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Os impactos de maio de 1968 e as demandas contemporâneas MOVIMENTOS REIVINDICATIVOS A década de 1960 é conhecida como a década dos movimentos sociais, e, especificamente, o ano de 1968 é chamado de “o ano que não acabou”, por conta da efervescência social vivenciada no período e do legado deixado para as gerações futuras. A partir da década de 1960, em muitos países ocidentais, ocorreram inúmeras manifestações sociais de diversas ordens. Países como França, Estados Unidos, Reino Unido e até Brasil vivenciaram a eclosão de mobilizações estudantis, do movimento feminista, do movimento pacificista, do movimento por direitos civis e do movimento negro focado na igualdade racial, todos contra uma sociedade conservadora, retrógrada e fechada para a liberdade e a autonomia das pessoas. Era o contexto da Guerra Fria, em que se via a escalada da corrida armamentista e a eclosão da Guerra do Vietnã. Os impactos dos movimentos sociais desse período foram notórios para diversos tipos de ativismos existentes no mundo contemporâneo. MAIO DE 1968 Em 1968, o mundo foi alterado de forma indelével. A França foi a matriz do movimento: as escolas francesas educavam as crianças com imensa rigidez, as mulheres eram socialmente condicionadas a solicitar autorização aos maridos para expressarem uma opinião ou abrir uma conta bancária, e, se não fossem casadas, não tinham direito a uma coisa nem outra, a segregação racial era evidente, e a homossexualidade era diagnosticada como doença. Diante dessas situações, em maio daquele ano, durante trinta dias, estudantes universitários criaram barricadas, formando verdadeiras trincheiras de guerra nas ruas de Paris para confrontar a polícia e lutar pelas alterações daqueles padrões. O Maio de 1968 mudou profundamente as relações raciais, geracionais e de gênero na França. Então esse movimento influenciou o restante da Europa e acabou por repercutir direta e indiretamente em todo o mundo. Por isso, os anos seguintes, décadas de 1970 até 1990, foram decisivos e permitiram a consolidação de movimentos ecológicos, antinucleares, pela paz e pelos direitos das mulheres, os quais, dependendo do grau de interlocução que atingiram com os respectivos governos, alcançaram o reconhecimento formal de suas causas e a expansão do repertório de direitos sociais. FEMINISMO O feminismo, que, desde fins do século XVIII, lutava pela emancipação da mulher, por sua entrada no mercado de trabalho e pelo direito ao voto, consolidou-se na segunda metade do século XX. Houve importantes conquistas em alguns daqueles termos, mas as mulheres ainda eram consideradas inferiores aos homens. Por isso, a invenção da pílula anticoncepcional oral foi apropriada pelo movimento feminista para separar sexo e reprodução, garantindo às mulheres melhores condições de se manterem no mercado de trabalho e possuírem maior controle sobre seus corpos e afetividades. Atualmente, o movimento feminista, entre muitas pautas, tem sua atenção voltada, de acordo com a especificidade de cada local, para uma liberalização sexual maior e para a erradicação da violência física e moral. No mercado de trabalho, defende a adequação à dupla jornada (dona de casa e mãe após o expediente), o recebimento de um salário igual ao dos homens pelo mesmo trabalho executado e o fim dos assédios sexuais. Defende, também, a liberdade quanto ao controle de natalidade, com a legalização do aborto, além de maior e mais intensa participação na vida política. É importante ressaltar que o feminismo acredita na equidade entre os gêneros e não na superioridade das mulheres sobre os homens, como equivocadamente pode ser interpretado. As pautas feministas são múltiplas, já que, dentro de grupos femininos, há realidades e vivências completamente diferentes, entre mulheres negras, indígenas e brancas. MOVIMENTO LGBTQIA+ O movimento LGBTQIA+ constrói manifestações políticas, sociais e culturais na busca pelo respeito à diversidade de gênero e orientação sexual. Esse movimento possui um histórico de luta que começou com a sigla GLS, depois migrou para GLBT, LGBT e atualmente se identifica como LGBTQIA+. As letras representam lésbicas, gays, bissexuais, transexuais ou transgêneros e travestis, queer, intersexo, assexuais, além do +, que abarca as diversas possibilidades de orientação sexual e/ou de identidade de gênero. O movimento nasceu da necessidade de lutar pelo reconhecimento de direitos civis para essa população. Por muito tempo, a homossexualidade não apenas era considerada condição médica como era criminalizada. Atualmente, o movimento LGBTQIA+ se mobiliza pelo direito à afetividade, pelo fim da LGBTfobia e pela igualdade de direitos básicos, tal como assegurado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. O casamento é um desses direitos civis exigidos pelo movimento e que, apesar de já ter sido alcançado em vários países, como Canadá, Holanda e Brasil, na maioria deles continua não sendo legalizado. Apesar do enfrentamento duro com os setores conservadores e com alguns grupos religiosos, em algumas unidades da federação nos Estados Unidos e na Argentina há o reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo. Já no Brasil, foi reconhecida a união estável homoafetiva em 2011, por decisão do STF, assegurando direitos como pensão e herança, e, em 13 de junho de 2019, o STF determinou que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passe a ser considerada crime – mais uma conquista de direitos do movimento LGBTQIA+. MOVIMENTOS SOCIAIS POLÍTICOS Conforme explica o sociólogo Emir Sade, esses movimentos sociais não substituem os partidos, tampouco as vias tradicionais para a representação política, mas são importantes quando o que está estabelecido torna-se incapaz de abranger todos os aspectos da realidade social. DIRETAS JÁ! Nas décadas de 1970 e 1980, os movimentos sociais denunciavam o crítico distanciamento existente entre as demandas da sociedade e o tipo de sistema político vigente no Brasil, devido à grande mobilização de estudantes, artistas e políticos. Os setores mais conservadores – elite econômica, parte da Igreja, partidos governistas e associações de mulheres – legitimavam a ordem estabelecida pelo governo militar. Nesse período, o movimento pelas Diretas Já representava um anseio profundo por participação política (aspiração democrática), represada por anos de opressão, e uma crescente insatisfação com o governo, ampliada pela crise econômica que tomou o país no início dos anos 1980. Em novembro de 1983, um primeiro comício reivindicara eleições diretas para presidente da República e apoio público à emenda constitucional Dante de Oliveira, que propunha eleição direta. Em seguida, o povo tomou as ruas. Como a mobilização das Diretas Já se concentrava nos grandes centros urbanos, o governo militar acionou políticos das áreas rurais – mais deslocados do movimento – para votar a questão. Assim, em 25 de abril de 1984, a emenda Dante de Oliveira recebeu 298 votos a favor e 65 contra, mas não alcançou os dois terços necessários para mudar a Constituição. Os brasileiros só puderam votar diretamente para presidente da República em 1989. OS CARAS-PINTADAS Na década de 1990, porém, a parcela da população brasileira que tomou as ruas foi bem-sucedida. Houve uma intensa mobilização da sociedade contra o presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992), o primeiro eleito pelo voto direto após quase 30 anos de ditadura. Ele foi acusado de corrupção, improbidade administrativa e utilização de dinheiro público. O resultado foi seu impeachment, fato até então inédito na história brasileira. A juventude que pintava o rosto em protesto deu nome ao movimento: os Caras-Pintadas. Anos mais tarde, Collor foi absolvido das acusaçõesde corrupção. Mesmo assim, são notórias a grandeza e a necessidade de mobilização social. O MST Outro exemplo importante de movimento social brasileiro de cunho político é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. As estratégias de ocupação de áreas predestinadas para a reforma agrária e de terras improdutivas garantiram ao movimento grande visibilidade e muitas conquistas para suas causas. Ele é formado a partir de vários pequenos grupos regionais que constituem um movimento político e social nacional que marcha e acampa pelo Brasil na luta em favor da reforma agrária. Originou-se em oposição ao modelo de reforma agrária imposto pela Ditadura Civil-Militar nos anos 1970, que priorizava a colonização de terras devolutas em regiões remotas, com o objetivo de exportação de excedentes populacionais e integração estratégica. Contrariamente a esse modelo, o MST busca fundamentalmente a redistribuição das terras improdutivas. Por tudo isso, é importante salientar que os movimentos sociais representam a dinâmica das sociedades por constantes mudanças, que podem ser lentas ou rápidas, de acordo com o grau de organização da sociedade, do contexto no qual está inserido o movimento e de toda a sua capacidade de mobilização de forças.
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