fundamental da existência.” (FREIRE, 2006: 220). Ressaltando a importância da 
instituição escolar como mantenedora ou libertadora do poder, acrescenta que 
 
a manutenção do poder do Estado nas ditaduras ou nas democracias 
capitalistas é garantida não mais diretamente pelas armas e pelo 
dinheiro. Vem sendo garantida pela família e pela escola, por meio da 
pedagogia autoritária, apoiada e estimulada pelo Estado autoritário. 
(FREIRE, 2006: 220). 
 
Sara Paín é uma psicóloga argentina, doutora em Filosofia pela 
Universidade de Buenos Aires e em Psicologia pelo Instituto de Epistemologia 
Genética de Genebra. Acredita em uma pedagogia em que o conhecimento e o 
desejo sejam tratados integradamente, que seja levada em consideração a 
subjetividade de cada aprendente e de cada ensinante1. Paín (2009: 17) afirma 
que 
 
na escola, ao mesmo tempo em que promovemos um conhecimento, 
promovemos também a emergência de sujeitos que se sentem mais 
seguros, capazes, felizes, à medida que dominam, ou que se apropriam 
do conhecimento transmitido. Permitir à criança apropriar-se de um 
conhecimento é lhe permitir fortificar seu ego, à medida que ela pode se 
constituir em uma personalidade mais segura, mais dominadora e mais 
responsável. Para o educador, esses dois aspectos aparecem ao mesmo 
tempo. Constatamos, entretanto, que, em decorrência de posturas 
dominadoras, a escola nem sempre desempenha um trabalho 
                                                            
1 Fernández (2001) traz em sua obra os termos aprendente e ensinante, os quais adotamos neste 
trabalho. Para a autora, os dois termos se interrelacionam, um depende do outro para existir. A 
criança aprende sozinha, por mais que a intenção do ser ensinante seja prioritária no processo de 
aprendizagem. 
 
 
24 
 
competente. Ela domina, oferecendo menos elementos às crianças para 
pensar, pois seu domínio depende da manutenção da ignorância. É o 
colonialismo no nível de aula. 
 
A função da educação escolar, além de transmitir conhecimentos, é a de 
contribuir para a formação de sujeitos, inclusive porque, segundo Paín (2009: 15), 
“o sujeito não é sujeito até que conheça. É sujeito porque conhece, e é sujeito a 
esse conhecimento”. Sujeitos autônomos, criadores, capazes de pensar 
autonomamente, que não se sujeitem à heterorregulação e que não sejam 
acomodados, estes, Guilherme Castelo Branco (2004: 255) afirma serem, 
segundo texto kantiano, “pacatas criaturas, tímidas, temerosas de pensar, decidir, 
até de andar.” 
A escola tem um papel cada vez mais importante no desenvolvimento de 
sujeitos. Juntamente com a família, é a instituição em que as pessoas passam a 
maior parte do tempo de suas vidas. Acácio Augusto lembra-nos da grande 
presença que a escola ganhou nas nossas vidas hoje em dia: 
 
a escola não é mais o lugar de uma etapa necessária ao 
desenvolvimento da criança e do adolescente, estabelecida pelo país, 
sob o controle do Estado, para uma educação de conhecimentos 
regulada por pedagogos e psicólogos. Ela perdeu o status de lugar 
especial, de etapa a ser cumprida ou um estágio a ser vencido para se 
atingir a vida adulta como um indivíduo preparado. Tornou-se um lugar 
familiar para toda a vida. Em seu interior se aprende conhecimentos e 
obediências, mas, também, é pra lá que se dirige a vida do bairro, das 
redondezas, da comunidade. A escola passou a ser um lugar de convívio 
onde se estuda, desfruta de lazer e se decidem coisas da vida entre os 
habitantes do local. (AUGUSTO, 2011: 117). 
 
As quatro funções interdependentes da educação, constituída pela 
dinâmica de transmissão da cultura, no processo de aprendizagem são, segundo 
Paín (2008), 
a. Mantenedora: responsável pela continuidade da espécie humana e pela 
transmissão das aquisições culturais de uma civilização; 
b. Socializadora: a utilização da linguagem transforma o indivíduo em 
sujeito. O indivíduo transforma-se em sujeito social e se identifica com o 
grupo, que com ele se submete ao mesmo conjunto de normas; 
 
25 
 
c. Repressora: a garantia da sobrevivência específica do sistema que rege 
uma sociedade, instrumento de controle e de reserva do cognoscível; 
d. Transformadora: modalidadesde militância transmitidas por meio de um 
processo educativo que consiste não apenas na doutrinação e em 
propaganda política, mas também nas formas peculiares de expressão 
revolucionária. 
Em resumo, “em função do caráter complexo da função educativa, a 
aprendizagem se dá simultaneamente como instância alienante e como 
possibilidade libertadora.” (PAÍN, 2008: 12). O processo educativo compreende os 
comportamentos dedicados à transmissão da cultura, seja pela instituição 
específica, como a escola, seja pela família. Ambas as instituições servem, 
paradoxalmente, tanto à conservação, como à transformação da sociedade. 
A transmissão da cultura é sempre “ideológica, na medida em que é 
seletiva e é própria da conservação de modos peculiares de operar, e, portanto, 
serve à manutenção de estruturas definidas de poder”. (PAÍN, 2008: 18). Porém, 
servem também às transformações, pois “é evidente que, se os sistemas 
estabilizados precisam educar para conservar-se, os revolucionários necessitam 
educar, com mais razão ainda, a fim de conscientizar e motivar a militância.” 
(idem). 
Uma educação libertária constrói-se desde os primeiros momentos de 
aprendizagem da criança. Isso quer dizer que a família tem grande 
responsabilidade nesse processo. “A pedagogia que vem depois, na fase escolar, 
a pedagogia oficial, é padronizada. Trata-se de um complemento da doméstica.” 
(FREIRE, 1988: 37). Roberto Freire ainda acrescenta: 
 
é importante, sem dúvida, que a criança tenha condições de desenvolver 
a espontaneidade, criatividade e espírito crítico durante a primeira 
infância. Ao mesmo tempo, os pais não podem obstruir isso como 
geralmente fazem. Então queremos ‘explodir’ a estrutura familiar, 
também temos de tornar os pais acessíveis a uma pedagogia libertadora, 
profilática, em relação ao autoritarismo. (FREIRE, 1988: 39). 
 
O desenvolvimento da criança começa no meio familiar. Sua família será 
seu primeiro exemplo, primeira referência e, mais ainda: será por meio da troca, 
 
26 
 
da intervenção da família que a criança aprenderá. Portanto, se constituirá como 
sujeito também, pois o indivíduo “não é sujeito antes da aprendizagem, mas que 
vai chegar a ser sujeito porque aprende.” (FERNÁNDEZ, 1991: 51). 
“O problema de aprendizagem que apresenta, sofre, estrutura um sujeito, 
se situa, entrelaça, sintomatiza e surge na trama vincular de seu grupo familiar, 
sendo, às vezes, mantido pela instituição educativa.” (FERNÁNDEZ, 1991: 48) 
Por isso, pode-se dizer que as características dos problemas de aprendizagem 
diferenciam-se por suas causas ou origens, dividindo-se em dois grupos: 
 
a. Os fatores internos ao grupo familiar e ao paciente (problema de 
aprendizagem-sintoma); 
b. fatores de ordem educativa, relacionados com uma instituição 
educativa que rechace ou desconheça a capacidade intelectual e 
lúdica, a corporeidade, a criatividade, a linguagem e a liberdade do 
aprendente (problema de aprendizagem-reativo). (FERNÁNDEZ, 
1991: 49). 
 
Toda aprendizagem passa necessariamente pelo corpo. A apropriação do 
aprendizado, quer dizer, o seu domínio, traz uma sensação corporal de prazer. 
Fernández (1991: 59) diz que “a apropriação do conhecimento implica o domínio 
do objeto, sua corporização prática em ações ou em imagens que 
necessariamente resultam em prazer corporal.” Uma tarefa só poderá “ser 
prazerosa se desenvolvida em um espaço de confiança e liberdade, com medida 
e com possibilidades de apropriar-se do produto do seu trabalho” (idem:61). 
O processo de aprendizagem perpassa quatro níveis do sujeito: o 
organismo, o corpo, a inteligência e o desejo. Os dois primeiros se diferem um do 
outro por seus mecanismos, uma vez que o organismo trata de automatismos, 
mecanismos involuntários e funcionamentos vitais corporizados do sujeito. O 
corpo é o lugar onde o organismo funciona e é por meio da interação dele com o 
meio que se aprende. 
Embora organismo e corpo sejam tratados indiferentemente, para nós, 
educadores, é necessário fazermos essa diferenciação. O organismo são todas 
as nossas funções vitais e só nos damos conta dele quando alguma dessas 
funções falha. São mecanismos involuntários, que não passam pela nossa 
 
27 
 
consciência para funcionar. A suas falhas são emitidas por meio de sinais para 
nossa consciência, em forma de dor, espirro, asfixia etc. 
As nossas funções vitais, tais como nossos instintos, são automatismos, 
que funcionam em e pelo nosso organismo. Eles são fundamentais para a 
aprendizagem, pois 
 
o organismo tem – dentro do que possa ser a aprendizagem – a 
possibilidade de inscrever os esquemas perceptivo-motores. O 
organismo é capaz de inscrever certo tipo de conhecimento de maneira 
que tenha o mesmo valor dos instintos, das respostas instintivas. Quer 
dizer que, no homem, coisas tão elaboradas como a escrita ou a palavra 
podem ser realizadas, num certo momento, como se fossem instintivas, 
tal como o canto dos pássaros. Isto porque a inscrição se faz no nível do 
organismo. (PAÍN, 2009: 64). 
 
Sara Paín reforça a importância da automatização no processo da 
aprendizagem: “a automatização permite que uma parte já não seja pensada – 
que esteja inscrita –, para que o pensamento possa se preocupar em adquirir 
novos conhecimentos.” (PAÍN, 2009: 64). A construção de novos conhecimentos 
se dá a partir – ou sobre – o conhecimento já automatizado, portanto, apropriado 
pelo aprendente. 
O corpo, diferentemente de organismo, é o lugar onde acontecem as 
coordenações perceptivo-motoras. É por meio dele, por sua interação com o meio 
externo, no momento presente, que a aprendizagem ocorre. É, no organismo, que 
fica armazenada a aprendizagem, quando apreendida. “O organismo, 
transversalizado pela inteligência e o desejo, irá se mostrando em um corpo, e é 
deste modo que intervém na aprendizagem, já corporizado” (FERNÁNDEZ, 1991: 
62). 
Entretanto, no corpo, não só é coordenada a percepção em todos os seus 
níveis, com o movimento, como também são sentidos com o corpo “todos os 
afetos (sentimentos e emoções). Tudo ressoa no corpo. Quer dizer que, em cada 
movimento, ao mesmo tempo ressoa corporalmente um sentimento.” (PAÍN, 2009: 
65). 
 
28 
 
Tanto a inteligência quanto o desejo são estruturas que fabricam o 
conhecimento nos níveis da objetividade e da subjetividade, respectivamente. 
Elas se diferenciam pelas suas construções, ou seja, o modo como se dão os 
seus mecanismos, suas operações e seus resultados. Enquanto a objetividade 
instaura a realidade, a subjetividade se instaura na irregularidade. Tal realidade 
se constitui por aquilo que está fora de nós, que não podemos modificar, é a 
realidade do que é possível. Paín (2009: 19) diz que o subjetivo 
 
se constitui na esfera do desejo e é o que nos diferencia como pessoa 
singular. O desejo é algo que falta; não existe na realidade. Para que 
haja desejo, tem que haver falta. Assim, o desejo se instaura em uma 
irrealidade. 
 
Pensamos por meio da significação simbólica e pela nossa capacidade de 
organização lógica – a primeira na esfera do desejo e segunda na esfera da 
inteligência, simultaneamente. (cf. FERNÁNDEZ, 1991). Na ordem da inteligência, 
“o pensamento é pensamento do que eu projeto como possível, dentro da 
realidade. Na ordem do desejo, ao contrário, o que se pensa é o impossível.” 
(PAÍN, 2009: 19). Entender o problema de aprendizagem é compreender como se 
dá a relação que se estabelece entre a estrutura da inteligência, “de caráter 
claramente genético, que vai se autoconstruindo, e uma arquitetura desejante, 
que, ainda que não seja genética, vai entrelaçando um ser humano que tem uma 
história” (FERNÁNDEZ, 1991: 67). 
A inteligência é uma estrutura lógica, genética. O conhecimento se constrói 
por meio de um trabalho lógico, a partir de ações, de experiências e intercâmbio 
com a realidade, com o meio. Ela funciona por meio de mecanismos, definidospor Sara Paín (2009: 25) como 
 
determinadas reações de comunicação com o meio, que constroem os 
elementos sobre os quais o pensamento pode atuar. Os mecanismos 
vão captar as coisas exteriores e metabolizá-las para que possam ser 
digeríveis. Há uma série de mecanismos entre o que é matéria e o que é 
pensamento, para que possamos ter elementos de pensamento. Tenho 
primeiro que tornar os objetos cognoscíveis, antes de conhecê-los, 
porque eles não são imediatamente cognoscíveis. Tenho de transformá-
 
29 
 
los, para conhecê-los. Para passar da matéria ao pensamento, algo tem 
de se converter. 
 
Segundo Piaget (1965, apud FERNÁNDEZ, 1991: 71), “todo conhecimento 
é sempre assimilação de um dado exterior às estruturas do sujeito”. Piaget foi um 
grande pesquisador do desenvolvimento da inteligência, especificamente da 
criança. Dois mecanismos, trazidos por ele, são a assimilação e a acomodação. 
“A assimilação seria a capacidade de o sujeito construir o mundo de acordo com 
seus próprios esquemas. O mundo se converte naquilo que ele pode assimilar.” 
(PAÍN, 2008: 25). Quando, porém, o mundo exigir transformações muito grandes, 
nosso organismo se adapta, por meio da acomodação. “Ele se acomoda para 
assimilar o que existe.” (PAÍN, 2008: 25). 
São mecanismos inversos e complementares. Apenas após termos nos 
apropriado do mundo, por meio dos nossos esquemas, é que poderemos 
transformá-lo, isto é, apenas depois de tê-lo assimilado. Já a acomodação é o 
processo de autoajustamento dos nossos próprios esquemas, com objetivo de 
nos propiciar a assimilação, nos acomodarmos a um novo estímulo que nunca 
experimentamos antes. Paín (2009: 27) explica que 
 
todos os conhecimentos, todas as demandas de acomodação, exigem 
esquemas mínimos de assimilação. A acomodação vem da capacidade 
da criança de integrar todas as assimilações a um novo estímulo, que 
logo se converte em um esquema mais completo; e sucessivamente, 
cada vez conjuntos mais complexos vão passando a ser esquemas. 
Portanto, pela assimilação/ acomodação, se constroem os esquemas 
que servirão para aplicar as operações. 
 
Outros dois mecanismos são a circularidade e inibição que, assim como os 
anteriores, estão intrinsecamente ligados. A circularidade é a repetição contínua 
de uma ação, como forma de automatizá-la. “Nós estamos sempre submetidos a 
esse tipo de mecanismo, pois todo tipo de aprendizagem é repetida circularmente, 
de modo a se automatizar.” (PAÍN, 2009: 27). A inibição é o processo de 
identificar o domínio do próprio corpo, de modo a melhorar a ação que será 
produzida por nós. “A inibição não é só a possibilidade de aprender, isto é, de 
saber qual o movimento adequado para conseguir um fim, mas também a de 
 
30 
 
alcançar um domínio do próprio corpo capaz de agir de maneira eficaz”. (PAÍN, 
2009: 29). 
Vemos a aprendizagem, necessariamente, como um processo, que se 
realiza no momento da interação entre pessoas, que assumem explicitamente as 
funções de ensinante e de aprendente. 
Fernández (2001a) diferencia o saber do conhecer e os dois conceitos de 
informação. Esclarece ainda que os primeiros são verbos, por carregarem a ideia 
de ação, de processo. A informação é substantivo, por se tratar de dados 
concluídos. Na aprendizagem, não se transmitem conhecimentos, mas sim sinais 
de conhecimento – chamados de informações – que podem ser transformados e 
reproduzidos. Por um lado, não se aprende com qualquer um – ao ensinante são 
outorgados a confiança e o direito de ensinar; por outro lado, o aprendente 
possui, em si, estruturas que lhe permitem converter os signos transmitidos em 
conhecimento. 
No entanto, conhecimento não é o mesmo que sabedoria, ou melhor, 
conhecer não significa saber. Alicia Fernández (2001a: 63) explica essa diferença: 
 
o conhecimento é objetivável, transmissível de forma indireta ou 
impessoal; pode ser adquirido através de livros ou máquinas; é factível 
de sistematização nas teorias; enuncia-se através de conceitos. (O 
conhecer tende a objetivar.) Em troca, o saber é transmissível só de 
modo direto, de pessoa a pessoa, experimentalmente; não se pode 
aprender através de um livro, nem de máquinas, não é sistematizável 
(não existem tratados de saber); só de pode ser enunciado através de 
metáforas, paradigmas, situações, histórias clínicas. O saber dá poder 
de uso, mas o conhecimento não.. 
 
Conhecer não significa poder colocar em prática certas informações. Saber 
é a apropriação do conhecimento e, portanto, sua aplicação. “Poder e saber 
relacionam-se. ‘Saber é saber fazer’, ‘saber e prática de saber estão intimamente 
ligados’”. (FERNÁNDEZ, 2001a: 64). Segundo Bollas (1989, apud FERNÁNDEZ, 
2001a: 65), 
 
o saber não é instintivo, nem um bloco irremovível. Pelo contrário, esse 
saber, que embora careça de palavras conceituais para ser expresso, 
 
31 
 
constrói-se pela experiência de vida na história do sujeito. O saber está 
sempre em construção. 
 
A informação está fora do sujeito e só é transformada em conhecimento 
quando o aprendente passa a conhecê-la. O aprendente precisa construir o 
conhecimento e, para tanto, recorrerá ao seu próprio saber para dar sentido à 
informação. 
O mérito maior do ensinante não é mostrar apenas conteúdos de 
conhecimento: “ser ensinante significa abrir espaço para aprender. Espaço 
objetivo-subjetivo em que se realizam dois trabalhos simultâneos: a) construção 
de conhecimentos; b) construção de si mesmo, como sujeito criativo e pensante.” 
(FERNÁNDEZ, 2001: 30). No processo de ensino e de aprendizagem, 
 
entre o ensinante e o aprendente abre-se um campo de diferenças onde 
se situa o prazer de aprender. O ensinante entrega algo, mas para poder 
apropriar-se daquilo o aprendente necessita inventá-lo de novo. É uma 
experiência de alegria, que facilita ou perturba, conforme se posiciona o 
ensinante. (FERNÁNDEZ, 2001: 29). 
 
Muito importante no papel do ensinante é o desejo sincero de que o outro 
aprenda. Esse desejo é percebido pelo aprendente, que sente em si o potencial 
de aprender depositado nele pelo ensinante. Aí está o caráter da subjetividade, 
que, muitas vezes, é esquecido no processo de ensino-aprendizagem. Nesse 
sentido, o ensinante oferece ao aprendente a “autorização de um lugar de sujeito 
pensante.” (FERNÁNDEZ, 2001: 29). 
Assim como é essencial para a aprendizagem a crença do ensinante no 
aprendente, o desejo do aprendente em saber também o é. Dominar certo 
conteúdo, uma habilidade – como andar de bicicleta, tocar violão, falar uma língua 
estrangeira, escrever – é mais do que o motor do aprender: é o terreno onde se 
nutre a aprendizagem. 
Em nossa sociedade, os ensinantes são os pais, parentes mais próximos e 
também os professores e colegas de escola. “Embora os professores precisem 
possuir informação, sua função principal não é transmiti-la, mas propiciar 
 
32 
 
ferramentas e espaço adequado (lúdico) onde seja possível a construção do 
conhecimento.” (FERNÁNDEZ, 2001: 31). 
O ensinante cumpre exitosamente o seu papel quando o aprendente já não 
precisa dele para realizar certa ação, pois se apropriou do conteúdo aprendido. 
No processo de aprendizagem, em que haja prazer em aprender, a vontade de 
aprender do aprendente deve preceder o ato de ensinar do ensinante. O ideal é 
que as iniciativas de ensino-aprendizagem surjam do desejo de aprender em si, 
de um processo subjetivo, e não devido a um objetivo final, tais como estudar 
inglês para um exame de proficiência ou atingir uma meta para se ter promoção 
no trabalho. Nessa situação, em que não há o prazer ou realização pessoal, não 
se dá o processo da apropriação do objeto aprendido pelo aprendente. 
O aprender é um pretexto para desfrutar de uma alegria compartilhada 
entre aprendente e ensinante. Aprender, segundo Fernández (2001), 
 
é apropriar-se da linguagem; é historiar-se, recordar o passado para 
despertar-se ao futuro; é deixar-sesurpreender pelo já conhecido. 
Aprender é reconhecer-se, admitir-se. Crer e criar. Arriscar-se a fazer 
sonhos textos visíveis e possíveis. Só será possível que os professores 
possam gerar espaços de brincar-aprender para seus alunos quando 
eles simultaneamente os construíram para si mesmos. (FERNÁNDEZ, 
2001: 36). 
 
Um bom ensinante é um bom aprendente. Para ensinar, é preciso querer 
aprender, pois o desejo de ensinar deve originar-se do desejo de aprender. A 
grande prova de que o trabalho do ensinante foi bem feito é o fato de o 
aprendente não precisar mais dele. O ensinante dá o protagonismo que leva o 
aprendente a apropriar-se com alegria do que aprendeu e a desenvolver sua 
autoria. 
A interação entre aprendente e ensinante, no processo de aprendizagem, 
começa pelo ensino do ensinante, porém termina na aprendizagem do 
aprendente. E isso só é possível pelo desenvolvimento de autoria do aprendente 
no processo, porque ele tem a oportunidade de praticar, tentar, arriscar-se e 
apropriar-se do conhecimento no momento em que o ensinante lhe dá condições 
 
33 
 
para tal, seja por meio de ferramentas, de orientação, mas, sobretudo pela 
confiança depositada nele. 
Essa sinergia só acontece quando o aprendente sente que o ensinante 
está ao seu lado, compartilhando desafios e, ao mesmo tempo, a 
responsabilidade. Dessa maneira, o aprendizado se torna de dupla autoria, de 
uma parceria no qual ambos são os responsáveis pelo processo. As condições de 
aprendizagem são as que caracterizam o conceito de autoria do aprendente. Essa 
autoria só acontece porque o que o ensinante entrega ao aprendente não é o 
conhecimento, mas os meios que lhe possibilitam se apropriar de tal 
conhecimento. Como mencionado anteriormente, os meios são instrumentos 
adequados ao aprendente, explicações acessíveis e, por fim, a cumplicidade para 
acompanhá-lo durante o novo desafio. 
Fernández (2001: 90) define autoria como o “processo e o ato de produção 
de sentidos e de reconhecimento de si mesmo como protagonista ou participante 
de tal produção”. O reconhecimento é uma etapa essencial no processo de 
desenvolvimento da autonomia. A autoria de pensamento inicia-se com o desejo, 
quer dizer, quando o sujeito se reconhece um ser desejante de algo, portanto, 
pode movimentar-se, produzir ações para alcançar o que deseja. 
A autoria de pensamento é “condição para autonomia da pessoa e, por sua 
vez, a autonomia favorece a autoria de pensar. À medida que alguém se torna 
autor, poderá conseguir o mínimo de autonomia.” (FERNÁNDEZ, 2001: 91). O 
pensamento não é autônomo, mas sim vinculado ao desejo, ao querer. Assim, a 
autoria do pensamento possibilita a autonomia do sujeito. 
A principal função do ensinante é a de ajudar o aprendente a desenvolver, 
em si, a autonomia no pensar para que se torne autor de pensamento. Como a 
autoria do pensamento possibilita a compreensão da própria existência, ela abre o 
caminho para se alcançar a mais preciosa condição da humanidade: a liberdade. 
O professor, capaz de fazer com que os estudantes descubram o quanto 
eles pensam e de responsabilizá-los pelo pensado, abre caminho para a 
liberdade. Um ensinante só é capaz de fazer pelo outro aquilo que faz por si 
 
34 
 
mesmo – ele também deve reconhecer-se autor de pensamento e, portanto, livre 
para pensar. 
O autor é aquele que cria uma obra e, reciprocamente, se faz autor pela 
obra. Conforme cria, dá-se conta de que é autor. De novo aprende com o que sua 
própria obra lhe mostra, coisa que não conhecia antes de criá-la. A aprendizagem 
que compreendemos aqui neste trabalho é o ato de produção, o processo 
construtivo do autor e da obra. Neste momento, é que se desenvolve o conceito 
de autoria: “em um entre, entre a obra e seu produtor (que, por sua vez, é 
produzido como autor pela obra), pelo reconhecimento que o mesmo possa fazer 
de si mesmo a partir do ato de encontrar-se em sua obra.” (FERNÁNDEZ, 2001: 
97). 
Os primeiros processos de aprendizagem de uma criança são essenciais 
para que ela tenha boas ou más condições de se desenvolver autonomamente no 
decorrer de sua vida. Desde pequenas, as crianças têm oportunidades de 
desenvolver a sua autonomia e sua autoria. Pensar é fazer. Pensar é ação. Será 
na interação com um adulto – que incorpora o papel ou função de ensinante – que 
a criança poderá se reconhecer autora de pensamento, portanto, de ações, uma 
vez que, como afirma Fernández (2001: 99), “para reconhecer-nos autor, torna-se 
necessário que um outro nos acompanhe reconhecendo o sujeito como autor de 
seu discurso.” 
Vivemos uma época em que somos muito pouco estimulados a pensar, 
pois isso não interessa à sociedade de consumo em que vivemos. “Quanto menos 
pensam os consumidores, mais comprarão o lhes é oferecido.” (Fernández, 2001: 
107). Ao nos oferecer tantas opções de consumo, a sociedade nos tira, inclusive, 
a capacidade desejante. Temos de saber voltar para nós mesmos a fim de 
resgatar esse desejo. Quando se perde a capacidade de desejar, perde-se 
também a de pensar, portanto, a de aprender. 
O próprio desejo de aprender é um desejo de autoria. A vontade de passar 
por certa experiência é a vontade de obter o prazer de entrar em contato com a 
construção, com a aprendizagem. Ao reprimir uma criança de viver experiências 
lúdicas espontâneas, cerceia-se sua autoria de pensamento. Muitas das 
dificuldades de aprendizagem apresentadas na escola são resultado da 
 
35 
 
dificuldade de as crianças pensarem por conta própria, de não conseguirem 
sentir-se capazes de pensar ou de ter sequer o interesse em conhecer, saber, 
aprender o novo. Conforme aponta Fernández (2001: 106), 
 
 
precisamos disseminar a ideia de pensar e entrelaçá-la com a 
experiência, a ação, a transformação. Pensar implica, necessariamente, 
transformar(se). Quando digo “Eu penso”, estou dizendo que estou 
construindo algo novo em relação ao que pensava antes. 
 
A falta de contato com a experiência autoral, ou as más experiências, pode 
fazer com que, como lembra a autora, nos momentos em que o estudante seja 
solicitado a pensar por conta própria, tenha “sintomas individuais graves, 
indicadores de angústia ou descontentamento, respostas reativas, psicoses e 
problemas que a sociedade, em seu conjunto, não consegue encarar, como o 
fracasso escolar, que é um processo da escola e não do aluno”. (FERNÁNDEZ, 
2001: 107). 
Após termos discorrido sobre o conceito que concebemos de educação, 
vamos adentrar no conceito específico de Educação Linguística e suas duas 
dimensões: a linguística e a pedagógica. 
 
 
1.2. Conceito de Educação Linguística 
 
A Educação Linguística (EL) é um processo de ensino-aprendizagem2, a 
partir de uma relação horizontal entre ensinante e aprendente. A EL vê o 
processo de aprendizagem como uma via de mão dupla – diferente da visão 
tradicional do ensino de Língua Portuguesa, na qual o professor, como detentor 
do saber, deposita no estudante seus conhecimentos sobre conteúdos 
gramaticais e literários – em que o professor é visto como ensinante, e o aluno, 
                                                            
2Esta é uma das perspectivas da EL, como área de pesquisa, como propõe o grupo da PUC-SP 
(PALMA, Dieli Vesaro et al, 2008). 
 
36 
 
por sua vez, como aprendente. Esse aluno, porém, não tem o dever de acatar 
tudo o que o professor lhe impõe como certo sobre o uso da língua. 
Na EL, o professor funciona como mediador entre o saber a ser ensinado e 
os aprendentes. Ele perde a posição autoritária sobre o aprendente e atua em um 
ambiente de troca, no qual ambos constroem juntos o novo conhecimento sobre a 
língua a ser abordado. Nessa nova perspectiva, a língua não é estudada a partir 
da dicotomia do certo/errado, mas da adequação de suas diversas variantes 
diante das situações de comunicação, incluindo a comunicação não verbal. 
Portanto, na escola, estuda-sea linguagem. 
O processo de ensino-aprendizagem da língua materna e a formação de 
professores fazem parte dessa área de pesquisa em desenvolvimento da EL. 
Esse fator tem sido objeto de grande preocupação, uma vez que os tempos 
mudaram, obrigando o ensino, da educação básica ao nível universitário, a 
adaptar-se às mudanças para cumprir sua missão. 
Segundo Bechara (2006: 8), a EL “se constitui num promissor campo de 
pesquisa e de resultados para a linguística e a educação”. Nas escolas de ensino 
médio e nas universidades, onde tem sido sutil a influência científica dessas 
pesquisas, na década de 1960, surgiu uma reação desastrosa ao chamado 
tradicionalismo e à mudança (grifo do autor). 
A EL defende a necessidade de se respeitar o saber linguístico que vem 
com cada aprendente, mas não tira dele a possibilidade de ampliar e enriquecer 
seu conhecimento inicial. É um erro quando se privilegia uma ou outra variante. 
Todo falante deve ter domínio de diversas línguas funcionais para que possa se 
comunicar e transitar em variadas esferas da sociedade. Para o autor, “o 
indivíduo ‘dispõe’ dela [língua], para manifestar sua liberdade de expressão (...) 
cada falante é um poliglota na sua própria língua” (idem: 13). 
É dever do professor de língua portuguesa dar ao aprendente a liberdade 
de se escolher a língua funcional3 que mais lhe convenha a cada momento de 
produção linguística e de diferenciar as várias línguas que possam coexistir em 
                                                            
3 Línguas funcionais são as variantes linguísticas que serão faladas dependendo do objetivo do 
sujeito, no momento de interação verbal. A escolha da variante vai depender da função que ela 
terá. (Cf. BECHARA, 2006). 
 
37 
 
determinadas situações de comunicação. Em síntese, a EL centra-se na 
linguagem e não mais na língua. É dessa maneira que se obtêm os ricos recursos 
da linguagem no ato de comunicar entre indivíduos de uma sociedade. 
A EL, concebida por Palma, Turazza e Nogueira Junior (2008), não se 
restringe apenas ao ensino técnico da língua materna, mas sim à formação 
integral do cidadão, de modo que ele tenha condições de exercer sua cidadania 
plena. As linguísticas cognitivo-funcional e textual e trabalhos que priorizam o 
discurso e a linguagem como ação estão na essência da EL. 
Para os autores, a EL também é uma área de pesquisa em 
desenvolvimento no que diz respeito ao ensino de língua materna, 
 
cuja fundamentação teórica, do ponto de vista pedagógico, engloba 
conceitos como transposição didática, contrato didático, situações 
didáticas, a noção de obstáculo epistemológico, registros de 
representação, a teoria dos campos conceituais e engenharia didática. 
(PALMA, TURAZZA & NOGUEIRA JUNIOR, 2008: 221). 
 
Pensando nessa concepção, não se pode desprezar o contexto político e 
social em que o aprendente e o ensinante se encontram, pois tanto a escola 
quanto o ensinante deverão adaptar-se aos seus tempos. Nos dias de hoje, o ato 
educativo precisa ser visto na dicotomia ensino-aprendizagem. O eixo das aulas, 
na escola contemporânea, não pode mais ser o ensinante, mas sim os 
estudantes, aqueles que aprendem. 
O processo de aprendizagem era considerado uma aquisição de 
conhecimento, como lembra Paulo Freire (2005), em sua teoria sobre educação 
bancária – na qual se “depositavam” conhecimentos nos alunos que, como caixas 
eletrônicos, recebiam passivamente o que lhes era depositado. Hoje, o aprender 
significa a produção de conhecimentos, com base nessa visão de ensino de 
língua materna. Assim, a nova conjuntura exige transformações nos níveis 
pedagógicos, técnicos e tecnológicos, para que a escola se adapte a seu tempo. 
Nesse novo cenário, as ciências da linguagem passaram de uma linguística 
do sistema (langue) para uma linguística do discurso. Isso fez com que o ensino 
da língua também fosse repensado: passou-se a considerar o uso e não a 
 
38 
 
homogeneidade da língua, priorizando a comunicação como tem proposto a 
linguística cognitivo-funcional (cf. SILVA, 2004, apud PALMA, TURAZZA & 
NOGUEIRA JUNIOR, 2008: 220). 
Os autores reiteram a visão de Bechara (2006) sobre o papel da EL, 
quando diz que a escola deve – ou deveria – tornar o estudante “um poliglota em 
sua própria língua”, tendo condições de construir e desenvolver-se 
linguisticamente em situações de comunicação. Para tanto, “além da competência 
linguística, o falante deve ter ampliada sua competência textual, discursiva, 
estratégica, estilística, entre outras.” (PALMA, TURAZZA & NOGUEIRA JUNIOR, 
2008: 221). 
Para ser coerente com a nova concepção de ensino da língua materna, a 
EL substituiu termos para simbolizar os novos papéis assumidos. Ao substituir 
aluno por aprendente, deixa mais explícito o processo pelo qual o indivíduo 
deverá passar no seu aprendizado: ser sujeito, capaz de agir por meio do uso 
adequado das formas linguísticas, ter uma postura ativa, produtiva, sem acatar 
simplesmente o que lhe é ensinado. O papel do professor já não é o mesmo, mas 
sim o de mediador “terminando com a hierarquia de poderes incutida nas antigas 
designações professor/ aluno”. (GRAMMONT, 2011: 17). 
O ensino da língua é visto como uma ação social, pois dá ao aprendente o 
acesso à norma culta e às diversas variações que coexistem em uma 
comunidade, manifestas nos mais diversos gêneros textuais que circulam na 
sociedade. Ao fazer isso, a EL dá condições aos falantes de determinadas 
comunidades linguísticas letradas de dominar um conjunto de conhecimentos 
sócio-culturais. 
Essa proposta pensa na formação do aprendente e do professor-ensinante. 
Com foco no desenvolvimento da formação científica, a EL implica um novo perfil 
de estudante: a de crítico-reflexivo. Muito diferente daquele que aplicava regras 
ou estratégias sem compreender o porquê de seus usos, nem verificava seus 
efeitos. Para que o ensinante garanta essa formação científica, ele também 
deverá ter, em sua própria formação, essa mesma visão de ensino-aprendizagem, 
tendo em conta que a graduação deverá ser apenas o começo de sua carreira 
acadêmica. 
 
39 
 
Os cursos de licenciatura devem, portanto, também garantir a formação de 
professores poliglotas na sua própria língua, ou seja, que dominem 
conhecimentos científicos e saberes a serem ensinados, interrelacionando a área 
da linguística e a da pedagogia. Outro ponto importante que distingue a EL da 
visão tradicional de ensino da Língua Portuguesa é a perspectiva da adequação e 
da inadequação em função do seu uso, na diversidade de situações 
comunicativas, que é visto ainda hoje, como erros e acertos gramaticais. 
Para Lomas (2003: 14), o objetivo essencial da EL deve ser a melhoria da 
competência comunicativa dos aprendentes, na sua dimensão expressiva e de 
compreensão – o fazer com as palavras –, isto é, a 
 
aquisição e o desenvolvimento do conjunto de conhecimentos, 
habilidades, atitudes e capacidades que permitem, nas nossas 
sociedades, um desempenho adequado e competente nas diversas 
situações e contextos comunicativos da vida quotidiana. 
 
Palma, Turazza e Nogueira Junior (2008), Lomas (2003) e Grammont 
(2011) acreditam em uma visão de educação linguística que se opõe aos moldes 
tradicionais de ensino da língua materna. Rechaçam o privilégio do conhecimento 
técnico e dos aspectos estruturais da língua e valorizam o conhecimento dos 
recursos comunicativos, ou seja, aqueles que dão condições aos falantes de 
dominar os usos da linguagem não apenas como falantes, mas também como 
ouvintes, leitores e escritores de textos de natureza e intenção diversas. 
 
Gumperz e Hymes (1972: 7, apud LOMAS, 2003: 16) esclarecem que a 
competência comunicativa refere-se à habilidade para agir e que 
 
os analistas da competência comunicativa consideram os falantes 
enquanto membros de uma comunidade, como expoentes de funções 
sociais, e procuram explicarcomo eles usam a linguagem para se auto-
identificarem e levarem a cabo as suas actividades. 
 
Assim, fica claro qual deve ser o eixo da EL. Diferente do ensino de língua 
estrangeira, em que o aprendente deve ser apresentado às estruturas básicas da 
 
40 
 
nova língua a ser alcançada e a expressões diárias de comunicação (requisitos 
que o falante nativo de uma língua domina), o ensino de língua materna deve 
mostrar a adequação de uso da sua própria língua, tanto no aspecto formal como 
no social. O usuário, em comunidade linguística, não aprende todos os recursos 
de como e quando se devem usar determinadas expressões, nem as diversas 
variações que sua língua apresenta. 
É dever da escola, portanto, apresentar aos aprendentes as características 
de situações de comunicação com as quais eles conviverão em sociedade para 
se adequar melhor a elas, apontando suas características, tais como os 
interlocutores, a finalidade, a formalidade e todos os canais: escrita, oral e formas 
não verbais. 
Segundo Michael Breen (1987, apud LOMAS, 2003), uma das 
características mais significativas das perspectivas comunicativas sobre o ensino 
da língua é fazer com que os aprendentes não só adquiram um saber linguístico, 
mas também um saber fazer coisas com palavras. 
Lomas (idem: 18) elenca as competências comunicativas que um falante 
deverá dominar: 
 
a. Competência linguística ou gramatical: (...) o conhecimento da 
gramática dessa língua e das suas variedades; 
b. Competência sociolinguística: (...) o conhecimento das normas 
socioculturais, associada à capacidade de adequação das pessoas 
às características do contexto e da situação de comunicação; 
c. Competência textual: (...) conhecimentos e habilidades para se 
compreender e produzir diversos tipos de textos com coesão e 
coerência; 
d. Competência estratégica: (...) conjunto de recursos para solucionar 
problemas de comunicação, com finalidade de tornar possível a 
negociação do significado entre os interlocutores. 
 
A aquisição da competência comunicativa só será bem sucedida, se for 
trabalhada nas aulas de língua materna, na análise das estratégias verbais e não 
verbais comuns em textos de circulação pública. 
Lomas (op. cit.), ao se dirigir aos professores de língua materna, diz que o 
bom resultado depende de uma mudança de postura em relação às suas aulas, 
ou seja, eles devem refletir cotidianamente se suas ações têm contribuído, de 
 
41 
 
fato, para o desenvolvimento da competência comunicativa de seus aprendentes. 
Ele recomenda que o professor-mediador pense em que medida o conteúdo 
linguístico selecionado e a forma como é abordado colabora para o aprendizado 
das habilidades comunicativas do falar, escutar, ler, entender, escrever, no âmbito 
não apenas escolar, mas social, do estudante. 
Para ficar ainda mais clara a dimensão linguística da EL, como mencionado 
anteriormente, apresentaremos, a seguir, alguns de seus elementos: linguagem, 
língua, norma, variação linguística, gêneros textuais e texto. 
 
 
1.2.1. Dimensão linguística 
 
Uma questão muito importante no ensino da língua materna são os temas 
que guiam o professor em sua prática de sala de aula. Eles são a fundamentação 
teórica que todos devem ter em sua formação e dominá-los para poder ensinar, 
com propriedade, a língua materna e os ricos recursos que ela apresenta. Nesse 
sentido, examinaremos as noções de linguagem, língua, norma, variedade 
linguística, texto e gêneros textuais. 
 
 
1.2.1.1. Linguagem 
 
O conceito de linguagem é tão importante quanto o que se deve ter sobre 
educação, pois é ele que irá direcionar a prática docente nas aulas de língua 
materna, no caso do Brasil, de Língua Portuguesa. 
Existem três visões de linguagem: a primeira concebe-a como expressão 
do pensamento – isso significa que o que se pensa é traduzido em fala. Se o 
sujeito não se expressa “bem”, quer dizer que ele não pensa. Por essa 
perspectiva, vê-se a enunciação como um ato independente das circunstâncias 
que constituem a situação social e que depende apenas do que um indivíduo 
traduz de seu pensamento. 
 
42 
 
A segunda visão entende a linguagem como comunicação, portanto o que 
está em jogo é a mensagem que se quer transmitir a outrem. A língua é vista 
como estrutura – Saussure (2006) a chamaria de langue, vista de acordo com a 
concepção estruturalista da língua, e Chomsky de competência, vista segundo a 
concepção gerativo-transformacional. 
Como lembra Carvalho (2010: 16), atualmente, parece que o ensino da 
Língua Portuguesa, nas escolas brasileiras, tem-se baseado nessa concepção de 
linguagem, pois “grande parte das aulas é dedicada ao ensino da gramática, mais 
especificamente, de nomenclatura gramatical, ou seja, da língua como estrutura, 
um código, sincrônico, homogêneo.” 
Finalmente, a que vê a linguagem como forma ou processo de interação, 
em que a realidade fundamental da língua é o diálogo, no lato sensu. A 
enunciação depende das situações de comunicação, dos interlocutores e do 
efeito de sentido que se quer conseguir. As linhas de pesquisas que trabalham 
com essa perspectiva são todas as que, de alguma forma, estão ligadas à 
Pragmática. É essa a perspectiva adotada pela EL, pois considera a linguagem 
para além da estrutura da língua; a vê como uma construção, que se dá no 
momento da interação. 
 
 
1.2.1.2. Língua, norma e uso (variações linguísticas) 
 
A língua, objeto de estudo da linguística, é um sistema composto por 
palavras que formam frases que, por sua vez, podem formar textos. Dentro de 
cada sistema, há uma possibilidade finita de usos, pois o princípio deles é o de 
comunicação e compreensão mútua entre os integrantes de determinada 
comunidade linguística. 
Em uma visão estruturalista, estuda-se a língua apenas como um sistema 
fechado de possibilidades entre seleções e combinações de palavras que foram 
convencionadas, socialmente, para permitir o exercício da faculdade de 
linguagem. 
 
43 
 
Uma língua viva implica, necessariamente, a ideia de mudança e de 
variação, isso porque, para que tenha esse status, ela precisa ser posta em uso 
por seus usuários, e eles, enquanto estiverem vivos, estão suscetíveis às 
mudanças sociais. Portanto, pode-se concluir que, conforme afirma Leite (2005: 
183), “o uso propicia variações linguísticas”. 
Há aqueles que relutam em aceitar a língua como uma entidade mutável. 
Para eles, existe apenas uma forma de usá-la, e qualquer desvio é considerado 
erro gravíssimo. Existem, porém, inúmeras possibilidades de uso, pois os 
usuários de uma língua são variados e trazem, por meio da fala e da escrita, 
muito de sua identidade. 
Neste trabalho, consideramos a língua como um meio de comunicação 
posto em uso por um grupo social que, com o fim de se fazer compreender 
mutuamente por meio dele, constitui a comunidade linguística. (cf. Leite, 2005). 
As variações linguísticas têm algumas origens: umas provindas do próprio 
falante – referentes à sua origem geográfica e à sua classe social, categorizadas 
de dialeto –, e outras, das circunstâncias em que são faladas, distinguidas pelo 
grau de formalidade que elas exigem – chamadas por Halliday (cf. Leite, 2005) de 
situação de comunicação em que o falante se encontra, categorizadas por 
registros ou níveis de fala. 
Se, por um lado, a língua é considerada um sistema de possibilidades de 
realizações linguísticas, por outro lado, a norma, segundo Coseriu (apud LEITE, 
2005: 186), é “um sistema de realizações obrigadas, de imposições sociais e 
culturais, e varia segundo a comunidade”. As imposições são tacitamente 
determinadas ou instituídas pelos próprios integrantes da comunidade linguística, 
evidenciando a língua como uma instituição social. 
Dentre tantas normas linguísticas coexistentes no Brasil – de acordo com 
cada dialeto, de cada falante da língua portuguesa –, há uma denominada culta, 
que é a linguagem

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