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UM DIA, DAVID NICHOLLS

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#58
Oi pessoal! Este é o Literatura Oral, podcast de leitura comentada e de sugestões literárias. Eu sou Sabrina Siqueira, jornalista com doutorado em literatura.
No último episódio li a minha crônica “Dois Brasis de Caminha”, publicada no site paralelo29.com. Hoje eu trago uma sugestão literária que é um best-seller da literatura inglesa contemporânea: Um dia, de David Nicholls. O romance é de 2010 e foi o vencedor da categoria Livro de ficção mais popular do ano dos Galaxy National Book Awards. Em agosto de 2011 foi lançada uma adaptação cinematográfica homônima feita pelo próprio autor, com Anne Hathaway e Jim Sturgess nos papéis principais. 
Bem nessa época, 2010 e 2011, eu tava passando meu ano de intercâmbio em Dublin, na Irlanda. Inclusive eu ganhei esse livro de um professor de Inglês lá, o livro em Inglês. O professor Colm Hall infelizmente não vai escutar este episódio, porque tá em Português, mas ele é muito gente boa e a gente ainda se fala pelo Facebook. Com certeza eu to pronunciando o nome dele errado, mas tudo bem! E os cartazes do filme, com aquela foto do beijo entre as personagens Emma e Dexter, em Edimburgo, um dia depois da formatura deles, estavam espalhados por toda cidade, chamando pro filme que estava sendo lançado. Eu tinha ido passear em Edimburgo também, durante esse intercâmbio. Então eu tenho as melhores memórias associadas a este livro e à divulgação do filme, que aliás eu já assisti várias vezes e adoro. 
Eu demorei 10 anos entre pegar este livro pra ler, largar pra fazer outra coisa, intercalar com a leitura de dezenas de outros livros, pegar e largar, até que agora na pandemia acabei, e avisei o Colm, que levou 10 anos, mas eu li! Um pouco a demora foi culpa do vocabulário difícil, pelo menos pra mim. Por mais que eu já conhecesse a história do filme, e talvez até por isso, eu quis ler decifrando cada palavra diferente, cada expressão que eu não conhecia. E aí a leitura fica meio pausada mesmo. É uma narrativa bem descritiva, então tem muito adjetivo e advérbio que eu não conhecia. Mas valeu como exercício de aquisição de vocabulário em Inglês. 
Quê? Ninguém mais usa Facebook? Eu uso! Se tá se formando a palavra Cringe na tua cabeça agora... Gente, nem sei o que é isso, mas seja cafona, velha, ultrapassada, to nem aí! Não se apeguem tanto nesses rótulos, porque eles todos passam. 
Eu sei que esse livro é um caso de 8 ou 80, que tem gente que detestou, inclusive o professor que me deu disse que não curtiu, e que tem gente que tem ele como livro da vida. Eu fiquei no meio dos 8 e 80, porque eu gosto pelo tanto de recordação boa que me traz, dos lugares que são cenário da narrativa, Londres, Edimburgo e Paris, cidades que eu adorei poder conhecer. Então eu li com essa emoção das minhas viagens e influenciada pelo filme, porque eu li imaginando a cara dos atores nos protagonistas. 
O romance é sobre um dia, 20 anos e duas pessoas. Um dia, 15 de julho de 1988, dia da formatura de Emma Morley e Dexter Mayhew. Eles passam a se encontrar nos 15 de julho seguintes, ou a pelo menos se falar por telefone, pelos próximos 20 anos. 
David Alan Nicholls nasceu em 1966. É formado em literatura e trabalhou como ator antes de se tornar escritor. Recebeu duas indicações ao BAFTA, que é um prêmio da Academia Britânica pra filme e televisão. 
Um dia inicia com duas epígrafes. O poema Days, que significa “dias”, do inglês Philip Larkin, e um fragmento sobre um dia especial que determina o rumo das nossas vidas, extraído do romance Great Expectations, ou Grandes esperanças, do também inglês Charles Dickens. 
O poema Days é de 1953 e contém a ideia de “a vida é sobre o quê?”, ou “qual a razão da existência?”, e diz assim, numa tradução minha: 
“Para que são os dias?
Dias são onde vivemos.
Eles veem. Eles nos acordam.
Conforme passa o tempo.
Eles são onde ser feliz:
Onde viveríamos senão nos dias?
Ah, para resolver essa questão
Traga o padre e o médico
Nos seus longos casacos
Correndo pelos campos”
E o fragmento de Grandes esperanças diz assim, em tradução minha também: “Tinha um dia memorável para mim, porque fez grandes mudanças em mim. Mas é o mesmo com qualquer vida. Imagine um dia selecionado cortado fora e pense em quão diferente o curso da vida teria sido”. E o romance de David Nicholls concentra as ideias dessas duas epígrafes, de que afinal vivemos nos dias, e de que um determinado dia determina todo o curso da nossa vida. 
VINHETA
O 15 de julho de 1988 foi o dia propulsor de grandes mudanças e definidor do curso da vida de Emma Morley e Dexter Mayhew, no romance Um dia. Eles são ingleses fazendo faculdade em Edimburgo, capital da Escócia. Nunca tinham conversado até o dia da formatura, porque Dexter era do grupo popular e rico, e Emma era do grupo politizado, com intenção de mudar o mundo e pobre. Quer dizer, pobre no padrão inglês de pobreza, nada comparado à pobreza terceiro mundista. Mas na formatura eles ficam e vão pro apartamento de Emma. Vocês sabem que aqui no Literatura Oral tem spoiler, tem o final, tem tudo, né? Eles têm uma noite meio desastrada no quarto apertado de Emma, e no dia seguinte saem pra um passeio. Sobem o Arthur’s Seat, uma colina em Edimburgo, que eu não subi, droga! Mas eu fui no Carlton Hill, outra colina que tem uns monumentos legais, parecendo a Grécia. Então tá bom na minha cota de colinas subidas. Aliás, Edimburgo é uma cidade que requer muito do fôlego da gente, porque tem um monumento no centro, o Scott Monument, que pra chegar no topo tem não sei quantos degraus numa escadinha espiral estreita. Não fui! Tava contente com a vista ali de baixo, oras! Eu tenho 1,50m, gente! To acostumada com a vista de baixo!
Julho é verão e eles aproveitam esse dia ao ar livre. Depois, decidem ir pro apartamento do Dexter, e quando estão chegando, quem também está chegando são os pais dele, vindos de Londres, pra comemorar a formatura com ele. Então Emma não entra, se despede e vai embora. E vai de coração partido, porque eles não tinham nem trocado telefone, e ela sabe que eles não vão se ver de novo. E vai caminhando pra casa e pensando isso. Quando escuta uns passos atrás dela de alguém que vinha correndo. É o Dexter, vindo perguntar o telefone. E é ali que tudo começa. Emma fica tão feliz que diz todos os contatos, até da casa dos pais, do trabalho do pai, tudo. E aí então eles passam a se falar como amigos por anos. 
Só que Emma ficou pra sempre apaixona por Dexter, tendo esperança de que algo mais acontecesse entre eles. E ele tendo mil namoradas, modelos, famosas, curtindo a vida. Eles começam a viver em ritmos diferentes, mas sempre mantendo a amizade. Emma é inteligentíssima, engraçada, e tem dificuldade em achar seu espaço pela classe social a que pertence. Já Dexter é medíocre em tudo que faz, não é bom amigo, nem bom filho, mas sempre consegue boas colocações porque pertence à aristocracia. O livro traz essa crítica de o quanto quem está nos cargos mais altos e ocupando o poder é quem realmente merece ou tem talento para estar lá, e até que ponto muita gente boa fica sem oportunidades. Essa crítica sutil aparece de novo na narrativa quando o amigo do Dexter, Callum, que era um pobretão na faculdade, ascende como empresário e até consegue um emprego pro Dex, que comenta boquiaberto sobre o quanto o colega subiu na vida. Me parece que é uma crítica à estagnação de uma classe aristocrata, certa de que sempre terá poder porque possui patrimônio, sobrenome e contatos, e não se esforça pra ser boa em nada, como é o caso do Dexter, enquanto um pequeno burguês como Callum precisou inovar e iniciar o próprio negócio num nicho que ainda era pouco explorado, o ramo dos sanduíches saudáveis, e acaba invertendo papéis com o colega que ostentava no tempo da faculdade. Quando eu vejo as pessoas criticando muito este livro, eu penso que passaram batido por essas nuances de crítica social que o livro aborda. É o problema de ler muito rápido. 
Enquanto Emma sonha em ser escritora e tem que encarar empregos como garçonete e professora de crianças, Dexter tá curtindoa vida e viajando. Ele começa a trabalhar como apresentador de TV, mesmo não tendo nenhum talento. Emma inicia um relacionamento, mas até o namorado dela sabe que ela preferiria estar com Dexter. E ele nunca a vê como uma possibilidade de relacionamento, somente como amiga. Até que os rumos dos dois dão uma virada, quando eles estão perto dos 30 anos. Ela finalmente escreve um livro infanto-juvenil, que vira sucesso e ela pode ir morar um tempo em Paris. E ele é demitido da TV e se divorcia. Emma ascende na carreira e Dexter despenca como um fracassado de meia idade. Nesse ponto eles ficam juntos. 
Cada capítulo é o 15 de julho de um ano, e vamos acompanhando a vida dos protagonistas a partir desse um dia de cada ano pra saber como eles mudaram, o que estão fazendo. O que eu mais gosto neste romance é o pano de fundo das mudanças sociais desde a década de 1980 até 2006. Enquanto a gente acompanha a história dos desencontros entre Emma e Dexter, a narrativa conta das alterações desse nosso passado recente, como a mudança de primeiros-ministros na Inglaterra e como isso repercutia na política externa, o que a gente fica sabendo a partir das falas da Emma, que é politizada. O surgimento e aperfeiçoamento dos vídeo clipes, na década de 1990. O surgimento do computador pessoal e do celular, e como as pessoas reagiam a essas mudanças. No início do livro, Dexter liga pra Emma de um orelhão, depois ele logo compra um celular e ela resiste, dizendo aquelas coisas que a gente ouvia quando essa tecnologia se tornou popular, que dá câncer, que corrói o cérebro e não sei mais o quê. Por exemplo, o livro menciona bombas detonadas no transporte público em julho de 2005. Esse fato ocorreu mesmo em 3 estações de metrô e em 1 ônibus de Londres, na manhã de 7 de julho de 2005. 56 pessoas morreram e mais de 700 ficaram feridas. Tem também a referência ao aparecimento das redes de comida natural e saudável, com preparos de sanduíches saudáveis. 
Antes de fazer os episódios aqui pro Literatura Oral, eu escrevo as minhas observações no roteiro e depois eu vou pesquisar em artigos, dissertações ou teses pra saber o que os estudiosos da obra disseram e acrescentar o que achei legal da análise deles. Vocês sabem, quem me acompanha, vocês sabem que eu faço isso porque sempre que uso algum trabalho referencio as pessoas. Desta vez, como é uma obra contemporânea que talvez não tenha trabalho acadêmico sobre, eu assisti vídeos de blogueiras que têm canal no youtube. E uma delas cometeu alguns deslizes. Uma coisa de eu ter ficado dez anos entre pega e larga este livro é que eu voltava nas partes já lidas, relia com outra cabeça, mais maturidade, então eu posso dizer que tenho uma leitura bem aprofundada desta obra. E uma menina blogueira dizia que a Emma está satisfeita com sua vida, arrumando trabalhos pra pagar o aluguel e ir vivendo, e que ela não sabia o que queria da vida, além de se confundir e dizer que os protagonistas se conheceram no colégio. Eu discordo dessa colocação sobre a Emma. Pra mim, a palavra que define a personagem Emma é “insatisfação”. E ela sempre soube o que queria da vida. A Emma é um perfil insatisfeito e talvez mais insatisfeito por ter plena clareza do que queria da vida, e querer uns objetivos meio difíceis de alcançar. Emma sempre quis ser escritora, desde a faculdade, e sempre quis o Dexter. E eles não se conheceram no colégio. Eles se conheceram antes do dia 15 de julho de 1988, ao longo dos 4 anos de faculdade, que encerra nesse dia. Só que eles não se falavam. O Dexter via a Emma nos protestos estudantis, via ela super articulada falando sobre política, e ela via ele sendo popular e querendo falar com ele, mas nunca tinha rolado. Nesse dia da formatura eles finalmente se aproximam. Já o Dexter é desde sempre um egocêntrico. Dexter é o oposto de Emma, ele passa a vida sem saber o que quer.
Nesse vídeo especificamente a moça critica o autor não ter dado ênfase ao dia 15 de julho ser o dia de um santo e ser considerado um dia cujas características climáticas determinam o tempo nos próximos 40 dias. Bom, quem já morou nas ilhas britânicas, Irlanda inclusive, sabe que eles dizem isso de que alguns dias do verão ou até do inverno nos dão uma pista de como será o restante da estação, mas isso nunca se confirma e é mais “papo do tempo”, assim pra quebrar gelo, sabe? Então que eu não vejo problema algum do autor não mencionar muito isso na narrativa. Acho que a gente pode gostar ou não das escolhas do autor e cada um de nós é livre pra escrever nosso próprio livro, se rolar outras ideias enquanto estamos lendo. 
Enfim, acho super importante a gente aprender a criticar o que não se gosta sem ser maldosa, sem detonar as pessoas. Até porque é muito fácil detonar o trabalho de alguém e não fazer nada. Eu ando com muita preguiça desse povo que quer crescer em cima de diminuir os outros. Pra elogiar alguém ou pra demonstrar um bom desempenho você não precisa diminuir ninguém, tamo combinado? 
Um dia tem muito de não dito. O leitor tem que preencher muitas lacunas. Porque os capítulos terminam no final dos dias 15 de julho, e o leitor ás vezes pode ficar curioso pra saber o desenrolar da ação daquele dia específico, saber o que aconteceu no dia seguinte. E o próximo capítulo é o dia 15 de julho do ano seguinte. O leitor tem que deduzir o que aconteceu nesse intervalo, de acordo com o que a narrativa fornece para o ano seguinte. Então o leitor assume parte da função narrativa, porque é um espaço grande da história que ele tem que dar conta de resolver. 
David Nicholls recheou a história de referências culturais, como George Orwell, Agatha Christie, Sartre e Simone De Beauvoir, e muitas outras. Isso cria um clima de intimidade com o leitor, nesse partilhar de referências que são emprestadas da vida real e que compõem nosso caldo cultural. Uma outra referência possível de se acionar, embora não seja citada em Um dia, é o romance clássico de James Joyce, Ulisses, que se passa todo em um 16 de junho. Só que a narrativa de Ulisses acontece toda em 1904, e no romance de David Nicholls ele percorre esse mesmo dia em 20 anos. Ele extrai esse dia de cada ano da vida dos protagonistas e faz de cada ano um capítulo. E a narrativa vai passeando por essas 3 cidades lindas, Edimburgo, Londres e Paris. Eu conheci essas cidades e entendo as referências, então pra mim a narrativa cria imagens e diz uma mensagem. Além disso, a minha faixa etária é próxima da dos protagonistas, eu era criança em 1988, de forma que eu teria uns 10 anos a menos que eles. Eu assisti as transformações do mundo como as personagens desse livro assistiram. Quer dizer, mais ou menos, porque eles viram de uma perspectiva europeia, e eu tava no interior do RS. E to ainda! Talvez pra algumas das pessoas que não gostaram deste livro a questão seja que pra elas a narrativa não diga tanto, não dialogue da mesma maneira. Cada livro será um livro diferente pra cada leitor, de acordo com a bagagem cultural, com as vivências de cada um. 
Então neste episódio eu deixo Um dia, do David Nicholls, como sugestão literária pra vocês. É uma história que me deixa triste, porque me remete a tempo desperdiçado, que é o tempo em que o Dexter tava vivendo loucamente e não tava aproveitando pra ser feliz com a Emma, e pelo final, que é triste, e que eu resisti e não comentei aqui. Mas é uma história que nos remete à finitude da vida. A narrativa cita o tempo todo aquela expressão latina carpe diem, e é isso, não deixe pra amanhã o que pode ser feito hoje, aproveite o dia. Mas mesmo triste vale a leitura. Vai lá e descobre se pra ti essa história diz alguma coisa. 
Por hoje eu fico por aqui. Sigam se cuidando. No próximo episódio do Literatura Oral eu volto com alguma leitura comentada ou com sugestão literária. Um abraço!

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